Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02120/14.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ADMINISTRADOR JUDICIAL; ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES; ESTATUTO DE APOSENTAÇÃO;
Sumário:1 - O exercício de funções dos Administradores Judiciais integra-se no conceito abrangente decorrente do artigo 78º n.º 3 do Estatuto da Aposentação, não podendo ser considerada um atividade privada, enquanto apta à satisfação de interesses privados. Está em causa no exercício desta atividade um interesse público que se pretende acautelar e que foi regulado de forma clara e com esse objetivo.
2 - As funções dos Administradores Judiciais inserem-se no âmbito da atividade pública necessária à administração da justiça, sendo que os mesmos estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina de pessoa coletiva pública que funciona sob a tutela do Ministério da Justiça, atualmente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), prevista na Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro (cfr. art.º 2.º), entidade que sucedeu à Comissão da Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores da Insolvência (CACAAI), então prevista Lei 32/2004, de 22 de julho.
3 - São assim aplicáveis aos Administradores Judiciais aposentados, os artigos 78º e 79º do Estatuto de Aposentação, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro.
4 – Assim, as funções exercidas pelos Administradores Judiciais sendo consideradas funções públicas remuneradas, não podem ser cumuladas com o seu estatuto de aposentação, em face do que o interessado sempre terá de optar entre a pensão de aposentação ou a remuneração resultante da sua atividade de Administrador Judicial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AJRF
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
AJRF, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra a Caixa Geral de Aposentações, tendente, em síntese, a obter a nulidade ou a anulação da decisão de 04/07/2014 que ordenou o reembolso das pensões das pensões que o Autor recebeu nos anos de 2011 e 2012 e que reconheça o seu direito a receber cumulativamente a pensão de aposentação e a remuneração paga pelos serviços prestados na qualidade de administrador judicial, inconformado com o Acórdão proferido em 27 de janeiro de 2016, através do qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/AJRF nas suas alegações de recurso, apresentadas em 20 de abril de 2016, as seguintes conclusões:

“1. A audiência prévia do Autor, da decisão da Caixa Geral de Aposentações na aplicação ao caso concreto dos autos das alterações ao artigo 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, com a alteração da sua redação de 2010 a entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2011, é um direito fundamental do Autor por imperativo constitucional e legal (artigo 267° da Constituição da República, 100° a 104° do CPA então em vigor, bem como o artigo 8°);

2. Mais a mais que essa alteração resulta para o Autor na restrição de seus direitos já anteriormente adquiridos, desde 1998;

3. Acresce que a própria Caixa Geral de Aposentações tinha e terá dúvidas sobre a sua aplicação ao Autor;

4. A Caixa Geral de Aposentações não analisou a resposta dada pelo Autor de que não era funcionário do IGFEJ e tão só exercia, desde 1998, as funções de administrador judicial;

5. O processo administrativo não tem qualquer despacho ou análise sobre a resposta do Autor;

6. Sempre o ato em recurso deve ser considerado nulo pela não observância da Lei, normativos citados, ou anulado, para que a CGA proceda em conformidade com a Lei, realizando a audição prévia e considerando o direito de participação do Autor na decisão; Isto posto,

7. A douta sentença recorrida não se pronunciou sobre factos alegados e com interesse para uma boa decisão do litígio, restringindo de forma demasiado sintética os factos considerados provados violando, assim, o disposto no artigo 607° n.° 4 do CPC.;

8. Desde logo há um erro manifesto no facto n.° 2 (III 2) da douta sentença, pois a pensão recebida pelo Autor, como sua reforma, não lhe é paga pela Caixa Nacional de Pensões, mas sim pela Caixa Geral de Aposentações, como foi alegado e demonstrado;

9. Ao não ser considerado errado, sempre, então, teria de ser dada razão ao Autor no seu pedido, pois, assim, não estava abrangido pelas restrições da nova redação do E.A. (citado Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro);

10. É essencial à boa decisão da causa os factos alegados, pelo menos, nos n.°s 32 e 36 da petição inicial e que, com a devida vénia, assim sintetizamos:

10.1 A reforma paga ao Autor resulta da acumulação do seu trabalho e descontos para a Segurança Social que acumulou com o período de trabalho que efetivou nos CTT - Correios de Portugal, S.A. e que consolidou no Fundo de Pensões dessa sociedade.

10.2 Esse Fundo de Pensões foi extinto em 8 de Outubro de 2003 pelo Decreto-Lei n.° 246/2003 e seu património e responsabilidades transferidos para a Caixa Geral de Aposentações.

10.3 Á data da extinção desse Fundo, já o Autor estava inscrito na Lista Distrital do Porto (Tribunal da Relação do Porto), prevista no Decreto-Lei n.° 254/93, de 15 de Junho, como Gestor Liquidatário Judicial.

10.4 Essa inscrição do Autor ocorreu no ano de 1998, como se verifica pelo aviso n.° 204/99, 2°. Série, do Diário da República de 8-01-1999. Assim,

11. As alterações introduzidas no artigo 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, pelo Decreto-Lei n.° 137/2010 de 28 de Dezembro, são restritivas, pois diminuem os direitos dos sujeitos abrangidos, nomeadamente o Autor, pois, a data da sua publicação e entrada em vigor havia consolidado, legalmente, no seu direito ao trabalho e remuneração a atividade de liquidatário (administrador) judicial em acumulação com a sua pensão de reformado dos CTT, S.A.;

12. A douta sentença em recurso não tem em consideração essa característica restritiva da referida alteração legal, que não pode ter efeitos retroativos e que terá, na sua aplicação de respeitar os comandos dos n.°s 2 e 3 do artigo 18 da C.R.;

13. Essa lei afeta o direito do Autor ao trabalho e consequente remuneração, direitos constitucionalmente afirmados e afeta o princípio da boa-fé e confiança, desde logo consignado no artigo 2 da C.R., porquanto o Autor havia decidido e colaborando na sua reforma antecipada, pois, com os seus conhecimentos técnicos - economista auditor - poderia inscrever-se como liquidatário judicial e complementar a sua pensão de reforma com remunerações derivadas dessa atividade;

14. O direito ao trabalho (artigo 58° da CR) e o direito à remuneração (artigo 59° da CR), situações adquiridas pelo Autor desde aquela sua inscrição (1998) como liquidatário judicial, não podem ser restringidas pelas alterações posteriores, doze anos mais tarde, do Estatuto de Aposentação, "devendo essas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos";

15. Na doutrina exarada e com uniformidade de Jurisprudência do Tribunal Constitucional, acórdão n.° 3/2016 (subvenções dos Deputados da Assembleia da República) ocorre, aqui, no caso "sub judice" clara e inequívoca violação de situação de confiança, constitucionalmente tutelada;

16. O Autor já muitos anos antes da alteração restritiva do artigo 78° e 79° do EA (2011), exercia funções de administrador judicial, observando todos os procedimentos regulamentares, decidiu a sua reforma num plano de reestruturação dos CTT e estimulado pelos seus dirigentes, em processo de preparação da sua cisão e consequente privatização, ainda em condições de poder trabalhar e no exercício desse direito inscrever-se como liquidatário (administrador) judicial, optando por esta atividade com base no regime do quadro jurídico existente e, até, publicamente estimulado;

17. Nem o invocado argumento de redução de despesa pública, interesse coletivo relevante, poderá aqui ser invocado em desfavor dos interesses justos e legais do Autor, porquanto sempre a sua função de administrador judicial seria desempenhado por qualquer outro seu Colega constante na Lista, eventualmente reformado com pensão paga pela Caixa Nacional de Pensões, com remuneração em conformidade com o Regulamento das Custas Judiciais e do CIRE e com procedimento do IGFEJ;

18. A admitir-se a tese, que não se aceita, dos CTT serem uma empresa pública e de ser o Estado a entidade remuneradora do Autor, como gestor judicial, sempre resultaria numa clara violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13° CR) porquanto as referidas restrições só atingiram os administradores judiciais ou, até, peritos judiciais, que estiveram já inscritos (caso do Autor) e não, genericamente, todos os reformados e pensionistas, isto é, com pensões pagas pela Caixa Nacional de Pensões;

19. O Autor viu concedida a sua reforma dos CTT, Correios de Portugal, S.A. em 1998, sendo, então, essa empresa uma sociedade anónima de direito privado, tendo consolidado no seu Fundo de Pensões, próprio, todos os descontos e tempo de trabalho prestado a outras entidades privadas, como trabalhador dependente e com contrato individual de trabalho;

20. O Fundo de Pensões dos CTT, Correios de Portugal, S.A. só foi extinto em 2003, cinco anos após a reforma do Autor e já então este estava inscrito e a exercer funções de liquidatário judicial;

21.O Autor obteve a sua reforma antecipada num quadro de reestruturação dos CTT, Correios de Portugal, S.A. e incentivado pela própria estrutura dirigente, num ambiente de preparação da sua futura privatização com cedência do seu capital a privados;

22. As funções de liquidatário ou administrador judicial, com interesse público, não são funções públicas, não são desempenhadas por funcionários públicos nem são remuneradas com vencimento do Estado, são desempenhadas por meros colaboradores da justiça, e remuneradas pelas partes e excecionalmente dada a lei do acesso ao direito (apoio judiciário) através do IGEFJ, mas sem qualquer dependência do Orçamento do Estado; Tanto assim,

23. O Estatuto dos Administradores Judiciais (artigo 12) permite-lhes continuarem, após os 70 anos, a exercerem a sua atividade e a própria inscrição não os investe na qualidade de agente e garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado (artigo 6°, n.° 5 do Estatuto);

24. Considerando o direito do Autor e o princípio da confiança já afirmado, com tutela constitucional, o carácter restritivo da alteração do EA, sub judice, as próprias dúvidas da CGA, só com a definição judicial deste caso concreto é que poderá ser aplicada ao Autor o comando do artigo 79° do EA, isto é, só após decisão judicial transitada é que o Autor poderá ser convencido de estar abrangido por essa disposição limitativa de seus direitos;
Nestes termos,

25. Por violação das disposições legais citadas e não devidamente aplicadas pelo Juízo "a quo", deve ser revogada a douta sentença e julgada procedente a ação conforme o pedido do Autor, Assim sendo feita JUSTIÇA.”

A aqui Recorrida/CGA veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 15 de junho de 2016, concluindo:
“1.ª No entendimento da CGA, o presente recurso não merece provimento, tendo a decisão recorrida concluído, e bem, que o exercício de funções de um aposentado como Administrador de Insolvência consubstancia o exercício de funções públicas para efeitos dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro.

2.ª Quanto aos vícios de ordem formal invocados pelo Recorrente – no caso a ausência de audiência prévia – face ao novo procedimento administrativo e à tutela jurisdicional efetiva que os tribunais detêm, designadamente, mediante a condenação da administração à prática do ato legalmente devido, tem um caráter meramente incidental – cfr. artigo 2.º do CPTA, sendo ainda de salientar que, como foi expressamente comunicado ao A. no ofício da CGA que o mesmo junta como Doc. 1, estamos perante uma situação que se enquadra no artigo 103.º, nº 2, alínea a), do CPA, não havendo lugar, neste caso a audiência prévia.

3.ª Sobre a questão de fundo, a situação dos administradores judiciais é, como também considerou o Tribunal a quo, semelhante à dos peritos avaliadores, cujas decisões judiciais foram invocadas pela CGA nestes autos: Apenas podem ser nomeados peritos integrados em listas oficiais (art.º 2.º DL 125/2002, de 10/5) – o mesmo se passando com os administradores judiciais – e salvo uma rara exceção prevista no art.º 53.º do CIRE, apenas podem ser nomeados administradores judiciais aqueles que constem das listas oficiais (art.º 13.º Lei 22/2013, de 26/2)

4.ª Acresce que as funções de Administrador de Insolvência inserem-se no âmbito da atividade pública necessária à administração da justiça, sendo que os Administradores de Insolvência estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina de uma pessoa coletiva pública que funciona sob a tutela do Ministério da Justiça, atualmente a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), prevista na Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro (cfr. art.º 2.º), entidade que substituiu a Comissão da Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores da Insolvência (CACAAI), então prevista Lei 32/2004, de 22 de julho.

5.ª O próprio acesso à atividade e recrutamento é, nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 22/2013 de 26 de fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), regulamentado pela “...entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais...” (atualmente a supra referida CAAJ), sendo que, nos termos do disposto no artigo 11.º daquele Estatuto, os administradores judiciais gozam do direito a possuir documento de identificação profissional emitido pelo Ministério da Justiça, que atesta a qualidade de administrador judicial.

6.ª Na grande maioria das situações, o encargo com o pagamento ao administrador judicial cabe integralmente ao Estado, por via do IGFEJ, IP como sucede sempre que a massa insolvente seja insuficiente ou inexistente.

7.ª Se se o Estado, em sentido amplo, tem que pagar a um aposentado, para além da pensão, a remuneração devida pelo exercício da atividade de Administrador Judicial, então há um acréscimo da despesa pública face à obrigação de pagar apenas uma ou outra. Pelo que, não pode considerar-se esta situação excluída do âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do EA.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente e confirmada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por despacho de 14 de setembro de 2016 (Cfr. fls. 168 e 168v Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 30 de setembro de 2016, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Há que apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, consubstanciadas predominantemente num conjunto de discordâncias face à sentença proferida em 1ª instância, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“1. O Autor desde 01.07.1983 a 02.06.1998, exerceu as funções de Economista Especialista de Auditoria junto dos CTT, Correios de Portugal S.A. (ponto 32.º da PI e doc. de fls. 24 do p.f.).

2. Desde 01.10.1998 o Autor recebe uma pensão de aposentação do Centro Nacional de Pensões (ponto 32.º da PI e doc. de fls. 24 do p.f.) (Corrigida infra).

3. O Autor recebeu uma comunicação da Caixa Geral de Aposentações, datada de 13.03.2014 cujo assunto é “Novo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão”, com o seguinte teor (doc. de fls. 19 do p.f.):
“A Caixa Geral de Aposentações (CGA) tomou conhecimento de que V. Exa. Exerceu funções no IGFEJ, o que configura uma situação de acumulação prevista no artigos 78.º do Estatuto da Aposentação (EA), impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79.º do mesmo Estatuto dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a 1 de janeiro de 2011.
Ora, dado que esta Caixa não recebeu, até à presente data, qualquer comunicação sobre o assunto, e não podendo deixar de dar cumprimento à lei, informo V. Exa. De que, até que efetue aquela opção ou preste a devida informação, a pensão que está a ser abonada ficará suspensa, a partir do próximo mês de abril, sem prejuízo da regularização do passado”.

4. O Autor recebeu uma comunicação da Caixa Geral de Aposentações, datada de 22.07.2014 cujo assunto é “Novo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão. Reposição à CGA”, com o seguinte teor (doc. de fls. 16 do p.f.):
“A Caixa Geral de Aposentações (CGA) perfilha o entendimento que a perceção de remuneração paga pelo IGFEJ - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011.
(…) face à omissão, por parte de V. Exa., de opção expressa por qual das prestações pretende abdicar(…) informo (…) por decisão de 04.07.2014 da Direção da CGA (…) urge promover o reembolso das pensões que recebeu nos anos de 2011 e 2012, no montante de € 53.907,10, para o que se junta a correspondente guia (…).
Considerando que V. Exa. Já se pronunciou sobre a referida questão pela carta de 2014-03-13, não há lugar à audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 103/02/A do CPA (…)”.

5. O Autor presta serviços para os tribunais, como perito e administrador judicial (ponto 17.º PI).

6. Os serviços referidos em 5 são pagos pelo Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça (ponto 17.º da PI).

7. Em 09.09.2014 foi remetida a petição inicial da presente ação a este Tribunal (doc. de fls. 16 do p.f.).”

Nos termos do nº 1 do Artº 662º CPC, e tal como suscitado pelo Recorrente, corrige-se o teor do Artº 2º dos factos provados nos seguintes termos:
2. Desde 01.10.1998 o Autor recebe uma pensão de aposentação da Caixa Geral de Aposentações (ponto 32.º da PI e doc. de fls. 24 do p.f.)”.

IV – Do Direito
Vem interposto recurso jurisdicional da Sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 2016-01-27, que julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial instaurada pelo Autor AJRF, contra a Caixa Geral de Aposentações.
Em síntese, o que importa verificar nos presentes Autos, é se, independentemente dos seus contornos, o exercício de funções de um aposentado como Administrador Judicial se insere, ou não, no exercício de funções públicas para efeitos dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro.
Diga-se desde já que que o discurso jurídico fundamentador constante da decisão de 1ª instância se mostra suficiente e adequado ao fim em vista, não merecedor de censura, pela sua completude e rigor.
Em qualquer caso, não deixará de se analisar a sucessão de questões suscitadas no Recurso jurisdicional apresentado.
No que concerne à não realização de Audiência prévia, a mesma foi expressamente dispensada por ofício da CGA que contém o ato objeto de impugnação, nos termos do artigo 103.º, nº 2, alínea a), do CPA, atenta a circunstância do então Autor já se ter preteritamente pronunciado face à controvertida questão por carta de 2014-03-13.
Aliás, sintomática e esclarecidamente, refere-se a este respeito na decisão recorrida, cujo teor se acompanha:
“O autor alega não ter existido concretização da audição do interessado anteriormente à decisão na medida em que, a comunicação remetida em 13.03.2014, não integrava aquela que veio a constituir a efetiva motivação da decisão projetada, porque se referia a “funções no IGFEJ”, o que não é o mesmo que dizer funções de administrador ou perito judicial.
A Entidade Demandada defende que o Autor percecionou a natureza e alcance da decisão que viria ser tomada quando recebeu a comunicação de 13.03.2014, pelo que foi legal a dispensa de audiência porque o interessado já tinha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a questão.
Vejamos:
No artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe-se a vinculação da atividade administrativa à participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito, o que confere aos cidadãos a garantia dessa mesma participação, através da intervenção no processo de formação do ato. Note-se, todavia, que esta imposição, não surge com operacionalidade prático-jurídica relativamente a dado sujeito, mas apenas como garantia dependente de intermediação e densificação (neste sentido, veja-se o Acórdão do TC n.º 594/2008, de 10.12.2008).
No âmbito da atividade administrativa, o imperativo decorrente do n.º 5 do artigo 267.º, foi concretizado no art.º 100.º do CPA de 1991 (atual artigo 121.º), onde se estabelece o direito de audiência antes da tomada da decisão final, a ser exercido mediante prévia informação sobre o sentido provável desta.
Por sua vez, importa ainda atender, face ao teor da decisão aqui reclamada, que o artigo 103.º, n.º 2, alínea a) do CPA de 1991, ao abrigo do qual foi praticado o ato, que a audiência pode ser dispensada quando os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre a questão que importe à decisão.
Revertendo para a situação concreta destes autos, da conjugação dos factos assentes resulta encontrar-se demonstrado que o Autor foi notificado por ofício de 13.03.2014, de que a Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento do exercício de funções no IGFEJ, configurando uma situação de acumulação prevista no artigos 78.º do Estatuto da Aposentação (EA), impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79.º do mesmo Estatuto dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a 1 de janeiro de 2011. E, não tendo a Caixa recebido, até à data, comunicação sobre o assunto, informou o Autor de que a pensão iria ser suspensa até que fosse efetuada aquela opção ou prestada a devida informação, sem prejuízo da regularização do passado (factos 3 e 4 do probatório).
Ora, é certo que a expressão “funções no IGFEJ” não é equivalente a funções remuneradas pelo IGFEJ, no entanto, atendendo a que foi referido o quadro legal, designadamente o preceito do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, apesar de alguma imprecisão, considera-se que o Autor pôde percecionar que, atenta a proibição de cumulação do pagamento de pensões e remunerações, deveria optar entre a suspensão do pagamento da pensão de aposentação ou do pagamento da remuneração (paga pelo IGFEJ, subentende-se).
Não obstante, ainda que assim não se considerasse, admitindo a circunstância de o Autor, eventualmente, poder ter sido induzido em erro pela referida expressão, não se impunha a anulação do ato na medida em que a audiência prévia não assume a natureza de direito fundamental.
Com efeito, sendo manifesto que tal ato só podia, em abstrato, ter o conteúdo que teve no caso concreto e que o exercício de tal direito não relevaria, por ser seguro que o exercício do direito em causa por parte do Autor não teria qualquer relevância na estruturação da liquidação ora impugnada, pode concluir-se que o exercício do direito de audiência prévia integra uma formalidade legal que se degrada em irregularidade irrelevante, assim se impondo a manutenção da decisão impugnada na ordem jurídica, em obediência ao princípio do aproveitamento do ato administrativo (neste sentido os acórdão do STA de 10.05.2006 e de no processo 1035/04, de 30.10.2002, no processo 780/02 e Acórdão do Pleno da SCT em Aresto de 22.01.2014, processo 0441/13).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a seguir a orientação de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato a que respeitam, uma vez que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais, se essa audiência não tiver a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, impondo-se, então, o aproveitamento do ato - utile per inutile non viciatur.”
Já quanto à invocada Inconstitucionalidade do Artº 6º do DL nº 137/2010 que alterou os referenciados Artº 78º e 79º do EA, e relativamente à sua suposta inaplicabilidade à situação do Recorrente, diga-se desde logo que mal se compreende a argumentação aduzida, quando afirma que aquando da sua aposentação, em 1 de outubro de 1998, “já os CTT eram uma empresa de direito privado”, para mais à frente concluir que a privatização dos CTT se concretizou apenas em 5 de dezembro de 2013. A pedra-de-toque está no facto dos CTT terem sido precedentemente uma Sociedade de capitais públicos, o que faz toda a diferença, pois que se mostrava ainda inserida no setor público.
Assim, quando o Recorrente se aposentou, os CTT eram ainda uma sociedade de Capitais Públicos.
Não se alcança pois em que medida se verificará a invocada inconstitucionalidade, sendo que a sujeição do Recorrente ao regime ao Estatuto de Aposentação e consequentemente aos seus artigos 78º e 79º foi a consequência natural e imediata da integração do Fundo de Pensões dos CTT na CGA, cuja inconstitucionalidade não foi suscitada e muito menos declarada.
Ainda assim, mais importaria que o Recorrente se não tivesse limitado a invocar a verificação em abstrato de uma inconstitucionalidade, importando que a sua verificação tivesse sido densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “(…) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, por tudo quanto se expendeu, não se reconhece a invocada inconstitucionalidade.
Relativamente à invocada violação do princípio da proteção e da confiança, aduz ainda o Recorrente que a decisão recorrida não se terá pronunciado sobre os nºs 8, 9, 17, 18, 19, 22, 33, 34, 36, 37, 38, 51, 52, e 53 da petição inicial.
Refira-se desde já que o tribunal tem a obrigação de se pronunciar face a todas as questões que lhe sejam colocadas, não tendo, no entanto, que contraditar todos e cada um dos argumentos aduzidos. Não se reconhecendo que o tribunal a quo tenha deixado de se pronunciar face a todos os problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide, o facto de não ter emitido pronúncia face a cada um dos argumentos aduzidos não determina a invalidade do decidido.
Em qualquer caso, a decisão de 1ª instância, também face a este aspeto, foi clara na sua pronúncia, em face do que se transcreverá o correspondente segmento, cujo teor se acompanha:
“Prosseguindo, agora com a apreciação da invocada violação da proteção da confiança que se traduz na incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
A aplicação do princípio da confiança deve partir da definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a uma ponderação entre os interesses particulares afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto, do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional (Neste sentido o Acórdão 396/2011 do Plenário do Tribunal Constitucional, no processo 72/11, que analisa a constitucionalidade de determinadas normas do OE para 2011).
Seguindo a fundamentação do Tribunal Constitucional em diversas decisões, a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma alteração da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não possam contar e ainda, quando esta não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (segundo o princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Assim, refere o Tribunal Constitucional, os dois critérios completam-se, como é, de resto sugerido pelo regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição.
A ideia transposta para o Acórdão do Tribunal Constitucional (n.º 396/2011) havia já sido adotada no acórdão n.º 303/90, proferido a respeito da questão de saber se a diminuição no montante do vencimento de uma certa categoria de funcionários afetaria o princípio da proteção da confiança, o qual, com o devido respeito, se cita:
“A questão residirá, assim, em saber se aquela afetação se reveste de jeito inadmissível, arbitrário ou excessivamente oneroso, sendo que o primeiro daqueles modos - a inadmissibilidade -, se é implicante de uma mudança na ordem jurídica, com repercussão nas situações de facto já alcançadas, com a qual, razoável e normalmente, os cidadãos destinatários das normas pré-existentes e das que operaram a modificação, não podiam e deviam contar, terá também de ser completado com a circunstância de a mutação normativa afetadora das expectativas não ter sido imposta por prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afetados, se postem em grau tal que lhes confira prevalência, pois, se não se postarem, haverá, então, falta de proporcionalidade e, logo, uma forma de arbítrio (veja-se, sobre o ponto, o Acórdão n.º 287/90)”.
Finalmente, atendendo a que o Autor também alega a sua violação, o princípio legal da boa-fé impõe que, no exercício da atividade administrativa e, em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé [artigos 266.º da CRP e 6.º-A do CPA (atual 10.º)].
Devem, assim, ser ponderados os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial a confiança suscitada na contraparte através de determinada atuação e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.
Regressando agora ao caso sob apreciação, o Autor afirma que foi violado o princípio da confiança e boa-fé, na medida em que decidiu pela reforma antecipada por lhe assistir a possibilidade de se inscrever na lista oficial de gestores e liquidatários judiciais, como fez, para assim prestar os serviços em causa e receber a correspondente remuneração.
Pelo que, conclui o Autor, a limitação ou impedimento do recebimento da remuneração pelo exercício dessa atividade efetuada pela aplicação do disposto no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação viola o princípio da confiança e boa-fé.
Ora, é certo que o ser humano carece, para além de liberdade, de segurança para poder planificar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida. Daí que a efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos (neste sentido, Acórdão do STA de 09.07.2014. no processo 02561/13).
Não obstante, por vezes, a alteração normativa que afeta as expetativas dos cidadãos pode ser imposta atenta a prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afetados, estes se mostrem prevalentes.
Nos termos melhor expressados na jurisprudência do Tribunal Constitucional atrás referida, com as necessárias adaptações, entende-se que a expectativa de cumular os montantes remuneratórios pelo exercício das funções de perito judicial e de administrador judicial com a pensão de aposentação tenha que ceder, em face da tutela de um interesse público contrastante de maior peso, que consiste em evitar que o Estado suporte o pagamento de uma pensão pela aposentação àquela pessoa e simultaneamente lhe pague remunerações pela prestação de funções públicas.
Com efeito, o propósito da alteração legislativa introduzida no Estatuto da Aposentação foi o de evitar que pessoas às quais foi reconhecido o direito à aposentação (atendendo à idade e à duração da carreira contributiva) e ao recebimento da respetiva pensão se mantenham, todavia, no exercício de funções públicas, sendo o erário público a suportar o encargo com a pensão de Aposentação e as remunerações pelos serviços prestados que recebem as mesmas pessoas.”
Por outro lado, já quanto à invocada desigualdade relativa face aos Administradores Judiciais reformados pelo subsistema privado, não se reconhece a mesma.
Com efeito, não se reconhece a suscitada violação do princípio da igualdade, uma vez que o referido princípio só abriga que se trate igual o que é igual não impedindo a diferenciação de tratamento que tenha justificação e fundamento bastante.
No caso em apreço e referido pelo recorrente, estão em causa situações abstratas, não concretizadas, nada demonstrando que as soluções dadas a ambas as situações enunciadas possam ser objetivamente diferentes, não se reconhecendo assim, por falta de prova, a violação do princípio da igualdade.
Sem prejuízo do já referido, quanto ao objeto essencial da ação aqui controvertida, acompanhamos o expendido no acórdão deste TCAN no Processo nº 1287/11.9BEPRT, de 17 de junho de 2016, do qual fomos adjuntos, relativo a questão próxima daquela aqui tratada, conexo com o exercício de funções dos peritos avaliadores, e que, no essencial, infra se reafirmará.
É efetivamente incontornável que a situação dos administradores judiciais é muito próxima da dos peritos avaliadores, objeto já de decisão judicial, designadamente deste TCAN.
Efetivamente, apenas podem ser nomeados peritos integrados em listas oficiais (art.º 2.º DL 125/2002, de 10/5), tal como ocorre relativamente aos administradores judiciais.
Na realidade, em regra, apenas podem ser nomeados administradores judiciais aqueles que constem das listas oficiais (art.º 13.º Lei 22/2013, de 26/2).
As funções dos Administradores Judiciais inserem-se no âmbito da atividade pública necessária à administração da justiça, sendo que os mesmos estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina de pessoa coletiva pública que funciona sob a tutela do Ministério da Justiça, atualmente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), prevista na Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro (cfr. art.º 2.º), entidade que sucedeu à Comissão da Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores da Insolvência (CACAAI), então prevista Lei 32/2004, de 22 de julho.
O acesso à atividade e recrutamento é, nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 22/2013 de 26 de fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), regulado pela “...entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais...” (atualmente a CAAJ).

Refere-se no artigo 17.º do referido Estatuto que:

“1 - Compete à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais instruir os processos disciplinares e os processos de contraordenação relativos ao exercício de funções dos administradores judiciais, bem como punir as infrações por estes cometidas.

2 - Ao processo disciplinar dos administradores judiciais aplica-se, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado em anexo à Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.”

Em face do que precede, mais uma vez, não se vislumbram pois razões que justifiquem que, designadamente, os Administradores Judiciais estivessem excluídos do âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do EA.
Para permitir uma mais eficaz visualização do que aqui se mostra controvertido, refere-se nos artigos 78º e 79º do Estatuo da Aposentação, alterados pelo Decreto-Lei n.º 237/2010, de 28 de Dezembro:

Artigo 78º
1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

2 — Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:

a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;
b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
3 — Consideram -se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.

Artigo 79.º
Cumulação de pensão e remuneração
1 — Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 — Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3 — Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.
4 — O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA, IP), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, IP, possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento.
5 — O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, IP, das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão.»
Através do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, foram implementadas medidas de controlo da despesa pública de forma a assegurar o equilíbrio das contas públicas, sendo uma delas exatamente a proibição de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
Aliás, o preâmbulo do diploma é esclarecedor, ao afirmar que: “Para o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010 - 2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010.
Estas medidas representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais.
Neste contexto, as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010 - 2013 … Em quarto lugar, elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.”
Foi assim decidido que os aposentados não poderiam exercer quaisquer funções públicas remuneradas, salvo:
a) Quando haja lei especial que o permita, ou quando,
b) Ocorrerem razões públicas excecionais, mas neste caso terá de ocorrer autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Finanças e da Administração Pública.
O transcrito nos indicados dois artigos tem natureza imperativa prevalecendo sobre quaisquer outras normas, salvo relativamente às enunciadas exceções, que não incluem a situação aqui em apreciação.
Verifica-se pois que a acumulação de funções públicas por aposentados foi fortemente condicionada, passando os casos permitidos a serem pontuais e muito restritos.
É pois em face do que antecede que a Entidade Recorrida emitiu as comunicações constantes dos factos provados 3 e 4, de onde ressalta o seguinte:
“A Caixa Geral de Aposentações (CGA) tomou conhecimento de que V. Exa. Exerceu funções no IGFEJ, o que configura uma situação de acumulação prevista no artigos 78.º do Estatuto da Aposentação (EA), impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79.º do mesmo Estatuto dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a 1 de janeiro de 2011.
Ora, dado que esta Caixa não recebeu, até à presente data, qualquer comunicação sobre o assunto, e não podendo deixar de dar cumprimento à lei, informo V. Exa. De que, até que efetue aquela opção ou preste a devida informação, a pensão que está a ser abonada ficará suspensa, a partir do próximo mês de abril, sem prejuízo da regularização do passado”.
(…)
“A Caixa Geral de Aposentações (CGA) perfilha o entendimento que a perceção de remuneração paga pelo IGFEJ - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011.
(…) face à omissão, por parte de V. Exa., de opção expressa por qual das prestações pretende abdicar(…) informo (…) por decisão de 04.07.2014 da Direção da CGA (…) urge promover o reembolso das pensões que recebeu nos anos de 2011 e 2012, no montante de € 53.907,10, para o que se junta a correspondente guia(…).”
As funções exercidas pelos Administradores Judiciais são consideradas funções públicas remuneradas, pelo que não podem ser cumuladas com o seu estatuto de aposentação, em face do que o aqui Recorrente teria de optar entre a pensão de aposentação ou a remuneração resultante da sua atividade de Administrador Judicial.
Incontornavelmente, refere o n.º 1 do artigo 78º, já transcrito, que os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas. E é aqui que se encontra a questão a decidir. O de saber o que são funções públicas e se as funções exercidas pelos Administradores Judiciais de inserem neste conceito.
O conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas coletivas que integram a Administração Pública (Paulo Veiga e Moura, in, Função Pública, 1º vol. 2ª edição, pág.17).
Função Pública tem a ver com emprego público e a forma desse exercício. É um conceito mais restrito em contraposição com o exercício de funções públicas, abrangendo este um maior número de situações.
O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza. O exercício de funções públicas tem como objetivo essencialmente promover a satisfação das necessidades coletivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público. O exercício de funções privadas incidirá maioritariamente sobre necessidades individuais, ou de um grupo, mas que não atingem a generalidade de uma coletividade. Estarão neste caso em causa interesses individuais.
Conforme refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 42, “(…) por vezes o objeto de uma administração privada parece coincidir com o da administração pública: assim por exemplo, a padaria que se dedica á produção de pão, é uma atividade essencial. A verdade, porém, é que a produção de pão é uma atividade económica deixada pela lei ao sector privado e não assumida, portanto, como tarefa e responsabilidade própria da coletividade. Não se trata, pois, se uma necessidade coletiva cuja satisfação a coletividade chame a si, e exerça pelos seus próprios serviços.”
De notar que a lei no caso presente também nos ajuda a definir ou a encontrar o que se deve considerar abrangido pelo conceito de exercício de funções, dada a abrangência dos conceitos em causa.
Refere o n.º 3 do artigo 78º do EA, na redação ora em causa, que se consideram abrangidos pelo conceito de exercício de funções, todos os tipos de atividades e de serviços independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, e todas as modalidades de contratos independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
Ou seja, os aposentados que exerçam todos os tipos de atividades, e que estejam integrados em todas as modalidades de contratos, consideram-se que se encontram abrangidos pelo conceito de exercício de funções em causa, ou seja, no exercício de funções públicas.
Estamos perante um conceito muito abrangente e que parece abarcar todas as situações em que possam estar integrados os aposentados.
De notar que o exercício de funções dos Administradores Judiciais se integram neste conceito abrangente, não podendo ser considerada uma atividade privada, enquanto apta à satisfação de interesses privados. Está em causa um interesse público que se pretende acautelar e que foi regulado de forma clara e com esse objetivo.
O exercício desta tarefa, como vemos, não tem como finalidade qualquer interesse privado mas sim interesse público decorrente do pleno exercício de funções.
Está em causa a satisfação de necessidades coletivas e não individuais. Não podemos concluir que o exercício de funções de um Administrador Judicial é um exercício de funções privadas.
Como resulta já explicitado na Sentença Recorrida, a atividade desenvolvida pelo administrador Judicial designado pelo juiz em processos judiciais e remunerada pelo IGFEJ corresponde – tal como a do agente de execução e do perito avaliador – à função materialmente administrativa do Estado, integrando o conceito de funções públicas remuneradas.
Com efeito, o gestor ou administrador judicial é uma pessoa que, age com amplos e fortes poderes de autoridade e confiança públicas.
O administrador judicial representa, na verdade, o interesse público da realização da justiça pública, designadamente, o da recuperação das empresas e o da salvaguarda do património da empresa, em caso de impossibilidade de recuperação, para satisfação dos credores. Estas funções, revestem materialmente interesse público e visam o bem comum.
Com efeito, o administrador judicial representa um papel extremamente relevante na reforma iniciada com a alteração ao CIRE, visando criar as condições necessárias a estimular a recuperação das empresas que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, sendo, por isso, cada vez mais, indesmentível o interesse público prosseguido através do desempenho das funções em causa.
Por este motivo, as regras que dispõem sobre o respetivo recrutamento, nomeação, regulamentação e inspeção e a ação disciplinar, se tornaram mais exigentes e constam atualmente da Lei nº 22/2013, de 26.02, Estatuto do Administrador Judicial (aprovada dando continuidade à alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), operada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril).
Os administradores da insolvência passam a ser designados, no Estatuto, pela terminologia “administradores judiciais”, sempre que não esteja em causa a função específica de administração da insolvência (preâmbulo da Lei n.º 16/2012).
O art.º 2.º da Lei 22/2013 estabelece a “Noção de administrador judicial”:
“é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”(art.º 2.º).
O diploma em causa veio redefinir os requisitos de acesso à atividade (colmatando insuficiências da anterior Lei n.º 32/2004, de 22 de julho), pelo que mantém parte dos requisitos já previstos, passando no entanto a sujeitar-se os candidatos a administradores judiciais a um período de estágio, bem como a um exame no âmbito do referido estágio. Por outro lado, teve em vista reforçar os mecanismos de responsabilização dos administradores judiciais, impondo, logo no momento da candidatura ao exercício da atividade, declaração de idoneidade para o seu exercício.
Finalmente, refira-se que a Entidade que tem a atribuição de supervisionar, fazer cumprir o Estatuto e detém o poder sancionatório é, atualmente, a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, que integra a Administração Pública (CAAJ desde o Lei n.º 77/2013, de 21.11, anteriormente CACAAI, Lei 32/2004, de 22.07).
Com efeito, em relação aos administradores judiciais, reafirma-se que estarmos perante o exercício de funções que não são reguladas pelo direito privado, mas sim pelo direito administrativo, de onde resultam amplos poderes de autoridade para a prossecução de um interesse público geral e judiciário.
Não há assim dúvidas que os Administradores Judiciais exercem funções públicas, ao serviço do interesse público e não funções privadas. Não é por exercerem funções técnicas que estas deixam de ser públicas e passam a privadas.
Por outro lado, exercem funções públicas mas não se encontram integrados na função pública, conceito este mais restrito, em face do que se não está perante a constituição de uma relação de emprego público.
Acresce o facto do referido artigo 78º nº 3, considerar no exercício de funções todos os tipos de atividades e de serviços e todos os tipos de modalidades de contratos, o que engloba necessariamente os Administradores Judiciais.
Como reiteradamente se disse, houve a intenção de restringir as acumulações ao mínimo, no caso, impedindo que um aposentado do setor público pudesse vir a acumular a pensão com outra atividade remunerada, não se estando, ao contrário do invocado pelo Recorrente, perante situação semelhante à dos advogados, médicos ou engenheiros, que igualmente exercem funções de interesse público.
Funções de interesse público não podem ser confundidas com funções públicas, sendo que a definição do que se entende por exercício de funções públicas, nos termos do n.º 3 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação é abrangente.
De notar que não resulta do referido qualquer violação do princípio da igualdade, decorrente da interpretação e solução adotada, face aos Administradores Judiciais aposentados.
Com efeito, e como se referenciou já supra, o princípio da igualdade só exige que se trate igual o que é igual não impedindo a diferenciação de tratamento que tenha justificação e fundamento bastante.
Pelo exposto, independentemente da argumentação aduzida pelo Recorrente, não merece censura o sentido da decisão proferida em 1ª instância, atenta a manifesta aplicabilidade ao recorrente os artigos 78º e 79º do Estatuto de Aposentação, na versão do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, não procedendo assim as conclusões do recorrente, predominantemente argumentativas, tendentes a afastar o regime legal aplicável.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 30 de novembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia