Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01687/06.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
IRS
RENDIMENTO DERIVADO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
LEI INTERPRETATIVA
Sumário:I) No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto, ou seja, existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
II) Embora não seja líquido o enquadramento da realidade matéria apontada nos autos no âmbito do processo de oposição, situação que também não foi equacionada nos autos, sendo que não cabe nesta altura procurar refúgio em análises formais, decorre expressamente do artigo 43º/2 da referida Lei, que a redacção por ela introduzida ao nº 4 do artigo 9º do CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 20 de Novembro, tem natureza interpretativa, o que vale por dizer que essa nova redacção não veio trazer nada de novo, pois já resultava do ordenamento jurídico que os incrementos em causa constituíam rendimentos do ano em que eram pagos ou postos à disposição dos titulares.
III) A este nº 4 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”, tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado, de modo que, e na medida em que a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta, no caso em análise resultando, inequivocamente, demonstrado que os incrementos foram pagos ao recorrente em 2001, é manifesto que os mesmos devem ser tributados em IRS.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 09-03-2011, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal contra si instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto 6, por dívidas de IRS e juros compensatórios, relativas ao ano de 2001, no montante total de € 289.356,86.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 151-162), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. Vem o presente recurso da sentença do Mmo. Juiz “a quo” que julgou improcedente a oposição à execução deduzida nos presentes autos e ordenou o prosseguimento da acção executiva contra o, ora, recorrente, com fundamento na aplicabilidade do artigo 9º nº 1, alínea c), do CIRS à situação sub judice, e da não verificação de caducidade do direito à liquidação;
2. Enferma de vício a sentença em crise, dela não se conformando o Recorrente;
3. Resulta provado nos autos que no âmbito de um contrato promessa de venda de activos de 21 de Junho de 2000 celebrado entre o oponente e outros (junto aos Autos como documento 2) foi estabelecido com a empresa W..., Lda. um pacto de não concorrência subscrito, entre outros, pelo aqui oponente A...;
4. O recorrente deveria ter recebido, como de facto recebeu, a quantia de PTE 35.000.000$00 /Euros 174.579,261 em 21 de Junho de 2000 e a quantia de PTE 131.665.000$00 /Euros 656.742,25 em 21 de Dezembro de 2000;
5. O pagamento da importância vencida em 21 de Dezembro de 2000, por razões alheias ao recorrente apenas foi efectuado em princípios de Janeiro de 2001;
6. À data do facto constitutivo da obrigação de pagamento - e é este o facto que determina a obrigação de imposto - e simultaneamente gerador da eventual incidência do imposto liquidado - ano 2000 - , tais rendimentos não eram tributados porque inexistia incidência real;
7. Os proveitos resultantes da assumpção de obrigações de não concorrência apenas passaram a ser tributadas com a publicação da Lei 30-G / 2000 de 29 de Dezembro que no seu artigo 2º (página 7492 - (668) do DR nº 299 de 29 de Dezembro de 2000) aditou ao código do IRS o artigo 9º-A que passou a tributar as obrigações de não concorrência como incrementos patrimoniais susceptíveis de tributação em mais-valias e que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2001, aplicando-se apenas aos períodos de tributação que se iniciem após essa data;
8. No ano 2000 não existia incidência real ou pessoal que tributasse proveitos originados em assumpção de obrigações de não concorrência;
9. O rendimento obtido pelo recorrente, a ser tributado, teria necessariamente que o ser pelo sistema fiscal em vigor no ano 2000;
10. O momento determinante para a incidência real das mais-valias é o da assumpção da obrigação e não o momento do pagamento;
11. Para efeito de mais valias imobiliárias o momento determinante para a incidência é o da escritura ou do acto transmissivo equivalente, independentemente do eventual diferimento do pagamento do preço, ou mesmo que este não venha a ser pago;
12. Nas mais valias em IRS não vigora a “óptica de caixa “que se verifica na categoria A, em que o imposto é determinado no momento do pagamento ou colocação à disposição - o que nesta categoria se compreende face à necessidade de protecção dos trabalhadores por contra de outrem;
13. Nas demais categorias do IRS e mesmo no IVA o imposto é devido e torna-se exigível com a mera verificação do facto gerador de tributação;
14. Nos termos do artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei;
15. A Lei 60-A / 2005 de 30 de Dezembro que no número dois do seu artigo 43º (páginas 7506 - (10-11) do DR nº 250 de 30 de Dezembro de 2005) - que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2006 - aditou ao artigo 9º do CIRS o seu nº 4 que passou a considerar que os incrementos patrimoniais previstos na alínea c) do nº 1 como rendimentos do ano em que são pagos ou colocados à disposição;
16. Não pode como pretende a sentença em crise sustentar a aplicação do artigo 9.º, nº 4, do CIRS à situação sub judice com base nos acórdãos de 29.11.2006 e 08.09.20 10 que têm por referência a Lei em vigor à data em que foram proferidos;
17. Mal andou a douta sentença, ao não considerar que o enquadramento da situação sub Júdice ocorre em finais de 2000, princípios de 2001, devendo ser à luz da legislação e jurisprudência em vigor à data que a apreciação dos factos deve ocorrer;
18. Os doutos acórdãos mencionados em sentença, nomeadamente no extracto dela constante: “Seria inconstitucional exigir um imposto a quem não tem capacidade contributiva por não dispor do rendimento” abalam o fundamento da sentença em crise, por colidir com o actual regime do IVA em que o montante facturado é devido independentemente do respectivo recebimento e mantém-se devido ainda que se prove não ter sido recebido;
19. Extrair da orientação jurisprudencial invocada em sede de sentença de que o imposto é devido sempre e apenas no momento do recebimento, com o muito e devido respeito é excessivo e insustentável face à alteração legislativa ocorrida no artigo 43º nº 2 da Lei 60-A / 2005 de 30 de Dezembro;
20. Tais decisões têm como pressuposto a inexigibilidade do imposto quando seja demonstrado que o respectivo rendimento não foi recebido, pretendendo evitar uma tributação que não corresponda a uma real capacidade contributiva;
21. Nada têm a ver com a determinação do momento em que o imposto é devido quando de facto se demonstra que o rendimento (ou, neste caso, o ganho de capital) foi auferido.
22. Ocorre na sentença em crise erro na determinação da norma aplicável à situação sub judice;
23. Espelha-se na sentença em apreço razão para a sua reforma, ao abrigo do disposto no artigo 699.º, nº 2, alínea a), do C.P.Civil,
24. Reforma que se alega e, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, nº 3, do C.P.Civil e, ora, em sede de recurso, se requer, com a consequente decisão de nulidade do acórdão em crise;

25. Inexiste o facto tributário que justifique a dívida de imposto exigida pela administração fiscal;
26. Deu o Mmo. Juiz a quo por provado que: “Em 14/12/2004, 15/04/2005, 29/05/2005 e 15/07/2005 foram enviadas ao oponente cartas contendo a notificação da liquidação oficiosa de IRS aqui em causa...”, com base em documentos e informações oficiais;
27. Não obstante a resposta positiva dada e referida no ponto 24. supra, afirma-se na sentença sub judicie que a notificação da liquidação adicional de IRS nunca ocorreu, antes foi o oponente notificado de uma demonstração de compensação;
28. É manifesta a contradição entre o facto dado como provado e o fundamento da decisão, no que concerne à negação da invocada caducidade, por falta de notificação da liquidação;
29. Enferma de vício de nulidade a douta sentença sub recurso, por se verificar preenchidos os requisitos previstos no artigo 668.º, nº 1, alínea c) do C.P.Civil;
30. Invoca-se, ora, a nulidade da sentença, para os devidos efeitos legais;
31. Viola a douta sentença em recurso o disposto no artigo 4º e 45.º da LGT;
32. A dívida exequenda é inexigível, por indevida;
33. Há errónea apreciação dos factos e subsunção legal dos mesmos;
34. Há erro de julgamento;
35. Impõe-se, por justiça e em nome da verdade material, a revogação da sentença em recurso!
Termos em que deve a sentença em recurso ser revogada e, bem assim, ser declarada procedente por provada a oposição à execução deduzida, com a consequente extinção da dívida exequenda e respectivos juros compensatórios e de mora legais.
Assim decidindo, farão V. Exas., como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos e bem assim saber se, tendo a obrigação sido constituída e devendo ser paga em 2000, altura em que não existia incidência real para o ganho proveniente de obrigações de não concorrência e, por isso, sempre o pagamento teria que ser imputado, nos termos contratuais, a 21 de Dezembro de 2000 e não a Janeiro de 2001, era ou não aplicável o actual artigo 9° no 1 alínea c) do Código do IRS, que tributa as “importâncias auferidas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência, independentemente da respectiva fonte ou título” que entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2001.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). Em 05/10/2005, foi instaurado contra o oponente o processo de execução fiscal n.º 3182200501068474, por dívida de IRS, referente ao ano de 2001.
B). Em 22/02/2006, o oponente foi citado para a execução fiscal identificada na alínea que antecede.
C). Em 21/06/2000, foi celebrado entre as sociedades J…, Lda., da qual o oponente era gerente, Jo…, Lda., F…, e a sociedade W…, Lda., um contrato promessa de venda de activos, cf. fls. 22 a 41 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D). Na clausula sétima do contrato referido em C)., o aqui oponente, entre outros, obrigaram-se em nome próprio a não concorrer com a W…, Lda. nos termos seguintes:
“1. Os outorgantes P…, M…, A... e Au…, em nome próprio, e a partir da data da conclusão, obrigam-se perante a W… a não concorrer com ela e consequentemente a não realizar, por si ou por interposta pessoa, qualquer actividade idêntica, similar ou sucedânea ao negócio de publicações, listas anuários, guiões, publicidade, seja por meios tradicionais, seja por meios informáticos ou electrónicos, designadamente através de participação (directa ou indirecta) em sociedades, consultadoria, prestação de trabalho dependente ou independente, no território de Portugal e de Espanha, ou noutro território desde que as línguas utilizadas sejam o português ou castelhano.
2. (...)
3. A obrigação de não concorrência estabelecida nos dois números anteriores perdurará por três anos a contar da data da conclusão.
4.(...)
5. (...)”,
cf. fls.30 dos autos.
E). Na cláusula oitava no 4 do contrato referido em C) consta o seguinte:
“A compensação pela obrigação de não concorrência estabelecida na cláusula sétima será paga aos outorgantes referidos no número 1 dessa cláusula consoante a seguinte divisão:
(...)
c) ao outorgante A...:
ci) 35.000 contos na data de conclusão; (nota: A data de conclusão é de 21 de Junho de 2000)
cii) 131.665 contos até seis meses da data de conclusão;
cf. fls. 31 dos autos.
F). O oponente recebeu, nos termos supra expostos, a quantia de
35.000$00 (ou seja 174.579,26€) em 21/06/2000, e a quantia de 131.665.000$00 (ou seja 656.742,25€) em Janeiro de 2001, cf. se encontra confessado na P.I. a fls. 7 e 8 dos autos.

G) Em 14/12/2004, 15/04/2005, 29/05/2005 e 15/07/2005 foram enviadas ao oponente cartas contendo a notificação da liquidação oficiosa de IRS aqui em causa, através de registo com aviso de recepção e para a morada constante dos autos e da presente P.I., no entanto todas elas foram devolvidas por não reclamadas, cf. fls. 48 a 59 e 62 e 63 dos autos.
H). A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças competente em 23/02/2006.

Inexistem outros factos com pertinência para a decisão.

A instauração da execução contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reportam as dívidas, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art.º 514º do CPC.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, o Recorrente aponta que deu o Mmo. Juiz a quo por provado que: “Em 14/12/2004, 15/04/2005, 29/05/2005 e 15/07/2005 foram enviadas ao oponente cartas contendo a notificação da liquidação oficiosa de IRS aqui em causa...”, com base em documentos e informações oficiais e não obstante a resposta positiva dada e referida no ponto 24. supra, afirma-se na sentença sub judicie que a notificação da liquidação adicional de IRS nunca ocorreu, antes foi o oponente notificado de uma demonstração de compensação, de modo que, é manifesta a contradição entre o facto dado como provado e o fundamento da decisão, no que concerne à negação da invocada caducidade, por falta de notificação da liquidação, o que significa que enferma de vício de nulidade a douta sentença sub recurso, por se verificar preenchidos os requisitos previstos no artigo 668.º, nº 1, alínea c) do C.P.Civil.
No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto.
Há, pois, um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (cfr. Alberto dos Reis, Anotado, vol. V, pág. 141).
Todavia, in casu, tal não sucede, pois que a decisão recorrida mostra-se enquadrada e os seus fundamentos conduzem à decisão assumida em sede de dispositivo, na medida em que o elemento que o Recorrente coloca em destaque não esgota a análise da situação em apreço.
Com efeito, neste âmbito, a decisão recorrida ponderou que:
“…
DA FALTA DA NOTIFICAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
A execução de que se cura nos presentes autos foi instaurada em 05/10/2005 e os presentes autos de oposição em 23/02/2006 pelo que ao caso é aplicável o novo Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT): cf. art. 40 do Dec.-lei n.° 433/99, de 26.10 que aprovou tal diploma.
Os fundamentos de oposição são os prescritos nas diversas alíneas do art. 204° n.° 1 do CPPT e, perscrutando-as, verifica-se que a oposição pode ter por fundamento a “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade” [al. e)].
Estamos em face de um dispositivo inovador face ao anterior CPT; a caducidade do direito à liquidação contendia com a legalidade dessa liquidação e, face ao anterior CPT, tal questão (caducidade) só poderia ser conhecida no processo de impugnação.
Não obstante, o que constitui agora fundamento de oposição é, não a caducidade do direito à liquidação em si, mas apenas e tão só, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.
«Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo», prescreve o art. 35º n.° 1 do CPPT.
Por outro lado, o art. 36° n.° 1 do CPPT sanciona com a não produção de efeitos duma notificação que não seja válida, isto é, que não obedeça aos requisitos estipulados legalmente.
No mesmo sentido dispõe o art. 77º n.° 6 da Lei Geral Tributária (LGT). Ora, não produzir efeitos é o mesmo que o acto não ter existido, impondo-se a sua repetição de acordo com os ditames legais.
Neste sentido, a existência de um qualquer vício anula o acto de notificação.
Tratando-se de uma liquidação oficiosa e adicional, a respectiva notificação deveria desde logo ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção pois assim o impõem o art. 139° n.° 2 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e art. 38º n.º 1 do CPPT.
Também nos termos do art. 45º n.º 1 da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte” em determinado prazo, conforme os casos.
No entanto, no caso dos autos, verifica-se que a notificação da liquidação adicional de IRS nunca ocorreu.
Tal como consta do probatório, o oponente foi notificado de uma demonstração de compensação
Nos termos do art. 84º n.º 1 do CIRS, o prazo de caducidade é de 5 anos, (...) devendo, dentro do mesmo prazo, ser notificada ao sujeito passivo”.
Assim, em face da factualidade provada, temos que o IRS se reporta ao ano de 2001 pelo que, de acordo com os normativos citados, quer a liquidação oficiosa, quer a respectiva notificação, haveriam que ser efectuadas até 31/12/2006.
Como se extrai do probatório, a notificação foi remetida por carta registada com aviso de recepção ao oponente em varias datas, a saber em 14/12/2004, 15/04/2005, 29/05/2005 e 15/07/2005, embora tenham todas elas sido devolvidas por não reclamadas.
Nos termos do disposto no art. 39º n° 5 do C.P.P.T., em caso de aviso de recepção devolvido, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada. Acontece que a Administração Fiscal, no caso dos autos repetiu a notificação por mais três vezes, sempre para a morada do oponente e que consta da presente P.l., o que justifica plenamente a presunção referida na citada norma.
Ora, presumindo-se a notificação ao oponente da liquidação oficiosa nos termos do art. 39º n° 5 do C.P.P.T., ou seja, em 15/07/2005, resta concluir pela improcedência de mais este argumento invocado pelo oponente. …”
A partir daqui, apesar de o elemento apontado pelo Recorrente merecer alguma reflexão, entende-se que a análise da sentença recorrida não justifica a severa sanção reclamada pelo Recorrente, porquanto a alusão a uma não notificação prende-se com o facto de as cartas terem sido todas devolvidas, sendo que a frase que efectivamente não tem real enquadramento prende-se com a referência ao facto de constar do probatório que “o oponente foi notificado de uma demonstração de compensação”, quando aquilo que se retira da al. G) do probatório é que “Em 14/12/2004, 15/04/2005, 29/05/2005 e 15/07/2005 foram enviadas ao oponente cartas contendo a notificação da liquidação oficiosa de IRS aqui em causa, através de registo com aviso de recepção e para a morada constante dos autos e da presente P.I., no entanto todas elas foram devolvidas por não reclamadas, cf. fls. 48 a 59 e 62 e 63 dos autos”, ou seja, nada no probatório torna apreensível a aludida afirmação.
Como quer que seja, em relação à alegação do Recorrente, não pode acolher-se o exposto, pois que o discurso limita-se a passar de uma análise (que poderia ser mais feliz) da sorte das notificações em termos concretos para a apreciação do alcance das mesmas, surgindo então a referência ao art. 39º nº 5 do CPPT e a menção de que “a Administração Fiscal, no caso dos autos repetiu a notificação por mais três vezes, sempre para a morada do oponente e que consta da presente P.l., o que justifica plenamente a presunção referida na citada norma”, mais apontando que “presumindo-se a notificação ao oponente da liquidação oficiosa nos termos do art. 39º n° 5 do C.P.P.T., ou seja, em 15/07/2005, resta concluir pela improcedência de mais este argumento invocado pelo oponente. …”.
Assim sendo, não pode proceder a invocada nulidade da sentença, verificando-se que o Recorrente apenas coloca a questão neste domínio, nada discutindo a propósito de um eventual erro de julgamento, quer em termos de facto, quer em termos de direito, situação que encerra toda a discussão sobre a matéria em apreço.

A partir daqui, importa avançar para a questão essencial em apreciação nos autos, e embora não seja líquido o enquadramento desta realidade no âmbito do processo de oposição, situação que também não foi equacionada nos autos, não cabe nesta altura procurar refúgio em análises formais, impondo-se enfrentar a questão substancial em presença.
Neste domínio, o Recorrente insiste que à data do facto constitutivo da obrigação de pagamento - e é este o facto que determina a obrigação de imposto - e simultaneamente gerador da eventual incidência do imposto liquidado - ano 2000 - , tais rendimentos não eram tributados porque inexistia incidência real, sendo que os proveitos resultantes da assumpção de obrigações de não concorrência apenas passaram a ser tributadas com a publicação da Lei 30-G / 2000 de 29 de Dezembro que no seu artigo 2º (página 7492 - (668) do DR nº 299 de 29 de Dezembro de 2000) aditou ao código do IRS o artigo 9º-A que passou a tributar as obrigações de não concorrência como incrementos patrimoniais susceptíveis de tributação em mais-valias e que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2001, aplicando-se apenas aos períodos de tributação que se iniciem após essa data, ou seja, no ano 2000 não existia incidência real ou pessoal que tributasse proveitos originados em assumpção de obrigações de não concorrência e o rendimento obtido pelo recorrente, a ser tributado, teria necessariamente que o ser pelo sistema fiscal em vigor no ano 2000, pois que o momento determinante para a incidência real das mais-valias é o da assumpção da obrigação e não o momento do pagamento.
Aliás, para efeito de mais valias imobiliárias o momento determinante para a incidência é o da escritura ou do acto transmissivo equivalente, independentemente do eventual diferimento do pagamento do preço, ou mesmo que este não venha a ser pago e nas mais valias em IRS não vigora a “óptica de caixa “que se verifica na categoria A, em que o imposto é determinado no momento do pagamento ou colocação à disposição - o que nesta categoria se compreende face à necessidade de protecção dos trabalhadores por contra de outrem, verificando-se que nas demais categorias do IRS e mesmo no IVA o imposto é devido e torna-se exigível com a mera verificação do facto gerador de tributação.
Nos termos do artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei e a Lei 60-A / 2005 de 30 de Dezembro que no número dois do seu artigo 43º (páginas 7506 - (10-11) do DR nº 250 de 30 de Dezembro de 2005) - que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2006 - aditou ao artigo 9º do CIRS o seu nº 4 que passou a considerar que os incrementos patrimoniais previstos na alínea c) do nº 1 como rendimentos do ano em que são pagos ou colocados à disposição, sendo que não pode como pretende a sentença em crise sustentar a aplicação do artigo 9.º, nº 4, do CIRS à situação sub judice com base nos acórdãos de 29.11.2006 e 08.09.2010 que têm por referência a Lei em vigor à data em que foram proferidos, de modo que, mal andou a douta sentença, ao não considerar que o enquadramento da situação sub Júdice ocorre em finais de 2000, princípios de 2001, devendo ser à luz da legislação e jurisprudência em vigor à data que a apreciação dos factos deve ocorrer.
Que dizer?
Sobre esta realidade, o probatório informa que:
“C). Em 21/06/2000, foi celebrado entre as sociedades J…, Lda., da qual o oponente era gerente, Jo…, Lda., F…, e a sociedade W…, Lda., um contrato promessa de venda de activos, cf. fls. 22 a 41 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D). Na clausula sétima do contrato referido em C)., o aqui oponente, entre outros, obrigaram-se em nome próprio a não concorrer com a W…, Lda. nos termos seguintes:
“1. Os outorgantes P…, M…, A... e Au…, em nome próprio, e a partir da data da conclusão, obrigam-se perante a W… a não concorrer com ela e consequentemente a não realizar, por si ou por interposta pessoa, qualquer actividade idêntica, similar ou sucedânea ao negócio de publicações, listas anuários, guiões, publicidade, seja por meios tradicionais, seja por meios informáticos ou electrónicos, designadamente através de participação (directa ou indirecta) em sociedades, consultadoria, prestação de trabalho dependente ou independente, no território de Portugal e de Espanha, ou noutro território desde que as línguas utilizadas sejam o português ou castelhano.
2. (...)
3. A obrigação de não concorrência estabelecida nos dois números anteriores perdurará por três anos a contar da data da conclusão.
4.(...)
5. (...)”,
cf. fls.30 dos autos.
E). Na cláusula oitava no 4 do contrato referido em C) consta o seguinte:
“A compensação pela obrigação de não concorrência estabelecida na cláusula sétima será paga aos outorgantes referidos no número 1 dessa cláusula consoante a seguinte divisão:
(...)
c) ao outorgante A...:
ci) 35.000 contos na data de conclusão; (nota: A data de conclusão é de 21 de Junho de 2000)
cii) 131.665 contos até seis meses da data de conclusão;
cf. fls. 31 dos autos.
F). O oponente recebeu, nos termos supra expostos, a quantia de
35.000$00 (ou seja 174.579,26€) em 21/06/2000, e a quantia de 131.665.000$00 (ou seja 656.742,25€) em Janeiro de 2001, cf. se encontra confessado na P.I. a fls. 7 e 8 dos autos.”

Pois bem, tal como se refere no Ac. do T.C.A. Sul de 15-09-2010, Proc. nº 04125/10, www.dgsi.pt, “… É verdade que o tributo em causa está sujeito ao regime constitucional do imposto pelo que, de harmonia com o nº 3 do artº 103º da CRP “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº1/97, de 20 de Setembro “é em geral, reconduzido ao princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de estado de direito democrático, ou mesmo ao princípio da capacidade contributiva” - cfr. José Casalta Nabais, Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal, in Boletim da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 57, 1993, p. 404. Significa que antes da 4ª Revisão da CRP, era já possível defender que era “...no princípio da confiança jurídica, enquanto dimensão inarredável da ideia de Estado de direito democrático, e não simplesmente no princípio da legalidade, que se encontrará (...) um limite constitucional à admissibilidade de normas fiscais rectroactivas - cf. J.M. Cardoso da Costa, O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: A jurisprudência do Tribunal Constitucional, in Perspectivas Constitucionais: Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp 397-428).
Porém, como bem adverte o EPGA, decorre expressamente do artigo 43º/2 da referida Lei, que a redacção por ela introduzida ao nº 4 do artigo 9º do CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 20 de Novembro, tem natureza interpretativa, o que vale por dizer que essa nova redacção não veio trazer nada de novo, pois já resultava do ordenamento jurídico que os incrementos em causa constituíam rendimentos do ano em que eram pagos ou postos à disposição dos titulares.
A este nº 4 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”, tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.
Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).
No caso em análise resultando, inequivocamente, demonstrado que os incrementos foram pagos ao recorrente em 2001, é manifesto que os mesmos devem ser tributados em IRS. …”.
Perante o que fica exposto, e que representa uma leitura mais bondosa da realidade em apreço, e sem prejuízo da a decisão recorrida, mais uma vez, não ter ponderado aquilo que era essencial, é manifesto que, ao contrário do que supõe o Recorrente, impõe-se a aplicação do artigo 9º nº 4 do CIRS à situação sub judice, o que significa que não pode afirmar-se um qualquer juízo de censura sobre a conduta da AT, o que implica, com a presente fundamentação, a manutenção do decidido.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova