Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01232/20.0BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PERÍCIA MÉDICO-LEGAL;
PERÍCIA COLEGIAL;
Sumário:1 – Conforme dispõe o artigo 410.º do CPC, constitui finalidade ou objecto da instrução dos autos, os factos que sejam necessitados de prova, por controvertidos, sendo que nos termos do disposto no artigo 341.º do CC, a prova destina-se à demonstração da realidade dos factos.

2 - Em torno da relevância e da idoneidade dos meios de prova, assim como da sua suficiência, tudo deve passar pela avaliação por parte do julgador tendo subjacente o disposto no artigo 90.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPTA, ou seja, que a instrução se rege segundo o disposto na lei processual civil, tendo por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, ordenado as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, e nesse patamar, cumprida a audiência contraditória, cabe-lhe depois apreciar livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção, em conformidade com o disposto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC.

3 - Conforme assim disposto pelos artigos 388.º e 389.º, ambos do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial [Cfr. artigo 390.º do CC], sendo que, a força das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.

4 - O artigo 468.º do CPC não é aplicável às perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, designadamente às perícias médico-legais.

5 - Conforme assim disposto pelo artigo 21.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, as perícias médico-legais, ainda que sob forma colegial [quando o Juiz, na falta de alternativa o determine de forma fundamentada], devem ser realizadas pelas delegações do INMLCF, IP sendo os peritos [sob forma singular ou colegial] designados por este organismo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO ..., EPE, AA, e BB, [devidamente identificados nos autos], Co-Réus na acção que contra si foi intentada pela Autora CC [também devidamente identificada nos autos], inconformados, vieram apresentar recurso das decisões proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a final da sessão da Audiência prévia realizada em 13 de junho de 2022, sob as alíneas F) e G), pelas quais foi indeferido o pedido de realização de perícia colegial, assim como o pedido de parecer ao Colégio da especialidade de Anatomia Patológica da Ordem dos Médicos, que haviam formulado a final da Contestação por si deduzida.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:

Conclusões:

Está legalmente consagrado um direito à realização de perícia colegial, como resulta da norma do artigo 468º do CPC ao estatui que «a perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares: … Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475.º e no n.º 1 do artigo 476.º, requerer a realização de perícia colegial»

Tal direito processual é corolário do princípio e do direito ao contraditório instituído no artigo 3º do CPC ao consagrar que « que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» o qual em matéria probatória, como flui do artigo 413º «o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.»

A consulta técnico-científica e ou o parecer emanado do Conselho Médico-Legal não constituem perícias médicas daquelas a que se referem os artigos 467º/ e 468º do CPC nem substituem as perícias colegais que as partes requeiram;

A recusa de realização de prova pericial colegial quando requerida pelas partes, em âmbito que excede e é diferente do de uma perícia médico-legal de avaliação do dano, constitui uma restrição desproporcionada e ilegal do direito das partes à produção da prova, com violação do contraditório, por deixar sobrepor o direito da parte contrária, violando ainda o direito a um processo judicial equitativo;

Ao decidir como o fez, não obstante o procurado merecimento, violou a decisão recorrida as indicadas normas dos artigos 468º, 3º e 413º do CPC comprometendo o contraditório e a tramitação do processo com equidade.
Termos em que, e nos melhores do douto suprimento, na atendibilidade das presentes conclusões, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que admita e determine a realização das provas recusadas,
Assim se fazendo JUSTIÇA!“

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A Recorrida DD não apresentou Contra alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, com fixação dos seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões que vêm suscitadas pelos Recorrentes e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, a final e em suma, em apreciar e decidir sobre se as decisões recorridas padecem de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito em torno do direito à prova, e por consequência, ao contraditório, face à não admissão da realização da perícia colegial requerida, nem do pedido de parecer a um Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, e assim, se as decisões recorridas violam o disposto nos artigos 468.º, 3.º e 413.º, todos do CPC.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional, em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue:

1 – A final da Contestação deduzida nos autos pelos Réus ora Recorrentes, os mesmos formularam o pedido tendente à produção de prova pericial – Cfr. a Contestação constante dos autos -, dele para aqui se extraindo o que aí foi enunciado, no que releva em termos do presente recurso, o que segue:

“Pericial: logo que admitida apresentará os seus quesitos; de realização de perícia médico-legal, a realizar junto do INML, IP, para apuramento da afetação da integridade física da autora;
Bem como perícia colegial tendo como objeto a emissão de parecer sobre a correção técnico-científica do exame de anatomia patológica e a cirurgia associada a que se submeteu a autora;
E ainda pedido de ‘parecer’ ao Colégio da Especialidade de Anatomia Patológica da Ordem dos Médicos, com o mesmo objeto.” [sublinhado da autoria deste TCA Norte]

2 – Os pedidos de realização da perícia, da perícia colegial, assim como de “parecer” ao Colégio de Especialidade, foram apreciados a final da Audiência prévia - Cfr. fls. dos autos -, nos termos que, por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
F) Não se vislumbrando, nem vindo densificado, qualquer argumento que denote a especial complexidade nas questões técnicas em apreço que demandassem a utilização da prerrogativa excepcional (de perícia colegial) consagrada na parte final do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 45/2004, de 19/08, logo se antevê, pois, que este Tribunal jamais poderia deferir tal modalidade de perícia, indeferindo-se, por isso, a pretensão dos 1.º, 2.º e 5.º Réus, atento que a entidade que deverá levar a cabo a perícia a realizar, em toda a sua linha, deverá ser, à luz da Lei, o INMLCF.

G) Pela mesma razão, indefere-se, de igual forma, o pedido de parecer ao Colégio da Especialidade de Anatomia Patológica da Ordem dos Médicos, na medida em que tal matéria será objecto de juízo técnico a emitir por parte do INMLCF;

H) Não se afigurando, nem impertinentes, nem dilatórias, notifique-se as demais partes para que, no prazo de 10 [dez] dias, querendo, se pronunciem, nos termos do n.º 1 do artigo 476.º do CPC, quanto às perícias médico-legais que vêm requeridas, por um lado, pela Autora (quanto à integridade física e psicológica) e, por outro, pelos 1.º, 2.º e 5.º Réus (quanto à integridade física e psicológica e, bem assim, também quanto ao (in) cumprimento das leges artis).
[…]”

3 – Em 17 de outubro de 2022, o Tribunal a quo, proferiu despacho – Cfr. fls. dos autos - do qual para aqui se extrai parte, como segue:

“[…]
Da produção de prova pericial
Determina-se, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 467.º do CPC e, bem assim, nos n.ºs 1 e 4 do artigo 21.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, a realização da perícia médico-legal que vem requerida pela Autora (quanto à integridade física) e pelos 1.º, 2.º e 5.º Réus (quanto à integridade física e quanto ao (in) cumprimento das leges artis), o que se faz nos seguintes moldes:
(i) Objecto: todos os temas da prova indicados a fls. 654-665 do SITAF
(ii) Quesitos: fls. 377-379 (Autora) e fls. 383-399 e 679 (Réus) do SITAF
(iii) Estabelecimento: Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses;
(iv) Prazo: 60 [sessenta] dias
(v) Advirta-se o (a) Senhor (a) Perito (a) responsável pela elaboração do relatório pericial de que todos os pontos do supra identificado objecto da perícia devem ser respondidos separadamente e de forma objectiva e devidamente fundamentada;
(vi) Advirta-se o (s) Senhor (es) Perito (s) responsável (eis) pela elaboração do relatório pericial de que se para a resposta de alguns dos quesitos for necessária a realização de consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º do DL n.º 166/2012, de 31 de Julho, deverá o mesmo remeter os elementos ao Sr. Presidente do Conselho Directivo do INMLCF para que este, nesse caso, solicite àquele Conselho Médico-Legal a emissão do correspondente parecer;
(vii) Proceda-se à remessa ao Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses do Porto do processo relativo aos presentes autos e respectivos elementos clínicos obtidos que se mostram juntos aos mesmos, através de via electrónica, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 10.º da Lei n.º 45/2004, de 19/08 na redacção do DL n.º 53/2021, de 16/07, enviando-se o respectivo suporte físico se e apenas quando tal seja expressamente solicitado;
[…]”
**

IIIii - DE DIREITO

Estão em causa as duas decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a final da Audiência prévia, pela quais, em suma, indeferiu o pedido de produção de prova colegial assim como o pedido de parecer ao Colégio da Especialidade de Anatomia Patológica da Ordem dos Médicos, que os Réus ora Recorrentes, haviam enunciado a final da Contestação por si deduzida.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Sustentam os Recorrentes, em suma, que lhes assiste o direito de requerer a realização de perícia colegial, nos termos dos artigos 468.º, 475.º, n.º 1 e 476.º, ambos do CPC, a qual assume natureza jurídica distinta da perícia médico-legal prevista no artigo 467.º, n.º 3, também do CPC, por se tratarem de realidades materialmente distintas, em que são visadas áreas distintas da acção médica ou da (in)observância das “leges artis“ ou de outras áreas do saber científico, e que na presente situação se está perante matéria de elevada diferenciação que exige dos Peritos um conhecimento especializado que os peritos do INMLCF não possuem, e que a sua recusa, assim como a recusa do pedido de parecer ao Colégio da Especialidade, contraria o seu direito à produção de prova e a um processo equitativo, violando o princípio do contraditório, nos termos dos artigos 3.º e 413.º, ambos do CPC, e nesse patamar, que devem ser revogadas as decisões proferidas e substituídas por outra que admita e determine a realização das provas por si requeridas.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos os artigos 467.º, 468.º, 475.º e 476.º, todos do CPC, como segue:

“Artigo 467.º
Quem realiza a perícia
1 - A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - As partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, podendo sugerir quem deve realizar a diligência; havendo acordo das partes sobre a identidade do perito a designar, deve o juiz nomeá-lo, salvo se fundadamente tiver razões para pôr em causa a sua idoneidade ou competência.
3 - As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.
4 - As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes.
Artigo 468.º
Perícia colegial e singular
1 - A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:
a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas;
b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475.º e no n.º 1 do artigo 476.º, requerer a realização de perícia colegial.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro.
3 - As partes que pretendam usar a faculdade prevista na alínea b) do n.º 1 devem indicar logo os respetivos peritos, salvo se, alegando dificuldade justificada, pedirem a prorrogação do prazo para a indicação.
4 - Se houver mais de um autor ou mais de um réu e ocorrer divergência entre eles na escolha do respetivo perito, prevalece a designação da maioria; não chegando a formar-se maioria, a nomeação devolve-se ao juiz.
5 - Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é realizada por um único perito, aplicando-se o disposto no artigo 467.º.”

“Artigo 475.º
Indicação do objeto da perícia
1 - Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência.
2 - A perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Artigo 476.º
Fixação do objeto da perícia
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.”

De igual modo, por julgarmos com ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos os artigos 21.º e 27.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto [na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 53/2021, de 16 de junho], como segue:

“Artigo 21.º
Realização das perícias
1 - Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um médico perito.
2 - Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados, sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito coadjuvado por um profissional de enfermagem.
3 - O disposto no n.º 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente.
4 - Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.”

“Artigo 27.º
Exercício de funções periciais
1 - A realização de perícias compete aos médicos integrados no mapa de pessoal do INMLCF, I. P., ou contratados nos termos definidos na presente lei, com a colaboração, se necessário, de médicos dentistas peritos para a realização de perícias de medicina dentária forense.
2 - Podem, ainda, exercer funções periciais docentes ou investigadores, no âmbito de protocolos celebrados pelo INMLCF, I. P., com instituições de ensino superior públicas ou privadas.”

Cumpre pois apreciar e decidir.

Face ao disposto nos artigos 413.º e 415.º, n.º 2 do CPC, deve o Tribunal a quo, por igualdade de armas, considerar todas as provas produzidas, seja as requeridas pela demandantes seja pelos demandados, em ordem ao apuramento da veracidade dos factos, da verdade material.

Conforme dispõe o artigo 410.º do CPC, constitui finalidade ou objecto da instrução dos autos, os factos que sejam necessitados de prova, por controvertidos, sendo que nos termos do disposto no artigo 341.º do CC, a prova destina-se a à demonstração da realidade dos factos.

Assim, apenas não carecem de prova os factos que não tenham sido contestados, assim se patenteando nos autos, e sobre eles não se impõe que recaia qualquer actividade instrutória, seja no domínio da prova ou da contraprova, sendo que o direito dos Réus à prova/contraprova visando factos controvertidos, integra o seu direito subjectivo, e para o julgador o dever de prossecução desse exercício para satisfação do interesse público na realização da justiça.

Com efeito, em torno da relevância e da idoneidade dos meios de prova, assim como da sua suficiência, tudo deve passar pela avaliação por parte do julgador tendo subjacente o disposto no artigo 90.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPTA, ou seja, que a instrução se rege segundo o disposto na lei processual civil, tendo por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, ordenado as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, e nesse patamar, cumprida a audiência contraditória, cabe-lhe depois apreciar livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção, em conformidade com o disposto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC.

Conforme assim disposto pelos artigos 388.º e 389.º, ambos do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial [Cfr. artigo 390.º do CC], sendo que, a força das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.

Em face do que vem sustentado pelos Recorrentes nos autos, e em particular nas conclusões das suas Alegações de recurso, desde já julgamos que não lhes assiste razão.

Vejamos.

Depois de compulsada a Contestação deduzida pelos Réus ora Recorrentes [assim como o teor do requerimento de prova formulado], e sem perder de vista o pedido de produção de prova pericial colegial assim como o pedido de ‘parecer’ ao Colégio da Especialidade de Anatomia Patológica da Ordem dos Médicos sobre a correção técnico-científica do exame de anatomia patológica e a cirurgia associada a que se submeteu a Autora, tendente ao apuramento da afectação da integridade física da Autora, daí não se dilucida quais os termos e/ou pressupostos pelos quais os pedidos de prova que formularam não devam ser tratados segundo o regime das provas periciais que estão subjacentes ao disposto no artigo 467.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPC, e ao disposto na Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto.

E mesmo em face do que sustentam os Recorrentes nesta instância, em torno da legalidade processual do pedido de constituição da perícia colegial para emissão de parecer, assim como o pedido de parecer à Ordem dos Advogados, não infirmam os mesmos, o teor decisório contido nas decisões sob recurso.

Com efeito, e tendo subjacente o disposto no artigo 475.º do CPC, resulta claro que ao terem os 1.º, 2.º e 5.ª Réus formulado a final da Contestação os pedidos de prova, e no quanto contende com a apreciação dos actos médicos praticados/omitidos e suas consequências na esfera pessoal da Autora, que estão postos em causa nos autos, tendo vindo a requerer a emissão de “pareceres” sobre a correção técnico-científica do exame de anatomia patológica e a cirurgia associada a que se submeteu a Autora, tal mais não é do que o pedido de prova que a final tende para o apuramento da afectação da Autora, e se o foi por causa(s) imputável(is) aos Réus, em torno da a sua integridade física e para o quanto contribuiu o [in]cumprimento das leges artis.

Ou seja, as questões de facto que os Réus pretendem ver esclarecidas por via de perícia e dos pareceres que tinham requerido, são todas elas atinentes à prática/omissão de actos médicos, e à violação das “leges artis”, sendo que, como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, os Réus não invocaram, nem este Tribunal de recurso vislumbrar sequer, existir qualquer complexidade na sua apreciação que fosse determinante da constituição de perícia colegial, assim como do pedido de parecer ao Colégio da especialidade da Ordem dos Médicos, na decorrência do que assim dispõe o artigo 21.º, n.º 4 da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto.

Como assim resulta do disposto no artigo 467.º, n.º 1 do CPC, e por regra, a perícia médico-legal é requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, sendo que nas situações em que tal não seja possível ou conveniente, ou seja, quando não for realizada por uma dessas instituições, será então efectuada por um único perito nomeado pelo Juiz.

Sendo a perícia médico-legal requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, não cabe nessa situação a nomeação do perito [ainda que a perícia venha a ser realizada sob forma colegial] nem ao Tribunal nem às partes, não sendo assim convocável o disposto no artigo 468.º do CPC, pois que neste domínio, tendo subjacente o disposto no artigo 467.º, n.º 3 e na Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, a realização de perícias médico-legais e forenses são exclusivamente realizadas pelos médicos integrados no mapa de pessoal do INMLCF, IP, ou pelos que são contratados para esse efeito por essa instituição [Cfr. artigos 21.º, n.ºs 1 e 4, e 27.º deste diploma legal] – Cfr. neste sentido o Acórdão do TR do Porto, datado de 13 de desembro de 2012, proferido no Processo n.º 1518/11.5TBVRL, e o Acórdão do TR de Guimarães, datado de 20 de março de 2014, proferido no Processo n.º 2016/12.5TBBCL, disponíveis em www.itij.pt.

Sem prejuízo de reconhecermos as competências consultivas da Ordem dos Médicos [Cfr. artigo 72.º, alínea g) do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 05 de julho, na actual redacção conferida e republicada pela Lei n.º 177/2015, de 31 de agosto], na medida em que está em causa a apreciação de matéria de natureza técnica, específica e complexa, tampouco assiste razão em torno do pedido de parecer a esta associação de direito público, pois que o INMLCF, IP é a instituição legalmente vocacionada para a levar a cabo, nos termos da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto [a que se reporta o artigo 467.º, n.º 3 do CPC],

No domínio da apreciação da prova, assume particular relevância o princípio do inquisitório, a que se reporta o artigo 411.º do CPC, em que o Juiz está investido numa especial posição em torno da tomada de iniciativa, oficiosa, de efectuar e promover nos autos o que julgar por relevante quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, o que entronca com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e as condições de acesso ao direito a que se reporta o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, sendo por isso que como assim julgamos, as decisões recorridas e pelos termos e pressupostos em que se estribou o Tribunal, a quo, não condicionam o exercício do direito à prova/contraprova querido exercer por parte dos Réus, tendente à aquisição de uma decisão justa num processo equitativo – Cfr. artigo 2.º, n.º 1 do CPTA.

De modo que, porque não nos situamos perante qualquer erro de julgamento do Tribunal a quo em torno dos pedidos de prova por si apresentados, e desta forma, porque as decisões recorridas não violam o disposto nos artigos 468.º, 3.º e 413.º, todos do CPC, e porque decidiu com acerto em face das normas legais e processuais aplicáveis, a pretensão recursiva dos Recorrentes tem assim de improceder.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Perícia médico-legal; Perícia colegial.

1 – Conforme dispõe o artigo 410.º do CPC, constitui finalidade ou objecto da instrução dos autos, os factos que sejam necessitados de prova, por controvertidos, sendo que nos termos do disposto no artigo 341.º do CC, a prova destina-se à demonstração da realidade dos factos.

2 - Em torno da relevância e da idoneidade dos meios de prova, assim como da sua suficiência, tudo deve passar pela avaliação por parte do julgador tendo subjacente o disposto no artigo 90.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPTA, ou seja, que a instrução se rege segundo o disposto na lei processual civil, tendo por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, ordenado as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, e nesse patamar, cumprida a audiência contraditória, cabe-lhe depois apreciar livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção, em conformidade com o disposto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC.

3 - Conforme assim disposto pelos artigos 388.º e 389.º, ambos do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial [Cfr. artigo 390.º do CC], sendo que, a força das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.

4 - O artigo 468.º do CPC não é aplicável às perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, designadamente às perícias médico-legais.

5 - Conforme assim disposto pelo artigo 21.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, as perícias médico-legais, ainda que sob forma colegial [quando o Juiz, na falta de alternativa o determine de forma fundamentada], devem ser realizadas pelas delegações do INMLCF, IP sendo os peritos [sob forma singular ou colegial] designados por este organismo.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelos Recorrentes CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO ..., EPE, AA, e BB, mantendo as decisões recorridas.

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Custas a cargo dos Recorrentes – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 24 de fevereiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro