Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00284/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/25/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:PREJUÍZO IRREPARÁVEL; INSUFICIÊNCIA DE BENS; APOIO JUDICIÁRIO; ARTIGOS 232º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO; ARTIGO 52º N.º 4 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA; ARTIGOS 1403º, 1404º, 1408º, 2070º E 2071º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 826º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 1º DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO.
Sumário:I – Se o Executado é apenas um dos beneficiários de herança indivisa, não pode oferecer como garantia de uma divida de que é exclusivamente sua (e não dos demais herdeiros) os concretos imóveis ou outros bens que integram aquela universalidade.
II – Todavia, o referido em I., não significa que não possa oferecer como garantia de pagamento da dívida exequenda, o seu “direito à herança” ou que sobre esse direito não possa incidir penhora (artigos 1403º-1404º, 1408º, 2070º e 2071º, do Código Civil, 826º do Código de Processo Civil e 232º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
III – A concessão do benefício de apoio judiciário visa assegurar que ninguém, por razões económicas, se veja impedido ou limitado, de aceder à justiça para defender os seus direitos [cfr. artigo 1º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção a este introduzido pela lei n.º 47/2007, de 29 de Julho] e constitui uma decisão proferida pelo Instituto de Segurança Social tendo, fundamentalmente, na sua base, um requerimento apresentado pelo potencial beneficiário, as declarações pelo mesmo aí prestadas e a aplicação de uma formula previa e legalmente prevista.
IV – O Instituto de Segurança Social, através daquela sua decisão, limita-se a atestar a insuficiência ou incapacidade financeira de um beneficiário de apoio judiciário para suportar despesas judiciais ou honorários, mas não atesta, porque tal lhe não compete, a capacidade ou incapacidade do Recorrente enquanto devedor subsidiário para prestar uma determinada garantia, a qual apenas na sede própria, pode e deve ser realizada com base em todo o património do Recorrente e tendo em vista um fim completamente distinto da concessão de apoio judiciário: dispensa ou não da prestação de uma garantia no âmbito de uma execução fiscal e tendo em vista a suspensão desta.
Recorrente:J(...)
Recorrido 1:Fazenda pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - Relatório

J(…), residente em Braga, veio, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente improcedente a Reclamação apresentada do despacho do Chefe de Finanças de Guimarães que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia interpor o presente recurso jurisdicional, culminando as suas alegações com as seguintes:

«CONCLUSÕES:
1. O recorrente interpôs recurso da sentença proferida que julgou improcedente a reclamação apresentada, indeferindo o pedido de dispensa de prestação de garantia, uma vez que entende não terem sido correctamente valorados os preceitos legais aplicáveis.
2. O recorrente preenche ambos os requisitos, alternativos, do artigo 52º, nº 4, da LGT (Lei Geral Tributária) para que lhe seja dispensada a prestação de garantia, isto é, a prestação de garantia causa-lhe um prejuízo irreparável, assim como é manifesta falta de meios económicos do reclamante, a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda.
3. A propósito do recorrente ter alegado a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, refere a sentença recorrida como consta do probatório, que o recorrente é titular de uma quota-parte de uma herança constituída por vários prédios, quer urbanos, quer rústicos e de duas contas bancárias.
4. Porém, o Tribunal ad quo não teve em consideração toda a realidade envolvente que considera, sendo certo que o facto de o recorrente ser titular de uma quota-parte de uma herança constituída por vários prédios, quer urbanos, quer rústicos, não implica necessariamente que o valor dessa quota-parte seja suficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou para a constituição de uma garantia no valor de € 51.840,33, sendo ainda de difícil determinação o montante correspondente a essa quota-parte.
5. No entanto, a sentença recorrida partindo do valor patrimonial da herança e da quota-parte a que o recorrente teria direito, chegou à conclusão que apenas lhe faltariam € 20.000,00 para atingir o valor da garantia, ou seja, ao montante de € 51.840,33.
6. Valor esse, que segundo a sentença recorrida, o recorrente poderia ter nas suas contas bancárias.
7. Todavia, é este raciocínio da sentença recorrida que não se pode aceitar, pois o valor patrimonial não é sinónimo de valor real, o que neste caso é por demais evidente, até porque a maioria ou a totalidade dos prédios se encontram onerados com penhoras.
8. Ao que acresce que o valor de um quinhão hereditário por ser um direito que não é pleno, de que o seu titular não pode dispor sozinho nem livremente, e, sem determinação de parte ou direito é reduzidíssimo, para não dizer nulo.
9. Acresce ainda que, também não se pode concluir que o recorrente poderia ter valores suficientes nas suas contas bancárias, o que se pode verificar pelo próprio processo de execução fiscal, o que aliás é condizente com a precária situação do recorrente.
10. Motivos pelos quais o valor da quota parte da herança e das contas referidas é manifestamente insuficiente para pagamento da dívida exequenda e acrescido e, portanto, o requisito legal encontra-se preenchido.
11. Tendo em conta o valor do direito do recorrente sobre os imóveis, uma “hipotética” hipoteca voluntária constituída junto de uma instituição financeira seria sempre inferior ao valor exigido em garantia.
12. Com efeito, o recorrente é apenas um dos herdeiros da herança deixada por I(…), sendo que no total há 8 herdeiros a concorrer em condições de igualdade à mesma.
13. Sendo que, por outro lado, apesar de a referida herança conter diversos bens imóveis, a verdade é que o valor dos mesmos é de tal modo diminuto que não chega para cobrir a prestação da garantia exigida pela Administração Fiscal, muito menos quando ao reclamante apenas lhe caberá, no máximo, um oitavo desse valor.
14. Tal valor é atestado pela própria Administração Fiscal (Valor Patrimonial Tributário), pelo que não há a mínima hipótese de qualquer especulação do recorrente.
15. Em qualquer caso, qualquer acto sobre o eventual direito do reclamante relativo à herança, por força da lei, careceria do consentimento dos demais herdeiros, não podendo, portanto, o recorrente dispor livremente desse direito – arts. 1403.º e 1404.º, do Código Civil.
16. O recorrente reúne as condições que o legislador previu no artigo 52º, nº 4 da LGT, para a dispensa da prestação de garantia.
17. Detendo a Administração todos os elementos necessários para análise da situação acima descrita, nomeadamente, os comprovativos da insuficiência económica, nos termos exigidos no artigo 170º do CPPT.
18. O recorrente alegou ainda na sua reclamação que, face à insuficiência do valor da quota da herança de que o mesmo é titular para pagamento da dívida exequenda, que o seu rendimento mensal poderia ser penhorado se a execução não fosse suspensa, o que lhe causaria necessariamente um prejuízo irreparável, uma vez que esse rendimento lhe é totalmente indispensável à sobrevivência.
19. Conforme se pode concluir da análise da declaração de rendimentos apresentada relativa ao ano de 2010, aceite pela própria Administração fiscal, e atento o valor da garantia exigida, esta, a ser prestada, seria superior ao rendimento global auferido pelo ora recorrente.
20. Sendo indubitável que a privação de tal rendimento, essencial à satisfação das necessidades básicas do reclamante, constitui um prejuízo irreparável, enquadrável no referido artigo 52º, nº 4, da LGT, uma vez que tal rendimento e tais necessidades são elementos necessários a uma vida em condições condignas e de acordo com a dignidade da pessoa.
21. Tal situação em que o reclamante se encontra é de tal modo grave que nenhuma instituição financeira reconhece ao ora reclamante condições para garantir qualquer valor, sabendo desde logo, que o reclamante nunca o poderia pagar em caso de uma garantia ser accionada.
22. De tal modo correspondem à verdade os factos supra vertidos que o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, reconheceu a insuficiência económica tendo-lhe reconhecido o direito a apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
23. Termos em que, como acima afirmamos, o património do recorrente é manifestamente insuficiente para prestação de garantia que, a prestar-se, por um qualquer modo que o reclamante de todo desconhece, por impossível, causar-lhe-ia um PREJUÍZO IRREPARÁVEL, por privação do parco rendimento que dispõe para fazer face às suas necessidades diárias.
24. Como já se referiu, do valor dos imóveis que compõe a herança e do facto de o recorrente não poder dispor sozinho e livremente do seu direito, para mais não pleno e em comum e sem determinação de parte ou direito, resulta que o mesmo é insuficiente para a constituição de uma qualquer garantia, seja esta bancária, de caução, seguro-caução ou outra, de valor igual a € 51.840,33, pondo pois em risco aquele rendimento mensal do executado e que lhe é essencial e indispensável à sua sobrevivência.
25. E ainda, a questão da insuficiência do património pessoal do recorrente lhe ser imputável não tem aqui qualquer cabimento, uma vez que a dívida teve origem não na gestão deste património pessoal, mas sim do património da sociedade executada.
26. Com efeito, não faz qualquer sentido que a questão se coloque nos mesmos termos, apurando-se a responsabilidade do recorrente pela insuficiência do seu património pessoal para responder por dívidas que em nada dizem respeito a este património.
27. Tal questão apenas se poria no caso de as dívidas serem provenientes da uma gestão danosa do património do recorrente, o que não é o caso.
28. O património do recorrente e os seus rendimentos correspondem à gestão legítima que deles foi feita ao longo da vida do recorrente e que lhe permitem auferir uma reforma com o valor já referido.
29. Pelo que, também por esta via, deveria ter sido concedida ao recorrente a dispensa de prestação de garantia e, consequentemente, deveria ter sido suspensa a execução.
TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO, deve a sentença recorrida ser revogada, decidindo-se em conformidade com as presentes alegações.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA.».
A Fazenda Pública, notificada da admissão do recurso jurisdicional, não contra-alegou.

Os autos foram com «Termo de Vista» ao Ministério Público tendo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer no sentido de ser integralmente mantida a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário), importa agora decidir.

II – O Objecto do Recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

(i) Saber se a sentença recorrida errou na valoração que realizou dos factos apurados destes extraindo conclusões indevidas que afectaram o julgamento que sustentou a decisão de direito.

(ii) Saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter decidido que no caso concreto não se mostravam verificados os pressupostos legais de que se encontrava dependente a dispensa de prestação de garantia.

III – Os Factos

Em 1ª instância, o julgamento de facto realizado encontra-se sedimentado pela forma que infra se reproduz ipsis verbis:

«Considero provados os seguintes factos, com base no teor dos documentos juntos aos autos:

A) Pelo Serviço de Finanças de Guimarães (…), foi instaurado o processo de execução fiscal n.º3476199201025589, contra “S(…), Lda.”., para cobrança coerciva de dívidas relativas a IVA, no montante global de € 29.058,18, cfr. pef. apenso e fls. 60 dos autos

B) A 24.04.2010, foi determinada a reversão do processo de execução fiscal identificado em A), contra J(…) cfr. fls. 220 a 228 do pef.;

C) O ora reclamante apresentou oposição à execução fiscal no TAf de Braga, cfr. fls. 355 e 356 do pef.;

D) A 3.11.201, foi fixada a garantia no valor de € 51.840,33, cfr. fls. 349 do pef.;

E) A 13.12.2010, o reclamante requereu a suspensão da execução com dispensa da prestação de garantia, por requerimento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cfr. fls. 425 a 430 do pef.;

F) A 13.01.2011, pelo Serviço de Finanças foi elaborada informação, cfr. fls. 480 do pef., cujo teor consta de documento de fls. 480 a 482 do pef., que aqui se dá por integralmente por reproduzido, do qual consta de relevante o seguinte:

“(…)

Entretanto, encetadas as diligências necessárias para a devida apreciação, com vista à adequada decisão, do pedido formulado pelo executado subsidiário e ora em questão, constatou-se que:

- O requerente aufere, a título de pensão, um montante pecuniário anual de 19.754,00 €;

- O requerente é titular de duas contas bancárias, à ordem, uma no Banco (…), S.A., e outra no Banco (…), S.A.;

- O requerente é titular de uma quota parte (1/7) de uma herança indivisa, aberta por óbito de I(…), herança essa contendo, pelo menos, 37 prédios, sendo 7 urbanos e 30 rústicos, e ainda 1/5 de um jazigo sito na cidade do Porto.

(…)”;

G) A 13.01.2011, foi proferido despacho pelo Ex. Sr. Chefe de Finanças, cfr. fls. 483 do pef., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, no qual consta a seguinte motivação:

"( ... )

De facto, a Administração Fiscal podia, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou haver manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência dos bens penhoráveis o que seria necessário provar e, na verdade, não existe qualquer documento ou elemento probatório nos respectivos processos de execução fiscal.

Acontece ainda, face à análise dos elementos do processo, que o requerente e executado, tal como já foi referido, não conseguiu fazer prova de qualquer dos requisitos ou fundamentos para ser proferida decisão em sentido da isenção da prestação da garantia, conforme dispõe o n. ° 3 do art. ° 170. ° do CPPT, dada que, como se verifica, existem bens no património jurídico do mesmo que podem ser indicados para o efeito, apesar de já se encontrarem penhorados.

Além disso, por força do disposto no artigo 74.º da LGT, artigo 88.º, do CPA e artigo 342.º do CC., ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, aquele que requer ou invoca um direito deverá fazer prova do direito invocado.

Nesta conformidade, prossigam as execuções fiscais seus termos processuais.

( .... ).”

H) O reclamante é titular do direito a 1/7 da herança indivisa aberta por óbito de I(…), composta por 37 prédios, sendo 7 urbanos e 30 rústicos, um jazigo no cemitério de Lordelo, em Felgueiras, e 1/5 de um jazigo sito na cidade do Porto, cfr. fls. 290 a 297 dos autos;

I) O valor patrimonial global dos prédios rústicos referidos em H) é de € 6.871,72, cfr. fls. 298 a 334 dos autos;

J) O valor patrimonial global dos prédios urbanos referidos em H) é de € 210.500,00 cfr. fls. 43 dos autos;

K) O valor patrimonial dos jazigos referidos em H) é de € 250,00, cada, cfr. fls. 297 dos autos;

L) O reclamante é titular de duas contas bancárias, à ordem, uma no Banco (…), S.A., e outra no Banco (…), S.A., cfr. fls. 471 do pef.;

M) O reclamante aufere, a título de pensão, um montante pecuniário anual de € 19.754,00, cfr. fls. 469 do pef.;

N) A 17.01.2011, foi o reclamante notificado do despacho referido em E), cfr. fls. 485 a 489 do pef.;

O) O reclamante é divorciado, sendo o seu agregado familiar apenas constituído pelo próprio, cfr. fls. 41 dos autos;

P) A dedução para efeitos de proteção jurídica, incluindo os encargos com necessidades básicas e com a habitação é de € 4398, cfr. fls. 41 dos autos.

*

Factos não provados.

1. O reclamante vive com uma pensão de reforma no valor de € 1.300,00;

2. As despesas de água, luz, transporte, telefone, alimentação, vestuário e calçado e todas as demais inevitáveis têm um valor mensal de € 500,00;

3. O requerente está obrigado por divórcio homologado ao pagamento ao ex-cônjuge da pensão de alimentos mensal de € 618,60, correspondentes a € 600,00 atualizados de acordo com a lei;

4. Ao rendimento do requerente tem vindo a ser descontado parte da pensão que aufere correspondente ao processo n.º 2340/05.3TBFLG, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial, ou seja, cerca de € 408,94;

5. O reclamante suporta a renda mensal de € 216,00, relativa ao arrendamento da casa.

III – O Direito

Como se vê da delimitação do recurso que efectuamos (ponto II supra), pese embora a factualidade apurada não venha directamente impugnada, ressalta das conclusões apresentadas, e destas conjugadas com o corpo das alegações, que o Recorrente não se conforma com as ilações ou conclusões de facto que o Meritíssimo Juiz a quo extraiu dos factos assentes como provados sendo, aliás, por esta via e na veemente impugnação destas ilações que, em definitivo, questiona o subsequente julgamento de direito.

Vejamos, pois, se lhe assiste razão, começando por salientar, como se fez constar na decisão recorrida numa breve incursão realizada sobre o instituto em análise, que «Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.», aí se explicitando também que «Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção

Detalhando um pouco mais o regime legal em apreciação e louvados na interpretação que, de forma unânime, a jurisprudência e a doutrina do mesmo realizam, importa alertar, por fundamental, para o facto de ser sobre o Executado que pretende ser dispensado de prestar garantia que recai o ónus de provar os pressupostos de que esta está dependente, ou seja, que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao Executado, (por se tratar de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido) é um ónus que sobre aquele recai e se mantém quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado e se estende, ainda, à prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

Mas é precisamente por entender que existem factos apurados que permitem concluir pelo preenchimento destes requisitos - desde que conjugados e apreciados em toda a sua envolvência e deles extraídas as correctas ilações - que o Recorrente se não conforma com a decisão de improcedência da sua pretensão.

Para, contudo, se poder compreender integralmente a pretensão revogatória aduzida pelo Recorrente, importa que antes de mais se tenha em consideração a apreciação factual que conduziu o Meritíssimo Juiz a quo àquela decisão de direito, razão pela qual, ainda que apenas no seu aspecto essencial, aqui se reproduz:

«No caso dos autos, o Reclamante invocou a verificação de qualquer dos apontados pressupostos alternativos (…) e, claro está, do pressuposto cumulativo – a não responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens.

(…)

Analisemos, então, a verificação da alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Desde já se dirá que o reclamante não pode invocar as dívidas dos outros PEF como fundamento para a isenção da prestação de garantia deste processo. A decisão da isenção da prestação de garantia não é verificada na sua totalidade, mas processo a processo.

Por outro lado, o facto de determinados bens já terem sido penhorados no âmbito de outros processos executivos, não impede que sobre os mesmos venha a recair nova penhora. É, aliás, prática habitual, em processos de execução fiscal que não estão apensados, fazer incidir mais que uma penhora sobre o mesmo bem, nomeadamente quando os bens são de valor significativo, como é o caso. Aliás, tal prática revela uma posição de cautela da própria exequente, uma vez que pode bem acontecer que a legalidade das dívidas garantidas pela penhora de um bem venha a ser decidida contra a Administração Tributária, pelo que, nesse caso, nunca se porá a questão de a dívida ser paga com o produto da venda desse bem, fazendo sentido que o mesmo sirva simultaneamente de garantia a outra dívida, assim se acautelando os interesses da Fazenda Pública.

Portanto, por si só, a demonstração de que os bens em causa já foram penhorados anteriormente não revelaria a alegada insuficiência, nem tão-pouco revela, de forma incontornável, a inidoneidade dos bens em causa.

Conforme resulta da matéria de facto provada o valor da garantia a prestar é de € 51.840,33 (alínea D)). Por seu turno, o património do reclamante é constituído pelo direito a 1/7 da herança indivisa aberta por óbito de I(…), composta por 37 prédios, sendo 7 urbanos e 30 rústicos, um jazigo no cemitério de Lordelo, em Felgueiras, e 1/5 de um jazigo sito na cidade do Porto e duas contas bancárias (alíneas H) e L)).

Ora, por referência aos bens que constituem a herança e por atenção ao seu valor patrimonial global, a quota correspondente ao reclamante no património da herança é insuficiente para pagamento da quantia exequenda e acrescido, havendo uma diferença de cerca de € 20.000,00. Todavia, nada impede que, por efeitos de nova avaliação dos bens, os seus valores sejam atualizados e, eventualmente, fixados em termos que a quota parte do ora reclamante fosse por si só suficiente para pagamento da dívida e acrescido.

Há, no entanto, um outro aspecto que não pode deixar de ser aqui chamado à colação e que assume um papel preponderante na análise da verificação deste requisito que vimos analisando, relativo à insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda. Com efeito, conforme se extrai do probatório, o reclamante é titular de contas bancárias, legalmente passíveis de penhora tendente a assegurar os créditos da Fazenda Pública – cfr. artigo 223º (penhora de dinheiro ou de outros valores depositados), do CPPT. Porém, quanto a estas, o reclamante nada disse, designadamente não concretizou os montantes dos seus depósitos.

No caso, tudo dependeria dos concretos valores dos saldos das contas bancárias, em contraponto com o valor da garantia a prestar. Com efeito, a apreciação sobre a inexistência de bens penhoráveis não pode, in casu, deixar de ter em conta os montantes envolvidos. Sucede, porém, que o executado, aqui reclamante, jamais concretizou os saldos bancários, impedindo, assim, que o Tribunal possa estabelecer um contraponto entre os valores envolvidos e, desse modo, conclua, como pretendido, pela verificação da insuficiência de bens.

Portanto, e em síntese, conclui-se que o reclamante, contrariamente ao que lhe era legalmente imposto (artigo 170º do CPPT, artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT) não provou este primeiro pressuposto para a dispensa da prestação de garantia – insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Passemos, seguidamente, à apreciação do alegado prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia.

O reclamante alega que a prestação de garantia colocará o requerente numa situação de extrema carência, deixando este de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das suas necessidades básicas, ou seja, será posta em causa a sua própria subsistência, tendo em conta os seus rendimentos, provenientes somente da pensão que recebe. Porém, não lhe assiste razão, conforme infra se exporá.

Como se retira do elenco dos factos provados (alínea L)), o reclamante aufere, a título de pensão, um montante pecuniário anual de € 19.754,00. Ora, nos termos do disposto no art.º 824.º, n.º 1, al. b), do CPC, aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea e), do CPPT, a penhora da pensão tem que respeitar os limites da sua impenhorabilidades, apenas podendo incidir sobre 1/3 do seu valor, pretendendo-se, desta forma garantir aos visados as condições mínimas de sobrevivência. Logo, o alegado prejuízo não se verifica, porquanto, no caso da penhora incidir sobre a pensão recebida pelo reclamante, sempre estaria salvaguardado o valor mínimo da pensão, nos termos legais, com vista à satisfação das suas alegadas necessidades básicas.~

Acresce que, existindo outros bens susceptíveis de penhora, conforme demonstrado, poderá nem sequer existir necessidade de proceder à penhora da pensão.

De tudo quanto ficou dito, podemos concluir que a Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, que a prestação da garantia (consistente na penhora dos bens de que é titular) lhe cause prejuízo irreparável.» [sublinhado de nossa autoria].

Em suma, e se bem entendemos todo o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal recorrido, foi entendimento deste que, para que a pretensão do Recorrente pudesse obter provimento, era imperioso, desde logo, que tivesse alegado e demonstrado a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar.

Porém, como apesar de tal ter sido alegado, não logrou o Recorrente demonstrar factos bastantes ao preenchimento desses pressupostos, decidiu o Tribunal a quo ser de manter a decisão do Chefe de Finanças de Guimarães de indeferimento de dispensa de prestação de garantia.

Adiante-se, desde já, que esta decisão não merece ser censurada, sendo manifestamente insustentável a critica realizada de que toda a decisão assenta numa errada e descontextualizada apreciação dos factos apurados.

Efectivamente, resulta à saciedade dos factos apurados e não apurados que o Recorrente não logrou comprovar os factos essenciais invocados e que sustentariam a sua pretensão de ilegalidade da decisão da Administração Tributária.

Assim, não provou a insuficiência de património porque ficou demonstrado que este existe e não ficou apurado, face aos factos não apurados, que o mesmo, na sua globalidade, não seja suficiente à prestação daquela garantia: o Recorrente é um dos herdeiros de um património, senão vasto, pelo menos razoável em qualquer circunstância, de que fazem parte 37 prédios (rústicos e urbanos) com o valor total de cerca de € 217.31,00; jazigos no valor total de cerca de € 500,00; aufere uma pensão anual no valor de € 19.754,00 e é titular de duas contas bancárias cuja existência e «valor em depósito» nunca adiantou, nem à Administração Tributária, nem ao Tribunal [cfr. factualidade apurada em H), I), J) E K) do ponto II supra].

É certo, poderá adiantar-se, como o fez, de resto, o Recorrente, mesmo considerando o valor individual dos bens imóveis que individualmente integram a herança e, sobretudo, não olvidando que àquela universalidade concorrem mais 7 herdeiros, poderíamos ser tentados a concluir que tal valor é manifestamente inferior ao valor da quantia exequenda e acrescido cujo pagamento a garantia a constituir visa assegurar e que na data da interposição desta acção ascendia a cerca de € 51.840,33 [cfr. facto assente sob a alínea D) do mesmo ponto III deste acórdão]

Porém, para que tal conclusão pudesse ter sido extraída, era forçoso que o Recorrente tivesse demonstrado não só que duma avaliação actualizada dos referidos imóveis não resultavam apurados valores superiores aos que constam fixados há largos anos, em sede de Valor Patrimonial Tributário (VPT) e, por outro, que não existiam outros bens.

Ora, como se apurou, o Recorrente (para além da pensão que aufere) possui ainda duas contas de que é titular em instituições bancárias, que nunca mencionou e sobre cujo saldo ou provimento mantém, desde o início e até agora, o mais completo silêncio.

Aliás, em recurso, e perante este facto indesmentível, vem o Recorrente alegar (presume-se, considerando o facto de não ter sido apurado o quantum depositado nas mencionadas contas bancárias) que «também se não pode concluir que o recorrente teria valores suficientes nas suas contas bancárias» para garantir a divida exequenda, alegação que, desde já se diga, acompanhamos e que, se bem vemos, o próprio Tribunal a quo também não contraria.

Acontece porém que, e isto é que é fulcral, relevante não é saber se o Tribunal pode concluir (que não conclui) pela existência naquelas contas de valores suficientes para garantir a divida mas sim se ficou provado que o valor monetário em depósito naquelas contas não era suficiente ou era mesmo irrelevante para efeitos de se poder concluir pela suficiência de bens à prestação da garantia, e isso, repita-se, o Recorrente, sobre quem recaía tal ónus de prova, não fez.

Mas, o Recorrente, visando contrariar a relevância que, do ponto de vista patrimonial, do acervo de bens supra mencionado pudesse ser extraída, veio ainda alegar, no que concerne aos imóveis, que tais bens não se encontram na sua disponibilidade sendo que, a sua susceptibilidade para fazer face ao pagamento da divida exequenda estaria sempre dependente da anuência que os demais herdeiros (mais 7) viessem ou não a conceder (vide, conclusão 15. «Em qualquer caso, qualquer acto sobre o eventual direito do reclamante relativo à herança, por força da lei, careceria do consentimento dos demais herdeiros, não podendo, portanto, o recorrente dispor livremente desse direito – arts. 1403.º e 1404.º, do Código Civil.»).
E, efectivamente assim é. Como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.01.26, (BMJ 483º/211), em que a natureza dos direitos do herdeiro antes de efectivada a partilha surge analisada de forma claríssima: «A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, (cfr.nº 1, do art. 1403), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.

Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas.

Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles “.

Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.

Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)».

Todavia, o facto de assim ser, significa tão só que o que o Recorrente (Executado) não pode é, perante herança indivisa e de que é apenas um dos beneficiários, proceder à oneração de determinados ou concretos bens que integram aquela universalidade de direito, designadamente, oferecendo-os (individualmente) como garantia de uma dívida que apenas é da sua responsabilidade já que, como diz, qualquer acto de disposição sobre qualquer bem que integre aquela universalidade está dependente dos demais herdeiros, por força do disposto no artigo 1408º do Código Civil. Porém, nada impede que o Executado e ora Recorrente ofereça como garantia de pagamento de uma divida própria o seu direito “a uma fracção ideal do conjunto».

Em suma: do facto de estarmos, pelo menos aparentemente, perante uma herança indivisa e de a disponibilidade dos bens concretos que a integram ou desta no seu todo estar dependente, até à partilha, da vontade do colectivo (conjunto de herdeiros) não significa que não possa um concreto herdeiro oferecer o seu direito a uma quota hereditária, o seu direito à herança para garantia no âmbito de uma execução ou que sobre esse direito não possa incidir penhora, como, de resto, resulta inclusive dos autos, ter sido já realizada pela Administração Tributária, em conformidade com o preceituado nos artigos 601º, 2070° e 2071° do Código Civil e 826º do Código de Processo Civil e 232º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Acresce que, como também não deixou de evidenciar o Meritíssimo Juiz a quo, a prestação da garantia não tem que ser realizada, exclusivamente ou sequer parcialmente por recursos a bens próprios e, se o Recorrente invocou que na sua situação financeira precária nenhuma instituição bancária acederia a emitir em seu nome uma garantia, nada provou nesse sentido, o que, como já repetidamente afirmamos, lhe competia ter feito.

Temos, pois, por seguro, repita-se, face aos factos apurados e não apurados e numa interpretação envolvente e contextualizada dos mesmos, que a decisão do Tribunal a quo, na parte em que julgou que o Recorrente não lograra fazer prova de factos bastantes para que se desse como preenchido o pressuposto da alegada insuficiência de bens para prestação de garantia, nenhum reparo merece.

Ausência de censura esta que, natural e até de forma mais manifesta se estende à resposta que o Tribunal recorrido entendeu dar quanto ao preenchimento do pressuposto alternativo, também invocado pelo Recorrente, a saber: que a prestação da garantia lhe iria causar prejuízo irreparável.

Para que bem se compreenda o juízo que formulamos do acerto da decisão, importa, antes de mais, que se apreciem criticamente os juízos conclusivos extraídos pelo Tribunal e que conduziram a que na sentença recorrida se tivesse julgado como igualmente não preenchido o pressuposto do prejuízo irreparável que para o Recorrente adviria se não fosse dispensado da prestação de garantia.

E, nesse sentido, importa aqui recordar que, o recorrente, na Reclamação deduzida, e posteriormente submetida a juízo, o Recorrente alegou que: (a) a sua única fonte de rendimento é a pensão que aufere no valor de cerca de € 1.300,00 mensais, (b) sobre a qual incidia já uma penhora no valor de cerca de € 408,94 (para pagamento de quantia exequenda no âmbito do processo n.º 2340/05.3TBFLG, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial); (c) é por recurso a esse rendimento que paga ao ex-cônjuge uma pensão de alimentos mensal de € 618,60 (correspondentes aos € 600,00 acordados e actualizados de acordo com a Lei); (d) é também por recurso àquela pensão que paga a renda da casa que habita, no valor de € 216,00 e, (e) por fim, que é por recurso ao remanescente, que faz face a todas as despesas inerentes à sua sobrevivência condigna, como sejam as despesas com água, luz, transporte, telefone, alimentação, vestuário e calçado, num total de cerca de € 500,00 por mês.

Tudo, para concluir que, não tendo bens nem meios para proceder à prestação da garantia que lhe é exigida pela Administração Tributária e consequentemente suspender os termos da execução, a não dispensa da prestação daquela conduzirá inevitavelmente à penhora da sua pensão e a uma real incapacidade de sobreviver ou viver com um mínimo de dignidade.

Considerando que o Recorrente alegou despesas fixas superiores aos próprios rendimentos auferidos e que alegou não possuir outros rendimentos ou bens, dúvidas não teríamos que, a ter logrado demonstrar tais factos, era manifesta a irreparabilidade do prejuízo que para si poderia adviria da prestação da garantia.

Acontece porém que, basta atentarmos na factualidade seleccionada e plasmada quer em sede de factos provados quer em sede de factos não provados - que o Recorrente objectivamente não questiona – para sermos forçados a concluir no sentido em que o fez o Tribunal a quo, isto é, para se concluir, inequivocamente, que todos os factos que o Recorrente esgrimiu ou não resultaram provados (e consequentemente, neles não pode assentar qualquer juízo de facto capaz de sustentar a pretensão do Recorrente), ou se reconduzem a juízos fácticos que enuncia mas destituídos de qualquer suporte jurídico.

Na realidade, tudo quanto ficou provado foi que o Recorrente aufere uma pensão anual no valor de cerda de € 19, 754,00 [alínea M. dos factos provados e nºs. 1. a 5. dos factos dados como não provados, tudo, no ponto IIII supra].

Ora, ainda que a Administração Tributária venha a entender, numa continua ausência de prestação de garantia (que a todo o tempo pode vir a ser requerida pelo Executado) que o bem já objecto de penhora (direito à herança) não é suficiente para garantir a divida exequenda ou que outros bens (móveis ou imóveis) eventualmente existentes no património do Recorrente também não são idóneos a satisfazer tal objectivo e venha a optar por efectuar a penhora da pensão do Recorrente, sempre esta estará dependente, na sua extensão, ao preceituado no artigo 824º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Civil. Ou seja, ainda que a penhora sobre a pensão de reforma do Recorrente se venha a concretizar, a mesma nunca excederá, nos termos legalmente exigidos, 1/3 daquela pensão ficando, sempre, salvaguardado, no mínimo, a percepção de um salário mínimo nacional, isto é, aquele montante mínimo que, de forma regular, o Estado Português, tendo por referencia vários critérios económicos e a capacidade do próprio país, estabelece como sendo o patamar mínimo abaixo do qual um cidadão não poderá viver condignamente.

Em síntese: mesmo numa hipotética situação de o Executado vir a ser destinatário de uma penhora a incidir sobre a sua pensão de reforma, considerando a salvaguarda que o próprio legislador estabeleceu no ultimo preceito citado e as despesas que o Recorrente logrou comprovar efectuar por recurso àquela pensão, era impossível concluir-se, in casu, pela verificação de um prejuízo irreparável decorrente do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

E daí que o Tribunal tenha concluído, numa correctíssima valoração dos factos e na sua irrepreensível subsunção ao direito, pelo não preenchimento do invocado prejuízo irreparável decorrente da exigência de prestação da garantia.

Uma última nota se nos afigura pertinente para que fiquem, definitivamente afastadas as duvidas que, pelo menos aparentemente, assolam o Recorrente quanto à sua verdadeira situação financeira e que se prende com a concessão do apoio judiciário (nota que não prescindimos realizar por, não obstante ter sido argumento insistentemente esgrimido por aquele, inclusive em sede de recurso, não ter sido, nem pela Administração Tributária, nem pelo Tribunal a quo devidamente esclarecido).

Para o Recorrente, o facto de lhe ter sido concedido apoio judiciário constitui elemento demolidor de qualquer conclusão no sentido de o Recorrente está capaz, economicamente, de prestar garantia ou que tem bens suficientes a garantir a divida exequenda.

É, porém, absolutamente insustentável a tese defendida.

A concessão do benefício de apoio judiciário, como resulta da própria lei, visa assegurar que ninguém, por razões económicas, se veja impedido ou limitado, de aceder à justiça para defender os seus direitos [cfr. artigo 1º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção a este introduzido pela lei n.º 47/2007, de 29 de Julho].

Num plano ideal, a concessão do apoio judiciário em referência, em qualquer das suas modalidade, dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, nomeação e pagamento da compensação a patrono, pagamento da compensação a defensor oficioso e atribuição de agente de execução) deveria traduzir uma correspondência exacta entre a medida da incapacidade e a concessão ou beneficio concedido. Para isso era, porém, necessário, que na apreciação e para a tomada da decisão, a Segurança Social tivesse não só acesso a uma verdadeira e completa declaração por parte dos Requerentes como a uma informação completa de registos e instituições, privadas e publicas, capazes de, em tempo útil, confirmarem ou infirmarem o declarado.

Como rapidamente se concluiu que a instituição de um tal procedimento ou mecanismo seria ilegal e inconstitucional (tendo em atenção, desde logo, as informações de natureza privada e sigilosa a que teriam que aceder), que mesmo que viesse a ser obtido o consentimento do próprio, esse processo seria sempre moroso e, por esta via, incapaz de realizar os objectivos de acesso à justiça que se visavam assegurar de forma rápida e porque a jurisprudência há muito vinha entendendo que ninguém devia ser obrigado a alienar ou onerar o seu património para exercer ou defender os seus direitos em Tribunal, consagrou-se um mecanismo mais limitado: o Requerente apresenta um requerimento onde declara os seus rendimentos, património e a despesa permanente do seu agregado familiar e a Segurança Social, com base nesse requerimento e nas informações dele constantes, aplica uma formula de cálculo da qual e, se dessa aplicação resultar que o rendimento, para efeitos de protecção jurídica é inferior a três quartos do indexante, isto é, não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, concede totalmente o beneficio solicitado.

Ora, no requerimento constante de fls. 41 e 42, onde o Recorrente (então Requerente) solicitou apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, vemos que aquele declarou que o rendimento liquido do agregado familiar era de € 7.881, nada constando, ainda, no local próprio, quanto à existência de outros activos patrimoniais pelo que, na sequencia do procedimento supra exposto, a Segurança Social se limitou a atestar a insuficiência, a incapacidade financeira daquele para suportar despesas judiciais ou honorários.

Porém, não atestou (e bem, porque tal lhe não competia), a capacidade ou incapacidade do Recorrente enquanto devedor subsidiário para prestar uma determinada garantia, a qual apenas na sede própria, a presente, pode e deve ser realizada com base em todo o património do Recorrente e tendo em vista um fim completamente distinto da concessão de apoio judiciário: dispensa ou não da prestação de uma garantia no âmbito de uma execução fiscal e tendo em vista a suspensão desta.

Averiguação que, bem se vê, não só da sentença Recorrida, como de todo o processado administrativo e instrução destes autos, bem foi realizada, culminando numa decisão de facto que não foi impugnada e de direito insusceptível de ser objecto do mínimo reparo e que, por todo o exposto, se confirma integralmente.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em:

Negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Porto, 25-10-2011

Ass.: Anabela Russo

Ass.: Catarina Almeida e Sousa

Ass.: Nuno Bastos