Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01082/05.4BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/23/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO; DECISÕES DE DEMISSÃO SUCESSIVAS.
Sumário:
1. A execução do julgado anulatório só pode considerar-se concluída quando hajam sido cumpridas todas as operações necessárias à colocação do exequente na posição em que se encontraria não fora a prática do acto anulado.
2. Tendo sido anulada a decisão de demissão praticada em execução de anterior decisão de decisão também anulada, a situação que importa reconstituir é, sem qualquer hiato, a que existiria se a primeira demissão não tivesse sido praticada. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Herança Jacente de ISPM e DPM
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentenças de anulação de actos administrativos - arts. 173.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Herança Jacente de ISPM e DPM vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18.03.2017, que julgou parcialmente procedente a presente execução que as Recorrentes movem contra o Município do Porto e, consequentemente: a) declarou a inexistência de causa legítima de inexecução; b) condenou o Executado a pagar às Exequentes as quantias correspondentes aos vencimentos, subsídios de férias, de Natal e de refeição que a funcionária ISPM teria auferido se não tivesse sido praticado o acto anulado, calculadas por referência ao período de 23.02.2005, data em que o acto anulado começou a produzir os seus efeitos, a 17.01.2008, data da produção de efeitos do acto (praticado em 07.11.2007) que aplicou a nova pena de demissão à funcionária, incluindo os aumentos salariais eventualmente ocorridos nesse período e os diferenciais existentes por eventuais progressões na carreira, descontando-se as remunerações já pagas à funcionária relativas a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, sem prejuízo do dever de o Executado efetuar todos os pagamentos legalmente devidos à CGA, à ADSE e à Autoridade Tributária (IRS), a título de descontos sobre os montantes em dívida; c) condenou o Executado a pagar às Exequentes juros de mora sobre as quantias em dívida, líquidas dos descontos legais e deduções que o Executado se encontra obrigado a efetuar, calculados desde a data da citação do Executado nos presentes autos e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano; d) Identificou o órgão administrativo responsável pela adopção dos actos acima referidos, a Câmara Municipal do Porto; e) fixou o prazo máximo em que estes actos devem ser praticados: 30 (trinta) dias.
*
Invocaram para tanto, em síntese, que a decisão recorrida:
1) na parte referente à alínea b) do dispositivo, condena ao pagamento apenas até 17.01.2008 (data de alegada produção de efeitos de acto de demissão de 07.11.2007) quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado ao pagamento até à data da morte da funcionária, a 1.06.2014;
2) na parte referente à alínea c) do dispositivo, condena ao pagamento dos juros de mora apenas desde a data da citação do Executado, ocorrida a 21.11.2014, quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado ao pagamento de juros de mora desde o vencimento de cada obrigação de pagamento posterior ao acto anulado, datado de 15.02.2005;
3) na parte em que absolveu (a página 19 da fundamentação da sentença), deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado no pedido de declaração de nulidade dos actos administrativos desconformes com a sentença e/ou a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal, designadamente, o Despacho do Senhor Vereador da Câmara Municipal de Porto do Pelouro de Recursos Humanos de 07.11.2007 e posterior Deliberação Camarária de 16 de Dezembro de 2008 publicados, respetivamente, no Diário da República, 2ª Série, n.º 11, a 16 de Janeiro de 2008 pelo Aviso n.º 1458/2008 e no Diário da República 2ª Série, n.º 109, a 5 de Junho de 2009 pelo Aviso (extracto) n.º 10633/2009;
4) na parte em que absolveu (a página 29 e 30 da fundamentação da sentença), deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado no pedido de condenação ao pagamento de sanção pecuniária compulsória diária, entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, nos termos do disposto nos artigos 169.º e n.º 3 do 179.º do CPTA, a aplicar aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença, a partir do termo do prazo concedido para a execução do julgado, sem que tal execução seja promovida nos termos determinados.
*
O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
*
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal a quo, proferida a 18.03.2017, que declarou a execução parcialmente procedente.
II. Ao contrário do entendimento referido pelo Tribunal no acórdão recorrido, não se verifica qualquer fundamento para condenar ao pagamento apenas até 17.01.2008 (data de alegada produção de efeitos de acto de demissão de 07.11.2007) quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado ao pagamento até à data da morte da funcionária, a 01.06.2014.
III. Ao contrário do entendimento referido pelo Tribunal no acórdão recorrido, não se verifica qualquer fundamento para condenar ao pagamento dos juros de mora apenas desde a data da citação do Executado, ocorrida a 21.11.2014, quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, condenado ao pagamento de juros de mora desde o vencimento de cada obrigação de pagamento posterior ao acto anulado, datado de 15.02.2005.
IV. Ao contrário do entendimento referido pelo Tribunal no acórdão recorrido, não se verifica qualquer fundamento para absolver (a página 19 da fundamentação da sentença), quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado no pedido de declaração de nulidade dos actos administrativos desconformes com a sentença e/ou a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal, designadamente, o despacho do Vereador da Câmara Municipal de Porto do Pelouro de Recursos Humanos de 07.11.2007 e posterior deliberação camarária de 16.12.2008 publicados, respectivamente, no Diário da República, 2ª Série, n.º 11, a 16.01.2008 pelo Aviso n.º 1458/2008 e no Diário da República 2ª Série, n.º 109, a 05.06.2009 pelo Aviso (extracto) n.º 10633/2009.
V. Ao contrário do entendimento referido pelo Tribunal no acórdão recorrido, não se verifica qualquer fundamento para absolver (a página 29 e 30 da fundamentação da sentença), quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado no pedido de condenação ao pagamento de sanção pecuniária compulsória diária, entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, nos termos do disposto nos artigos 169.º e n.º 3 do 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a aplicar aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença, a partir do termo do prazo concedido para a execução do julgado, sem que tal execução seja promovida nos termos determinados.
VI. Na verdade, os presentes autos dizem respeito a uma factualidade, em torno da situação de uma funcionária, demitida pelo Réu Município do Porto, aqui Recorrido, em 15.02.2005 (sem que a funcionária tenha regressado ao serviço).
VII. Sendo que, por acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 29.04.2008, o referido acto de demissão foi anulado, tendo por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.05.2014, o referido acórdão sido confirmado, mantendo a anulação do acto de demissão e da ratificação subsequente.
VIII. Tendo, dois dias depois, em 01.06.2014, a referida funcionária falecido.
IX. As Exequentes interpuseram a presente ação executiva para execução do acórdão anulatório uma vez que a Entidade Recorrida não o executou voluntariamente, pretendendo a reconstituição da situação hipotética actual até à data do falecimento.
X. Em 25.02.2005, apenas 10 dias após o despacho de demissão de 15.02.2005 supra referido, por despacho do Vereador dos Recursos Humanos, foram injustificadas faltas à funcionária, referentes ao ano de 2002 (três anos depois).
XI. Com base nas faltas injustificadas referidas no ponto anterior, em 07.11.2007 foi proferida decisão de aplicação de nova pena de demissão;
XII. Por acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16.09.2010, o acto de injustificação das faltas referidas em X – fundamento único da demissão de 07.11.2007, foi anulado.
XIII. A deliberação camarária de 16.12.2008 de alegada ratificação da decisão de 07.11.2007 nunca foi notificada (pessoal ou via postal) à funcionária.
XIV. O Município não juntou nem comunicou, como legalmente devia, aos autos do processo 1082/05.4 BEPRT e do processo 1174/05.0BEPRT (este último que correu termos na UO5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), a existência, conteúdo ou qualquer acto ou decisão de procedimento disciplinar ou qualquer ratificação que tivesse sido notificada ou publicada – nomeadamente a decisão de demissão de 07.11.2007 e ratificação camarária de 16.12.2008 - no processo disciplinar que origina a decisão de aplicação de pena de demissão de 07.11.2007.
XV. A decisão de 07.11.2007 de aplicação de pena de demissão nunca foi executada e, bem assim, não produziu qualquer efeito – Cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Estatuto Disciplinar 24/84.
XVI. Tais factos são relevantes, na medida em que se retira dos mesmos a não execução e ineficácia do acto de demissão e ratificação – que nem sequer foi notificado à Funcionária, a postura processual do Executado e a manutenção de situação ilegal de demissão, sem fundamento válido.
XVII. A decisão recorrida viola manifestamente o disposto no artigo 5.º do Estatuto Disciplinar constante no Decreto-Lei n.º 24/84, de 16.01 (doravante Estatuto Disciplinar) o disposto nos artigos 173.º, 176.º e 179.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e o disposto nos artigos 133º e 134.º do Código de Procedimento Administrativo na versão aplicável.
XVIII. Labora em manifesto erro a decisão recorrida ao considerar que a decisão de demissão datada de 07.11.2007 (1) foi aplicada ou executada em 07.11.2007 (2) produziu efeitos em 17.01.2008 (3) fez cessar o vínculo funcional que ligava [em 2007] a funcionária ao Executado].
XIX. De acordo com o artigo 173º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a execução de sentenças anulatórias impõe à Administração o dever de desencadear uma actividade de execução por forma a “repor” a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de anulação do acto administrativo – e, no caso da pena de demissão, que a Funcionária regressaria ao exercício de funções com a execução do acórdão anulatório;
XX. Não obstante a sentença recorrida tenha referido a necessidade de cumprimento do princípio da reconstituição da situação hipotética atual consagrado no artigo 173.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, acaba por não considerar – como se impunha – o referido no artigo 5º, n.º 3, do Estatuto Disciplinar.
XXI. Resulta manifesto da letra do número 3 do artigo 5.º do Estatuto Disciplinar, sob a Epigrafe “Sujeição ao Poder Disciplinar”, que as penas de demissão de processos disciplinares – posteriores à extinção do vínculo laboral - possam ser executadas mas apenas se e quando o Trabalhador regressar à actividade.
XXII. Face à extinção do vínculo laboral por decisão de demissão de 15.02.2005, a decisão de demissão posterior (07.11.2007) não é ou não pode ser executada até o regresso do trabalhador ou constituição de nova relação de emprego.
XXIII. Os conceitos de prolação de decisão, a sua aplicação e acto executório ou execução têm especial relevância porquanto o artigo 5.º, número 3, do Estatuto Disciplinar obriga a “suspender o efeito” da execução de decisão de demissão quando a relação jurídica de emprego já tinha cessado.
XXIV. Só em tal data e após o regresso ao exercício de funções poderia eventualmente ser executada qualquer decisão de aplicar nova pena de demissão (nomeadamente a mencionada pena de demissão decidida em 07.11.2007 e por executar).
XXV. Tendo a Funcionária falecido dois dias depois da prolação do acórdão em execução (01.06.2014), a reconstituição deve ser realizada até à data da morte da Funcionária.
XXVI. A referida decisão de aplicação de pena de demissão não produziu qualquer efeito extintivo da relação jurídica de emprego – muito menos em 2007 - pelo que inexiste qualquer fundamento válido para se considerar que foi executada a segunda demissão com efeitos em 2007.
XXVII. A sentença anulatória laborou em erro, devendo promover-se – em 2014 - a reintegração e repristinação da relação administrativo laboral como se o laço laboral nunca tivesse sido perturbado.
XXVIII. A reconstituição da situação hipotética actual da pena de demissão de 15.02.2005 deverá ocorrer até à data da morte da Funcionária.
XXIX. A reconstituição hipotética actual deverá ser uma reconstituição hipotética “favorável” à Funcionária – que viu o seu recurso ser deferido.
XXX. Em caso algum se poderia admitir que o acto renovado (o referido “poder de praticar novo acto administrativo”) ou, bem assim, qualquer execução de decisão “suspensa” ou “inexecutada” de demissão pudesse – aquando da anulação da primeira demissão - ter eficácia retroactiva.
XXXI. Devem eliminar-se os efeitos da retroactividade desfavorável da execução do acórdão anulatório, não podendo qualquer acto do Recorrido, nomeadamente a decisão de demissão de 11.07.2007, ter eficácia retroactiva – nem reportar-se a período anterior – apenas podendo ser executada – aquando da execução da anulação e reintegração da Funcionária - com efeitos para futuro.
XXXII. A sentença labora em manifesto vício quando considera apenas serem devidos juros desde a data da citação.
XXXIII. As prestações salariais que deveriam ter sido realizadas desde 2005 devem ser pagas com os respectivos juros de mora.
XXXIV. Sendo certo que a situação mais clássica de manutenção da situação constituída pelo acto anulado e situação ilegal é, naturalmente, a renovação do acto, não temos dúvidas que a intenção do legislador foi abranger todas as situações que pudessem frustrar – sem fundamento válido – a eliminação da situação (leia-se de demissão ilícita) constituída pelo acto anulado ou a situação ilegal.
XXXV. A “situação constituída pelo acto anulado” e “situação ilegal” a que se referem respectivamente o artigo 176.°, número 5, e art.° 179.°, número 2, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, traduzem a intenção do legislador de implementar o “efeito preclusivo procedimental da sentença”, mediante comprovação da existência de uma tentativa efetiva, por parte da Administração, de defraudar o resultado material da anulação judicialmente decretada.
XXXVI. Convenhamos que em 25.02.2005, 10 dias após o despacho de demissão de 15.02.2005 – leia-se, após a demissão - foram injustificadas faltas à Funcionária referentes ao ano de 2002 (que constituem o único fundamento da demissão de 07.11.2007).
XXXVII. Não temos dúvidas que a decisão de demissão proferida em 07.11.2007, fundada na injustificação de faltas, por despacho de 25.02.2005, dez dias depois da demissão de 15.02.2005, entretanto anulado por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.09.2012, no âmbito do processo 1174/05.0BEPRT, que correu termos na UO5 do TAF do Porto, constitui um acto que ostensivamente intenta manter a situação ilegal de demissão – visando impedir o regresso ao exercício de funções aquando do trânsito em julgado da anulação.
XXXVIII. Deve o referido acto de demissão de 07.11.2007 ser anulado por ser desconforme com a sentença e intentar manter a situação ilegal de demissão, impedindo a reintegração, conforme peticionado pelas Exequentes.
XXXIX. A decisão de demissão de 07.11.2007, quando foi iniciada a sua execução/produção de efeitos – isto é, aquando da reunião havida pela Cabeça de Casal onde lhe foi negada pelo Município a execução voluntária do acórdão – cfr. artigo 24.º do requerimento inicial e documento n.º 4 junto com o mesmo aos presentes autos -, foi impugnada, no dia 27.11.2014, pelas Exequentes, conforme processo 3134/14.0BEPRT, a correr termos na UO 2 do Tribunal Administrativo do Porto.
XL. A motivação carece em absoluto de qualquer matéria de facto provada que sustente a conclusão de que a decisão de demissão não foi impugnada, pelo que o Tribunal labora em manifesto vício de insuficiência da matéria de facto e erro na apreciação da matéria de facto.
XLI. A decisão recorrida incorre em vício por ter considerado relevante e ter conferido efeitos extintivos da relação administrativo laboral à decisão de demissão de 07.11.2007 e não ter oficiosamente verificado a ineficácia e não produção de efeitos decorrente da nulidade manifesta em que esta incorre.
XLII. As faltas alegadamente cometidas no ano de 2002 constituem o único fundamento da aplicação da pena de demissão: “As infracções de 2002 estão sancionadas com a pena de aposentação compulsiva e de demissão, prevista no n.º 1 e a alínea h) do n.º 2 do artigo 26.º do Estatuto Disciplinar, e as de 2004 com a pena de suspensão prevista pelo n.º 1 do art. 24.º do Estatuto Disciplinar (…)”.(cfr. relatório final do processo disciplinar a fls. 162, marca 2229).
XLIII. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte prolatado a 21.09.2012 – cuja revista foi negada pelo douto Supremo Tribunal Administrativo a 30.01.2013 - o referido despacho do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos proferido a 25 de Fevereiro de 2005 foi anulado, sendo tais faltas consideradas justificadas.
XLIV. Tais faltas são as mesmas que servem de fundamento à instauração do processo disciplinar D/04/05 que origina a demissão de 07.11.2007, tudo que se poderá facilmente verificar por comparação dos documentos, cfr. documento n.º 1, junto à réplica e cfr. página 203 a 204 (informação de 15.12.2004) e 218 do processo disciplinar D/04/05 e fls. 162 (marca 2229) do processo disciplinar A/01/05, juntos como documento 7 à petição inicial, do suporte físico do processo executivo 1082/05.4BEPRT-A; cfr. fls. 2, 27 e 28 (informação de 15.12.2004), 33 a 34 do suporte físico do processo 1082/05.4BEPRT; e cfr. fls. 8 (informação de 15.12.2004) a 26 e documentos, juntos à petição inicial, do suporte físico do processo 1174/05.0BEPRT, que correu termos na UO5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – prova documental não impugnada pelo Município.
XLV. O artigo 133.º. n.º 2, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em vigor à data da entrada do presente processo, referia que: “São designadamente, actos nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.”
XLVI. São nulos os actos da nova demissão de 07.11.2007 por violação dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados (mormente do direito de defesa de arguido face à falta de efetiva notificação ou citação da funcionária, em concreto do acto final ratificativo).
XLVII. O Tribunal a quo parece não ter alcançado que o autor da execução têm o direito de peticionar a fixação de prazo e a imposição da sanção, cfr. artigos 176.º, número 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
XLVIII. É o próprio legislador que permite ao autor que – na própria petição de execução - possa peticionar (cfr. artigo 176.º, número 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) simultaneamente: a fixação de um prazo para o cumprimento do dever de executar” e “a imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de proceder à execução”.
XLIX. O Tribunal a quo menciona, certamente por lapso, a norma que corresponde à imposição autónoma da sanção pelo próprio Tribunal – naturalmente mais restritiva –, cfr. artigos 179.º, número 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
L. Ao contrário do que vem firmado na motivação, a imposição pelo próprio Tribunal de uma sanção pecuniária compulsória não tem como requisito o prévio incumprimento do prazo fixado na sentença, conforme decorre do tempo verbal da própria letra do artigo 169.º, número 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - “A sanção pecuniária compulsória consiste na condenação (…) por cada dia de atraso que, para além do prazo estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.”
LI. Ao contrário do que vem firmado na motivação, a imposição pelo próprio Tribunal de uma sanção pecuniária compulsória não tem como requisito a sua indispensabilidade (isto é, que não exista outra forma de obter o cumprimento), conforme decorre da própria letra do artigo 179.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“Quando tal se justifique, o tribunal condena ainda os titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, segundo o disposto no artigo 169.º).
LII. Consideramos que o Tribunal a quo labora em manifesto lapso e erro quando considera que inexiste qualquer facto que justifique ou fundamente a aplicação da sanção pecuniária compulsória dado que: o Recorrido não promoveu pagamento espontâneo de qualquer quantia após o trânsito em julgado do Acórdão de 29.05.2014, conforme se encontra obrigado, nos termos do artigo 175.º, número um e três, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; o acórdão que determinou a anulação do acto de demissão de 15.02.2005 foi proferido pelo TAF do Porto em 29.04.2008, decorreram mais de 12 (doze) anos desde a prática do acto ilícito de demissão.
LIII. Toda a contextualização fáctica, bem como os danos subjacentes à eventual perpetuação da situação de ilicitude – por não cumprimento - justificam e fundamentam à saciedade a aplicação de sanção pecuniária compulsória.
*
II – Matéria de facto.
1. Do erro na apreciação da matéria de facto.
Alegam as Recorrentes:
“O Acórdão recorrido padece de vício na apreciação e seleção da matéria de facto relevante e provada:
Da anulação do despacho de injustificação das faltas.
Não atentou – apesar de expressamente alegado nos artigos 70º a 75º da réplica do presente processo – que todas as faltas injustificadas que motivaram a decisão de demissão de 07.11.2007 foram anuladas por decisão transitada em julgado – cfr. documento nº 1 junto à réplica, do suporte físico do processo executivo 1082/05.4BEPRT-A.”
Com razão, nesta parte.
Resulta da prova documental supra indicada que a decisão de demissão de 07.11.2007 foi anulada por decisão transitada em julgado no proc. nº 1174/05.0BEPRT.
Assim, face à prova documental produzida nos autos em 1ª instância, tal facto deve ser dado como provado, por ser relevante para fixação da data até à qual produz efeitos o acto anulado no presente processo principal: Proc. nº 1082/05.4BEPRT.
Este facto será aditado à matéria de facto dada como provada e tomará o número 17.
Alegam ainda as Recorrentes:
“Da omissão da obrigação de comunicação aos autos 1082/05.4BEPRT (e 1174/05.0BEPRT) e junção ao processo disciplinar ao processo de anulação 1082/05.4BEPRT (e 1174/05.0BEPRT)”.
“Não atentou – apesar de expressamente alegado nos artigos 33º, 35º, 37º e 38º da petição inicial e 53º e 60º da réplica, ambas do presente processo que, apesar de notificado para o fazer e como estava obrigado por lei (artºs 63º nºs 2 e 3 do CPTA), o Município não juntou nem comunicou quer aos presentes autos em sede declarativa (ainda o que a Autora o tenha referido logo na sua p.i. a fls 2) quer ao processo 1174/05.0BEPRT, que correu termos na UO5 do TAF do Porto, a existência, conteúdo ou qualquer acto ou decisão de procedimento disciplinar ou qualquer ratificação que tivesse sido notificada ou publicada no processo disciplinar que origina a decisão de aplicação de pena de demissão de 07.11.2007 e referido no facto 8 dos factos provados cfr. doc. nº 1 junto à réplica, do suporte físico do processo executivo 1082/05.4BEPRT-A.”
Vejamos:
Este facto não se reveste de importância para a decisão de qualquer um dos pedidos formulados nos presentes autos, pelo que é despiciendo determinar se se encontra ou não provado nos autos e tratando-se, de resto, de matéria já ultrapassada pela decisão final, transitada em jugado, do processo principal.
Alegam, por último, as Recorrentes:
“Da ausência de notificação da decisão e ratificação”
“Não atentou – apesar de expressamente alegado nos artigos 35º, 37º e 38º da petição inicial e 53º e 60º da réplica, ambas do presente processo – que a deliberação camarária de 16.12.2008 supra não foi notificada à funcionária pelo que não produz qualquer efeito uma vez que não foram cumpridas as formalidades legais de notificação previstas na lei (referidas no texto da própria deliberação de ratificação ) e que em sede de procedimento disciplinar constituem direito fundamental; - cfr artigo 31º a 38º da petição inicial e doc. 8 a 11, juntos à petição inicial do suporte físico do processo executivo 1082/05.4BEPRT-A.
Apreciando:
Trata-se de matéria sem relevo para a decisão na presente execução, face à restante matéria factual dada como provada e tratando-se, também, de matéria já ultrapassada pela decisão final, transitada em jugado, do processo principal.
Do que se conclui que apenas o primeiro facto deve ser aditado à matéria factual dada como provada em 1ª instância, esta sem quaisquer reparos pelas partes:

2. Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:
1) Em 15.02.2005 foi proferido despacho pelo Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto que aplicou à funcionária ISPM a pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional entre a Câmara Municipal do Porto e a referida funcionária (cfr. doc. de fls. 5 e 6 do suporte físico do processo cautelar n.º 582/05.0 PRT, apenso aos autos principais).
2) Do relatório final do processo disciplinar, datado de 17.01.2005 e no qual se baseou a decisão mencionada no ponto antecedente, resulta que a pena de demissão foi aplicada à funcionária pela prática das seguintes infrações:
“Com efeito, a arguida praticou, aqui, de forma continuada:
- uma infração disciplinar, ao infringir os deveres de obediência e correção prescritos nas als. c) e f) do n.º 4, n.os 7 e 10 do citado art.º 3.º: de ‘obediência’, quando desobedeceu sistemática e continuamente às ordens dos seus superiores hierárquicos dadas em objeto de serviço e com forma legal; de ‘correção’, quando desrespeitou gravemente os seus superiores hierárquicos e colegas. (…)
- outra infração disciplinar, ao faltar ao serviço, ou seja, ao não comparecer ao Serviço, desde 26/agosto/2003 até 11/outubro/2004 (ressalvados os dias em que a ele não compareceu por motivo de doença, devidamente justificado) ‘durante a totalidade do período de trabalho a que estava obrigada’, em local de trabalho a que estava obrigada, por superiormente determinado (…)”
(cfr. documento de fls. 7 a 29 do suporte físico do processo cautelar n.º 582/05.0 PRT, apenso aos autos principais).
3) A funcionária ISPM tomou conhecimento do despacho que lhe aplicou a pena de demissão, referido supra no ponto 1), em 22.02.2005 (cfr. documento de fls. 6, no verso, do suporte físico do processo cautelar n.º 582/05.0 PRT, apenso aos autos principais).
4) Por acórdão proferido por este Tribunal em 29.04.2008, no âmbito do processo n.º 1082/05.4 PRT, foi julgada procedente a ação administrativa especial interposta por ISPM contra o despacho do Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto de 15.02.2005, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, e, em consequência, foi o mesmo anulado com base no vício de incompetência (cfr. acórdão de fls. 533 a 555 do suporte físico do processo principal n.º 1082/05.4 PRT).
5) Na sequência da ampliação do objeto da instância, no processo n.º 1082/05.4 PRT, à impugnação da deliberação da Câmara Municipal do Porto, datada de 18.11.2008, pela qual foi ratificado o acto que aplicou à funcionária a pena de demissão, foi proferido acórdão por este Tribunal, em 12.01.2012, que julgou procedente a ação administrativa especial interposta por ISPM e, em consequência, anulou o referido acto de ratificação, por enfermar do vício de violação de lei por ofensa dos artigos 137.º, n.º 2, e 141.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (cfr. acórdão de fls. 919 a 928 do suporte físico do processo principal n.º 1082/05.4 PRT).
6) Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 29.05.2014, foi confirmado o acórdão referido no ponto anterior (cfr. acórdão de fls. 1046 a 1062 do suporte físico do processo principal n.º 1082/05.4 PRT).
7) A funcionária ISPM faleceu no dia 01/06/2014 (cfr. doc. de fls. 20 do suporte físico do processo).
8) No âmbito do processo disciplinar n.º D/04/05, instaurado contra a mesma funcionária por despacho da Diretora Municipal de Recursos Humanos de 10.03.2005, foi proferido despacho, em 07.11.2007, pelo Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, que aplicou à funcionária nova pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional e com base nos fundamentos constantes do relatório final do processo disciplinar, datado de 23.10.2007, e de acordo com o qual a mesma praticou as seguintes infrações disciplinares:
“Com efeito, a arguida praticou:
- quatro infrações disciplinares, ao infringir o dever de assiduidade e pontualidade, por duas vezes, em 2002 e 2004, previstos nas als. g) e h) do n.º 4, n.os 11 e 12, do citado art.º 3.º. As infrações de 2002 estão sancionadas com a pena de aposentação compulsiva e de demissão, prevista no n.º 1 e a al. h) do n.º 2 do art.º 26.º do ED, e as de 2004 com a pena de suspensão prevista pelo n.º 1 do art.º 24.º do ED (…);
- outra infração disciplinar pois, com a prática dos factos, provados, afrontou o dever de lealdade, previsto no citado art.º 3.º, al. d) do n.º 4 e n.º 8 punida pelo art.º 24.º do ED com a pena de suspensão;
- outra infração disciplinar, pois violou o dever de correção, previsto na al. f) do n.º 4 e n.º 10 do art.º 3.º, sancionada com a pena de multa prevista no art.º 23.º, n.º 1 e al. d) do seu n.º 2”
(cfr. doc. de fls. 200 a 220 do suporte físico do processo).
9) Pelo aviso n.º 1458/2008 de 09.01.2008, publicado em Diário da República, 2.ª Série, de 16.01.2008, foi publicitado o despacho do Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos de 07.11.2007, referido no ponto anterior (cfr. documento de fls. 227 do suporte físico do processo).
10) O mesmo despacho do Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos de 07.11.2007, que aplicou à funcionária nova pena de demissão, foi ratificado por deliberação da Câmara Municipal do Porto de 16.12.2008 (cfr. documento de fls. 361 a 368 do suporte físico do processo).
11) A funcionária ISPM auferiu, nos meses de fevereiro de 2004 a janeiro de 2005, as seguintes remunerações líquidas:
Fevereiro 2004 € 702,15
Março 2004 € 681,84
Abril 2004 € 789,77
Maio 2004 € 648,00
Junho 2004 € 1.313,74
Julho 2004 € 784,42
Agosto 2004 € 682,80
Setembro 2004 € 738,57
Outubro 2004 € 738,57
Novembro 2004 € 1.427,54
Dezembro 2004 € 701,57
Janeiro 2005 € 746,57
(cfr. doc. de fls. 512 a 523 do suporte físico do processo).
12) Em Outubro de 2013 foram pagos à funcionária ISPM as remunerações correspondentes a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, na sequência do efeito suspensivo da eficácia do acto que lhe aplicou a pena de demissão, em 15.02.2005, em resultado da interposição de recurso hierárquico e de providência cautelar, acrescidas de juros de mora, perfazendo o total de € 823,55, valor líquido dos descontos obrigatórios efetuados (cfr. docs. de fls. 560 a 563 e 579 do suporte físico do processo).
13) Nos anos de 2005 a 2014 não foram efetuados quaisquer descontos para a Segurança Social quer pela funcionária ISPM, quer por terceiros, uma vez que, nesse período, não foram declaradas remunerações em nome da referida funcionária (cfr. doc. de fls. 592 do suporte físico do processo).
14) A partir do dia 24.02.2005 e até à data do seu falecimento, não foram efetuados quaisquer descontos para a Caixa Geral de Aposentações quer pela funcionária ISPM, quer por terceiros, não lhe tendo sido igualmente efetuado, nesse período, qualquer pagamento a título de prestação social (cfr. docs. de fls. 593 e 594 do suporte físico do processo).
15) Nos anos de 2005 a 2014 a funcionária ISPM não auferiu quaisquer outros rendimentos provenientes de atividade profissional, para além das remunerações pagas, nesse período, pelo Executado e que foram declaradas nos anos de 2005 e 2013 (cfr. documentos de fls. 601 a 620 e 623 a 664 do suporte físico do processo).
16) O Executado foi citado no presente processo de execução no dia 21/11/2014 (cfr. documento de fls. 375 do suporte físico do processo).
17) A decisão de demissão de 07.11.2007 foi anulada por decisão transitada em julgado no processo nº 1174/05.0 PRT.
*
III – Enquadramento jurídico.
1. As datas relevantes para reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
A definição das datas relevantes para reconstituir a situação actual hipotética, isto é para reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, é o primeiro passo para estabelecer os parâmetros da reparação de todos os danos sofridos em resultado da prática do acto ilegal.
A execução do julgado só pode considerar-se concluída quando hajam sido cumpridas todas as operações necessárias à colocação da Exequente na posição em que se encontraria não fora a prática do acto (acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2011, no processo nº 035/10).
A primeira data relevante é aquela em que começou por produzir efeitos o despacho do Vereador da Câmara Municipal do Porto do Pelouro de Recursos Humanos de 07.11.2007, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 11, a 16.01.2008 e que, por ter sido anulado, por decisão já transitada em julgado, não pode produzir efeitos.
Foi dado como provado - sob a alínea 17) - que o despacho de demissão data de 07.11.2007.
O outro parâmetro temporal relevante para reconstituir a situação “actual” hipotética é a da morte da funcionária, 01.06.2014 - cfr. 7º facto dado como provado -, data em que cessou a sua personalidade e, portanto, todos os seus direitos, incluindo estatutários, nos termos do artigo 68º do Código Civil.
2. A suspensão da execução e do princípio da exequibilidade das penas disciplinares somente em caso de regresso ao exercício de funções ou constituição de nova relação jurídica de emprego.
Tendo a segunda demissão sido anulada e não produzindo quaisquer efeitos, não interessa determinar se entre 17.01.2008 e a data da morte da funcionária a sua execução esteve suspensa ou não.
A anulabilidade elimina quaisquer efeitos que ela pudesse ter produzido, tudo se passando como se nunca tivesse produzido efeitos.
3. A reintegração e dos efeitos repristinatórios do acórdão anulatório
A anulação do acto de demissão objecto do processo principal e a reconstituição da situação actual implica a sua reintegração no cargo que exercia à data do despacho punitivo – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 11.05.1993, processo nº 11027A.
Neste sentido envereda também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.05.1985, processo nº 11.905:
“Tendo sido declarada, por acórdão do STA, a inexistência jurídica de um acto que manda aplicar a pena de aposentação compulsiva, a prolação de novo despacho aplicando a mesma pena não constitui execução do julgado, devendo antes ser reconstituída a situação funcional do Requerente, tal como se não tivesse existido aquele acto que no plano jurídico não existiu mesmo.”
A execução do julgado determina como consequência necessária a repristinação da relação laboral – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 17.01.2007, processo nº 01220/05:
“Sendo assim, a declaração de nulidade do acto que demitiu o Recorrente determinou a repristinação da realidade factual e jurídica existente à data da sua prática e o consequente reatamento da relação administrativo-laboral existente entre ele e a Administração, tudo se passando como se esse acto punitivo nunca tivesse sido praticado e, consequentemente, o laço laboral nunca tivesse sido perturbado”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08.10.2009, processo 0498/09.
Conclui-se assim como o fazem as Recorrentes que a sentença recorrida laborou em erro, devendo promover a reintegração e repristinação da relação administrativo-laboral como se o laço laboral nunca tivesse sido perturbado, ou seja, ininterruptamente até à data da morte da funcionária, 01.06.2014.
4. Da reconstituição hipotética favorável e da eliminação dos efeitos retroactivos desfavoráveis.
4.1. A interrupção ou suspensão operada pela segunda decisão de demissão.
Excluem-se da execução do Acórdão anulatório quaisquer efeitos retroactivos nefastos para a Funcionária - dado que a retroactividade, por constituir desvio à regra geral, apenas se admite para benefício da mesma (como é o caso da anulação com efeitos retroactivos da demissão de 15.02.2005).
Assim sendo, a reconstituição hipotética actual deverá ser uma reconstituição hipotética “favorável” à Funcionária – que viu o seu recurso ser deferido.
Neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.02.1989, processo 17273ª (sumário):
“(…)
II - A regra da não retroactividade do acórdão constitui um dos grandes princípios do Direito Administrativo europeu e radica no princípio da legalidade e da segurança jurídica, porquanto a retroacção suporia um poder da Administração sobre o passado, que destruiria a certeza e a estabilidade das relações jurídicas estabelecidas.
III - Ao acórdão de execução de decisão judicial de provimento de recurso contencioso de anulação tem de ser atribuída - em excepção a essa regra geral - eficácia retroactiva quando só assim se possa reconstituir - plena ou ao menos tendencialmente a chamada situação actual hipotética favorável ao administrado que viu o seu recurso provido.
IV – Porém, nos demais casos de execução de julgados - como, no caso, quando se renova decisão de anular um concurso publico judicialmente anulado ou, por exemplo, se reedita sanção disciplinar que também fora contenciosamente anulada - não há razão que imponha ou justifique o desvio aquela regra da não retroactividade do acórdão, sob pena de se frustrar a reintegração da ordem jurídica violada, pois tudo se passaria como se o acto ilegal, anulado, continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando na prática inútil um recurso contencioso que merecera provimento, tanto mais que a justificação dos casos de retroactividade excepcional dos efeitos do acórdão se encontra, em regra, sem com isso se ter em vista favorecer e não prejudicar o administrado (salvo o caso especial do acto revogatório de outro acórdão)”.
Isto é, a retroactividade na execução do acórdão anulatório apenas serve o desiderato de eliminar os efeitos do acto anulado – tudo se mantendo - até à execução da anulação - como se tal acto inexistisse (isto é, mantendo-se a situação de emprego).
As normas acima descritas aplicam-se quer ao caso de renovação do mesmo acto administrativo, com efeitos retroactivos, quer à execução de uma segunda decisão anulada por se tratarem de actos que visam reconstituir com efeitos retroactivos uma situação jurídica inexistente à data da prática desses actos mas que existiria não fosse a ilegalidade praticada.
Em caso algum se poderia admitir que o acto renovado (o referido “poder de praticar novo acto administrativo”) ou, bem assim, qualquer execução de decisão “suspensa” ou “inexecutada” de demissão pudesse – aquando da anulação da primeira demissão - ter eficácia retroactiva, se também ilegal, pois isso seria manter, ao menos parcialmente, a situação de ilegalidade.
Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.04.1989, processo 026439 (sumário):
“I - Anulado contenciosamente o acto punitivo, o acto que de novo pune o funcionário não tem eficácia retroactiva.
II - Os efeitos do primeiro desses actos, entre eles a privação do vencimento correspondente ao período de ilegal afastamento do cargo, subsistem.
III - A execução da sentença anulatória impõe que esses efeitos sejam eliminados, em ordem a reconstituição da situação actual hipotética.
Em suma:
Devem eliminar-se os efeitos da retroactividade desfavorável da execução do acórdão anulatório, não podendo qualquer acto do Recorrido, nomeadamente a decisão de demissão de 11.07.2007, ser executado em 2014 com eficácia retroactiva a 2007 – nem se reportar a período anterior, por tal ser ilegal.
A segunda decisão de demissão não pode ser executada porquanto também foi anulada por decisão já transitada em julgado.
Quanto ao pedido formulado na alínea b), sobre quais as prestações que o Réu deve pagar às Exequentes e até quando, para além dos acórdãos mais antigos já citados, cita-se ainda em abono da procedência desta pretensão o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 05.07.2018, no proc. nº 01082/16, com o seguinte sumário:
“I - A eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto, nada obstando, nos casos em que o acto é renovável, a que a Administração emita novo acto com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios [cfr. art. 173.º, n.º 1 do CPTA].
II - O disposto no art. 128.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015] deve ser interpretado em conjugação com o previsto no art. 173.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015], porquanto, embora integrado na lei do processo administrativo, estabelece o regime jurídico substantivo, pelo qual a Administração se deve pautar sempre que lhe cumpra extrair consequências da anulação dos seus actos administrativos.
III - Assim, e nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do citado art. 173.º do CPTA, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroativa, com ressalva para os que envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
IV - Mesmo que tenha sido retomada a instrução do processo disciplinar e venha a ser proferido um acto substitutivo, a reintegração da ordem jurídica violada manterá os seus efeitos até à aplicação da nova sanção, visto o novo acto punitivo, embora inserido na execução, não poder deter eficácia retroativa já que apenas pode produzir efeitos para o futuro dada a sua natureza sancionatória.”
Subscreve-se a interpretação legal defendida nesse acórdão, reproduzindo-se excertos da fundamentação de direito do mesmo, com o qual se concorda:
“13. Resulta, desde logo, do art. 205.º da CRP que as «decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» [n.º 2], e de que a «lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução» [n.º 3], sendo que, em consagração destes comandos constitucionais, decorria do art. 04.º, n.º 1, al. n), do ETAF [na redação anterior ao DL n.º 214-G/2015], em consonância com o princípio da sua auto suficiência executiva enunciado no n.º 3 do art. 03.º do CPTA, que incumbia aos tribunais da jurisdição administrativa a execução das decisões pelos mesmos proferidas.
14. Decorria, ainda, do art. 173.º do CPTA, sob epígrafe de “execução de sentenças de anulação de actos administrativos”, que «[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado» [n.º 1] e de que «[p]ara efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação» [n.º 2].
15. E em matéria da eficácia do acto administrativo disciplinava-se, como regra geral, no art. 127.º do CPA de que «[o] acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio acto lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida» [n.º 1], e de que «[p]ara efeitos do disposto no número anterior, o acto considera-se praticado logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do acto, para esse fim, qualquer motivo determinante de anulabilidade» [n.º 2], estipulando-se, de seguida, no art. 128.º do mesmo código, em sede da possibilidade de atribuição de eficácia retroativa aos actos administrativos, que «[t]êm eficácia retroativa os actos administrativos: a) Que se limitem a interpretar actos anteriores; b) Que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis; c) A que a lei atribua efeito retroativo» [n.º 1], sendo que «[f]ora dos casos abrangidos pelo número anterior, o autor do acto administrativo só pode atribuir-lhe eficácia retroativa: a) Quando a retroatividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende fazer remontar a eficácia do acto já existissem os pressupostos justificativos da retroatividade; b) Quando estejam em causa decisões revogatórias de actos administrativos tomadas por órgãos ou agentes que os praticaram, na sequência de reclamação ou recurso hierárquico; c) Quando a lei o permitir» [n.º 2].
16. Presente, nomeadamente, o quadro normativo acabado de enunciar, temos que do mesmo resulta que a execução do julgado anulatório terá de consistir na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal, reconstituindo-se a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado, atuação essa a desenvolver em pleno respeito do julgado, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, mas, também, os termos da pronúncia condenatória que haja sido prolatada [cfr. arts. 173.º do CPTA, 619.º a 621.º do CPC].
17. É sobre a Administração que impende o dever de executar as decisões judiciais e de o fazer respeitando o julgado anulatório na sua plenitude [efeito conformativo, preclusivo ou inibitório da sentença], dever esse que proíbe, nomeadamente, a reincidência na ilegalidade verificada, estando, assim, excluída a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas pelo juiz administrativo sob pena de incorrer em nulidade [cfr. art. 133.º, n.º 2, al. h), do CPA - na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 4/2015], na certeza de que o princípio do respeito do caso julgado, não impedindo a substituição do acto anulado por outro com o mesmo sentido, não admite, todavia, que tal substituição se faça com repetição de alguma das ilegalidades que foram determinantes da anulação.
18. Estando em causa a execução de julgado anulatório relativo a decisão disciplinar punitiva importa, então, determinar como, no caso, se processa a reconstituição da situação que existiria se o acto administrativo anulado não tivesse sido praticado, ou seja, como se pode realizar a reconstituição da situação atual hipotética.
(...)
25. E, na articulação entre os arts. 173.º do CPTA e 128.º, n.º 1, al. b), do CPA, sustenta-se ainda no mesmo acórdão de que este último «deve ser interpretado em conjugação com o art. 173.º do CPTA que, embora integrado na lei do processo administrativo, estabelece o regime jurídico substantivo, pelo qual a Administração se deve pautar sempre que lhe cumpra extrair consequências da anulação dos seus actos administrativos», sendo que, no cumprimento dos deveres em que a Administração fica constituída por efeito da anulação de um acto administrativo, a mesma «dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art. 173.º, n.º 1) e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroativos, desde que esses actos “não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos”», tal como resulta imposto pelo n.º 2 do citado preceito [sublinhados nossos] [aceitando este entendimento, cfr., ainda, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 23.10.2012 - Proc. n.º 0262/12; também, na doutrina, ver entre outros, Afonso Rodrigues Queiró, in: RLJ, Ano 119, págs. 302/303; M. Aroso de Almeida in: «Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes», págs. 664, 666, 683/686; M. Aroso de Almeida e Carlos A. Fernandes Cadilha in: «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição, págs. 1114 e segs.; Estevão Nascimento da Cunha in: «Ilegalidade externa do acto administrativo e responsabilidade civil da Administração», págs. 182/183 e 193].
26. Com efeito, o n.º 2 do preceito em referência ao estabelecer que a Administração não pode praticar actos administrativos dotados de eficácia retroativa quando estejam em causa, nomeadamente, actos sancionatórios, visa impedir que, através de um acto «renovatório», produzido em sede de execução do julgado anulatório, possa-se lograr obter uma cobertura válida reportada ao passado, eliminando os prejuízos que tenham advindo ou sido produzidos ao destinatário pelo acto primário ilegal, pondo, mormente, em causa o princípio da irretroatividade dos actos agressivos e impositivos e do qual decorre a proibição da retroatividade de actos que, na sequência da anulação, a Administração venha a praticar com conteúdo sancionador renovando o acto punitivo anulado [cfr. al. a), do n.º 2 do art. 128.º do CPA].
27. Tal como já havia sido afirmado também pelo Pleno deste Tribunal no seu acórdão de 11.12.1996 [Proc. n.º 023883], ainda no quadro e por referência a diverso regime normativo, a possibilidade de atribuição de eficácia retroativa em execução de julgado anulatório estava dependente de o acto ser favorável ao administrado, porquanto se o acto lhe fosse desfavorável tal possibilidade de atribuição de eficácia retroativa estaria vedada à Administração, entendimento este que, anteriormente, já havia sido sustentado também pelo Pleno deste Tribunal no seu acórdão de 25.02.1986 [Proc. n.º 10648A], quando nele afirmou que «em casos determinados e limitados, os actos administrativos podem ter força retroativa», neles se incluindo «pela própria natureza da atividade desenvolvida» a «execução de decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos», mas que, sendo «renovável o acto punitivo do funcionário, anulado por falta de uma formalidade essencial do processo de formação da vontade administrativa», disso não deriva que a Administração, ao renovar o acto disciplinar punitivo, possa dotar este acto de eficácia retroativa, pelo que este produz seus «efeitos somente a partir da sua notificação ao interessado» e apenas para o futuro.
28. E idêntico entendimento, ou seja, o de que a decisão punitiva proferida na sequência de outra anterior, anulada contenciosamente, produz efeitos apenas para o futuro, não tendo, pois, efeitos retroativos, foi firmado em aplicação e por referência ao regime constante do art. 128.º do CPA, nomeadamente, nos acórdãos deste Supremo de 14.02.1995 [Proc. n.º 036265], de 04.05.1995 [Proc. n.º 023405], e de 17.06.2003 [Proc. n.º 0750/03].
29. Revertendo à situação sub specie temos que, nas situações de reexercício do poder disciplinar em execução de julgado anulatório, como é o caso, o ente executado, face ao estipulado no quadro normativo em presença, podendo praticar um novo acto disciplinar punitivo, com e através do qual procede à regulação de novo da situação jurídica, apenas o poderá fazer com efeitos para o futuro, e nunca com efeitos retroativos, sob pena de frustração da reintegração da legalidade violada.
30. Na verdade, a entender de modo diverso, como pugna o recorrente, tudo se passaria como se o acto punitivo ilegal anulado continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando não só inútil a sua impugnação contenciosa e a própria decisão judicial que a havia julgado procedente, como também desprovida de uma efetiva sanção jurídica a ilegalidade cometida e, bem assim, não reparada a lesão dos direitos e interesses do exequente, aqui recorrido, e isso quando o acto punitivo anulado já não poderia ser convalidado e os seus efeitos jurídicos não poderiam ser aproveitados já que a tal obstavam a pronúncia judicial proferida e aquilo que são as suas consequências em decorrência do seu efeito constitutivo.
(…)
33. Resulta do n.º 1 do citado art. 173.º, já atrás transcrito, que, em decorrência, da anulação de um acto administrativo a Administração fica investida no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.
34. Na verdade e como referido anteriormente, a decisão judicial anulatória goza do denominado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo, por força do qual a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, sendo que, no cumprimento deste dever, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado [cfr. n.º 1 do citado art. 173.º do CPTA] e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroativos, desde que esses actos «não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos» [cfr. n.º 2 do aludido art. 173.º do CPTA].”
No caso vertente, já vimos que a segunda pena de demissão não constitui um re-exercício do acto disciplinar anulado, agora sem o vício que lhe foi assacado, mas um novo acto, autónomo do primeiro, fundado em factos diferentes do primeiro processo disciplinar e que foi também anulado por decisão já transitada em julgado.
4.2. Os actos e operações a praticar.
A obrigação de reconstituição emergente da anulação do primeiro acto de demissão impõe a prática de todos os actos e operações necessários à plena reintegração da situação das Exequentes do status quo ante, repondo a conformidade da sua situação de facto e de direito pelo período intercorrente, no caso, mormente, o período temporal que mediou entre a notificação desse primeiro acto de demissão e a data da morte da funcionária.
Em situação como a vertente, em que a funcionária da edilidade, em decorrência da anulação contenciosa da decisão disciplinar punitiva, carece de ser reintegrada nas funções ou cargo que exercia por força da retroatividade e manutenção da vigência imposta em termos de reposição do vínculo, em que lhe assiste o direito aos vencimentos àquele vínculo inerentes e que a mesma auferiria durante o tempo em que se encontrou ilegalmente afastada do serviço em decorrência da pena disciplinar de demissão, temos que sobre a Administração, no caso sobre o Ente Executado, impendia e impende o correspondente dever de prestar, o dever de cumprir todas as prestações que seriam devidas ao exequente, nomeadamente, as retributivas, tanto mais que o incumprimento da contraprestação por parte daquele se deveu a facto imputável à Administração que «tornou impossível ao funcionário a prestação do serviço» (cfr. Mário Aroso de Almeida, in «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», páginas 517-521 e 545-546).
Em observância, assim, do critério da reconstituição atual hipotética assistiria e assiste à funcionária, por força da sua qualidade de funcionária, «o direito à perceção dos benefícios que teria auferido entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do acto anulado e o momento em que é reintegrada ou recolocada - ou o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do acto anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego», inscrevendo-se nos deveres de reconstituição «tudo o que não exige uma valoração discricionária em relação ao serviço que não se prestou», nomeadamente, «um aumento de vencimento que deva periodicamente acontecer, (…), uma passagem de escalão ou de categoria, quando isso não envolva um qualquer juízo sobre a atividade que não se prestou e que não se pode mais prestar» (vide M. Aroso de Almeida in obra citada, páginas 524 e 527-528).
Citando uma vez mais o acórdão referido em último lugar:
“Em decorrência da linha argumentativa que vimos desenvolvendo e presente a pretensão exequenda que se mostra formulada, devida e adequadamente, nos autos de execução de decisão judicial anulatória não resulta estarmos perante questão que nos tenha de remeter para o instituto da responsabilidade civil da Administração e que haja sido deduzido no quadro de ação administrativa, ou que a situação sub specie ao mesmo careça ou tenha de ser reconduzida, aferindo-se do concreto preenchimento dos respetivos pressupostos tal como sustenta o recorrente nas respetivas alegações e sua síntese conclusiva.
Afigura-se-nos que, ao invés do ali invocado pelo recorrente, tudo se mostra e deve ser reconduzido, como supra referido, à execução da decisão judicial anulatória e deveres que impendem sobre o ente administrativo executado em sede de reconstituição da situação hipotética do seu então funcionário, aqui recorrido, no quadro da relação obrigacional de emprego público então existente e dum direito aos vencimentos por parte daquele funcionário, na certeza de que a necessária e devida dedução, em decorrência da anulação contenciosa, de eventuais rendimentos entretanto auferidos por parte do mesmo funcionário ao montante dos vencimentos em dívida mostra-se como claramente compatível ou compaginável com o critério da reconstituição atual hipotética em sede exequenda e do quadro legal convocado nesta sede, sendo despiciendo a remessa para o instituto da responsabilidade civil da Administração da disciplina da questão [vide M. Aroso de Almeida in: ob. cit., págs. 539 e 547].
Esta posição que sufragamos explica que o pedido formulado na alínea b) do requerimento executivo proceda na totalidade ou seja até 01.06.2014.
5. Os juros de mora.
A sentença incorre em erro de direito também quando considera que são devidos juros desde a data da citação.
As prestações salariais que deveriam ter sido realizadas desde 2005 sejam pagas com os respectivos juros de mora.
Nesse sentido, vide:
- Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2011, processo 035/10, que uniformiza jurisprudência no seguinte sentido:
“(…)
II - No âmbito da execução de sentenças a Administração deve procurar reconstituir a situação actual hipotética, isto é, deve repor a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que passa pela reparação de todos os danos sofridos em resultado da prática daquele acto. E, porque assim, a execução do julgado só pode considerar-se concluída quando hajam sido cumpridas todas as operações necessárias à colocação do Exequente na posição em que se encontraria não fora a prática do acto.
III - Estando em causa a prestação de quantias pecuniárias essa execução passa não só pelo pagamento dos montantes devidos como pelo pagamento dos juros moratórios que lhe correspondem, visto só dessa maneira se garantir que o acto violador da legalidade não deixa rastro. Juros esses que são devidos desde o momento em que as diferenças salariais a que o Exequente tem direito deveriam ter sido pagas.”
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.12.1997, processo 22906A, quando afirma que:
“O acórdão anulatório do acto que fez cessar a comissão de serviço de um funcionário não está integralmente executado com o pagamento das diferenças remuneratórias até ao final da comissão, sendo necessário, ainda, para repôr a situação actual hipotética, o pagamento dos juros de mora vencidos durante o período de tempo que decorreu desde o vencimento da obrigação até ao pagamento daquelas diferenças.”.
No mesmo sentido, ainda, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.11.1996, no processo 22500A.
Note-se que o valor presente de cada retribuição é hoje substancialmente menor, devendo ser objecto de actualização – através dos juros de mora sob pena de, volvidos 10 anos, nem o valor de capital dos salários se liquidar.
Veja-se (ainda que não seja o regime aplicável temporalmente à situação dos autos), o actual artigo 300.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, o qual refere expressamente que:
“1 - Sendo anulada ou declarada nula a sanção de despedimento disciplinar ou de demissão, o órgão ou serviço é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados;
b) A reconstituir a situação jurídico-funcional atual hipotética do trabalhador.
2 - O trabalhador tem ainda direito a receber a remuneração que deixou de auferir desde a data de produção de efeitos do acto de aplicação da sanção até ao trânsito em julgado da decisão judicial.”
Termos em que nesta parte se impõe revogar a decisão recorrida.
6. A sanção pecuniária compulsória.
Alegam as Exequentes que o Tribunal a quo também errou de direito na parte em que absolveu quando deveria, como devido e peticionado no requerimento inicial pelas Exequentes, ter condenado no pedido de condenação ao pagamento de sanção pecuniária compulsória diária, entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, nos termos do disposto nos artigos 169.º e n.º 3 do 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a aplicar aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença, a partir do termo do prazo concedido para a execução do julgado, sem que tal execução seja promovida nos termos determinados.
O Tribunal a quo considera que “a condenação do titular do órgão deve apenas ocorrer na medida em que, após a fixação de um prazo limite para a realização das prestações devidas, aquele continue indiferente ao seu cumprimento e, consequentemente, seja indispensável aplicar a medida solicitada para impelir o executado a esse cumprimento”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 169.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe, “Sanção pecuniária compulsória”, que (com sublinhados nossos):
“1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.
3 - Se o órgão ou algum dos órgãos obrigados for colegial, não são abrangidos pela sanção pecuniária compulsória os membros do órgão que votem a favor da execução integral e imediata, nos termos judicialmente estabelecidos, e que façam registar em acta esse voto, nem aqueles que, não estando presentes na votação, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de executar a sentença.
4 - A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelos destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções.
5 - A liquidação das importâncias devidas em consequência da imposição de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos deste artigo, é feita pelo tribunal, a cada período de três meses, e, a final, uma vez cessada a aplicação da medida, podendo o exequente solicitar a liquidação.
6 - As importâncias devidas ao exequente a título de indemnização e aquelas que resultem da aplicação de sanção pecuniária compulsória são cumuláveis, mas a parte em que o valor das segundas exceda o das primeiras constitui receita consignada à dotação anual, inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º”.
Como sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernando Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5ª edição, 2010, Almedina, anotação 3 ao art° 169°:
“Como não podia deixar de ser, as sanções pecuniárias compulsórias são impostas intuitu personae. É esta circunstância que explica, por um lado, que não se encontrem abrangidos pelas sanções compulsórias os membros do órgão colegial que não possam ser directamente responsabilizados pela situação de incumprimento (artigo 169°, n° 3) e, por outro, que elas cessem, não só com o cumprimento ou com a desistência do credor, mas também a partir do momento em que o cumprimento já não esteja ao alcance das pessoas concretas às quais elas estão a ser infligidas, por essas pessoas terem cessado o exercício de funções como titulares do órgão (ou órgãos) incumbidos do cumprimento ou terem sido suspensas desse exercício (artigo 169°, n°4).
Faça-se, porém, notar que a cessação da sanção não implica subtracção à liquidação das importâncias que, até esse momento, forem devidas. Na verdade, em qualquer dos casos previstos no n°4 de cessação da sanção (o que inclui as próprias situações de cessação por se mostrar realizado o cumprimento da obrigação), a sanção cessa para o efeito de deixar de se continuar a vencer a partir do momento da cessação, sem prejuízo do dever de se proceder à liquidação das importâncias devidas até esse momento — liquidação que o n°5 prevê que tenha lugar, não a cada período de três meses, mas também “a final, uma vez cessada a aplicação da medida “. Por conseguinte, as pessoas que porventura deixem de ser titulares do órgão não ficam, por esse facto, subtraídas ao dever de pagar as quantias devidas da obrigação, durante o período de tempo em que tenham estado investidas no exercício de funções.
Isto resulta da natureza sancionatória do instituto. Com efeito, embora a cominação da sanção pecuniária compulsória comece por ser uma ameaça, destinada a competir o obrigado a cumprir, a verdade, é que, com a inobservância do prazo limite estabelecido para o cumprimento (cfr. artigo 169º, n° 1), se entra no terreno propriamente sancionatório — embora sempre funcionalizado ao propósito de induzir ao cumprimento —, da punição do obrigado por cada dia em que persista no incumprimento. Ora, a situação de incumprimento ilícito — e a correspondente sanção — mantêm-se até ao momento em que sobrevenham circunstâncias que, fazendo cessar a situação de incumprimento ilícito, retirem o fundamento para que a sanção se continue a aplicar.
Também resulta da natureza sancionatória e, por isso, intuitu personae do instituto que a imposição da sanção pecuniária compulsória não se transmite aos novos titulares do órgão inadimplente, na hipótese de os titulares aos quais tinha sido imposta a sanção serem substituídos sem terem dado o devido cumprimento à obrigação em falta. Tendo cessado a sanção que tinha sido imposta (cfr artigo 169°, n° 4), a questão regressa ao início, no que à imposição de sanções pecuniárias compulsórias diz respeito, ficando, a nossa ver, os desenvolvimentos subsequentes na dependência das concretas circunstâncias do caso. Com efeito, se a sanção pecuniária compulsória tiver sido imposta ao abrigo do artigo 168°, n° 1, não oferece grandes dúvidas que assiste ao credor a faculdade de requerer que ela seja de novo imposta contra os novos titulares do órgão (ou órgãos) obrigados. Pelo contrário, se a sanção tiver sido imposta em sede declarativa, parece que o mais adequado será o interessado recorrer à via executiva — porventura requerendo, nessa sede, a imposição de nova sanção pecuniária compulsória aos novos responsáveis pelo cumprimentos se estiver em causa a obtenção de uma prestação de facto infungível (cfr. artigo 164°, n°4, alínea d)”.
Assim:
As Exequentes têm razão quando sustentam que na acção executiva se pode pedir a imposição da sanção pecuniária compulsória, mas para tanto, tinham que ter individualizado os titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença, que tinham que ser citados para a execução, a fim de poderem exercer o contraditório, nos termos supra defendidos, em conformidade com o exigido pelo artigo 169º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.
Não o fizeram e tanto basta para que improceda esse seu pedido, pelo que, com fundamentos diferentes, se mantém a absolvição proferida pela 1ª instância quanto a este pedido.
Com efeito, a sanção pecuniária compulsória não traduz qualquer tipo de responsabilidade objectiva mas antes pressupõe o incumprimento culposo da obrigação de executar uma decisão dos tribunais administrativos.
Incumprimento imputável a uma pessoa concreta e individual e não à pessoa colectiva, conforme decorre do disposto nos n.ºs 1 e 4, do artigo 169º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e se encontra defendido na doutrina, acima referida, ao contrário do que foi feito na execução em que se defende a aplicação da sanção pecuniária compulsória à pessoa colectiva, o Município executado.
A apreciação de todas as demais questões suscitadas pelas Recorrentes fica prejudicada pela solução encontrada para as que foram apreciadas, merecendo o presente recurso jurisdicional provimento, com excepção do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.
*
Em resumo e no que significa alteração da decisão recorrida, o Executado deverá pagar às Exequentes os salários, subsídios de férias, de Natal e de refeição) que a funcionária ISPM deixou de auferir desde o dia seguinte à data em que foi notificada do acto de demissão – 23.02.2005 -, com excepção dos dias em que recebeu o seu vencimento correspondentes a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, conforme dado como provado, até à data da sua morte – 01.06.2014 -, durante o período em que, por força do acto impugnado, esteve a cumprir pena de demissão a que foi condenada, incluindo os aumentos salariais eventualmente ocorridos nesse período e os diferenciais existentes por eventuais progressões na carreira, sem prejuízo do dever do Executado efectuar todos os pagamentos legalmente devidos à CGA, à ADSE e à Autoridade Tributária (IRS), a título de descontos sobre os montantes em dívida.
Sobre estas importâncias recaem os juros, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, a contar das datas em que se venceram e até efetivo e integral pagamento.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:
1. Mantém a decisão recorrida quanto ao decidido nas alíneas a), d) e e).
2. No mais revogam a decisão recorrida e, consequentemente:
A) Condenam o Município do Porto a proceder ao pagamento às Exequentes das quantias pecuniárias acima mencionadas.
B) Condenam o Executado a pagar às Exequentes juros de mora sobre estas quantias em dívida, como supra definido.
Custas pelas Recorrentes e pelo Recorrido, na proporção de 1/6 pelas primeiras e 5/6 pelo segundo.
Porto, 23.11.2018
Rogério Martins
Luís Garcia
Alexandra Alendouro