Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02557/17.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO; RESOLUÇÃO; DESPEJO; USO DO LOCADO PARA O TRÁFICO DE DROGA; PRINCÍPIO DA INTRANSMISSIBILIDADE DAS PENAS;
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA; DIREITO À HABITAÇÃO; OBJETO DO RECURSO; QUESTÃO NOVA.
Sumário:I - A resolução do contrato de arrendamento apoiado com fundamento, entre outros, do uso do locado para o tráfico de droga por elemento do agregado familiar do titular do arrendamento social, não significa o “estender-se” do comportamento de outros ao titular do arrendamento social ou o imputar àquele titular a prática de qualquer ilícito penal, inexistindo, por isso, qualquer afetação do princípio da intransmissibilidade das penas.

II- Inexiste qualquer violação do princípio da presunção da inocência quando em momento algum se imputou à Autora a autoria de qualquer ilícito criminal do qual a mesma tivesse sido penalmente responsabilizada.

III- O direito à habitação previsto no artigo 65º da CRP, não sendo absoluto, cede perante o direito do Réu a resolver o contrato de arrendamento quando forem apuradas causas violadoras das obrigações por partes dos respetivos inquilinos.

IV- Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova;

V- O princípio da proporcionalidade constitui um limite interno ao exercício administrativo de poderes discricionários, pelo que a sua violação não é configurável no uso de poderes vinculados em matéria de resolução do contrato de arrendamento social.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S.M.A.P.
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DO (...),
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
S.M.A.P., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11.06.2019, proferida no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL DO (...), rectius, MUNICÍPIO DO (...), que julgou a mesma improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
I. A decisão a quo está errada e, por isso, deve ser revogada.

II. A verdade é que no caso concreto estamos perante vários inocentes que serão irremediavelmente prejudicados por uma decisão com eficácia externa e lesivo de um dos direitos mais basilares.

III. Existe, pois, por parte do Tribunal a quo uma falta de sentido de proporcionalidade e uma ponderação indevida na análise da situação vertente que coloca em causa o direito à habitação constitucionalmente consagrado no artigo 65° da C.R.P., da recorrente e do filho menor desta que nada têm a ver com a presente situação.

IV. Pelo que a situação da recorrente impõe a busca de equilíbrio e harmonia, na ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto, na prossecução da melhor forma de aplicação e efetivação dos direitos fundamentais.

V. Por isso mesmo, estabelece o artigo 266.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

VI. O ato do Município do (...) é, em nosso entender, nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos abrigados do artigo 161° n° 2 d) do C.P.T.A. em conjugação com o disposto no artigo 32° n°2 da C.R.P..

VII. Viola igualmente a decisão ora em crise o princípio da legalidade, do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da proporcionalidade, dos princípios da justiça e da razoabilidade, do princípio da imparcialidade e do princípio da boa-fé previstos nos artigos 3°, 4°, 7°, 8°, 9° e 10° do C.P.T.A. e C.P.A. (…)”.


*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou nos seguintes termos: “(…)
A apelante insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que decidiu pela improcedência da ação por si intentada e, como tal, pela absolvição do aqui Réu do pedido.

Todavia, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

Apesar dos esforços argumentativos que a apelante faz nas suas alegações de recurso, é manifesto que os vícios assacados ao ato administrativo, caso se viessem a dar como verificados - o que não aconteceu - apenas gerariam anulabilidade.

De facto, a apelante fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação (artigo 65° da CRP), visto que o artigo 161° do CPA menciona que são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Ora, como refere MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “A formulação legal é excessivamente ampla: por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem entender-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os direitos do Título II da Parte I CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17° CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos de prestações (...) Acrescentam ainda os mesmos autores que “a utilização da expressão conteúdo essencial está deslocada, na medida em que é utilizada pelo art. 18°, 3 da CRP para delimitar um âmbito dos direitos fundamentais intocável pela atividade legislativa, não se afigurando como operativa para a proteção dos direitos fundamentais perante a administração" ( Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 1- Edição).

Assim, constituindo o direito constitucional à habitação, não um direito, liberdade e garantia, mas um direito com dimensão social, os vícios assacados nunca gerariam nulidade, apenas mera anulabilidade.

Tal situação reforçada por diversa jurisprudência, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão datado de 06 de março de 2015, “Como se salienta, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n .° 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.° da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.° 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.° 280/93.”.” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 06 de março de 2015, processo 01064/13.2BEPRT]

Acrescenta ainda o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão datado de 02 de outubro de 2014, que “A título de fumus boni iuris, os Recorrentes imputam à decisão em causa várias nulidades resultantes, designadamente por violação dos arts. 36°, n° 5 e 6; 65°; 67°, e 68 e 69° da CRP, uma vez que se traduzem na ofensa ao conteúdo essencial de direitos fundamentais, nos termos do disposto no art. 133°, n° 2, do CPA). Na verdade, segundo o mencionado na alínea d) do art° 133°, n° 2, conjugada com o n° 1 do mesmo preceito, são nulos os “atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. No que diz respeito ao sentido e alcance da expressão direito fundamental a doutrina defende tratar-se de uma formulação legal excessivamente ampla: “por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17° CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações” (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, 2* ed., 2009, p. 171). Por aplicação desta doutrina, no caso dos autos, com exceção do direito consignado no art. 36°, n° 5, da CRP, os demais integram-se, precisamente, na categoria de direitos económicos, sociais e culturais." [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de outubro de 2014, proferido no processo 0628/14].

Desta forma, a nulidade é uma exceção cada vez mais apertada como consequência de um ato administrativo inválido e os argumentos concretos imputados pela Apelante ao ato consubstanciam todos eles pelo menos teoricamente numa anulabilidade do ato administrativo e não a sanção mais pesada que é a nulidade.

De qualquer dos modos, e não desfazendo do supra dito, mesmo a anulação do ato administrativo de resolução do contrato de arrendamento apoiado é totalmente descabida, na medida em que o fundamento em que se baseou é perfeitamente válido.

O que é certo é que o companheiro da aqui Autora residia com ela à data dos factos por que foi condenado a 6 anos de prisão, pelo que a dedicação do mesmo ao tráfico de droga e utilização do fogo para esse efeito era do total conhecimento da mesma.

E só podia ser, desde logo, tendo em conta as regras de experiência comum, e até porque como consta do auto de busca constante da Acusação, no fogo foram apreendidos dinheiros e vários tipos e quantidades de estupefacientes.

Portanto, o ato administrativo que resolveu o contrato de arrendamento apoiado é perfeitamente válido.

Assim, não restam dúvidas de que bem andou o Tribunal a quo, ao julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver o Réu do pedido (…)”.


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da presente ação nos termos em que decidiu, incorreu em erro de julgamento de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: “(…)
1) A casa 11, (…), propriedade do Município do (...) foi atribuída à ora Autora em 13/6/2014 que assumiu a qualidade de arrendatária, sendo o seu agregado familiar constituído por si, por C.A.S.F. e pelo filho de ambos, G.P.F. - cfr. Fls. 58 do PA;

2) Em 27.7.2017, foi proferida pelo Diretor Municipal da Presidência da Câmara Municipal do (...) e Presidente do Conselho de Administração da D., EM, decisão de resolução do arrendamento apoiado da habitação identificada no ponto 1, nos termos e com os fundamentos seguintes:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial;

3) O Ministério Público deduziu, no processo de inquérito n.° 4592/13.6TDPRT, acusação contra o companheiro da Autora, como coautor da prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.°, n.° 1 e 24.°, j) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-A, I-B e I-C deste Diploma Legal - cfr. acusação do processo de inquérito n.° 4592/13.6TDPRT junta em suporte informático;

4) A Autora foi ouvida como testemunha no processo de inquérito referido no ponto anterior. - cfr. fls. acusação do inquérito n.° 4592/13.6TDPRT;

5) Em 21.4.2017, foi proferido acórdão no processo n.° 4592/13.6TDPRT, nos termos do qual foi condenado o arguido C.A.S.F., companheiro da Autora, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente agravado, p. e p. pelos artigos 21, n.° 1 e 24°, alínea j), do D.L. 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma, na pena de 6 (seis) anos de prisão - cfr. fls. 616 do acórdão proferido no n.° 4592/13.6TDPRT junto em suporte informático;

6) Consta do acórdão referido no ponto anterior, além, do mais, quanto a C.A.S.F., residente no Bairro (…) Casa 11, no (...), “(…) que tinha como função granjear “clientes”, bem como contactar e ser contactado pelos “clientes” do líder, arguido (...), tendo em vista receber as “ordens de encomenda de produtos estupefacientes”, transmiti-las superiormente, e depois providenciar pelas vendas das quantidades negociadas, sendo ele o principal vendedor no “terreno” dos mesmos produtos estupefacientes. Nos dias 19 e 24 de maio e 22 de novembro do ano de 2014, (…) efetuou contactos com o arguido C.A.S.F., que atuava pela forma supra descrita na “organização”, encomendando a aquisição de COCAÍNA e de HEROÍNA. (...)II.XV- Por forma a pôr cobro a tal atividade, a PSP desenvolveu as ações seguidamente descritas: (…) K)-Residência do arguido C.A.S.F., residente no Bairro (…), Casa 11, no (...): -Na cozinha e na sala: A quantia de € 220,00 (duzentos e vinte euros), que estava na carteira do arguido, pousada no móvel da televisão. A quantia de €570,00 (quinhentos e setenta euros), que estava dentro de um saco plástico de cor preta, dentro do mesmo móvel. A quantia de € 129,30 (cento e vinte e nove euros e trinta cêntimos), que estava numa gaveta da banca da louça. Uma embalagem de plástico, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 4,925gr. (quatro vírgula novecentos e vinte e cinco gramas) e líquido de 4,802 gr. (quatro vírgula oitocentos e dois gramas), laboratorialmente identificado como HEROÍNA, que estava no armário existente por cima do exaustor. Um plástico, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 4,926 gr. (quatro vírgula novecentos e vinte e seis gramas) e líquido de 4,752 gr. (quatro vírgula setecentos e cinquenta e dois gramas), laboratorialmente identificado com HEROÍNA, que se encontrava no mesmo armário. Uma embalagem de plástico, contendo um produto com o peso bruto de 0,188gr. (zero vírgula cento e oitenta e oito gramas) e líquido de 0,141gr.(zero vírgula cento e quarenta e um gramas), laboratorialmente identificado como HEROÍNA, que também estava no mesmo local. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “100”, de cor preta, com o IMEI número 359286042173965, e cartão SIM da “Vodafone” com o número 811324883062, sem bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “201”, de cor branca, com o IMEI número 358260048373854, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 128MB”, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “C3”, de cor preta, com o IMEI número 358608045382205, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 2GB”, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “945”, de cor preta, com o IMEI número 351728069594001, com cartão SIM da “Vodafone” com o número 211333394724, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Samsung”, modelo “GTS5300”, de cor preta, com o IMEI número 351737052915487, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 4GB”, e respetiva bateria. Um cartão SIM da “Vodafone” com o número 211332937515. -No quarto: A quantia de € 656,00 (seiscentos e cinquenta e seis euros), que se encontrava no bolso de um casaco de homem pendurado no guarda-fatos. (...) II.XVI- No referido dia 12 de abril de 2015, a PSP não conseguiu intercetar e deter o arguido C.A.S.F., por ter logrado a fuga, tendo andado escondido durante cerca de um mês, até ao dia 10 de julho de 2015, ocasião em que foi detido, na sequência de mandado de detenção. Todos os produtos estupefacientes apreendidos nas descritas circunstâncias eram destinados à venda, na sua totalidade, em execução dos referidos acordos firmados para o efeito. Os produtos apreendidos nas descritas circunstâncias laboratorialmente identificados como BICARBONATO DE SÓDIO e FENACETINA, em execução dos mesmos acordos, eram destinados a serem misturados com os produtos estupefacientes, para aumentar a quantidade a transacionar e consequentemente a obtenção de maiores lucros. Os objetos com resíduos apreendidos nas descritas circunstâncias foram utilizados na preparação e doseamento dos produtos estupefacientes vendidos e apreendidos para venda. Todas as quantias em dinheiro respetivamente apreendidas nas descritas circunstâncias, eram provenientes da atividade de venda de produtos estupefacientes. Também os restantes bens apreendidos, foram adquiridos com dinheiro proveniente da atividade de venda de produtos estupefacientes, sendo que os telemóveis eram utilizados para melhor levarem a cabo tal atividade, e os veículos como forma de maior facilidade e segurança no transporte dos mesmos, nomeadamente para locais mais distantes, tornando desta forma mais fácil a obtenção, transporte e entrega dos mesmos produtos. (...) Mas para a entrega do estupefaciente aos clientes, o arguido (...) tinha a pessoa da sua confiança, o coarguido C.F., seu cunhado, residente no Bairro Dr° Pinheiro Torres, bloco 2, entrada 86, casa 11, (...) Paralelamente, o arguido C.F. também tinha clientes que abastecia de estupefaciente, fornecido pelo arguido (.) e com conhecimento deste, conforme resultou das vigilâncias com escutas em tempo real, realizadas pelos agentes, descritas como visando observar/registar no terreno uma entrega de estupefaciente a um dos diversos clientes por parte do arguido C.F., encomenda esta previamente acordada via telemóvel, veja-se anexo E, nas sessões 14642-14648-14658 correlacionadas a fls.426 e 427, no dia 12 de abril de 2015, o arguido C.F. foi visionado a entregar uma encomenda de estupefaciente a um cliente (relatório de fls.4161 do 13°VOL) e na vigilância realizada no dia 22 de janeiro de 2015, o arguido C.F. foi visionado a proceder a uma entrega/venda de estupefaciente junto à sua residência, previamente combinada via telemóvel. (...)”.

(…)”


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III.2 - DO DIREITO
A Recorrente peticionou que o Tribunal a quo julgasse “(…) pela não resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa 11, da entrada (…), propriedade do Município do (...), mantendo-se inalteradas as condições de habitabilidade previamente definidas (…)”.
Fundamentou tal pretensão no entendimento, brevitatis causae, de que a decisão de resolução do arrendamento social correspondente à sua habitação impugnado nos autos (i) infringia o princípio da proporcionalidade; (ii) violava o princípio da presunção de inocência; (iii) ofendia o direito constitucional à habitação, em função do que concluiu que “(…) a fundamentação quer do projeto quer da decisão em crise não é de todo suficiente para a consequência que daí pretende o Réu, Município do (...), que seja retirada (…)”.
Todavia, o T.A.F. do Porto julgou esta ação improcedente, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.
Fê-lo com a seguinte fundamentação jurídica:
“(…)

Nos presentes autos, vem peticionada a anulação de ato administrativo, consubstanciado na resolução do contrato de arrendamento de renda apoiada celebrado entre a Autora e a Entidade Demandada, relativo à habitação social sita na Rua (…), proferido em 27/7/2017 pelo Diretor Municipal da Presidência da Câmara Municipal do (...) e Presidente do Conselho de Administração da D., E.M..

Para sustentar o pedido a Autora invoca a violação do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência do arguido, seu companheiro que é o único elemento do agregado familiar que é suspeito da prática de um crime de tráfico de estupefacientes bem assim como violação do direito à habitação.

Vejamos.

No caso vertente, a Entidade Demandada fundamentou o ato de resolução do arrendamento apoiado no disposto no artigo 1083.°, n.° 2, alínea b) do Código Civil e art° 25° da Lei n° 81/2014, de 19 de dezembro.

Concretamente, alicerçou tal ato na acusação proferida no processo criminal n.° 4592/13.6TDPRT, no âmbito do qual foi o companheiro da Autora acusado e, posteriormente, condenado, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes em 6 anos de pena de prisão.

Dispõe o artigo 1083.°, n.° 2, alínea b) do CC que:

“2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio: (...) b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública

Por seu turno, preceitua o artigo 25.°, n.° 2 da Lei n.° 81 /2014, de 19/12 que:

“2 - Nos casos das alíneas do número anterior e do n.02 do artigo 1084.° do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio opera por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado, cabendo sempre direito de recurso desta decisão pelo arrendatário.”

Nos termos conjugados do artigo 25.°, n.° 1 da Lei 81/2014, de 19/12 com o artigo 1083.°, n.° 2, al. b) do CC, constitui, assim, causa de resolução do contrato de arrendamento “a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.

Como decorre do Acórdão, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo-crime n.° 4592/13.6TDPRT, ficou provado que o companheiro da Autora, C.A.S.F., residente no Bairro (…), Casa 11, no (...), “tinha como função granjear “clientes”, bem como contactar e ser contactado pelos “clientes” do líder, arguido (...), tendo em vista receber as “ordens de encomenda de produtos estupefacientes”, transmiti-las superiormente, e depois providenciar pelas vendas das quantidades negociadas, sendo ele o principal vendedor no “terreno” dos mesmos produtos estupefacientes” e que “Nos dias 19 e 24 de maio e 22 de novembro do ano de 2014, (.) efetuou contactos com o arguido C.A.S.F., que atuava pela forma supra descrita na “organização”, encomendando a aquisição de COCAÍNA e de HEROÍNA”.

Mais se provou no referido acórdão que, para pôr cobro a tal atividade, a PSP desenvolveu, entre outras, ação na residência de C.A.S.F., tendo sido encontrado “-Na cozinha e na sala: A quantia de € 220,00 (duzentos e vinte euros), que estava na carteira do arguido, pousada no móvel da televisão. A quantia de €570,00 (quinhentos e setenta euros), que estava dentro de um saco plástico de cor preta, dentro do mesmo móvel. A quantia de € 129,30 (cento e vinte e nove euros e trinta cêntimos), que estava numa gaveta da banca da louça. Uma embalagem de plástico, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 4,925gr. (quatro vírgula novecentos e vinte e cinco gramas) e líquido de 4,802 gr. (quatro vírgula oitocentos e dois gramas), laboratorialmente identificado como HEROÍNA, que estava no armário existente por cima do exaustor. Um plástico, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 4,926 gr. (quatro vírgula novecentos e vinte e seis gramas) e líquido de 4,752 gr. (quatro vírgula setecentos e cinquenta e dois gramas), laboratorialmente identificado com HEROÍNA, que se encontrava no mesmo armário. Uma embalagem de plástico, contendo um produto com o peso bruto de 0,188gr. (zero vírgula cento e oitenta e oito gramas) e líquido de 0,141gr.(zero vírgula cento e quarenta e um gramas), laboratorialmente identificado como HEROÍNA, que também estava no mesmo local. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “100”, de cor preta, com o IMEI número 359286042173965, e cartão SIM da “Vodafone” com o número 811324883062, sem bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “201”, de cor branca, com o IMEI número 358260048373854, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 128MB”, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “C3”, de cor preta, com o IMEI número 358608045382205, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 2GB”, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Nokia”, modelo “945”, de cor preta, com o IMEI número 351728069594001, com cartão SIM da “Vodafone” com o número 211333394724, e respetiva bateria. Um telemóvel da marca “Samsung”, modelo “GTS5300”, de cor preta, com o IMEI número 351737052915487, sem cartão SIM, com cartão de memória “MicroSD 4GB”, e respetiva bateria. Um cartão SIM da “Vodafone” com o número 211332937515. -No quarto: A quantia de € 656,00 (seiscentos e cinquenta e seis euros), que se encontrava no bolso de um casaco de homem, pendurado no guarda-fatos.”.

Ainda resulta do citado Acórdão que “Todos os produtos estupefacientes apreendidos nas descritas circunstâncias eram destinados à venda, na sua totalidade, em execução dos referidos acordos firmados para o efeito. Os produtos apreendidos nas descritas circunstâncias laboratorialmente identificados como BICARBONATO DE SÓDIO e FENACETINA, em execução dos mesmos acordos, eram destinados a serem misturados com os produtos estupefacientes, para aumentar a quantidade a transacionar e consequentemente a obtenção de maiores lucros. Os objetos com resíduos apreendidos nas descritas circunstâncias foram utilizados na preparação e doseamento dos produtos estupefacientes vendidos e apreendidos para venda. Todas as quantias em dinheiro respetivamente apreendidas nas descritas circunstâncias, eram provenientes da atividade de venda de produtos estupefacientes. Também os restantes bens apreendidos, foram adquiridos com dinheiro proveniente da atividade de venda de produtos estupefacientes, sendo que os telemóveis eram utilizados para melhor levarem a cabo tal atividade, e os veículos como forma de maior facilidade e segurança no transporte dos mesmos, nomeadamente para locais mais distantes, tornando desta forma mais fácil a obtenção, transporte e entrega dos mesmos produtos. (...) Mas para a entrega do estupefaciente aos clientes, o arguido (...) tinha a pessoa da sua confiança, o coarguido C.F., seu cunhado, residente no Bairro (…), casa 11, (...) Paralelamente, o arguido C.F. também tinha clientes que abastecia de estupefaciente, fornecido pelo arguido (...) e com conhecimento deste, conforme resultou das vigilâncias com escutas em tempo real, realizadas pelos agentes, descritas como visando observar/registar no terreno uma entrega de estupefaciente a um dos diversos clientes por parte do arguido C.F., encomenda esta previamente acordada via telemóvel, veja-se anexo E, nas sessões 14642-14648-14658 correlacionadas a fls.426 e 427, no dia 12 de abril de 2015, o arguido C.F. foi visionado a entregar uma encomenda de estupefaciente a um cliente (relatório de fls.4161 do 13°VOL) e na vigilância realizada no dia 22 de janeiro de 2015, o arguido C.F. foi visionado a proceder a uma entrega/venda de estupefaciente junto à sua residência, previamente combinada via telemóvel. (...)”.

Ou seja, pese embora não seja a Autora a autora material da prática de tais crimes o certo é que o seu companheiro com quem vivia na mesma casa, os praticou e foi condenado por eles, sendo ele uma das pessoas que habitava o locado, importando atentar que não se vislumbra da lei que esta exija que o agente da utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública seja, apenas e só, o arrendatário, antes abrangendo quem com ele nele habite, pois o que releva é a situação objetiva de “utilização do locado de forma contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.

Conforme referia Jorge Aragão Seia, “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 7ª Edição - Revista e Atualizada, Almedina, 2003, em anotação ao artigo 64.° do Regime do Arrendamento Urbano, “as práticas ilícitas, como o próprio nome indica, são os atos violadores de qualquer direito subjetivo ou de qualquer norma legal de proteção, seja de interesses públicos, seja de interesses particulares. Cabem naturalmente nesta rubrica (...) a utilização do prédio para (...) a manipulação ou a venda de drogas (...)”.

Acresce que importa não esquecer que o artigo 46.°, n.° 2, alínea h) do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do (...), aprovado em dezembro de 2014, dispõe que constitui fundamento de cessação do direito de ocupação a “utilização do fogo habitacional para fins distintos daqueles a que o mesmo se destina, designadamente, quando em causa esteja a prática, ou a suspeita, séria e relevante, de atividades ilícitas e/ou de condutas desviantes que pela sua gravidade possam colocar em causa a paz e/ou a segurança do parque habitacional, bem como a ocupação de áreas comuns e espaços de forma indevida, ilícita ou abusiva.”.

Considerando que os seus beneficiários serão, em regra, munícipes sem condições para residir em habitação condigna e adequada à satisfação das necessidades do seu agregado familiar e que a quantidade da oferta destas habitações não permite acudir a todas as famílias que delas necessitam, bem se compreende que o artigo 24.° da Lei n.° 81/2014, e os artigos 29.° e 30.° do Regulamento Camarário mencionado tenham imposto deveres mais exigentes a cargo dos arrendatários.

Se são mantidos, na habitação social, equipamentos e objetos necessários resultantes da atividade criminosa exercida pelo companheiro da arrendatária, é certo e seguro que tal armazenamento não se enquadra numa forma de utilização normal do locado ou numa utilização conforme à lei.

Daí que, tendo ocorrido uma prática reiterada da atividade de venda de produtos estupefacientes, produtos esses que foram encontrados na habitação que o Carlos partilhava com a Autora, bem assim como de diversas quantias em dinheiro provenientes dessa atividade e de vários telemóveis que eram utilizados para melhor levarem a cabo tal atividade, nos termos acima referidos, no locado, afigura-se que tal comportamento constitui, à luz do artigo 1083.°, n.° 2, al. b) do CC, fundamento bastante para a resolução do contrato de arrendamento apoiado em causa, por iniciativa do senhorio, não se antevendo aqui que a Entidade Demandada com a decisão ora sindicada tenha adotado uma medida desproporcionada, antes sim, revela-se como a medida que, face à factualidade provada, se impunha adotar.

Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.° 634/93 do Tribunal Constitucional, a ideia de proporção ou proibição do excesso refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem, exigência essa que in casu se revela respeitada. Por conseguinte, respeitados também se verificam os três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade: Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).

Por outro lado, não se afigura que seja considerada procedente a invocada violação ao direito a uma habitação, porquanto como se escreveu nem Acórdão do TCAN, de 04/03/2016, proc. n.° 02178/15.0BEPRT, com o qual se concorda inteiramente, “para o arrendamento apoiado ou condicionado, administrativo, o n.° 3 do artigo 25.° da Lei n.0 81/2014, de 19/12 estipula que não caduca o direito “à resolução do contrato, ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou. Esta diferença de regimes só se compreende face aos interesses públicos subjacentes ao arrendamento apoiado. Sendo o número de casas disponíveis para o arrendamento apoiado necessariamente limitado e com custos para o erário público, há que estabelecer regras mais apertadas na concessão desse apoio social (...). E preterido o inquilino que usou o locado para fins ilícitos em detrimento de candidato que o pretenda vir a habitar. Está aqui em causa não o direito à habitação com apoio social por parte do inquilino atual em termos isolados e absolutos, mas também o direito à habitação por parte de candidatos que ainda não o têm, num contexto social de carência de meios financeiros públicos e aumento do número de pessoas com dificuldade em arranjar habitação condigna.”.

Por outro lado, ainda, não se antevê como poderá ser considerada a violação do artigo 65.° da CRP.

Na verdade, como consta do Ac. TCAN de 06/03/2015, proc. n.° 01064/13.2BEPRT que, apesar de se referir ao anterior regime do arrendamento social com renda apoiada, tem subjacentes os mesmos princípios e valores que se pretendem proteger e, por isso, tem inteira aplicação no caso vertente: “acontece que a habitação social é, em si mesma, “um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes” (cfr. Acórdão do TCAN, de 01.02.2007, P. 01321/04.9BEPRT). E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.03.2006, P. 01203/05, “o direito à habitação, assegurado pelo art. 65.° da CRP, é um direito da generalidade dos cidadãos, que não é necessariamente afetado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribuir a outro agregado”. Por isso mesmo, porque está em causa a atribuição de um bem escasso (habitação social) a um determinado agregado familiar, o que é feito necessariamente em detrimento de outras famílias com idênticas necessidades, o legislador prevê um conjunto de exigências de que faz depender a manutenção do direito a utilizar a habitação social, que cessará, entre outros, no caso de melhoria das condições económicas do agregado, de não uso da habitação ou de prestação de faltas declarações sobre os rendimentos.”.

Não se antevê igualmente, de que forma tenha sido violado o artigo 32.°, n.° 1 da CRP, na medida em que, estando inserido na “constituição penal”, apenas diz respeito às várias garantias de defesa que assistem ao arguido no âmbito de um processo penal, o que não é manifestamente o caso dos presentes autos, que não configura um processo penal, nem a requerente nele foi constituída arguida.

Aqui chegados, não se mostrando procedentes os vícios invalidantes imputados à decisão impugnada, temos que, indubitavelmente, mostram improcedentes os demais pedidos formulados na presente ação. (…)”.

Do assim decidido discorda a Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, porquanto entende, no mais essencial, que:
(i) a sentença recorrida errou ao não reconhecer in casu a violação do princípio constitucional do direito à habitação, previsto e consagrado no artigo 65.° n.° 1 da C.R.P;
(ii) que o ato impugnado é nulo, por contender com o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32.° n.° 2 da C.R.P.
(iii) que o ato impugnado ofende os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e dos interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé previstos nos artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º e 10º do CPA.

Não obstante as doutas alegações, falece-lhe, porém, razão.
Como ressalta cristalinamente da sentença, o uso do locado para o tráfico de droga, como ficou provado na decisão criminal certificada nos autos - confirmando os pressupostos de facto do ato de resolução do contrato de arrendamento - constitui um dos fundamentos possíveis de resolução do contrato de arrendamento apoiado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.º 2, e 39º, n.º2, da Lei n.º 81/2014, de 19.12 e artigo 1083.º, n.ºs 2, alínea b), e 3, do Código Civil.

Não se trata aqui de “estender-se” o comportamento de outros ao titular do arrendamento social ou imputar à Recorrente à prática de qualquer ilícito penal alheio, mas antes de corroborar-se o entendimento - apoiado nos preceitos legais supra citados - de que os titulares do arrendamento não podem, por si ou interposta pessoa, permitir uma utilização do fogo social contrária aos bons costumes ou à ordem pública, aqui incluindo-se a situação de uso indevido da habitação social por parte dos demais elementos do agregado familiar do titular do arrendamento social.
O que serve para concluir que inexiste qualquer afetação do princípio da intransmissibilidade das penas.
Por outro lado, não se vislumbra que tal interpretação dos normativos citados viole o princípio da presunção da inocência [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa], porquanto em momento algum se imputou à Autora a autoria de qualquer ilícito criminal do qual a mesma tivesse sido penalmente responsabilizada.
E quanto ao seu companheiro, temos que, em sede judicial, foi dado como provado que o mesmo permitiu, pois, que dentro do prédio e na habitação que foi atribuída, fosse usada para o tráfico de droga, nomeadamente para armazenamento do grosso do estupefaciente que se destinava à venda.
Nenhuma dúvida, portanto, subsiste que a realidade que se vem de referir, efetivamente, ocorreu, não beneficiando, por isso, aquele de qualquer presunção de inocência.
Já no que tange à alegada violação do direito constitucional à habitação previsto no artigo 65º da CRP, cabe notar que tal direito, não sendo absoluto, cede perante o direito do Réu a resolver o contrato de arrendamento quando forem apuradas causas violadoras das obrigações por parte dos respetivos inquilinos, como sucede nos autos dos autos.
Neste sentido, ressalte-se o expendido no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte tirado no processo nº. 1017/17.1BEPRT, datado de 29.03.2019, porque esclarecedor da temática em análise:
“(…)
Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição, sendo que qualquer intervenção restritiva nesse domínio, mesmo que constitucionalmente autorizada, apenas será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, devendo respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e não podendo afetar o conteúdo essencial dos direitos.
A Recorrente invoca que o ato administrativo impugnado atenta contra o direito consagrado no artigo 65º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que dispõe:
“1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e privacidade familiar.”
Estamos, no entanto, perante um arrendamento apoiado, em que se prescreve no n.º 3 do artigo 25º da Lei nº 81/2014, de 19.12, que não caduca o direito “à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”.
Esta diferença de regimes só se compreende face aos interesses públicos subjacentes ao arrendamento apoiado.
Sendo o número de casas disponíveis para o arrendamento apoiado necessariamente limitado e com custos para o erário público, há que estabelecer regras mais apertadas na concessão desse apoio social.
Designadamente preterindo o inquilino que violou os deveres contratuais, ainda que essa violação tenha cessado, a favor de outro candidato a este apoio social.
Em concreto preterindo o inquilino que usou o locado para fins ilícitos em detrimento de candidato que o pretenda vir a habitar.
Está aqui em causa não o direito à habitação com apoio social por parte do inquilino atual em termos isolados e absolutos, mas também o direito à habitação por parte de candidatos que ainda não o têm, num contexto social de carência de meios financeiros públicos e aumento do número de pessoas com dificuldade em arranjar habitação condigna.
Neste sentido os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.03.2016, no processo 2178/15.0 PRT e de 25.01.2019, no processo 2681/17.7 PRT.
Sendo certo que o inquilino faltoso pode encontrar outras soluções de apoio social à habitação.
No conflito de direitos que se verifica, prevalece o direito do Réu a resolver o contrato de arrendamento, caindo o direito da Autora àquela concreta habitação, atenta a violação da obrigação de comunicar ou informar da permanência no seu agregado familiar de outras pessoas para além das declaradas e comunicadas ao Réu.
Conclui-se que não se mostra violado o direito fundamental à habitação, que não é absoluto, cedendo perante situações de conflito de direitos como o que se expôs.
“(…)”.
Pelo que, também com esta motivação, não se pode deixar de concluir que bem andou a MMª Juíza a quo ao julgar no sentido da inverificação da violação do direito à habitação.
No demais invocado, saliente-se que, com ressalva da ofensa do princípio da proporcionalidade, não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente no ponto VII) das suas alegações de recurso no sentido da violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e dos interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé.
Efetivamente, consubstanciando as referidas alegações “questões novas”, apenas tratadas em sede de Recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca as mesmas teriam a virtualidade de se mostrar procedentes.
Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste T.C.A.N nº 613/17.1BEBRG, de 04.10.2017 “A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram (…)”.
No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.
Assim sendo, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, questões novas, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.
E no que tange à apontada ofensa do principio da proporcionalidade, importa referenciar que o mesmo constitui um limite interno ao exercício administrativo de poderes discricionários, pelo que a sua violação não é configurável no uso de poderes vinculados.
Ora, na exata medida em que o ato impugnado exerceu poderes estritamente vinculados no que respeita à resolução do contrato de arrendamento, imediatamente se conclui que não poderia tal ato ofender o princípio da proporcionalidade, já que este, enquanto ordenador da atividade administrativa e a sua hipotética ofensa, só releva no âmbito da atividade discricionária.
Deste modo, e à luz de tudo o quanto supra se expôs, é mandatório concluir pela improcedência dos erros de julgamento de direito imputados à decisão recorrida.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.

* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário eventualmente concedido.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 17 de janeiro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Helder Vieira