Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00183/10.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS; DESPACHO REVOGATÓRIO; REFORMA; RECURSO;
TEMPESTIVIDADE; ARTIGOS 666º, N.º2, 667º, N.º1, 685º-C, N.º2, 669º, N.º2, AL. A) E Nº 3, 691º, N.º3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1995, NA REDACÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 303/2007, DE 24.08.
Sumário:1. Sendo admissível recurso de um despacho, não pode pedir-se o esclarecimento da obscuridade ou ambiguidade de que ele possa enfermar por simples requerimento, mas apenas pela via da interposição do recurso desse despacho e na alegação do recurso no caso em que é aplicável o artigo 669º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08.

2. Não contendo tal requerimento de esclarecimento quaisquer conclusões, não poderia ser admitido, ainda que assim se entendesse, como requerimento de interposição de recurso face ao disposto no artigo 685-C, nº 2, alª b), do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08.

3. Em todo o caso, a entender-se como requerimento de interposição de recurso, sempre seria inamissível por extemporaneidade, dado que só poderia ser interposto com o recurso da decisão final, nos termos do disposto no artigo 691º nº 3 do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, e não logo a pós a prolação do despacho posto em crise.

4. O despacho que não admitiu a intervenção provocada da ARS Norte, IP, revogando anterior despacho que a tinha admitido, não se limita a esclarecer qualquer obscuridade ou ambiguidade, pelo que não cabe na previsão situações previstas nos artigos 666º nº 2 e 667º nº1 do Código de Processo Civil de 1995.

5. Sendo caso de reforma não seria admissível a decisão recorrida pois só em sede de recurso jurisdicional da decisão a reformar tal pedido seria admissível e a revogação legalmente possível, artigo 669º nº 2 alª a) do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, e, no caso, o recurso não seria de admitir quer pela extemporaneidade quer pela falta de conclusões no requerimento deduzido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:NMMAC
Recorrido 1:AAFD e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

NMMAC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho de folhas 419 e 420, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 31.05.2012, pelo qual foi dado sem efeito o despacho de folhas 396 dos autos, não admitindo a intervenção principal provocada da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., e do Estado Português na acção que moveu contra AAFD e em que foi chamada da A... Portugal – Companhia de Seguros S.A..

Invocou para tanto, em síntese, que: o despacho revogatório foi proferido quando se tinha esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria do despacho de fls. 396; não é um caso de rectificações de erros materiais ou inexactidões contidas nesse despacho; não foi apresentado recurso do referido despacho, sendo esse o único meio processual para requerer a sua reforma quer ao abrigo do disposto no artigo 669º nº 1 alª a), quer ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil de 1995; a decisão de fls. 419 viola o trânsito em julgado da decisão de fls. 396; foram alegados factos que integram o dolo do réu, AAFD, quer na petição inicial quer na réplica, pelo que carece de fundamento a decisão de fls. 419; a decisão recorrida violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3 do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

O recorrido AAFD não apresentou contra-alegações.

A recorrida A... Portugal – Companhia de Seguros, SA contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não se pronunciou.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Notificada do despacho - saneador sentença que absolveu da instância o réu e a interveniente, julgando procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu, a ora recorrente deduziu incidente de intervenção principal Provocada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 269º e 325º e seguintes do Código de Processo Civil.

2. O Tribunal “a quo” proferiu, em sequência, o despacho de fls. 396 através do qual admitiu a intervenção principal provocada nos exactos termos requeridos pela ora recorrente, conforme se pode ler do conteúdo do mesmo: “ Admite-se a Intervenção Principal Provocada da ARS Norte, IP e do Estado Português, nos termos conjugados dos artigos 268, “in fine”, 269º n.º 1, 325º n.º 1 e 2 e 326º, todos do C.P.C, “ex vi” artigo 1º do C.P.T.A.” .... “ A Instância extinta considera-se agora renovada – artigo 269º n.º 2 do C.P.C.”.

3. Veio a interveniente A... Portugal - Companhia de Seguros, SA, através de requerimento solicitar “Esclarecimento ao Despacho” nos termos dos artigos 669º, n.º 1, al. a) e 666º n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil.

4. Importa por isso aferir se podia ou não a interveniente principal utilizar o meio processual previsto pelo artigo 669º, n.º 1, al) a do Código de Processo Civil para reagir ao despacho de folhas 396.

5. É nosso modesto entendimento que não. Vejamos,

6. Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil: “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”

7. A rectificação de erros materiais e inexactidões contidas na sentença e a que alude o n.º 2 do artigo 666 do Código de Processo Civil “...visa apenas os que respeitam à expressão da vontade material do juiz” (cfr. assim inscreve o Abílio Neto in Código anotado, sob a nota n.º 17 referindo-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.04.1991, BTE 2ª Série n.º 10-11/94, pág.1071).

8. Ainda sobre a mesma questão acrescenta Abílio Neto sob a nota n.º 12-II: “ A declaração contida no n.º 1 do art.º 666 do C.P.C de que, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa tem de ser entendida em termos hábeis como querendo dizer que lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela, mantendo porém ainda o poder jurisdicional para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias, entre as quais as mencionadas no n.º 2 do art.º 666.”

9. Sucede que a decisão de fls. 419 dos autos proferida em sequência do pedido de esclarecimento do despacho de fls. 396 pela interveniente principal, não encerra em si mesma a rectificação de um erro ou inexactidão respeitante à expressão da vontade do julgador, mas ao processo interno da formação do seu juízo, e que não é por essa razão legalmente admissível por interpretação do n.º 2 do art.º 666 do Código de Processo Civil.

10. Conforme refere ainda Abílio Neto sob o comentário n.º 6.1 ao referido preceito legal: “Os erros ou inexactidões materiais, referidos nos artigos 666 n.º 2, 667 n.º 1 do C.P.C são aqueles que respeitam à expressão material da vontade do julgador e não os erros que possam ter influído na formação daquela vontade.”

11. Ao alterar de forma completa o conteúdo do despacho de fls. 396 dos autos, o Juiz “a quo” violou de forma clara o disposto no n.º 2 do artigo 666 do Código de Processo Civil e veio rectificar um erro que influiu na formação da sua vontade, mais violando o preceituado no n.º 1 do mesmo artigo. Acresce que,

12. A decisão de fls. 396 dos autos era susceptível de recurso ordinário.

13. E conforme preceitua o n.º 3 do artigo 669º: “cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.”

14. Sendo certo que o requerimento previsto no n.º 1 do artigo 669º destina-se a requerer: al) a: “o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.”

15. Em igual sentido, quando por manifesto lapso do juiz “tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena, que só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” deve a parte fazer uso do meio processual adequado para reagir, “in casu” o recurso da decisão, cfr. n.º 2 al) a e b) do artigo 669º do Código de Processo Civil.

16. Como se vem de expor, não podia a interveniente principal vir suscitar, como veio, qualquer esclarecimento ou reforma da sentença junto do Tribunal ”a quo”, porquanto da decisão de fls. 396 cabia recurso ordinário, sendo essa a sede própria e o meio processual adequado para o fazer.

17. Destarte, não tendo a Interveniente interposto recurso da decisão de fls. 396, transitou a mesma em julgado, não podendo, por essa razão, ser objecto de qualquer rectificação ou reforma. Sem prescindir,

18. O requerimento interposto pela interveniente principal A... Portugal, Companhia de Seguros, S.A., com fundamento nas disposições dos artigos 669º, n.º 1, al. a) e 666, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, não deveria ter sido sequer aceite, pois tal “Esclarecimento do despacho”, conforme assim o intitulou, só poderia ter sido feito em sede de alegações de recurso, de acordo com o preceituado no n.ºs 2 e 3 do artigo 669º do Código de Processo Civil.

19. E nesse sentido junto deste Tribunal Superior, o que assim não sucedeu.

20. Destarte, a decisão de fls. 396 dos autos que admitiu a intervenção principal provocada da ARS Norte, IP e do Estado Português transitou em julgado, por não ter sido objecto de recurso.

21. Entretanto, após o esclarecimento suscitado pela interveniente principal, veio o Juiz “a quo”, após algumas considerações de natureza jurisprudencial e doutrinal decidir da seguinte forma: “ ...Atento o exposto, dou sem efeito o despacho de fls. 396 dos autos, não se admitindo agora a referida intervenção da ARS Norte, IP e do Estado Português...”.

22. Esta decisão está em manifesta contradição com a anterior já transitada em julgado, devendo ser revogada.

23. A mesma, com efeito, viola o disposto no artigo 671º do Código de Processo Civil e ainda os princípios da economia processual, do dispositivo, da aquisição processual e da eventualidade ou preclusão, devendo ser revogada. Ainda sem prescindir,

24. A autora, ora recorrente, interpôs a presente acção apenas contra o recorrido, peticionando a condenação do recorrido no pagamento de indemnização no valor de €107.688,85 (cento e sete mil seiscentos e oitenta e oito mil euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo em síntese e para tal alegado, entre outros factos, que:

Art.º 31 da petição inicial:

“ Apesar de ter consciência da existência das manchas no corpo do filho mais velho da recorrente, e da idade da mesma, o réu não requisitou quaisquer exames genéticos, ginecológicos ou de outra índole e necessários para proceder ao despiste possível de eventuais alterações transmissíveis.”

Art.º 58 da petição inicial:

“ Poderia e deveria ter adoptado todas as condutas diligentes elencadas e ainda prescrito a realização do exame médico laboratorial designado por amniocentese, pois através dele confirmaria a existência de má formação do feto, designadamente o Síndrome de Down, mas apesar de ciente do possível resultado ou consequência da não realização do exame à A., o Réu conformou-se com o resultado da sua conduta omissiva”.

Art.º 113 da petição inicial:

“ ... pelas condutas graves, dolosas e negligentes perpetradas pelo Réu.”

Art.º 20 da réplica:

“Alega a contestante ser o Réu parte ilegítima na presente acção.”

Art.º 21 da réplica:

“Para tanto afirma que a A. imputou ao Réu “um comportamento negligente porquanto alegadamente não terá agido com a diligência e cuidado a que estava legalmente obrigado.”

Art.º 22º da réplica:

“Na verdade o Réu não agiu de facto com a diligência e cuidados a que estava obrigado.”

Art.º 23º da réplica:

“Da mesma forma que como vertido no art.º 58 parte final da P.I: “...mas apesar de ciente do possível resultado ou consequência da não realização do exame à A., o Réu conformou-se com o resultado da sua conduta omissiva.”

Art.º 24 da réplica:

“O que integra necessariamente o conceito de dolo, mesmo que eventual.”

Art.º 25 da réplica (e art.º 31 da petição inicial:

“Apesar de ter consciência da existência das manchas no corpo do filho mais velho da recorrente, e da idade da mesma, o réu não requisitou quaisquer exames genéticos, ginecológicos ou de outra índole e necessários para proceder ao despiste possível de eventuais alterações transmissíveis.”

Art.º 26 da réplica:

“Uma vez mais o Réu agiu com dolo porquanto prevendo o resultado se conformou com ele.”

Art.º 27 da réplica (e artigo 113º da petição inicial):

“... pelas condutas graves, dolosas e negligentes perpetradas pelo Réu.”

Art.º 28 da réplica:

“E incluem-se condutas dolosas e negligentes porque foram várias as omissões perpetradas pelo Réu e não apenas uma.”

Art.º 29 da réplica:

“Ora o Réu agiu com dolo em muitas das suas condutas e tal facto foi da mesma forma alegado pela A. na sua P.I.”

Art.º 30 da réplica:

“Conforme preceituado no Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967, designadamente no seu art.º 3 n.º 1: “ Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.”

Art.º 31 da réplica:

“Destarte o Réu é parte legítima nos presentes autos”.

25. Por despacho saneador sentença o Tribunal “a quo” julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu, consequentemente absolvendo-o da instância e bem assim à interveniente A... Portugal – Companhia de Seguros, SA.

26. Em sequência, a ora recorrente deduziu de imediato, incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 269 e 325 e SS. do Código de Processo Civil, peticionando o chamamento da ARS Norte, IP (Administração Regional de Saúde do Norte, IP) e o Estado Português, representado pelo Ministério Público.

27. Vem o Juiz “a quo” na decisão ora recorrida referir:

“Ora, tal como este Tribunal configurou a culpa, ou seja, tendo considerado que o R./funcionário teve uma conduta meramente negligente, então não faz sentido chamar à demanda a ARS Norte ou o Estado, pois “ab initio” não foi preterido qualquer litisconsórcio necessário passivo, não podendo a A. socorrer-se do mecanismo do art.º 269 n.º 1 do C.P.C, pois a ilegitimidade do R/funcionário é neste caso insanável.”

“Atento o exposto dou sem efeito o despacho de fls. 396 dos autos não se admitindo agora a referida intervenção da ARS Norte e do Estado Português – Cfr. fls. 370 dos autos – conduta negligente”.

28. Sucede porém que, para além de esta decisão ser totalmente contrária à proferida a fls. 396 dos autos, a qual transitou em julgado pelas razões supra melhor expostas, violando de forma clara e inequívoca o disposto no n.º1 do artigo 671 e bem assim o n.º 1 do art.º 666, ambos do Código de Processo Civil, acresce ainda que,

29. Conforme refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido em 27.04.2012 no âmbito do processo n.º 01276/06.5BEBRG:

“I- A legitimidade passiva deverá ser aferida pelas afirmações do A. na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende configurar o objeto do processo, sem que na determinação das partes legítimas se deva ter de aferir em função da efetiva titularidade da relação material controvertida existente, tomada de forma provisória como objetivamente existente com a configuração que vier a resultar das afirmações do A. e do R., confirmadas pela instrução e discussão da causa.”

30. A ora recorrente quer na petição inicial, quer em sede de réplica alegou factos susceptíveis de integrar o conceito de dolo, ainda que eventual como se pode verificar da leitura dos artigos 31, 58 e 113 da petição inicial e bem assim artigos 20 a 31 da réplica, todos supra melhor transcritos.

31. Destarte, não podia o Tribunal “a quo” configurar a culpa do réu/recorrido como meramente negligente, porquanto foi o dolo claramente alegado pela recorrente nas suas peças processuais.

32. Daqui decorre que a decisão de fls. 419, ora recorrida está ferida de erro de julgamento ao considerar o Réu/Recorrido parte ilegítima nos presentes autos, absolvendo-o da instância, conforme neste sentido se pronunciou o acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte proferido pela 1ª Secção do Contencioso no âmbito do proc. n.º 00425/06.8BEBRG em 17-01-2008 onde na sua fundamentação se pode ler:

“Dele resulta claramente que ao médico em causa, porque foi responsabilizado pelos autores a título de dolo eventual [ponto II deste acórdão], assiste inequívoca legitimidade para ser demandado nesta acção, pois que, tratando-se de uma obrigação solidária face à lei constitucional e ordinária, aos autores cabia optar por demandá-lo apenas a ele ou apenas a entidade pública para que trabalha, ou, como fez, aos dois solidariamente [artigo 512º do Código Civil].

Destarte, assiste razão aos recorrentes quando imputam erro de julgamento à decisão recorrida, na medida em que considerou o médico demandado parte ilegítima e, por via disso, o absolveu da instância.”

33. A decisão de fls.419 violou de forma clara e inequívoca o preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3 do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, aplicável ao caso dos autos.


*

II – Matéria de facto.

Mostram-se relevantes para apreciação e decisão do recurso os seguintes factos provados por documentos dos autos:

1. A fls. 367 a 373, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do réu e, consequentemente, o absolveu da instância, bem como a interveniente, nos termos dos artigos 288º, nº 1, al. e), 493º nº 2 e 494 alª e), todos do Código de Processo Civil de 1995, com os seguintes fundamentos:


No artigo 33.º da sua petição inicial (p.i.), a A. alegou que “o Réu desvalorizou a existência daquelas [manchas], negligenciando a realização de exames médicos”.

Nos artigos 47.º e 48.º da sua p.i., a A. disse que não lhe foi dada a si nem ao seu marido “a possibilidade legalmente prevista de na eminência do seu filho nascer com uma deficiência grave poder abortar até às 24 semanas de gestação”, ficando-se tal a dever à “conduta grave, culposa e negligente do Réu, porquanto não prescreveu à A. os exames médicos adequados a despistar qualquer má formação do feto”.

Mais adiante, a A. reiterou, nos artigos 51.º e 52.º da sua p.i., que o “Réu não agiu com o cuidado e diligência que lhe era exigido quer quando lhe foram mostradas e referenciadas as manchas existentes no corpo do filho mais velho da A., quer quando a A. e marido lhe comunicaram a intenção de conceber o segundo filho, quer ainda durante o período de gestação deste último”, pois “se tivesse actuado com a devida diligência e cuidado a que estava legal e deontologicamente obrigado, teria prescrito ao filho mais velho da A. a realização de exames médicos que permitissem diagnosticar a razão de ser de existência das manchas supra melhor referenciadas”.

A A. afirmou, nos artigos 55.º e 56.º da sua p.i., que “foi […] [em] 18/6/2007 que […] tomou conhecimento da existência e gravidade das lesões do R... e do JP...”, “mas ainda assim poderia e deveria a conduta do Réu ter sido diligente e cuidadosa quando, A. e marido em consulta o informaram da intenção de planear um segundo filho”.

Ao que acresce o alegado pela A., nos artigos 57.º a 59.º da sua p.i., segundo a qual, “caso [o R.] tivesse prescrito a realização de exames genéticos pré-concepcionais teria confirmado as probabilidades de a A. vir a ter um segundo filho com graves problemas de saúde”, “poderia e deveria ter adoptado todas as condutas diligentes elencadas e ainda prescrito a realização do exame médico laboratorial designado por amniocentese”, “pois se tivesse agido de forma diligente, prescrito a realização do exame de amniocentese, conforme as “leges artis”, teria verificado a existência da alteração no cromossoma 21 no facto e informado os progenitores da má formação daquele”.

Também no artigo 64.º da sua p.i., a A. voltou a dizer que “todas as condutas graves, culposas e negligentes perpetradas pelo Réu provocaram na A. e no seu filho JP... danos patrimoniais e não patrimoniais que devem por aquele ser indemnizados”, tendo terminado com o seguinte pedido: «nestes termos, e nos demais que V.Ex.ª doutamente suprir, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência condenar-se o Réu: A) Pelas condutas graves, culposas e negligentes por ele perpetradas (…)».

Face ao exposto, conclui-se que a A. alega factos susceptíveis de imputar ao R. uma conduta negligente (porventura, negligente sob a forma grosseira).

Ora, de acordo com M. REBELO DE SOUSA / A. SALGADO DE MATOS (Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª edição, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2009, pp. 491 e 492), “a culpa […] consiste na preterição da diligência pela qual a lei exigia que o autor do facto voluntário e ilícito tivesse pautado a sua conduta. […] São modalidades da culpa o dolo e a negligência. O dolo pressupõe a intenção de provocar um determinado resultado danoso (dolo directo, se o autor do facto voluntário pretender primariamente a produção desse resultado; dolo necessário, se o autor do facto voluntário pretender primariamente a produção de um outro resultado cuja verificação implica necessariamente a produção do resultado danoso) ou, pelo menos, a conformação com a produção desse resultado (dolo eventual). A negligência pressupõe a violação, consciente ou inconsciente, de deveres de cuidado. Quando a diligência empregue tenha sido manifestamente inferior àquela a que o titular de órgão ou agente se encontrava obrigado em razão do cargo por si ocupado, […] a negligência diz-se grave (a negligência extremamente grave, na fronteira com o dolo eventual, designa-se habitualmente por negligência grosseira […])”.

Verifica-se, então, que a A. intentou a presente acção administrativa comum exclusivamente contra o próprio médico, sem ter intentado tal acção, em simultâneo, contra o Centro de Saúde de Paredes/Rebordosa (onde até Fevereiro de 2007, segundo o alegado pela A., o R. exercia aí funções de clínico geral) (ou melhor, contra a ARS-N ou contra o Ministério da Saúde), nem, em última análise, contra o Estado.

Ora, tal releva porque à data da ocorrência dos factos ilícitos alegados pela A. – sempre anteriores ao ano de 2008 – não vigorava a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor apenas a 31 de Janeiro de 2008, tendo revogado o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967. Com efeito, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, não prevê um regime transitório, pelo que apenas se aplica a factos ocorridos após a sua entrada em vigor.

Assim sendo, a lei aplicável ao caso em apreço é o DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e, nos termos do artigo 1.º do referido diploma, “a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo que não esteja previsto em leis especiais”.

Nos termos do artigo 2.º do decreto em análise, “1. O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. 2.Quando satisfizerem qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e demais pessoas colectivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo”.

E, nos termos do artigo 3.º do diploma em causa, “1. Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente. 2. Em caso de procedimento doloso, a pessoa colectiva é sempre solidariamente responsável com os titulares do órgão ou os agentes”.

No entendimento do Venerando STA, vertido no seu douto Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 28-09-2006, proferido no âmbito do Processo n.º 0855/04, “não são inconstitucionais as normas dos arts. 2º e 3º, n. os 1 e 2 do DL 48.051, de 21.11.67, enquanto eximem de responsabilidade, no plano das relações externas, os titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas pelos danos causados pela prática de actos ilícitos e culposos (culpa leve ou grave) no exercício das suas funções e por causa delas”.

No mesmo sentido, já se havia pronunciado o STA, no seu douto Acórdão de 25-05-2005, proferido no âmbito do Processo n.º 0855/04, de acordo com o qual, “a primeira vez que o Tribunal Constitucional teve ocasião de se debruçar directamente sobre esta questão foi no ac. de 13.4.04, rec. 236/04 […].O referido aresto mostra-se conforme ao entendimento maioritário da jurisprudência deste S.T.A., decidindo que não são inconstitucionais as normas dos arts. 2º e 3º, nos 1 e 2 do DL 48.051, de 21/11/67, enquanto eximem de responsabilidade, no plano das relações externas, os titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas pelos danos causados pela prática de actos ilícitos e culposos (culpa leve ou grave) no exercício das suas funções e por causa delas.[…] Em sentido idêntico se pronunciou também, posteriormente, o acórdão da 2ª Secção do T. Constitucional, de 5.1.05, proc. 335/02, a propósito do recurso do acórdão deste S.T.A. de 28.2.02, proc. 48.178 (já citado), cuja decisão confirmou. A orientação largamente maioritária deste S.T.A., no sentido da compatibilidade das disposições do DL 48.051 com o texto constitucional, designadamente com os arts. 22º e 271º da C.R.P., foi, assim, reforçada com a tomada de posição do T. Constitucional nas duas ocasiões em que foi confrontado directamente com a questão (já antes a Comissão Constitucional a afrontou lateralmente, no seu Parecer nº 22/79, conforme se dá nota no citado ac. 236/2004 do T. Constitucional). Nenhuma razão se vê para divergir de tão abalizado entendimento, que aqui também se perfilha. Deste modo, impõe-se reconhecer a razão do recorrente A..., quando defende que a sentença recorrida errou ao responsabilizá-lo directamente perante o lesado, com fundamento na prática de acto ilícito e culposo, pois a tal se opõe o art.º 2º, nº 1 do DL 48.051, devendo, antes, ser absolvido da instância, nos termos do disposto no art.º 494º, e) do C.P.C., por ilegitimidade passiva. Procede, por estas razões, o recurso do recorrente A. […]” - disponível on-line em www.dgsi.pt.

É precisamente o que ocorre nos presentes autos, pelo que, o R. não deveria ter sido demandado directamente pela lesada (ora A.), com fundamento na prática de acto ilícito culposo, em virtude de a tal se opor o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967. E, ainda que o R. tivesse agido com dolo, sempre a presente acção administrativa comum teria, imperativamente, de ter sido intentada simultaneamente contra a pessoa colectiva onde o Impetrado, na qualidade de agente administrativo, exercia funções, ou seja, teria sempre de ter sido intentada contra o Centro de Saúde de Paredes/Rebordosa (ou melhor, contra a ARS-N ou contra o Ministério da Saúde) ou, em última análise, contra o Estado. O que não se verifica “in casu”.

Em suma, vai ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do R. e, em consequência, absolvido desta instância e, concomitantemente, absolvida também a Interveniente na demanda.”

2. A fls. 380 a 382 dos autos veio a autora requerer a intervenção principal provocada da ARS Norte, I.P., e do Estado Português, segundo o disposto nos artigos 28º, 269º e 325º a 327º, todos do Código de Processo Civil de 1995.

3. A fls. 396, foi proferido o seguinte despacho:

“Fls 380 a 382 dos autos: Admite-se a intervenção principal provocada da ARS-Norte, I.P. e do Estado Português, nos termos conjugados dos artºs 268º “in fine”, 269º nº 1, 325º nºs 1 e 2 e 326º todos do CPC, “ex vi” artigo 1º do CPTA.

A instância extinta considera-se agora renovada – art. 269º nº 2 do CPC.”

4. A interveniente A... Portugal – Companhia de Seguros, SA veio requerer esclarecimento do teor do despacho de fls. 396, nos termos dos artigos 669º nº 1 alínea a) e 666º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, alegando:

“A fls 396 admite-se a intervenção principal provocada da ARS-Norte, IP e do Estado Português e, consequentemente, considera-se renovada a instância extinta.

Ocorre que o douto despacho saneador sentença de fls 367 a 373 julgou procedente a ilegitimidade passiva do R., absolvendo-o da instância, bem como à chamada.

Tal decisão resultou de se ter julgado ser o fundamento da presente acção a prática de acto ilícito meramente culposo e, por isso, não poder ser demandado o R. directamente.

Tal decisão não resultou da preterição de litisconsórcio necessário.

A fls 380 a 382 a A. parece discordar deste entendimento.

No entanto, formula apenas pedido de intervenção principal.

Pelo que crê a chamada, transitou em julgado a decisão absolutória.

Uma vez que, como já referiu, tal decisão não resultou da preterição de litisconsórcio necessário.

O que foi suscitado pelo próprio Réu em resposta ao requerimento de intervenção provocada.

Ocorre que, o douto despacho não se pronuncia expressamente sobre esta questão.

Crê a chamada que não o fazendo confirma o decidido a fls 367 a 373.

No entanto, é essencial que se esclareça a questão.

Se se entender que a renovação da instância põe em causa a decisão que absolveu o Réu e a chamada da mesma instância, existe nulidade do douto despacho por violação do disposto no art. 666º nº 1, tal como se prescreve no artigo 668º nº 1 alª d) do Código do Processo Civil.

O que justificará interposição de recurso, intenção que desde já se manifesta.”

“Conclui requerendo o esclarecimento do teor do despacho de fls 396, nos termos requeridos e conforme já formulado por douto requerimento junto pelo Réu.

Desde já se manifesta a intenção de interposição de recurso, caso com tal esclarecimento se venha a entender alterar a decisão de absolvição da instância proferida a fls 367 a 373.

5. Este requerimento é decidido pelo despacho de fls. 419 e 420, ora recorrido, do seguinte teor:

Fls 403 a 405 dos autos:

A chamada na demanda veio requerer a aclaração/esclarecimento do decidido no despacho saneador/sentença de fls 366 a 373 dos autos.

Na verdade, a chamada tem razão no reparo que faz à dita decisão. Vejamos porquê.

A A., com o intuito de ultrapassar a procedência da excepção de ilegitimidade do R. Armando Domingos, por ter sido o único demandado nesta acção, veio requerer a modificação subjectiva da instância, solicitando a intervenção da ARS-N e do Estado Português, nos termos do art. 269º nº 1 do CPC.

Tal intervenção foi admitida pelo despacho de fls 396 dos autos. Contudo, tal despacho não se pode manter. Atente-se a razão.

O artigo 269º nº 1 do CPC constitui uma forma excepcional de sanar a ilegitimidade, posto que, por norma, tal excepção é insanável. O funcionamento de tal comando legal apenas se dá na situação em que foi preterido o litisconsórcio necessário (art. 28º do CPC), por a acção não ter sido proposta também contra outra pessoa que não devia ter estado ausente da demanda, atenta a relação controvertida.

Ora, tratando-se nesta acção sobre a responsabilidade civil extracontratual da Administração por actos da gestão pública, a demanda conjunta e solidária da pessoa colectiva e do funcionário só está prevista para os casos de dolo (actuação dolosa), nos termos do artigo 3º nº 2 do DL nº 48051, de 21/11/1967.

Portanto, só no caso de dolo dar-se-ia a preterição do litisconsórcio necessário passivo e, desse modo, poderia a A. chamar à acção a ARS-N e/ou o Estado, conjuntamente, com o Autor, através da intervenção principal provocada, conforme o artigo 269º nº 1 do CPC.

Ora, tal como este Tribunal configurou a culpa, ou seja, tendo considerado que o Réu/funcionário teve uma conduta meramente negligente, então não faz sentido chamar à demanda a ARS-N ou o Estado, pois “ab initio”, não foi preterido qualquer litisconsórcio necessário passivo, não podendo a A., em consequência, socorrer-se do mecanismo do artigo 269º nº 1 do CPC, pois a ilegitimidade do R./funcionário é, neste caso, insanável.

Ante o exposto, dou sem efeito o despacho de fls 396 dos autos, não se admitindo agora a referida intervenção da ARS-N e do Estado Português – (cf fl 370 dos autos – «conduta negligente»).”


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III – Enquadramento jurídico:

1. A recorribilidade do despacho que admitiu a intervenção principal provocada – fls. 396.

Determinava o artigo 669º nº 1 alª a) do CPC de 1995, na redacção do DL nº 303/2007, de 24/08, em vigor à data em que foi pedido o esclarecimento do despacho de fls 396 – 15/03/2012 -, e por isso, o aplicável à situação em apreço:

Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:

O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.”

O artigo 669º nº 3, do mesmo Código, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, estabelecia que cabendo recurso da decisão, o requerimento do esclarecimento é feito na alegação.

Estas normas eram aplicáveis aos despachos por força do disposto no artigo 666º nº 3 do mencionado Código.

Ora, estamos perante um despacho - o de fls. 419 a 420 - que revogou um anterior despacho - o de fls. 396 – em decisão de um pedido de esclarecimento deste despacho, por obscuridade ou ambiguidade do mesmo.

Porque estamos perante causa com valor superior à alçada de que se recorre, o despacho de fls. 396 é desfavorável à parte que requereu o seu esclarecimento e tal despacho não é de mero expediente, nem proferido no uso legal de um poder discricionário, nos termos dos artigos 678º nº 1 (na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08), 679º e 691º nº 3 (na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08), todos do Código de Processo Civil de 1995, aplicável por força do disposto nos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, cabia recurso de apelação do despacho em questão, constante de fls. 396.

Sendo admissível recurso de tal despacho não pode pedir-se o esclarecimento da obscuridade ou ambiguidade de que ele possa enfermar por simples requerimento, mas apenas pela via da interposição do recurso desse despacho e na alegação do recurso – artigo 669º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do DL nº 303/2007, de 24.08.

2. O requerimento de esclarecimento da obscuridade ou ambiguidade do despacho de fls 396 como requerimento de interposição de recurso e o seu teor como alegação do recurso.

A requerente faz o pedido de esclarecimento por simples requerimento e na parte final do mesmo declara que “Desde já se manifesta a intenção de interposição de recurso, caso com tal esclarecimento se venha a entender alterar a decisão de absolvição da instância proferida a fls 367 a 373.”

É duvidoso que tal declaração constitua um requerimento de interposição de recurso, mas ainda que se considere que o é, e que a alegação de recurso é o teor do requerimento de esclarecimento, a recorrente não formulou conclusões, pelo que, nos termos do artigo 685-C, nº 2, alª b), do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, esse requerimento de interposição de recurso deveria ter sido indeferido aquando da prolação do despacho de fls. 419-420.

Assim, o despacho de fls. 419-420 deveria ter sido no sentido do indeferimento do requerimento de interposição do recurso para esclarecimento da obscuridade ou ambiguidade do despacho de fls. 396, pelo que tendo aquele despacho revogado este último sempre se imporia a sua revogação, desde logo por violação do disposto no artigo 685-C nº 2 alª b), do Código de Processo Civil de 1995, na referida redacção.

3. A tempestividade da interposição do recurso.

A interposição de tal recurso só podia ocorrer no recurso que viesse a ser interposto da decisão final – artigo 691º nº 3 do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do DL nº 303/2007, de 24.08.

Tendo sido interposto antes da decisão é intempestivo, pelo que também por essa razão devia ter sido indeferido.

4. A subsunção da decisão recorrida a uma das situações previstas nos artigos 666º nº 2 e 667º nº1 do Código de Processo Civil de 1995.

A redacção destes artigos não sofreu qualquer alteração desde o Código Processo Civil de 1967 até à presente data.

Não tendo sido invocado qualquer erro de escrita ou de cálculo ou omissão quanto a custas, só poderia integrar tais previsões legais se pudéssemos concluir por qualquer inexactidão devida a outra omissão ou lapso manifesto.

A rectificação de erros materiais e inexactidões contidas na sentença e a que alude o n.º 2 do artigo 666º do Código de Processo Civil:

“...visa apenas os que respeitam à expressão da vontade material do Juiz” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.04.1991, BTE 2ª Série n.º 10-11/94, pág.1071, in Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 14ª edição, nota 17 ao art. 666º nº 1).

Ora, o despacho de fls. 419-420 não encerra em si mesmo a rectificação de um erro ou inexactidão respeitante à expressão da vontade material do julgador, pelo que não se pode usar do meio previsto no art. 667º do Código de Processo Civil para rectificação de tal despacho, devendo também por este fundamento ser revogado.

5. A decisão recorrida como reforma do despacho de fls. 396, ao abrigo do disposto no art. 669º nº 2 alª a) do Código de Processo Civil de 1995, na redacção do DL nº 303/2007, de 24.08.

Ainda que se responda afirmativamente a esta questão, sempre tem que se concluir nos mesmos termos em que se concluiu na apreciação da questão do esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade do despacho.

Tal reforma apenas pode ser pedida por via da interposição de recurso, recurso que, como já vimos, tem de ser indeferido pelas razões supra explanadas.

O decidido prejudica a apreciação e decisão de todas as restantes questões elencadas no requerimento de interposição do recurso.

Face às razões processuais que conduzem ao provimento do presente recurso jurisdicional, impõe-se revogar o despacho de fls. 419-420 dos autos e substitui-lo por outro que indefira o requerimento de esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade do despacho de fls. 396, quer enquanto tal, quer enquanto requerimento de reforma do mesmo despacho, quer enquanto requerimento de interposição de recurso do aludido despacho, quer enquanto requerimento de rectificação de erros materiais, devendo os autos baixar à 1ª instância para prosseguir os seus ulteriores termos.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam o despacho recorrido de fls 419 a 420 dos autos;

B) Indeferem o requerimento de esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade do despacho de fls 396, quer enquanto tal, quer enquanto requerimento de reforma do mesmo despacho, quer enquanto requerimento de interposição de recurso do referido despacho, quer enquanto requerimento de rectificação de erros materiais.

C) Ordenam a baixa do processo à 1ª instância para prosseguir os seus ulteriores termos.

Custas pela recorrida A... Portugal – Companhia de Seguros, SA, única que contra-alegou.


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Porto, 8 Abril de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha