Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00008/10.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NOTIFICAÇÃO DE RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
AVISO DE RECEÇÃO
Sumário:1) A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se efectuada na data em que ele for assinado.
2) O juiz deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
A impugnante, ora recorrente, foi sujeita a fiscalização externa referente aos exercícios de 2005, 2006 e 2007. Esta ação culminou com liquidações adicionais de IVA (e IR) por métodos indirectos.

A AT procedeu à notificação do relatório final, advertindo o sujeito passivo de que poderia solicitar a revisão da matéria tributável no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação.

O contribuinte apresentou pedido de revisão da matéria tributável. Mas a AT indeferiu a sua realização com fundamento em extemporaneidade.

No aviso de receção consta que o mesmo foi recebido em 3/6/2009. Porém, o impugnante defende que a data em que a notificação ocorreu foi em 4/6/2009, baseando-se na informação «Track & Trace» disponibilizada pelos CTTs.

No TAF de Mirandela o MMº juiz considerou que a data da receção da notificação foi em 3/6/2009, sendo, por conseguinte, extemporâneo o pedido de revisão da matéria tributável. E julgou totalmente improcedente a impugnação judicial.

O recurso.

Inconformada com esta sentença, a recorrente dela recorreu formulando as respectivas alegações e concluindo como segue:

- Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial com base na falta de tempestividade do pedido de revisão da matéria tributável - 6/7/2009 -, uma vez que considerou ter sido a Impugnante notificada em 3/6/2009 da fixação do imposto sobre o IVA por métodos indirectos.
- Para tanto, refere a douta sentença “Nos termos do art. 91°, n°1, e para o que interessa aqui dirimir, o sujeito passivo pode solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos no prazo de 30 dias contados, de forma continua, da data de notificação da decisão. - art. 57°, nº3 da LGT.
- Por isso, com a falta de tempestividade do pedido de revisão da matéria tributável deixa de ser possível apreciar a correcção da utilização de tais critérios, porque a avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa - art 86°, n°3 da LGT.
- Tendo sido a impugnante notificada em 3/6/2009 da fixação do imposto sobre o IVA por métodos indirectos, em 6/7/2009 o pedido de revisão da matéria tributável foi apresentado fora de prazo.”
- Está em causa nos presentes autos saber a verdadeira data em que a Impugnante foi notificada da fixação do imposto sobre o IVA de 2005, 2006 e 2007.
- A Impugnante foi notificada da fixação do imposto sobre o IVA de 2005, 2006 e 2007, em 4/06/2009 e apresentou o pedido de revisão da matéria tributável em 6/7/2009, uma vez que 4/7/2009 era sábado e por esse facto a prática do acto passa para o primeiro dia útil seguinte.
- A data de notificação que consta do site dos CTT é 4/06/2009 e a que consta do A/R é 3/06/2009. A ora recorrente, nos termos do artigo 374° do C. Civil, alegou que os algarismos correspondentes à data de recepção constantes do A/R não foram escritos pela mão da sua funcionária Sandia Marina Pinto.
E, nos termos do nº 2 do artigo 374º do C. Civil, impugnada que foi a autoria dos algarismos incumbia à AT a prova da sua veracidade.
- Ora, salvo melhor opinião a junção do documento assinado pela senhora A... não veio trazer qualquer certeza sobre a autoria dos algarismos correspondentes a data de recepção da notificação.
Pelo contrário, atenta as lacunas e contradições da informação, aquela trouxe mais incertezas sobre a questão da veracidade e autoria das datas.
Na realidade, o labor especulativo a que a mesma se abalançou na sua informação não trouxe a certeza esperada para a decisão proferida pelo Tribunal.
- A única certeza trazida ao processo pelo citado documento foi de que abatida informaticamente a entrega da correspondência não é possível alterar a data no computador.
- Porque o ónus da prova incumbia à AT e a mesma não produziu prova inequívoca sobre tal matéria o Tribunal não pode deixar de dar como provada a notificação da Impugnante em 4/06/2009.
- Assim, excluído o labor especulativo, estamos certos que no confronto das duas datas, e, porque só a data constante do site dos CTT - 4/06/2009 - é inalterável, o Tribunal deve optar por esta como tendo sido a data em que a notificação foi efectuada à ora oponente.
Pelo que se deixa exposto e pelo muito que será suprido por esse Venerando Tribunal, deve a sentença ser revogada, ordenando-se em consequência a sua substituição por outra em que se julgue procedente, por provada a presente impugnação com as legais consequências.
JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
A questão que se impõe apreciar neste recurso, delimitada pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é apenas a de saber se houve erro de julgamento de facto na apreciação da prova, ie, se a data em que ocorreu a notificação do relatório final de inspeção foi em 3/6/2009, ou 4/6/2009, como defende a recorrente.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. A contabilidade da Impugnante foi sujeita a uma acção externa de inspecção tributária com incidência temporal de 2005, 2006 e 2007, a qual decorreu de 6/2/2009 a 9/4/2009 – CFr. PA;
2. Em 27/4/2009, na sequência da inspecção da AT, a Impugnante foi notificada por oficio n.° 6379, de 23/4/2009, do projecto de relatório a fim de exercer o direito de audição prévia no prazo de 10 dias – fls. 29;
3. A Impugnante exerceu o direito de audiência prévia em 7/5/2009 – fls. 63;
4. Em 3/6/2009, e através de oficio 7929 de 29/5/2009, a Impugnante foi notificada da fixação do imposto sobre IVA por métodos indirectos dos anos de 2005, 2006 e 2007, respectivamente de 30.463,44 €, 7.982,84 e 15.696,32 € - fls. 139 e l40;
5. S… é empregada da Impugnante – fls. 144
6. Através desse oficio a Impugnante também foi notificada que “Nos termos do art° 91.° da LGT, poderá(ão) solicitar a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos ( …) a apresentar no prazo de 30 dias contados da presente notificação (…)”;
7. Em 6/7/2009 o Impugnante solicita a revisão da matéria tributável – fls. 107;
8. Dá-se aqui por reproduzida a informação prestada pelos CTT a fls. 139 do Proc. 11/10.8BEMDL, com o seguinte destaque: “(...) informamos que a correspondência foi entregue a quem atendeu na morada do destinatário em 2011/06/03, assinado por S… que facultou a identificação ao distribuidor (…)//O distribuidor abate informaticamente a entrega das correspondências no dia seguinte, (2009/06/04) não sendo possível alterar a data no computador (…)”
9. Em datas não alegadas a Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA “com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária” com recurso a métodos indirectos, e para pagar o montante global de 60.357,80, até ao dia 30/3/2009 – cfr. does. 1 a 24 da PI e 74 a 93 do PA;

No que respeita à motivação da decisão de facto, consta da sentença o seguinte:

Para a prova destes factos considerei os documentos juntos aos autos, principalmente os que se identificaram, e, no que diz respeito à data de notificação da fixação do imposto sobre IVA por métodos indirectos (facto n.° 4), também o seguinte:
O impugnante defende que foi notificado em 4/7/2009, tendo junto, para a prova deste facto, o doc. n.º 30 no qual é referido que a “Entrega conseguida” do “Objecto” RM494095399PT, e que diz respeito ao oficio 7929, teria ocorrido em 04/06/2009 às 1130 h;
Por sua vez é claro que o A/R do oficio em causa foi assinado em 3/6/2009 por S…, empregada da Impugnante (fls. 140).
Ou seja, tem de se considerar que a Impugnante foi notificada em 3/6/2009 porque, havendo aviso de recepção (como é o caso), a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado, designadamente por uma sua funcionária – uma vez que se trata de pessoa colectiva – art.°s 39.°, n.° 3 e 41.°, n.° 2 do CPPT.
Por outro lado, ao juiz titular deste processo também foi redistribuído o processo 11/10.8BEMDL, em virtude da anterior titular ter neste TAF cessado funções. No proc. 11/10 estão em causa as mesmas partes e a mesma questão (liquidação do imposto sem que a AT atendesse ao pedido de revisão da matéria tributável que considerou extemporâneo) referindo-se o pedido à anulação de IRC de 2006 e 2007. Porque nele existe um documento que também interessa ao esclarecimento do significado daquilo que os CTT consideram “Entrega conseguida”, determinar-se-á que a este processo seja junta certidão de fls. 138 a 147 do proc. 11/10, que, já sendo conhecido pela Impugnante, também serviu para formar a convicção quanto ao facto provado n.° 4 – art.°s 514.°, n,° 2 do CPC e art.° 13.° do CPPT


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A ora recorrente deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, alegando, além do mais, que a ATA impediu o contribuinte de efectuar o pedido de revisão da matéria colectável por o considerar (ilegalmente) extemporâneo.

Mas, diz a recorrente, tendo sido notificada do relatório final em 4/6/2009, o prazo de trinta dias para exercício do pedido de revisão só terminava em 4/7/2009, que foi um sábado, e por isso aquele prazo passou para o primeiro dia útil, 6/7/2009, data em que foi apresentado.
Tempestivamente, na tese da impugnante.

A sentença fixou em 3/6/2009 a data de notificação do relatório à impugnante, considerou extemporâneo o pedido de revisão da matéria tributável, e julgou improcedente a acção.

Neste recurso a recorrente defende ter havido erro de julgamento de facto porquanto tendo aceite que a assinatura do aviso de recepção foi efectuada pela sua funcionária S…, impugnou a veracidade dos algarismos referentes à data da receção (3/6/2009), os quais não foram da autoria daquela funcionária.
Daí que, insiste, a data da receçção verdadeira é a que consta da informação «Track & Trace, pesquisa de objectos», ou seja, 4/6/2009.

Sem razão, a nosso ver, como tentaremos demonstrar.
O relatório final de inspecção foi remetido à impugnante através do ofício n.º 7929, datado de 29/5/2009 para a sua morada. E nesta foi recebido pela sua funcionária S… que assinou a receção.
No espaço reservado à «Data e assinatura» consta a assinatura da receptora e a data de 3/6/2009.

A recorrente afirma que os algarismos não foram escritos pela funcionária receptora, pelo que nos termos do art. 374º/2 do Código Civil incumbe à parte que apresenta o documento a prova da sua veracidade, o que está correcto.

Mas a apreciação da prova da veracidade da receção da notificação em 3/6/2009 foi feita com rigor, no exercício da livre apreciação que a lei defere ao juiz (arts.º 366 e 376º/1 «a contrario» do Código Civil), tomando em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (art.º 515º do CPC (art.º 413º NCPC).

Assim, e desde logo, o MMº juiz socorreu-se de informação constante do processo de impugnação n.º 11/10 com as mesmas partes, e a mesma questão (liquidação do imposto sem que a AT atendesse ao pedido de revisão da matéria tributável que considerou extemporâneo) referindo-se o pedido à anulação de IRC de 2006 e 2007, a qual mandou juntar aos autos nos termos do art. 514º/2 do CPC (art. 412º/2 NCPC) e 13º do CPPT.

Este documento serviu para formar a convicção do tribunal «a quo» referente ao facto n.º 4- ou seja, que a receção da notificação do relatório ocorreu em 3/6/2009.

O documento encontra-se parcialmente transcrito no facto provado n.º 8 e contem a «explicação» dos CTT para haver divergência entre a data escrita no aviso de recepção (3/6/2009) e data de 4/6/2009, constante da informação «Track & Trace – Pesquisa de Objectos».

Segundo a informação, a divergência resulta do facto de o distribuidor só abater «…informaticamente a entrega das correspondências no dia seguinte (2009/06/04) não sendo possível alterar a data no computador».

Esta informação relevou na formação da convicção do julgador «a quo». E bem, quanto a nós, que em complemento apenas nos permitimos acrescentar dois pormenores:

O primeiro, é que a data de 09/06/03 foi colocada no espaço reservado à data e assinatura do aviso de recepção, imediatamente antes do nome, demonstrativo de que quem assinou o nome também escreveu a data.
O segundo, é que parece de todo improvável que alguém utilize um espaço destinado à data e assinatura e o preencha só com assinatura, deixando - algo convenientemente, diga-se -, um espaço em dimensão apropriada para que outra pessoa escreva uma data…falsa!
Sim, porque nesta hipótese teríamos de considerar que a data foi escrita depois de se ter assinado; se fosse escrita antes, a falsidade seria imediatamente detectada pelo receptor.

Para além disso, devemos atentar que o art. 39º/3 do CPPT dispõe que «Havendo aviso de receção, a notificação considera-se efecuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte».

Esta norma consagra uma presunção legal de que o aviso de recepção foi recebido na data em que foi assinado, a qual apenas poderá ser ilidida mediante prova do contrário (art. 350 do Código Civil), o que de modo algum o ora recorrente conseguiu realizar.

Portanto, só podemos concluír que a notificação do relatório final de inspecção ocorreu na data que se mostra escrita no aviso de recepção, ou seja, em 3/9/2006.

O que conduz à confirmação da sentença recorrida.


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 30 de Outubro de 2010.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira