Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00217/10.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:EMISSÃO DE LICENÇA PARA O ESTABELECIMENTO OU AMPLIAÇÃO DE POSTOS DE COMBUSTÍVEIS
TAXA
DL 13/71, DE 23 DE JANEIRO
Sumário:1. O tribunal não deve seleccionar para o probatório (como matéria assente ou «não provada») nem factos essenciais não alegados (art.º5.º do CPC), nem factos irrelevantes para a decisão em vista das causas de pedir formuladas na petição inicial.
2. O conceito de “bomba abastecedora de combustível”, para efeitos de incidência da taxa pela emissão de licença para o estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea l) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro), corresponde ao de “mangueira abastecedora”, enquanto dispositivo destinado a transferir combustível de um reservatório para um depósito de veículo automóvel, e não ao de “unidade de abastecimento”;
3. A liquidação do tributo previsto no citado art. 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, não padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça previstos no artigo 266.º da CRP, nem de inconstitucionalidade orgânica por violação do preceituado no artigo art.103.°, n.°2 e 165.° da mesma Lei Fundamental, nem violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, consagrado no art.º61.º da CRP.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Petróleos..., S.A.
Recorrido 1:Infraestruturas..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Petróleos…, S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto praticado pela E…, S.A. (incorporada por fusão na I…, S.A.) de liquidação de taxa no valor de 1.362,30€ “correspondente ao aumento de uma mangueira abastecedora”, relativa ao posto de abastecimento de combustíveis, localizado na EN 15, Km…, em Valongo, acrescido de imposto de selo no valor de 3,00€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.224).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. O presente recurso é interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que veio julgar improcedente a impugnação judicial intentada pela ora Recorrente, mantendo, por conseguinte, o acto de liquidação da taxa emitido pela Recorrida no valor de €1.362,30.

B. A decisão recorrida foi tomada porque o douto Tribunal incorreu em manifestos erros de julgamento e omissões de pronúncia decorrentes:
i. da insuficiente selecção da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, ou seja, da circunstância de não terem sido levados ao probatório todos os factos relevantes para uma correcta apreciação das questões de direito;
ii. da omissão/erro na apreciação da prova, designadamente não se tendo pronunciado sobre alguns factos constantes dos autos, e tendo decidido, nesta sede, em preterição do princípio do contraditório; e
iii. da errada apreciação/julgamento das questões de direito, conforme melhor veremos mais à frente.

C. A selecção da matéria de facto dada como provada foi manifestamente insuficiente para a boa decisão da causa, tendo em conta a prova documental junta aos autos, bem como o respectivo PA, devendo ter ordenado a produção de prova testemunhal e não tê-la dispensado, porque ainda havia factos essenciais que careciam de ser trazidos ao probatório, e sobre os quais o douto Tribunal deveria ter-se pronunciado e, além disso, porque a isso obrigava o princípio do inquisitório.

D. Da matéria de facto dada como provada – a qual foi manifestamente parca para concluir pela improcedência da presente impugnação - apenas constam 3 factos:
- O 1º facto refere-se ao envio do ofício datado de 10/11/2009 emitido pela Recorrida, em que a mesma vem informar que verificou a existência de 17 mangueiras de abastecimento mas que apenas estavam licenciadas 16;
- O 2º facto refere-se ao envio do ofício datado de 09/12/2009 emitido pela Recorrida, em resposta à audição prévia da Recorrente e mantendo a liquidação efectuada da taxa de €1.362,30, correspondente ao “dispensador/misturador de gasolina, vulgo mistura 2 tempos”;
- O 3º facto reporta-se à dedução da presente impugnação em 16/03/2010.

E. O Tribunal deveria ter dado como provado, em primeiro lugar, o teor da audição prévia que também foi junta aos autos (e deveria constar do PA) como Doc. 5, junto à PI., bem como a invocação pela Recorrente que tudo estava licenciado no posto e que, por conseguinte, a taxa de € 1.362,30 não deveria ter sido liquidada. O Tribunal deveria ter apurado tal facto, sendo este o busílis da questão e o facto determinante da referida liquidação da taxa.

F. Tratando-se a mangueira em causa de uma mangueira de mistura ou “dispensador/misturador” – o que resulta do facto n.º 2 do elenco de factos provados – tal mangueira de combustível é uma mangueira móvel, que não abastece propriamente os veículos, apenas mistura óleo e gasolina e, como não implica qualquer obra na infraestrutura do posto, estaria isenta de licenciamento e da aplicação de qualquer taxa.

G. Deveria o douto TAF ter dado como não provado o licenciamento de 16 mangueiras, por clara falta de prova, na medida em que a Recorrida não juntou aos autos o documento essencial para cumprir tal ónus de prova – o diploma de licença inicial – pois este facto era controvertido e era seu ónus de prova, pelo menos, tê-lo junto. Além disso, errou também o douto Tribunal não se ter pronunciado sobre a data em que a referida mangueira foi instalada no posto (1988).

H. Devem, ao invés, ser apreciados e dados como provados os seguintes factos que consideramos relevantes para a boa decisão da causa:
a. A mangueira a que se refere a Impugnada corresponde à bomba móvel de abastecimento de mistura;
b. A bomba móvel de abastecimento de mistura em questão está instalada neste posto de abastecimento desde, pelo menos, 1988;
c. O PA em apreço não foi objecto de qualquer ampliação (cfr. Doc. 5 junto com a P.I.) – porquanto a bomba móvel, pela sua própria natureza - não pode ser considerada uma ampliação do posto.

I. Por sua vez, deve ser dado como não provado o facto de não se poder provar, com base em documento idóneo, que foram licenciadas 16 mangueiras, visto que o diploma de licença inicial emitido pela própria Recorrida não foi junto nem com a contestação nem com o PA.

J. Perante a falta de matéria de facto subjacente dada como provada e não provada, é manifesto que não deveria ter o douto tribunal dispensado a produção de prova testemunhal, tal como requerido pela Recorrente na sua P.I.., pelo que seria crucial realizar a inquirição de testemunhas.

K. O despacho do Tribunal que dispensou a produção de prova testemunhal, também implicou a preterição do direito ao contraditório das partes, pelo que incorreu a Sentença sub judice em nulidade, por preterição de uma formalidade essencial legalmente exigida e que veio a influir no exame ou na decisão da causa, como vimos, nos termos do art. 195º/1 CPC aplicável ex vi o art. 1º CPTA, incorrendo o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento no que toca à dispensa de prova.

L. A douta Sentença incorreu ainda em erro de julgamento, nomeadamente, por falta de aplicação do art. 100º CPPT, tal como se impunha, dada a falta de prova verificada, porquanto a Recorrida nunca juntou aos presentes autos nem ao PA o diploma de licença inicial no qual se baseou para liquidar a taxa objecto de impugnação.

M. A Recorrida mais não quis que uma autêntica inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a Recorrente algo que não lhe competia provar, o que é uma manifesta violação das mais elementares regras da prova!

Não tendo o douto Tribunal aplicado o art. 100º CPPT, como se impunha, tendo em conta os elementos disponíveis nos autos e a falta de um documento essencial (e crucial) para fundamentar esta liquidação, incorreu em erro de julgamento, sendo que, não tendo a Recorrida procedido à junção do diploma de licença do posto aos autos – o que era crucial para se fazer a prova desta liquidação -, deveria o Tribunal anulado o acto ora impugnado, ao abrigo do disposto naquele normativo.

N. Incorreu também o Tribunal a quo em erro de julgamento no que concerne à interpretação e aplicação do art. 15.º/1, al. l) do Decreto-Lei 13/71, de 23.01, designadamente porque se tratava de uma mangueira de mistura, logo, o Tribunal não deveria ter aplicado esta taxa.

O. Esta mangueira, como não implica um abastecimento per se, porquanto se limita a misturar óleo e gasolina, e não extraindo, portanto, o produto de nenhum depósito subterrâneo e não procedendo ao abastecimento de um veículo, não está, como tal, sujeita a licenciamento

P. No sentido de que não se pode considerar uma bomba de mistura como “bomba de combustível” para efeitos de taxação pela lei, veja-se a jurisprudência no TAF de Aveiro, designadamente a Sentença de 22/01/2014, TAF Aveiro, Proc. n.º 56/11.0BEAVR.

Q. Acresce que – em conformidade com o Parecer do MP junto pela ora Recorrente - o “acrescentamento” de elementos das bombas (as chamadas mangueiras) sempre ficaria isento de licenciamento ou aprovação nos termos do art. 10º, n.º 2 do DL n.º 13/71.

R. Tanto a letra da Lei como o elemento histórico do preceito apontam irremediavelmente para que a incidência objectiva da taxa aqui impugnada sejam, única e exclusivamente, as bombas abastecedoras e não os seus elementos (mangueiras), como nos diz a letra daquela alínea l) do n.° 1 do citado artigo 15.° em questão.
S. Além disto, durante o abastecimento apenas se permite que uma viatura esteja estacionada a abastecer (até pelo comprimento das mangueiras), pelo que é manifestamente injusto e desproporcional a cobrança de “alegadas” taxas por cada mangueira, significando esta liquidação apenas uma “caça” desproporcional e ilegítima à taxa e uma violação do direito, constitucionalmente consagrado, à livre iniciativa económica privada.

T. Incorreu ainda em erro de julgamento a Sentença recorrida quanto às inconstitucionalidades suscitadas pela ora Recorrente (cfr. págs. 8 a 11 da Sentença), porquanto, no entender da Recorrente, a norma contida no art. 15º, n.º 1, al. l) do DL n.º 13/71, padece de 3 inconstitucionalidades, se for interpretada – como fez a Sentença recorrida – no sentido de se entender bomba de combustível como mangueira:
(i) Inconstitucionalidade orgânica, por violação do art. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. i) ambos da CRP, na medida em que se trata de um imposto e não de uma taxa;
(ii) Violação dos princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade e justiça, no plano das relações entre Administração Pública e os particulares – v. art. 266º, n.º 2 CRP;
(iii) Violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, consagrado no artigo 61.º da Constituição, na medida em quer constitui uma ingerência abusiva na actividade da empresa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, nessa medida,
a. Ser corrigida a matéria de facto e/ou a baixa dos autos para ser ordenada a produção de prova testemunhal e,
b. Ser a douta Sentença revogada, por padecer de vários erros de julgamento, declarando-se, por conseguinte, nulo, ou pelo menos anulando-se, o acto de liquidação impugnado, por ser o mesmo ilegal, como é de Lei e de Justiça!».

A Recorrida apresentou contra-alegações que termina com as seguintes «Conclusões:

I – A Recorrida pretende, através da ação sub judice, obter a declaração de nulidade e, subsidiariamente, a anulabilidade, do despacho datado de 10 de novembro de 2009, no qual se procedeu à liquidação da taxa no valor de 1.362,30€ devida pela ampliação do Posto de Abastecimento de Combustíveis (PAC) localizado na EN 15 ao km … em Valongo.
II - Para o efeito, a Recorrente imputa ao mencionado acto (liquidação da taxa) os vícios de (i) incompetência absoluta (a competência para licenciar a implantação, construção e ampliação dos PACs sitos à margem das estradas nacionais estar agora atribuída ao InIR, hoje IMT), (ii) erro nos pressupostos de direito (o conceito de bomba abastecedora integraria o de mangueiras) e (iii) inconstitucionalidade material da alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º, do DL n.º 13/71 de 23 de Janeiro, actualizada pelo DL n.º 25/2004 de 24 de Janeiro.
III – O Tribunal a quo entendeu que aqueles vícios não se verificavam, pelo que considerou o ato válido.
IV – O Recurso agora em análise reafirma o já exposto na PI, mas acrescenta factos e argumentos novos, sendo que face às conclusões da Recorrente as questões de que cumpre decidir pelo TCAN consistem essencialmente em:
I - Erro na apreciação da prova quanto à existência de mangueira por legalizar, e
II - Erro na interpretação das normas aplicadas ao caso concreto:
a) Erro nos pressupostos de direito, por considerar que o conceito de bomba abastecedora não integraria o de mangueira, em especial, a correspondente ao dispensador/misturador de gasolina, vulgo mistura 2 tempos
b) Inconstitucionalidade material da alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71, atualizada pelo DL 25/2004.

V – Quanto ao erro na apreciação da prova, no que diz respeito à existência de mangueira por legalizar, o mesmo não ocorre, já que a Recorrente nunca questionou a existência de dezassete mangueiras no PAC, o que implicou a aceitação do acréscimo de mais uma mangueira face às anteriormente licenciadas, o que é reconhecido nas alegações de direito.
VI – Assim sendo, o tribunal entendeu dispensar a inquirição de testemunhas, o que não foi impugnado pela Recorrente, não ocorrendo quer a violação do princípio do inquisitório, nem sequer o princípio do contraditório.
VII – Também não se verifica erro nos pressupostos de direito, por se considerar que o conceito de bomba abastecedora integraria o de mangueira, pois tendo em conta a unidade do sistema jurídico (normas de proteção às estradas nacionais), as circunstâncias históricas em que foi eleborada (em 1971 bomba era sinónimo de magueira), o facto de hoje existirem bombas multiproduto (com mais do que uma mangueira), e não podendo o interprete cingir-se à letra da lei (bomba seria igual a equipamento com uma ou mais mangueiras) terá aquele de considerar que a base de incidência da taxa em causa se afere por cada possibilidade de saída de combustível, a qual se encontra indissociavelmente ligada à componente visível, por exterior, da bomba abastecedora de combustível (a mangueira).
VIII – O mesmo raciocínio é aplicável quer se trate de um mangueira normal, quer a designada por dispensador/misturador de gasolina, vulgo mistura 2 tempos.
IX – Nem sequer a alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º do DL 13/71, atualizada pelo DL 25/2004 está ferida inconstitucionalidade material, é que tributar individualmente cada possibilidade de combustível, isto é, por cada mangueira abastecedora, tem subjacente ao processo de licenciamento a verificação e prevenção das condições de segurança e circulação na estrada e dos seus utentes.
X – Por outro lado, além de que um maior número de bombas abastecedoras/mangueiras resulta numa maior procura, atenta a capacidade máxima de abastecimento que é aferida pelo número de mangueiras, implicando o necessário aumento de número de entradas e saídas da estrada e o aumento do respectivo tráfego médio diário da via que procuram.
XI – Deste modo, ao julgar totalmemte improcedente a ação, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao caso em apreço.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, por ser de
JUSTIÇA».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente o objecto do recurso consiste em apreciar: (i) erro de julgamento na apreciação da prova e na selecção dos factos essenciais para a decisão da causa; (ii) nulidade processual por falta de produção da prova testemunhal requerida; (iii) erro de julgamento porquanto em causa está uma mangueira de mistura de óleo e gasolina e não uma mangueira abastecedora; (iv) a incidência objectiva da taxa é unicamente a bomba abastecedora e não a mangueira abastecedora; (v) violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça e violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, consagrado no art.º61.º da Lei Fundamental.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:

«III.1 – De facto
Dos elementos existentes nos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
1. Pelo oficio datado de 10/11/2009, sob o assunto «Posto de abastecimento de combustível EN 15, km … Acção de fiscalização», a E… informou a Impugnante de que, através de fiscalização efectuada em 15/10/2009, foi verificada a existência de 17 mangueiras de abastecimento de combustível no posto de abastecimento em questão, sendo que apenas se encontravam licenciadas 16, para exercer o seu direito de audição sobre a aplicação de taxa pela ampliação do posto de combustível, nos termos de acordo com a alínea l), do n.º 1, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 24/2004, de 24 de Janeiro, no valor de € 1.365,30 – Cf r. o doc. 2 junto com a petição inicial.
2. Por ofício datado de 09/12/2009, remetido sob correio registado com aviso de receção assinado em 11/12/2009, sob o assunto «acção de fiscalização de posto de abastecimento de combustíveis localizado na EN 15, km...», a E…, em resposta ao direito de audição prévia exercido pela Impugnante, notificou-a nos seguintes termos:
« (…)
No que respeita à cobrança da taxa relativa às mangueiras instaladas no posto em apreço, a mesma é exigida ao abrigo da alínea l), do n.º 1, do artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro, de acordo com o critério do número de mangueiras instaladas e não do número de bombas abastecedoras, tal como já foi confirmado no acórdão do STA de 17 de Julho de 2009, referente ao processo 263/09 (…);
No tocante à isenção de aplicação da taxa definida na alínea l) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, ao dispensador/misturador de gasolina, vulgo mistura 2 tempos não lhe é aplicável qualquer isenção, não existindo, que se conheça, qualquer excepção expressa na legislação para aquelas bombas abastecedoras de combustível, não se vendo assim, qualquer razão ou fundamento pra que esta seja excluída já que naquela alínea diz, textualmente, que “Pelo estabelecimento (…) de postos de combustíveis, por cada bomba abastecedora de combustível (é devida taxa de):”.
(…)
Face ao exposto, mantemos a nossa decisão com base nos fundamentos expostos no nosso ofício de 1899, de 2009-11-10, a que acrescem os vindos de referir, pelo que fica
V. Ex.ª notificado do seguinte:
No prazo de 10 dias efectuar o pagamento de 1.362,30 (mil trezentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos) correspondente ao aumento de uma mangueira abastecedora, de acordo com a alínea l), do n.º 1, do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 24/2004, de 24 de Janeiro, acrescido de € 3,00 de imposto do selo ao abrigo do ponto 12.5.1 da tabela geral de Imposto do Selo anexa ao Código de imposto de selo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de Novembro, sob pena de se emitir certidão de dívida para instauração de processo de execução fiscal (…)» – Cfr. os docs. 1 e 3 juntos com a petição inicial e f ls. 116-120 dos autos.
3. Em 16/03/2010, a Impugnante deduziu a presente impugnação – Cfr. fls. 2 dos autos.

*
Não existem factos não provados ou outros factos provados para além dos acima elencados.
*
A decisão sobre a matéria de facto alicerçou-se na análise dos documentos juntos aos autos, conforme acima referido em cada um dos pontos do probatório, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA


A Recorrente invoca erro na selecção dos factos essenciais à decisão da causa, devendo ser aditados ao probatório os seguintes factos: (a) A mangueira a que se refere a Impugnada corresponde à bomba móvel de abastecimento de mistura; (b) A bomba móvel de abastecimento de mistura em questão está instalada neste posto de abastecimento desde, pelo menos, 1988; (c) O PA em apreço não foi objecto de qualquer ampliação (cfr. Doc. 5 junto com a P.I.) – porquanto a bomba móvel, pela sua própria natureza - não pode ser considerada uma ampliação do posto.

Sucede que a questão colocada na petição inicial pela impugnante, ora Recorrente, se prendia unicamente com a legalidade da tributação por mangueira e não por bomba abastecedora e foi dessa questão que a sentença tratou.

No artigo 14.º da douta petição inicial, a Recorrente remetia, é certo, para os argumentos da resposta apresentada ao projecto de decisão de liquidação da taxa, mas como ela própria diz, “aí aduziu as suas razões que fundamentam as ilegalidades assacadas à liquidação então em projecto…”.

Ora, analisada essa resposta, que consta a fls.50 como doc.5 junto à p.i., e ao que agora importa, constata-se que a aqui Recorrente unicamente questionava a cobrança das taxas segundo o número de mangueiras e não por bomba abastecedora.

E no ponto 5 dessa resposta, pode ler-se: «Relativamente à proposta de decisão de cobrança de taxas por cada mangueira existente no posto de abastecimento em causa, todas as bombas de combustível encontram-se devidamente licenciadas, nos termos dos diplomas de licença e desde a emissão dessas licenças não se realizaram quaisquer obras de ampliação do posto».

Por outro lado, note-se, no projecto de decisão de liquidação da taxa (consta a fls.32 como doc.2 junto à p.i.), expressamente se referia a verificação, em acção de fiscalização, de 17 mangueiras no posto de abastecimento de combustível, estando licenciadas apenas 16, e a necessidade de proceder à legalização da ampliação do posto e ao pagamento da taxa correspondente.

Como se vê, a Recorrente pretende ver tratadas em sede de recurso questões factuais que não colocou na petição inicial, nem sequer indirectamente por remissão para documentos do procedimento administrativo de liquidação, como sejam a existência de 17 mangueiras e as concretas características da mangueira sobre que foi liquidada a taxa ou que tal mangueira pudesse dar lugar à ampliação do posto, quando no projecto de decisão de liquidação da taxa já a ampliação do posto claramente surgia associada à constatação, em acção de fiscalização, de uma 17.ª mangueira, estando licenciadas à data apenas 16.

No que em particular respeita ao facto b) que a Recorrente pretende ver contemplado no probatório, [a bomba móvel de abastecimento de mistura em questão está instalada neste posto de abastecimento, pelo menos, desde 1988] a seu ver relevante para apreciação da caducidade da liquidação do tributo (ponto 3 das alegações, a fls.334), a verdade é que tal questão também não foi colocada no petitório e não sendo de conhecimento oficioso, [vd., entre muitos outros, os Acs. do STA (Pleno do CT), de 07/07/2004, tirado no proc.º0564/02 e de 25/09/2013, tirado no proc.º0895/13] estava vedado ao tribunal recorrido conhecer dessa questão e não pode agora ser conhecida por se tratar de questão nova.

Repete-se, a questão suscitada em sede de petição inicial pela aqui Recorrente era a de saber se a taxa é calculada por “bomba” ou por “mangueira” e foi essa a questão tratada na sentença recorrida (cf. art.º608.º, n.º2 (última parte), do CPC).

E para a resolução desta questão é indiferente a natureza das mangueiras, sendo que a questão de saber se as características da mangueira poderiam ou não conduzir à isenção de tributação pelo art. 15.º, al. i) do DL 13/71 apenas é colocada agora em sede de recurso, e portanto estamos perante questão nova que não cumpre conhecer.

Conforme a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, reiterada e uniformemente, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado (cfr. Ac. do STA de 05/11/2014, proc. n.º 01508/12, de 01/10/2014, proc. n.º 0666/14, de 13/11/2013, proc. 1460/13, de 28/11/2012, proc. 598/12, de 27/06/2012, proc. 218/12, de 25/01/2012, proc. 12/12, de 23/02/2012, recurso 1153/11, de 11/05/2011, proc. 4/11, de 1/07/2009, proc. 590/09, 04/12/2008, proc. 840/08, de 2/06/2004, proc. 47978 (Pleno da Secção do Contencioso Tributário).

Concluindo, bem andou o tribunal a quo em não integrar no probatório (como matéria assente ou «não provada») nem factos essenciais não alegados pela impugnante, nem factos irrelevantes para a decisão em vista das causas de pedir formuladas na petição inicial, respeitando o princípio do dispositivo (art.º5.º do CPC) que conforma o do inquisitório (art.º13.º, n.º1, do CPPT), não tendo incorrido no apontado erro de julgamento de facto.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, vem a Recorrente alegar que a sentença incorreu em nulidade por falta de produção da prova testemunhal arrolada na petição inicial. Vejamos.

Reproduzindo idêntico regime que constava do art.º201.º do anterior Código de Processo Civil, dispõe o n.º1 do art.º195.º, do actual CPC: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

Estabelece o n.º2 daquele preceito que «Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica a s outras partes que dele sejam independentes».

Tratam-se ali de nulidades processuais que não se confundem com as nulidades da sentença, estas previstas no n.º1 do art.º615.º, do CPC.

A propósito do prescrito no artigo 201º, do CPC então vigente, escreve Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2.º vol., pág.484: «O que há de característico e frisante no art.º201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso, prossegue o autor, «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».

A falta de produção de prova testemunhal não constitui vício que a lei comine expressamente de nulidade – cf. art.º98.º, do CPPT.

Na verdade, na tramitação da impugnação judicial, prevê o n.º1 do art.º113.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário: «Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista do Ministério Público, conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários».

Diz o art.º114.º daquele Código que «Não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias, as quais são produzidas no respectivo tribunal».

Ou seja, a sequência processual após a contestação ou o decurso do prazo para o efeito – decisão ou abertura de instrução – é determinada pelo juiz.

Ora, como refere Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1996, a págs.18, «Verificado o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, segue-se verificar a influência que a prática ou omissão concreta pode ter no exame ou decisão da causa (…), isto é, na sua instrução, discussão e julgamento (…). Constatada essa influência, os efeitos da invalidade do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele foram absolutamente dependentes (art.201.º, n.º2). Sempre, por isso, que um acto da sequência pressuponha a prática de um acto anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do acto subsequente que porventura entretanto tenha sido praticado (e, por sua vez, dos que, segundo a mesma linha lógica, se lhe sigam)».

A decisão do juiz de não produzir a prova oferecida pela impugnante no articulado inicial – que é no fundo a omissão invocada – está sujeita a sindicância em sede recursiva e pode determinar a anulação da sentença quando tenha influído no exame ou na decisão da causa.

Na linha do anterior art.º712.º do CPC, o art.º662.º, do vigente CPC, dispõe no seu n.º1: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Decorre do n.º2, alínea c) daquele preceito que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Segue do exposto que a sentença não é nula. Pode é vir a ser anulada se se verificar ter incorrido em erro de julgamento influenciado pela decisão, a montante, de não inquirir as testemunhas arroladas pela impugnante na petição inicial.

Aponta também a Recorrente à sentença erro de julgamento por violação do art.º100.º do CPPT. Refere a Recorrente que não foi junto aos autos ou ao PA o diploma de licença inicial no qual a Recorrida se baseou para liquidar a taxa impugnada.

Embora a Recorrente se limite a invocar o art.º100.º do CPPT, é manifesto que só o n.º1 é susceptível de aplicação aos autos, posto que os restantes números se reportam a correcções por métodos indirectos.
Dispõe aquele n.º1 do art.º100.º do CPPT: «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Esse preceito tem aplicação quando da prova produzida, resultem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, “CPPT Anotado”, Vislis, 4.ª edição (2003), pág.449, «Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se a aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus».

Sucede, porém, que a Recorrente não concretiza nem nas conclusões, nem na motivação, que factos alegados na petição inicial, ou de conhecimento oficioso, o tribunal não podia decidir sem os elementos administrativos que diz omitidos pela Recorrida, justificando-se a aplicação desta regra do art.º100.º do CPPT.

Por conseguinte, não se vislumbra qualquer fundamento para se falar em fundada dúvida nos termos do art.º100.º do CPPT.

Invoca ainda a Recorrente que o conceito de mangueira não coincide com o de bomba abastecedora de combustível.

Sobre esta questão já se debruçou o STA em diversos arestos e nomeadamente no seu Ac. de 25/03/2015, tirado no proc.º0202/14, que aqui transcrevemos no segmento mais relevante:

«O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se já sobre a interpretação do aludido preceito legal, como se pode verificar pela leitura dos acórdãos de 17/06/2009 e de 16/09/2009, nos processos nº 263/09 e nº 327/09, respectivamente, cuja doutrina sufragamos face à sua proficiente fundamentação e à qual nada se nos oferece acrescentar. Razão por que nos limitaremos a transcrever o que naquele acórdão de 17/06/2009 se deixou explicitado sobre a matéria. «A única questão que vem controvertida no presente recurso prende-se em saber da interpretação do conceito de bomba abastecedora de combustível para efeito do disposto na alínea l) do artigo 15.º do DL nº 13/71, de 23 de Janeiro. Dispõe este normativo (redacção do DL n.º 25/04, de 24/01) o seguinte: Artigo 15º, nº 1 – Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes: (…) alínea l)- Pelo estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, por cada bomba abastecedora de combustível - € 1362,30. A sentença sob recurso concluiu que a cobrança dessas taxas deve ser feita com referência ao número de mangueiras de abastecimento de combustível e daí que tenha julgado improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação que foi feita com base nesse entendimento. (…). Insurgindo-se contra esse entendimento, vem a recorrente defender na sua alegação de recurso que o conceito de bomba abastecedora de combustível dever ser entendido como unidade de abastecimento, enquanto indicador da função económica do posto e respectiva capacidade, sendo certo que a mangueira é apenas um dos equipamentos dessa bomba, argumentando ainda com o facto de, com o artigo 2º, alínea b), do DL nº 246/92 ter sido abandonado o conceito de bomba abastecedora. Não se crê que razão alguma assista à recorrente. Com efeito, subscreve-se na íntegra o que impressivamente se afirma no extracto que acima foi feito da sentença recorrida, em que se considera que a base da incidência da taxa em causa se afere por cada possibilidade de saída de combustível, a qual se encontra indissociavelmente ligada à componente visível, por exterior, da bomba abastecedora de combustível (a mangueira). Sendo assim, encontrando-se acoplado a cada mangueira um mecanismo de bombagem, apresenta-se como decorrência irrefragável o entender-se que a base de incidência de tributação da taxa prevista na alínea l) do artigo 15.º do DL n.º 13/71 seja aferida por cada mangueira licenciada a instalar. E não se diga que o conceito de bomba abastecedora de combustível foi abandonada pelo legislador, como o faz a recorrente (conclusão 9.). Na verdade, a nova redacção introduzida pelo DL n.º 25/04, de 24/01, à aludida alínea l) do artigo 15.º manteve o conceito em causa, o que não pode deixar de significar que o mesmo não é confundível com o de unidade de abastecimento constante da alínea b) do artigo 2º do DL n.º 246/92, de 30 de Outubro.
Aliás, o conceito que se defende é o que melhor se compagina com a necessidade de prevenir as condições de segurança e circulação nas estradas, tributando o risco rodoviário acrescido que resulta do maior número de saídas de combustível licenciadas».

Por conseguinte, acompanhando esta jurisprudência reiterada, a base de incidência de tributação da taxa prevista na alínea l) do artigo 15.º do DL n.º 13/71 é aferida por cada mangueira licenciada a instalar e não, como pretende a Recorrente, por cada bomba abastecedora, pelo que quanto a este fundamento, também improcede o recurso.

Invoca por último a Recorrente a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça e inconstitucionalidade orgânica por se tratar de um imposto e não de uma taxa e violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, consagrado no art.º61.º da CRP, mas também sem razão com a fundamentação infra, retirada, com a devida vénia, do acórdão do Ac. do STA que vimos acompanhando e cujo entendimento também sufragamos:

«E esta interpretação, de que a expressão bomba abastecedora de combustível tem o sentido de mangueira abastecedora de combustível, para efeitos da determinação da incidência objectiva da taxa prevista no art. 15º, nº 1, al. l), também não viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, como bem se deixou explicitado nos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 28/2015 e nº 90/2015, que acolheram na íntegra a jurisprudência já contida no acórdão nº 846/2014 desse mesmo Tribunal, e onde se escreveu o seguinte: «6. Como se assinalou, a recorrente configura o juízo de inconstitucionalidade por si alegado na violação dos princípios consagrados no artigo 266º, nº 2, da CRP.
Contudo, não será seguramente este o «parâmetro» aplicável à questão sob juízo.
O nº 2 do artigo 266º da CRP consagra os limites à atuação das autoridades administrativas no exercício dos seus poderes discricionários. É no contexto do uso destes poderes que a Administração está obrigada a agir no respeito pelos princípios da proporcionalidade e da justiça. Ora, as taxas em causa, em si mesmas consideradas, não resultam da prática de ato discricionário, pois que se encontram diretamente previstas no ato normativo que as suporta.
Por outro lado, o objeto do presente recurso é constituído, não por uma atuação administrativa, mas sim pela interpretação (jurisdicional) de uma certa norma – como, aliás, não podia deixar de ser –, norma essa incluída, de resto, em ato formalmente legislativo. Quer isto dizer que não está em causa a questão de saber se a autoridade administrativa agiu em (des)conformidade com a Constituição. O que está em causa é a questão de saber se determinada norma, constante de ato legislativo e aplicada pelo juiz da causa com certa interpretação, se conforma com as exigências constitucionais pertinentes, mormente as que decorrem os princípios da proporcionalidade e da justiça. O facto de estes últimos receberem (também) apoio textual no nº 2 do artigo 266º da CRP não implica portanto, só por si, que seja este o parâmetro a aplicar ao caso sub judicio.7. Excluída que está a aplicação ao caso do disposto no nº 2 do artigo 266º, resta saber se a norma sob juízo, contida em ato legislativo, se pode configurar como norma restritiva de um direito, liberdade e garantia, de forma a que se lhe aplique o previsto na parte final do n.º 2 do artigo 18º da CRP. A doutrina e a jurisprudência constitucional têm sido firmes no sentido de concluir que o exercício, por parte do Estado, do poder de tributar não pode ser concebido como uma afetação ou restrição de direitos fundamentais, face à qual seja legítimo invocar o regime dos requisitos ou exigências que valem, constitucionalmente, para as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. […]
Quer isto dizer que, se a «conceção constitucional de tributo» – a qual inclui impostos e taxas – é inimiga de qualquer construção que veja similitudes entre estas imposições e as vulgares restrições a direitos, liberdades e garantias, tal como estas últimas são reguladas pelo artigo 18º da CRP, nem por isso se dispensa, quanto a elas, o requisito ou crivo da proporcionalidade, enquanto expressão de um princípio que, como já se disse, vale em Estado de direito (artigo 2.º) para todo o agir estadual. Esta afirmação, no que às taxas diz respeito, adquire especial sentido na exata medida em que, aí, a imposição pressupõe um vínculo de signalamaticidade entre o que se presta (e o quanto se presta) e a utilidade privada que da prestação se retira. Contudo, neste domínio, o que o Tribunal sempre disse foi que da Constituição apenas se retiraria a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na fixação do montante devido, dada a impossibilidade de entender o elemento estrutural da taxa(a «correspectividade» ou «sinalagmaticidade», vistas essencialmente como categorias jurídicas), como algo equivalente a uma correspondência económica estrita entre o montante a prestar e o valor da respetiva contraprestação (entre muitos outros, Acórdãos n.os 115/02; 1108/96; 640/95; 461/87; 205/87).
8. Não havendo razões para dissentir desta firme e já antiga jurisprudência, também se não vê como, in casu, concluir pela inconstitucionalidade da interpretação da norma adotada pela decisão recorrida, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade.
Face aos elementos disponíveis, é impossível afirmar que existe uma manifesta desproporcionalidade entre o montante devido pelo recorrente e a contraprestação por ele obtida, contraprestação essa que – como já se disse – se traduziu no licenciamento do posto de combustível que o mesmo recorrente economicamente explora. Não estando estes dois elementos, que compõem o «sinalagma» próprio da taxa, relacionados entre si através dos critérios da equivalência económica, e não sendo possível determinar que o primeiro – devido ao sentido atribuído pela decisão recorrida à norma aplicada in casu – atingiu um montante tal que onera de forma excessiva a exploração económica do bem, impossível também se torna concluir que houve, por efeito da interpretação adotada pela instância, uma manifesta desproporcionalidade na fixação do montante da taxa. Tanto basta para que se não julgue inconstitucional tal interpretação, por violação do princípio da proporcionalidade.
Da eventual violação do princípio da justiça
10. As considerações acabadas de tecer (inclusive, no que toca à inaplicabilidade, ao caso, do disposto no artigo 266º da CRP), valem na íntegra para a invocada violação do princípio da justiça, decorrente também da «ideia» de Estado de direito consagrada no artigo 2º da CRP. A total ausência de elementos fácticos suficientes torna impossível suportar um juízo sobre a matéria. Por outro lado, acresce ser ainda discutível que o princípio da justiça, em si mesmo considerado, assuma relevância autónoma para efeito de controlo de constitucionalidade […].Tal discussão, porém, é inútil para os presentes autos, posto que o decisivo é que não existe qualquer evidência de excesso ou injustiça resultante da interpretação normativa que foi acolhida na decisão recorrida.11. Em suma, não se descortina qualquer vício de inconstitucionalidade na alínea l) do n.º 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de janeiro, na redação do Decreto-Lei nº 25/2004, de 24 de janeiro, na interpretação que vinha sindicada».

No mesmo sentido, pode ver-se ainda o recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 03/06/2015, proc.º61/15.

Ora, considerando o supra exposto, não se verifica a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, nem a inconstitucionalidade orgânica porquanto estamos perante uma verdadeira taxa e não imposto, nem a violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, porquanto como ficou explicitado não se verifica qualquer desproporcionalidade, nem qualquer cercear de modo excessivo a actividade empresarial, pois encontram-se devidamente respeitados todos os princípios constitucionais invocados pela Recorrente.

Aqui chegados, sem grande esforço se alcança a desnecessidade da prova testemunhal requerida pela impugnante, ora Recorrente, para conhecimento das questões factuais de que era lícito ao tribunal conhecer.
Do que se conclui pela não verificação da nulidade resultante da falta de produção da prova requerida, porque a omissão do acto processual em causa, não foi susceptível de influir minimamente no exame e decisão da causa, bem pelo contrário, a sua prática consubstanciaria até um acto ilícito por inútil (cf. art.º130.º, do CPC).

Em suma, a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento invocados pela Recorrente, e nessa medida, o recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 30 de Março de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro