Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00046/14.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/05/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO, FUNDAMENTAÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO VERSUS GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT e o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» [cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 16/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 0458/13].

V – No caso concreto, não se mostram alegados no despacho de reversão todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções de administrador revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B…
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 04/06/2015, que julgou procedente a oposição deduzida por B.., contribuinte n.º (…), com domicílio fiscal na Quinta (…), contra a execução fiscal n.º 2453201301000810 e aps., a correr termos no Serviço de Finanças de (...), em que é devedora originária “C…Lda.”, NIPC (…), por falta de pagamento de IVA do primeiro trimestre de 2013 e coimas fiscais, no montante global de € 2.285,27.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pelo Oponente e, consequentemente, extinguiu a execução contra si operada, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT e 8.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, decorrente de, neste, o OEF não ter alegado e provado que, da parte do Oponente, tivesse havido o exercício, efectivo ou de facto, das funções de administração ou gestão da Originária Devedora.
2. Contudo, por um lado, o Meritíssimo Juiz a quo, na fixação da matéria de facto, que, com interesse para a decisão de mérito, julgou provada, incluiu factos que não respeitam a matéria controvertida, como o facto 3. (que respeita à citação da Originária Devedora, que não foi impugnada), que são inexactos, como o facto 6. (que, quanto à citação do Oponente, reproduz os dizeres da carta de citação, fazendo tábua rasa dos documentos que a acompanharam, designadamente do despacho de reversão e do designado DESPACHO COMPLEMENTAR, que daquele fazia parte integrante), ou que não podem ser havidos como prova de coisa alguma, como o facto 7. (por concluir a partir de uma anotação manuscrita, que, por sua natureza, não se sabe a quê ou a quem se refere), pelo que devem os mesmos ser expurgados do probatório ou, no caso do facto 6., ser corrigidos, no sentido de dar como reproduzidos os dizeres da carta de citação e do despacho de reversão, neste incluídos os dizeres do designado DESPACHO COMPLEMENTAR, anexo ao despacho de reversão, que dele faz parte integrante, posto todos eles terem integrado o acto de citação do Oponente.
3. Por outro lado, o Meritíssimo Juiz a quo desconsiderou importante factualidade, com consequências na decisão que, a final, proferiu, em claro prejuízo da Fazenda Pública, que, a ter sido julgada provada, poderia e deveria, lógica e necessariamente, ter conduzido a outra conclusão, pois o Oponente, espontânea e abertamente, reconheceu, na sua petição inicial, que auferia remunerações da Categoria A (cfr. artigo 8.º da petição inicial), que, entre 07.12.2011 e 30.04.2012, agindo em nome da Originária Devedora, efectuou o pagamento de dívidas da Originária Devedora à AT, no valor de € 15.000,00 (cfr. artigo 42.º, alínea a), da petição inicial); e que, agindo em nome da Originária Devedora, interpôs uma acção no Tribunal Judicial de Vila Real, à qual coube o Processo n.º…, tendo em vista a cobrança coerciva de créditos mal parados da sua representada, relativos a trabalhos realizados e não pagos (cfr. artigo 42.º, alínea c), da petição inicial), que, não prejudicando a sequência numérica dada aos factos no probatório, devem dele passar a constar, sob os números 8., 9. e 10..
4. Mais, quando o Oponente enumerou tais factos como exemplos dos seus esforços para cumprir todas as suas obrigações, num dever de zelo e boa-fé, alegadamente reveladores de não ter sido por sua culpa que as dívidas revertidas não foram pagas, convidou a concluir que, a expressão obrigações, era uma clara referência aos deveres próprios das pessoas em exercício, efectivo ou de facto, de funções de administração ou gestão e, os exemplos, frases que, entre outras possíveis, foram citadas para apoiar uma regra, que era a de que exercia, efectivamente ou de facto, as funções de administrador ou gestor da Originária Devedora.
5. Aqui chegado, notório seria que o Oponente havia atacado a validade formal do despacho de reversão, mas não a sua validade substancial, pois, pugnando embora pelo alegado facto de, em tal acto, o OEF não ter alegado e provado factos tendentes a demonstrar que, da sua parte, houve exercício, efectivo ou de facto, das funções de administrador ou gestor da Originária Devedora, não impugnou, contudo, a circunstância de, efectivamente ou de facto, as ter exercido, o que resulta de ter invocado todo um circunstancialismo fáctico, revelador de que foi sua estratégia, nos presentes autos, tentar elidir a presunção legal da sua culpa na falta de pagamento das dívidas da Originária Devedora e não negar que, substancialmente, exerceu as funções de administrador ou gestor da mesma.
6. Ora, em termos formais e na esteira da jurisprudência que vem de ser citada (Cfr. acórdão proferido a 16.10.2013, pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no Recurso n.º 0458/13), o OEF, no despacho de reversão, apenas tinha que identificar as normas jurídicas ao abrigo das quais a responsabilidade tributária subsidiária operou, elencar os respectivos requisitos ou pressupostos legais e mencionar a extensão temporal da responsabilidade, não estando vinculado a, sequer, alegar quaisquer factos concretos, fundadores da sua convicção quanto à administração ou gerência, efectiva ou de facto, da Originária Devedora, pois, não se tratando, na reversão do processo de execução fiscal contra responsáveis tributários subsidiários, de acusação em matéria sancionatória, o Oponente sempre tinha, como teve, a possibilidade de ver sindicada a pretensão do OEF, mediante a oposição judicial, em cuja sede compete à AT provar que, da parte do Oponente, houve administração ou gerência de facto.
7. Contudo, a Fazenda Pública concluiu pela desnecessidade da produção de tal prova, porquanto, em bom rigor, o Oponente, na sua petição inicial, não questionou o facto de ter sido, efectivamente ou de facto, o administrador ou gestor da Originária Devedora, antes o demonstrando, pela opção de elencar factos por si praticados, típicos do exercício de tais funções, alegadamente tendentes a revelar a inexistência de culpa sua na falta de pagamento das dívidas contra si revertidas
8. Ora, aqui chegados, deveria o Meritíssimo Juiz a quo, a partir do conjunto dos factos que as partes carrearam para os autos, ter formado a presunção judicial de ter havido, por parte do Oponente, a administração ou gerência de facto, o que não fez.
9. Ora, sendo fim do direito a realização da justiça, pela descoberta da verdade material, devem as decisões judiciais fazer prevalecer a substância sobre a forma e, resultando dos autos que o Oponente foi administrador ou gestor da Originária Devedora, a sentença ora recorrida, ao julgar a oposição procedente, pelo facto de a gerência ter sido admitida pelo Oponente, mas não demonstrada no despacho de reversão, não esteve ao serviço da justiça.
Nestes termos e nos mais de Direito, que hão-de ser por V., Ex.ªs, com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso obter provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra, que, julgando o despacho de reversão válido e eficaz e provado ter havido, por parte do Oponente, o exercício, efectivo ou de facto, das funções de administrador ou gestor da Originária Devedora (pelos factos 8., 9. e 10., tal como propostos no artigo 19.º da presente peça), determine a baixa dos autos à 1.ª instância, para conhecimento das restantes causas do pedido de extinção da execução.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao concluir que a AT não demonstrou os pressupostos de que depende a responsabilidade subsidiária tributária.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão dou por provados os seguintes factos:
1. Em 6/4/2013 e 15/7/2013 foram instauradas execuções fiscais contra a sociedade C.., Lda, com sede na R. (…), respectivamente por dívidas de coimas e encargos de processo de contra ordenação, no valor de 107,34 €, e por “Impostos englobados na conta corrente” que se consubstancia em IVA, no valor de 2.177,93 €– Cfr. fls. 1, 2 , 2/V, 4, 5 e 5/V do PA; 9;
2. As datas limites de pagamento ocorreram em, respectivamente no que diz respeito dívidas de coimas e encargos de processo de contra ordenação e a IVA, 18/3/2013 e em 24/6/2013 – cfr. fls. 3/V e 5/V do PA;
3. Aquela sociedade não foi citada – cfr. à contrário, informações de fls. 51, 26 (que no PA está situada após a fl. 51) e despacho de fl. 27. Conforme se pode verificar pela análise do PA, a penhora que consta de fl. 2 (ou de fl s. 2 3, pois não se percebe a que fl. corresponde o “Mandato de Penhora ” que, após se contarem desde o inicio, se situa a fls. 7 do PA) ocorreu independentemente da citação da sociedade executada;
4. Pelo despacho de fls. 28 do PA, datado de 23/10/2013, o Chefe de Finanças de (...) determinou a reversão da dívida para o aqui Oponente;
5. Por despacho datado de 23/10/2013 o Oponente foi notificado para exercer o direito de audição na qualidade de responsável subsidiário – Fls. 30 do PA que dou por reproduzida;
6. Em 21/11/2013 o Oponente foi citado como responsável subsidiário da identificada sociedade, conforme despacho de fls. 39 que aqui dou por reproduzido, com o seguinte destaque: “Pela presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do art.º 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (…)//FUNDAMENTOS DA REVERSÃO // Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão prévia (art.º 23.º, n.º 2 da LGT) // Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo ( art.º 24.º/n.º1/b) LGT (…)”;
7. O Oponente foi gerente (de direito) da sociedade “C.., Lda” de 27/3/2003 a 15/4/2013 – Fls. 10 do PA enviado pela AT, onde, nessa folha, consta a menção manuscrita de “Renunciou em 15/04/2013”.
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Para mais cabal compreensão da factualidade vertida no ponto 6 do probatório, transcreve-se o teor do aí referido despacho de reversão:
Face às diligências de fls. 6 e seguintes e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra B.., contribuinte n.º…, morador (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados por reversão, nos termos do Art.º 160.º do CPPT para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do Art.º 23.º da LGT). (…)
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24.º/n.º1/b) LGT].
Pelas multas ou coimas aplicadas às infracções por actos praticados no período do exercício do seu cargo [art. 8.º, n.º 1 a) do RGIT]. Anexo: Informação e Despacho, Registo na Conservatória e Certidões de Dívida.
Integra Despacho Complementar Anexo.
Identificação da dívida em cobrança coerciva (…) conforme anexo.”
Na medida em que o despacho de reversão, proferido em 19/11/2013, integra ainda um despacho complementar elaborado na mesma data, passamos ainda a reproduzi-lo, pela sua pertinência – cfr. fls. 35 da cópia autenticada do processo executivo apensa aos autos:
“(…) Notificado o sócio gerente B..., NIF (…), para a morada constante do cadastro, em 31/10/2013, para atribuição de responsabilidade subsidiária e demonstração de que não foi por culpa sua que o património da executada se tornou insuficiente para satisfação dos créditos fiscais, o mesmo optou pelo silêncio.
Assim, considerando que o notificado não contestou a responsabilidade que lhe advém conforme fundamentos descritos no despacho do projecto de reversão da execução, que aqui se reitera, designadamente:
1. Insuficiência de bens da devedora originária (Art.º 23. 2 e 3 da LGT) decorrente das diligências efectuadas para penhora de bens da devedora originária;
2. Gerência (administrador, gerente ou director) de direito [Art. 1.b) da LGT], no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
3. Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento [Art.º 8.1.b) RGIT];
4. Não veio ao processo provar não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [Art. 24.º.1.b) da LGT]
pelo que, sem prejuízo do benefício de excussão, proceda-se aos averbamentos necessários no SEFWEB tendentes à extracção da componente citação pessoal da reversão. (…)”

2. O Direito

Tendo sido suscitado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, impõe-se iniciar a apreciação pela fundamentação constante da decisão recorrida.
Importa frisar que a sentença em crise julgou procedente a presente oposição, extinguindo a execução fiscal contra o Oponente, por considerar que cabia à Administração Tributária a prova e devida fundamentação do despacho de reversão, salientando que «(…) cabe à Administração Tributária comprovar os pressupostos da responsabilidade subsidiária. Ou seja, não basta a gerência de direito para se inferir, sem mais, a gerência de facto – esta é apenas uma presunção judicial a ser “extraída do conjunto dos factos provados, que resultará da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal”. Assim, têm que ser alegados e demonstrados factos conducentes a essa realidade, logo no momento em que o Oponente é notificado para exercer o direito de audição prévia na qualidade de responsável subsidiário da sociedade executada, e isto em consideração ao princípio da não fundamentação posterior dos actos. - Cfr. art.º 77.º, n.º 1 da LGT e Diogo de Leite Campos e outros, in LGT anotada, 3ª edição, pág. 383. (…)
A Administração bastou-se com a comprovação da gerência de direito até, ao que parece, 15/4/2013.
Portanto, salvo o devido respeito, a AT não cumpriu o ónus que o intróito do n.º 1 do art.º 24.º da LGT lhe impõe, que é a prova do exercício de facto da gerência da sociedade. (…)»
No presente recurso, no tocante à falta de fundamentação do despacho de reversão, o Recorrente considera que o despacho que ordenou a reversão da execução fiscal contra o aqui Recorrido se encontra devidamente fundamentado, pois nele se dão a conhecer, de forma clara e suficiente, os pressupostos em que assentou em concreto a reversão e as disposições legais aplicáveis.
Motiva tal conclusão dizendo que em termos formais e na esteira da jurisprudência que vem de ser citada (Cfr. acórdão proferido a 16.10.2013, pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no Recurso n.º 0458/13), o OEF, no despacho de reversão, apenas tinha que identificar as normas jurídicas ao abrigo das quais a responsabilidade tributária subsidiária operou, elencar os respectivos requisitos ou pressupostos legais e mencionar a extensão temporal da responsabilidade, não estando vinculado a, sequer, alegar quaisquer factos concretos, fundadores da sua convicção quanto à administração ou gerência, efectiva ou de facto, da Originária Devedora, pois, não se tratando, na reversão do processo de execução fiscal contra responsáveis tributários subsidiários, de acusação em matéria sancionatória, o Oponente sempre tinha, como teve, a possibilidade de ver sindicada a pretensão do OEF, mediante a oposição judicial, em cuja sede compete à AT provar que, da parte do Oponente, houve administração ou gerência de facto.
Não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT) e que o despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigos 23.º, n.º 4 e 77.º nº 1 da LGT), devendo, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (n.º 1 do artigo 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração dos pressupostos da reversão e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (artigo 23.º, n.º 4 da LGT).
Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/01/2013, proc. n.º 953/12).
Sendo que, em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição, como efectuou nos presentes autos, onde depois funcionam as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às situações previstas legalmente.
In casu, o tribunal “a quo” salienta que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava vertido no despacho de reversão.
Compulsando o teor do despacho de reversão, verificamos que existe a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido – artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e artigo 8.º, n.º 1, alínea a) do RGIT.
Resulta inequivocamente dos normativos legais referidos que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Por outro lado, também consta uma referência temporal à responsabilidade subsidiária - reportando-se a dívidas de IVA do primeiro trimestre de 2013 e Coimas de 2013.
Contudo, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da administração, nem a relacionando com a sua extensão temporal, desconhecendo-se se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da sua gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da sua gerência. Tanto mais que, no que tange à responsabilidade pelas coimas, no despacho de reversão se transcreve o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT [Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo], enquanto que no despacho complementar anexo à decisão de reversão se reproduz simplesmente a norma vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT [Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento].
Na verdade, existe apenas uma referência à gerência de direito, como podemos ler no despacho de reversão que reproduzimos na decisão da matéria de facto: “Gerência (administrador, gerente ou director) de direito [Art. 1.b) da LGT], no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)”; aliás, já no âmbito do projecto de decisão de reversão existia apenas uma referência à matrícula ou aos elementos registados na competente Conservatória do Registo Comercial e ao registo informático interno da AT. Note-se que em anexo ao despacho de reversão e, depois, à carta de citação para reversão consta somente informação, despacho complementar, registo na Conservatória e certidões de dívidas.
A verdade é que, além da menção à insuficiência de bens e à gerência de direito, o despacho de reversão limita-se a reproduzir normativos – o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e o artigo 8.º do RGIT.
Em termos de declaração, em concreto, dos pressupostos da reversão, o despacho em análise apenas menciona a insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário, revertendo, nessa sequência, a execução contra o aqui Recorrido.
Portanto, ao contrário do alegado neste recurso pela Fazenda Pública, o problema do despacho de reversão, identificado pelo tribunal recorrido, não reside na falta de indicação expressa no mesmo de elementos de prova do exercício, de facto, das funções de administrador por parte do Recorrido - o Recorrente afirma ser em sede de oposição judicial que compete à AT provar que, da parte do Oponente, houve administração ou gerência de facto, mas sim na total omissão de alegação ou de mera declaração de todos os pressupostos da reversão. Existe somente menção à insuficiência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora, aos anos a que respeitam as dívidas e à gerência que decorre da matrícula na Conservatória de Registo Comercial (que se reconduz à administração nominal), nenhuma declaração resultando acerca da efectiva administração e da extensão temporal da administração de facto, exigível como pressuposto da reversão.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; ainda assim, a sentença recorrida deverá manter-se, dado não constar do despacho de reversão em crise qualquer alegação, declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções do administrador revertido. Nesta conformidade, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.
O alargamento da matéria de facto que a Fazenda Pública pretende com este recurso reporta-se, na sua esmagadora maioria, a factualidade que a mesma desconheceria à data da prolação do despacho de reversão, pois apoia-se na invocação efectuada na petição de oposição, não existindo quaisquer documentos relevantes nesse sentido no processo de execução fiscal:
Que o Oponente auferia remunerações da Categoria A (cfr. artigo 8.º da petição inicial), que, entre 07.12.2011 e 30.04.2012, agindo em nome da Originária Devedora, efectuou o pagamento de dívidas da Originária Devedora à AT, no valor de € 15.000,00 (cfr. artigo 42.º, alínea a), da petição inicial); e que, agindo em nome da Originária Devedora, interpôs uma acção no Tribunal Judicial de Vila Real, à qual coube o Processo n.º…, tendo em vista a cobrança coerciva de créditos mal parados da sua representada, relativos a trabalhos realizados e não pagos (cfr. artigo 42.º, alínea c), da petição inicial).
Verifica-se que o serviço de finanças, após a apresentação da presente oposição, terá realizado diligências (tardias); referimo-nos especificamente à junção ao processo de execução fiscal de cópia de documento que considerou comprovativo de acto de gestão, que serviu de suporte ao despacho de reconfirmação da reversão face à dedução da oposição – assinatura do Oponente aposta em transacção dirigida a Tribunal no âmbito do processo judicial n.º ..
O certo é que nem o teor deste documento, nem os factos invocados na petição de oposição, terão influenciado, nem podiam ter influenciado, a decisão de reversão, pelo que, pela sua superveniência, se apresentam irrelevantes para efeitos de apreciação da fundamentação da mesma.
Por outro lado, não vislumbramos como poderia a Fazenda Pública, em sede de oposição judicial, provar que, da parte do Oponente, houve administração ou gerência de facto, se nem sequer a indicou no despacho de reversão, como pressuposto da mesma.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso, nomeadamente o constante da 2.ª conclusão das alegações do mesmo, relativo à correcção da decisão da matéria de facto, tendo-se apenas acolhido a alegação referente à matéria vertida no ponto 6, densificando e pormenorizando de acordo com o solicitado no recurso, por se mostrar fulcral para a análise do objecto do mesmo.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT e o n.º 1 do artigo 8.º do RGIT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» [cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 16/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 0458/13].
V – No caso concreto, não se mostram alegados no despacho de reversão todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções de administrador revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 05 de Dezembro de 2019


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães