Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00434/09.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2012
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:CONVENÇÃO DUPLA TRIBUTAÇÃO/ ESPANHA
PAGAMENTO IRS
DOCUMENTO COMPROVATIVO
Sumário:I - Para prova do imposto pago em Espanha por rendimentos de trabalho aí auferidos, para efeitos de aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha (artigo 23º, nº2, al. a) da Convenção), não basta a declaração emitida pela entidade patronal da qual conste o valor das retenções na fonte efectuadas.
II - Imposto retido pela entidade patronal espanhola não equivale a imposto pago em Espanha.
III - Recaindo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito sobre quem o invoque (artigo 74º da LGT e 342º do C.C), era sobre o contribuinte que recaía a obrigação de demonstrar o direito a deduzir à colecta o montante relativo à dupla tributação internacional, ou seja, o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro (artigo 81º do CIRS).
IV - Inexistindo qualquer prova que ateste o pagamento do imposto, não pode a Administração Tributária substituir-se ao contribuinte, diligenciando pela obtenção ab initio de prova que lhe competia a ele trazer para a declaração de rendimentos.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela na parte em que aí se julgou procedente a impugnação judicial deduzida, por M…, contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2005 e 2006, emitidas com os nºs 5004912680 e 5004911529, respectivamente, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
1. A meritíssima juíza decidiu anular as liquidações de IRS de 2005 e 2006 com fundamento de que estas violaram o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 23.° da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada e Ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.° 6/95, de 28 de Janeiro.
2. As correcções levadas a cabo pela Administração Tributária, ao abrigo do n.° 4 do artigo 65º do CIRS, resultaram na desconsideração dos montantes declarados pelo impugnante, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional.
3. Ditas correcções, que deram azo às liquidações impugnadas, afiguram-se totalmente isento de qualquer vício ou ilegalidade intrínseca.
4. Na medida em que o impugnante não logrou produzir prova objectiva de que os montantes que lhe foram retidos pela entidade patronal em Espanha, foram efectivamente entregues à administração tributária espanhola, pressuposto sine qua non para o reconhecimento do exercício do direito à dedução [à colecta] daqueles montantes.
5. Ao decidir anular as sobreditas liquidações, com base em vício de violação de lei, que não se verificou, como se demonstra supra, a meritíssima juíza a quo incorreu em erro de julgamento, devendo por isso a douta sentença recorrida ser substituída por outra que declare a legalidade tout court das liquidações anuladas pela douta sentença recorrida.
6. Nestes termos, e nos demais, que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, ao presente recurso deve ser concedido provimento, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações anuladas pela douta sentença recorrida, assim se fazendo Justiça”.
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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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São as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
Assim, a questão sob recurso é, em síntese, a seguinte:
Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que as liquidações de IRS, dos anos de 2005 e 2006, são ilegais por violarem o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 23° da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (doravante, CDT).
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, cujo teor se reproduz:
1) Foram efectuadas as seguintes liquidações de IRS tendo como sujeito passivo o aqui impugnante:
- Ano de 2005 - Liquidação n.° 20095004912680 - € 547,11
- Ano de 2006 - Liquidação n.° 20095004911529 - € 1.311,47
-Ano de 2007 - Liquidação n.° 20095004912680 - € 2.280,08
2) As liquidações resultaram da eliminação do crédito de IRS, declarado no anexo J, por falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento do imposto pago Espanha.
3) Ao impugnante foi retido em sede de IRS pela sua entidade patronal em Espanha os montantes de € 1,399,12, € 1,204,36 referentes aos anos de 2005 e 2006, respectivamente – docs. de fls. 13 (doc. n.° 8 junto com a petição) e 15 (doc. n.° 10 junto com a petição).
4) Dou aqui por reproduzido o teor dos documentos n.°s 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial.
5) Dou aqui por reproduzido o teor dos documentos n.°s 5 e 6 juntos com a petição inicial emitidos pela Agencia Tributaria - Delegación de Zamora.
Factos Não Provados:
Não está provado que a entidade empregadora do impugnante reteve o imposto no montante de € 2.046,73 referente ao ano de 2007. Para prova do facto o impugnante junta o documento n.° 9 (fls. 14), o qual nada diz sobre quantias retidas ou pagas”.
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Ao abrigo do disposto no artigo 712° do CPC, por a entendermos pertinente para a decisão a proferir, adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto resultante da análise dos documentos juntos autos:
6) – Com data de 27 de Janeiro de 2009, a Agencia Tributaria, Delegación de Zamora, emitiu um Certificado de Imputaciones del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas, no qual declara que, de acordo com os dados disponíveis, não consta que M… tenha apresentado declaração del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas do ano de 2005 cfr. fls. 9 dos autos;
7) – Com data de 27 de Janeiro de 2009, a Agencia Tributaria, Delegación de Zamora, emitiu um Certificado de Imputaciones del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas, no qual declara que, de acordo com os dados disponíveis, não consta que M… tenha apresentado declaração del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas do ano de 2006 cfr. fls. 10 dos autos;
8) – Em 14/09/09, a Direcção de Finanças de Vila Real remeteu ao Impugnante, ora Recorrido, o ofício 12120, com o seguinte teor (cfr. fls. 20 do P.A):
“(…) Fica por este meio notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do nº 1 do art°. 60° da Lei Geral Tributária, de que com base nos elementos abaixo indicados se vai proceder nos termos do art°. 65° do Código de IRS à eliminação do crédito de imposto de IRS, no montante de € 1 399.12, declarado no anexo J, com referência aos rendimentos do ano de 2005, por falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento do imposto pago no Estrangeiro, emitido ou autenticado pelas autoridades Fiscais de Espanha, apesar de previamente ter sido notificado para o efeito através do ofício n° 2270 de 2009.02.12.
No documento, apresentado da Agência Tributária não consta o imposto pago Estrangeiro, declarado no anexo "J" (€1 399.12).
Em face do exposto, fica ainda notificado para no prazo de 10 dias e de harmonia com o disposto no nº 6 do art° 60° da LGT, exercer por escrito, o direito de audição sobre a liquidação que se pretende levar a efeito ou ainda dentro do mesmo prazo, apresentar, querendo, o comprovativo do crédito de imposto em falta, remetendo cópia a esta Direcção de Finanças”.
9) – Em 14/09/09, a Direcção de Finanças de Vila Real remeteu ao Impugnante, ora Recorrido, o ofício 12121, com o seguinte teor (cfr. fls. 18 do P.A):
“(…) Fica por este meio notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do nº 1 do art°. 60° da Lei Geral Tributária, de que com base nos elementos abaixo indicados se vai proceder nos termos do art°. 65° do Código de IRS à eliminação do crédito de imposto de IRS, no montante de € 1.204,36, declarado no anexo J, com referência aos rendimentos do ano de 2006, por falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento do imposto pago no Estrangeiro, emitido ou autenticado pelas autoridades Fiscais de Espanha, apesar de previamente ter sido notificado para o efeito através do ofício n° 2270 de 2009.02.12.
No documento, apresentado da Agência Tributária não consta o imposto pago Estrangeiro, declarado no anexo "J" (€1.204,36).
Em face do exposto, fica ainda notificado para no prazo de 10 dias e de harmonia com o disposto no nº 6 do art° 60° da LGT, exercer por escrito, o direito de audição sobre a liquidação que se pretende levar a efeito ou ainda dentro do mesmo prazo, apresentar, querendo, o comprovativo do crédito de imposto em falta, remetendo cópia a esta Direcção de Finanças”.
10) Em 16/11/09, a Direcção de Finanças de Vila Real remeteu ao Impugnante, ora Recorrido, o ofício 14795, com o seguinte teor (cfr. fls. 16 do P.A):
“(…) Pelos ofícios nºs12119, 12121 e 12120 de 14.09.2009 foi notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do nº 1 do art 60º da Lei Geral Tributária, de que com base nos elementos abaixo indicados se ia proceder nos termos do artº 65° do Código de IRS à correcção do crédito de Imposto de IRS, e dos rendimentos declarados no anexo "J", do ano 2007,2006 e 2005.
Em 21.09.2009, foi exercido o direito de audição, juntando documentos passados pela Agência Tributária, no qual (sic) não é confirmado qualquer imposto pago em Espanha.
Assim, informa-se V.Exa. que as liquidações efectuadas estão correctas podendo contudo nos termos e nos prazos do artº 140 do CIRS e artº 70 do CPPT, reclamar das mesmas”.
2.2. O direito
Estabilizada a matéria de facto, nos termos expostos, importa passar à análise da questão que aqui nos ocupa.
Como já antes deixámos enunciado, a Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra a sentença recorrida por entender que, contrariamente ao aí decidido, as liquidações impugnadas, respeitantes ao IRS de 2005 e 2006, estão conformes à lei e não se mostram violadoras do disposto na al. a), do nº2 do artigo 23º da CDT celebrada entre Portugal e Espanha.
Com efeito, defende a Recorrente que a sentença laborou em erro ao fazer equivaler, para efeitos da aplicação do artigo 23º, nº2, al. a) da referida CDT, a retenção na fonte sofrida pelo impugnante (efectuada pela sua entidade patronal, em Espanha) ao pagamento de imposto sobre o rendimento, em Espanha. É que, como sublinha a Recorrente, “basta recorrer ao elemento literal (…) para, desde logo, concluir que o legislador fala em pagamento [de imposto] e não em retenção de [de imposto]”.
Do ponto de vista da Recorrente, o Impugnante, ora Recorrido, jamais provou, como lhe competia, que os montantes que lhe foram retidos pela entidade patronal em Espanha, foram efectivamente entregues à administração tributária espanhola, pressuposto sine qua non para o reconhecimento do exercício do direito à dedução [à colecta] daqueles montantes. Para tanto, cabia ao contribuinte o ónus de apresentar um documento emitido (ou autenticado) pelas autoridades espanholas, do qual constasse a natureza do rendimento, o respectivo valor e, bem assim, o montante do imposto efectivamente pago no Estado em causa.
Vejamos, desde já se adiantando que a Recorrente tem a razão do seu lado, pelos motivos que seguidamente explicitaremos.
Antes, porém, importa deixar delineado o quadro legal aplicável ao caso.
Nos termos do disposto no artigo 22º, nº6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando o sujeito passivo aufira rendimentos que dêem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respectivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro.
Por sua vez, o artigo 81º, nºs 1 e 2 do CIRS, sob a epígrafe crédito de imposto por dupla tributação internacional, dispõe que:
“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.
Entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha foi celebrada uma Convenção para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 6/95 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 14/95, de 28 de Janeiro. Publicada do DR, I Série A, nº 24, de 28 de Janeiro. Troca dos instrumentos de ratificação em 28 de Junho de 1995, conforme aviso publicado no DR, I Série A, nº 164, de 18 de Julho de 1995., a qual estabelece, além do mais, a metodologia para eliminar a dupla tributação. Em concreto, e para o que para aqui interessa, importa atentar no disposto no artigo 23º, nº2, al. a) da referida CDT, nos termos do qual:
“(…)
2 - No caso de um residente de Portugal, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação portuguesa (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:
a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Espanha, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha”.
Como se percebe, na economia do imposto (leia-se, do IRS), daquilo que se trata é de fazer operar um crédito de imposto por dupla tributação internacional, para os titulares de rendimentos obtidos no estrangeiro, dedutível até à concorrência da parte da colecta de IRS proporcional a esses rendimentos líquidos e que são englobados ilíquidos do imposto pago no estrangeiro. Trata-se, pois, de uma forma de eliminar a dupla tributação jurídica internacional – ou seja, a tributação cumulativa dos mesmos rendimentos no país da residência do sujeito passivo e no país da fonte - que consiste na dedução do imposto pago no país da fonte dos rendimentos, até ao limite da fracção do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento proveniente do exterior.
Como se deixou apontado, existindo convenção para eliminar a dupla tributação, celebrada entre Portugal e Espanha, ter-se-á de atender ao disposto no citado artigo 81º, nº2 do CIRS, não podendo a dedução a efectuar ultrapassar o imposto pago no estrangeiro. Assim, no caso, a dedução à colecta relativa à dupla tributação internacional corresponderá a uma importância igual ao imposto pago em Espanha.
Ora, como se percebe, imposto pago não equivale a imposto retido.
No caso em análise, conhecemos o valor das retenções efectuadas ao impugnante pela sua entidade patronal, em Espanha, nos anos de 2005 e 2006, o que de resto, como foi assinalado pela sentença recorrida, não foi posto em causa pela Administração Tributária portuguesa.
Porém, desconhece-se que imposto, nos anos de 2005 e 2006, foi efectivamente pago em Espanha. De resto, desconhece-se, até, se os montantes retidos foram entregues às autoridades tributárias espanholas, enquanto país da fonte dos rendimentos
Ora, se tivermos presente que, como no caso, é sobre o Estado da residência (Portugal) que recai o ónus de eliminar a dupla tributação, o que é feito através de um método de imputação – ou seja, o rendimento de fonte estrangeira não é isento, já que o estado da residência tributa o rendimento global do contribuinte, independentemente da sua origem, deduzindo, porém, ao imposto apurado o imposto pago no país da fonte – fácil se torna entender que o montante do imposto pago no país da fonte é um dado essencial para fazer funcionar o mecanismo de eliminação.
Com efeito, no caso, só se justifica que o Estado da residência, Portugal, deixe de arrecadar o imposto sobre um rendimento obtido em Espanha (através de uma dedução à colecta relativa à dupla tributação internacional) se, e na medida, em que esse rendimento foi sujeito a imposto no Estado da fonte. Apenas se pelo rendimento obtido em Espanha foi pago, aí, imposto é que se justifica que o Estado da residência, Portugal, abdique de uma parte da receita a que teria direito, considerando que Portugal tributa pelo rendimento global do contribuinte, independentemente da sua origem.
Portanto, não basta, para efeitos do direito à dedução prevista no artigo 78º do CIRS, demonstrar que a entidade patronal, em Espanha, reteve imposto. Imperioso era que fosse demonstrado, o que não se verificou, que sobre os rendimentos auferidos em Espanha havia sido pago um determinado montante de imposto.
Ora, recaindo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito sobre quem o invoque (artigo 74º da LGT e 342º do C.C), era sobre o contribuinte que recaía o ónus de demonstrar o direito a deduzir à colecta o montante relativo à dupla tributação internacional, ou seja, o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro (artigo 81º do CIRS). De resto, é assim com a dedução relativa à dupla tributação internacional, como é com as restantes deduções à colecta, quer sejam despesas de saúde, educação, formação, encargos com lares, com imóveis, entre outras. Cabe ao contribuinte o ónus de demonstrar as respectivas despesas e encargos.
No caso em análise, tal ónus não foi cumprido, apesar de a Administração Tributária para tal ter expressamente notificado o sujeito passivo, como resulta da matéria de facto assente.
Por ser assim, não se acompanha a sentença quando aí se refere que “perante as declarações emitidas pela entidade patronal do impugnante a Administração Fiscal, na dúvida sobre a veracidade do declarado, poderia/deveria averiguar junto das entidades fiscais espanholas ao abrigo do disposto no artigo 26° da Convenção”. É que, a possibilidade de troca de informações entre as autoridades competentes dos Estados Contratantes não pode implicar uma inversão do ónus da prova.
Com efeito, se tivesse sido junto um documento respeitante ao pagamento do imposto em Espanha e se, ainda assim, a Administração Tributária portuguesa ficasse com dúvidas, aí sim justificava-se a troca de informações. Não sendo o caso, inexistindo qualquer prova que ateste o pagamento do imposto, não pode a Administração Tributária substituir-se ao contribuinte, diligenciando pela obtenção ab initio de prova que lhe competia a ele trazer para a declaração de rendimentos.
Note-se que, para prova do pagamento do imposto no Estado da fonte não era de exigir um documento específico, pois a lei não exige um documento em concreto. Porém, tal prova teria que passar por um documento cujo conteúdo (quanto ao quantum do imposto pago) fosse validado pelas autoridades tributárias espanholas. A este propósito, quanto ao documento comprovativo do imposto pago, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do TCAN, de 10/03/05 e de 10/04/05, proferidos nos recursos nºs 00382/04 e 00285/02 Braga, em cujos sumários se pode ler, respectivamente, que:
- “Para efeitos de prova do pagamento do imposto na Suíça por rendimentos de trabalho é suficiente a declaração da autoridade tributária Suíça na qual se declara que o contribuinte pagou de imposto e por retenção na fonte determinado montante”;
- “A certidão emitida pela entidade patronal que atesta o valor do salário ilíquido auferido pelo impugnante na Alemanha, o montante de imposto retido, a identificação da Repartição de Finanças junto da qual a entidade patronal procedeu à liquidação desse imposto retido e a identificação da Repartição de Finanças junto onde o contribuinte foi colectado, certidão essa autenticada por esta última autoridade fiscal e cuja veracidade não é posta em causa pela Administração Fiscal Portuguesa, deve ser aceite como documento comprovativo do imposto já pago pelo impugnante naquele país para efeitos de aplicação da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação aprovada pela Lei nº 12/82, de 3/06”.
Portanto, encaminhando o raciocínio para o final, dir-se-á que bem andou a Administração Tributária ao desconsiderar, nos anos de 2005 e 2006, para efeitos de dedução à colecta, os valores declarados relativos à eliminação da dupla tributação internacional.
Assim sendo, impõe-se concluir que as consequentes liquidações obedeceram aos normativos legais aplicáveis, e que deixámos apontados, não se mostrando violado o disposto na al. a) do nº 2 do artigo 23º da CDT celebrada entre Portugal e Espanha.
Procedem, pois, todas as conclusões do presente recurso, pelo que a sentença, na medida em que foi objecto de recurso – quanto às liquidações de IRS dos anos de 2005 e 2006 - não se pode manter.
3 - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em:
- conceder provimento ao presente recurso jurisdicional;
- revogar a sentença recorrida e, consequentemente,
- julgar a impugnação improcedente quanto às liquidações de IRS nºs 5004912680 e 5004911529, as quais se deverão manter, por legais, na ordem jurídica.
Custas pelo Recorrido, em 1ª instância.
Porto, 22 de Fevereiro de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves