Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00339/11.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2013
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO; FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS; ANULAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I - A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC.
II - No que concerne à matéria de facto provada, prevê-se no nº4 do art.º 712º do CPC, para os recursos para tribunais de 2ª instância, como é o caso dos tribunais centrais administrativos, que, em recursos de decisões dos tribunais de 1ª instância, eles poderão anular oficiosamente a decisão proferida pela 1ª instância, quando reputem deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta. Como é óbvio, se esta possibilidade existe quando se está perante uma mera deficiência, obscuridade ou contradição, por maioria de razão existirá esta possibilidade de anulação oficiosa quando exista uma total falta de discriminação dos factos provados.
III – A matéria de facto assente na sentença recorrida que se limita à formulação “Com os fundamentos que constam de fls. 3 e segs, a aqui Reclamante insurge-se, em síntese, contra a compensação que, no âmbito da execução fiscal nº 053120050100357 instaurada no Serviço de Finanças de Bragança , foi efectuada por despacho do Director de Finanças de Bragança datado de 10/08/2011 mediante a aplicação do crédito proveniente de saldo credor penhorado à aqui Reclamante pelas dívidas fiscais subjacentes àquela execução fiscal” não permite descortinar minimamente o circunstancialismo fáctico que está na base da questão que é objecto de litígio, como é exigido nos termos do artigo 123º, nº1 do CPPT.
IV – Assim, a assinalada falta de discriminação dos factos provados determina a anulação oficiosa da sentença proferida pelo tribunal a quo.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:TTN(...), Lda.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante, Recorrente), inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a reclamação apresentada por TTN(…), Lda., ao abrigo do disposto no artigo 276º e ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a compensação efectuada, por despacho do Sr. Director-Geral dos Impostos, de aplicação do crédito proveniente de saldo credor penhorado à reclamante, por dívidas de IRC de 2001, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

A - A RFP entende, desde que tomou conhecimento deste processo - desde a contestação junta aos autos - que não estão reunidos os pressupostos para o tratamento e tramitação do presente processo como urgente, conforme estabelece o artigo 278º, n.º5 do CPPT, com todas as consequências legais; nomeadamente de contagens de prazos e desnecessidade legal de apresentação das alegações com a petição de recurso (artigos do CPPT 282° versus 283°).

B - Por não existir, nem ter sido provado pela reclamante, um prejuízo grave irreparável, este processo não deve, ab initio, ser tramitado como um processo de carácter de urgente.

C - Sucede que, na Douta Sentença em crise, não existe qualquer pronúncia acerca da natureza do meio processual usado. Esta omissão de conhecimento de questão suscitada pela RFP, constitui causa de nulidade da sentença, que desde já se invoca, nos termos e para os efeitos do artigo 668º n.º1 alínea d) do Código de Processo Civil.

D - Os pedidos formulados pela reclamante são incompreensíveis e já não tem objecto/causa de pedir, o que deverá determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

E - Pois, como, muito bem, se considera na douta sentença em crise, não existiu nenhuma compensação de créditos por parte da A.T. Não existindo, assim, nenhuma compensação ilegal, improcedendo a reclamação apresentada, quanto a este pedido.

F - A penhora ordenada através do oficio n.º 2(…), de 8/10/2009, já foi levantada. O crédito penhorado foi aplicado no pagamento das prestações vincendas do plano de pagamentos em prestações da reclamante, conforme o sugerido pelo órgão periférico regional, é uma solução pragmática. Resolve o pagamento de 8 prestações mensais da reclamante e ao mesmo tempo não implica a burocrática restituição do crédito penhorado.

G - Mais, a dilação temporal, quase 2 anos, entre a realização da penhora e a presente reclamação, tornam a eventual restituição do crédito penhorado sobre a empresa V(…) um acto inútil e incompreensível. Durante esse tempo o crédito esteve indisponível para a reclamante, a aplicação do mesmo no processo de execução fiscal, confere-lhe utilidade, como se expõe na conclusão anterior.

Nestes termos e nos demais de direito, que serão por V. Exas. Doutamente supridos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente declaração de nulidade da douta sentença sob recurso, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º n.º1 alínea d) do Código de Processo Civil e, caso assim não seja entendido, declarar totalmente improcedente a reclamação do órgão de execução fiscal, com todos os efeitos legais.

*

A Recorrida apresentou contra-alegações que resumiu nas conclusões com o seguinte teor:

I – O recurso interposto pela Fazenda Pública não merece provimento, por não fundamentado, nem de facto, nem de direito;

II – O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou procedente a reclamação e anulou o despacho reclamado com as legais consequências;

III – A Administração Tributária alterou unilateralmente o plano de pagamentos em prestações acordado, sem qualquer justificação de incumprimento do mesmo pelo contribuinte ou sem que este tivesse dado azo a tal;

IV – (em branco no original)

V - Também o Ilustre Procurador Adjunto do Tribunal a quo, no seu douto parecer, concluiu que não estaríamos perante uma situação em que pudesse ter havido compensação, porque estávamos perante um plano de pagamentos em prestações que não podia ser alterado de forma unilateral.

VI - A Fazenda Pública alegou nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668º nºl d) do CPC.

VII - Sucede que, esta questão já foi alvo de uma reclamação por parte da Fazenda Pública e foi decidida pelo Venerando Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte.

VIII - Ao ser objecto de nova decisão colocava-se em causa os Princípios basilares do

ordenamento jurídico.

IX - A Fazenda Pública também alegou que o órgão periférico regional apenas "sugeriu" ao órgão de execução fiscal a compensação de créditos.

X - Sucede que, esse argumento não merece acolhimento, porque a Administração Tributária assenta numa estrutura hierarquizada - o subordinado deve cumprir as ordens/ instruções e até sugestões do superior hierárquico - e porque contraria a Compensação nº 2011 00006492838 - Doc. nº 8 da PI - emanada pelo Serviço de Finanças de Mirandela;

XI - A Fazenda Pública alega ainda que a douta sentença considerou não existir nenhuma compensação de créditos.

XII - Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é essa a conclusão que se pode retirar da douta sentença!

XIII - O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo é claro sobre apreciação da compensação operada, que imediatamente passamos a citar: "( ... ) a afectação desse crédito penhorado a pagamento parcial da dívida exequenda, considerando-se, em consequência, pagas várias das prestações em pagamento. Não estamos, pois, perante um caso de compensação. Nem estamos perante situação em que pudesse ter havido compensação. Estamos sim perante plano de pagamento a prestações aceite pela AT e com garantias prestadas pelo contribuinte. Por isso, a partir da sua entrada em vigor, tal plano não pode ser alterado, sem mais, pela AT. Daí que o despacho aqui posto em crise enferma de ilegalidade."

XIV - Com o devido respeito por opinião em contrário poderemos considerar o comportamento da Administração Tributária como violador do principio da boa-fé, previsto no artigo 6º- A do CPA;

XV - Ora, a compensação de créditos efectuada pela Administração Tributária não preenche os requisitos do instituto da compensação, cfr. art. 89º do CPPT;

XVI - Uma vez que não estão preenchidos os requisitos, só se pode retirar uma conclusão - o acto é ilegal, por violação do princípio da legalidade;

XVII - A Fazenda Pública alega, nas suas conclusões, que a solução encontrada pela Administração Tributária é pragmática solução pragmática (sic) e que resolve o pagamento de 8 prestações mensais, não implicando a burocrática restituição do crédito penhorado, sendo essa restituição um acto inútil e incompreensível.

XVIII - Salvo o devido respeito pela opinião da Fazenda Pública, tais argumentos são completamente desprovidos de qualquer fundamento lógico-jurídico. Senão vejamos,

XIX - A missão da Administração Tributária é administrar os impostos e não gerir os créditos dos contribuintes.

XX - Para além disso, a Fazenda Pública quer combater uma ilegalidade com uma outra ilegalidade - a não devolução do crédito - por se tratar de um processo burocrático.

XXI - Ora, a reposição da legalidade é um acto nobre e que só dignifica a pessoa que errou.

XXII - Acresce ainda, que o comportamento da Administração Tributária resultou graves e irreparáveis prejuízos para a Reclamante, que se viu impedida de utilizar o dito crédito na gestão da sua actividade.

XXIII - Em suma, a douta sentença recorrida deverá manter-se no universo jurídico, por nela se ter apreciado correctamente os factos e aplicado a lei respectiva.

Nestes termos, deverá o recurso da Fazenda Pública improceder, como é de inteira justiça, mantendo-se a douta sentença recorrida.

*

Neste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), a Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido ser declarada a incompetência, em razão da hierarquia, deste tribunal (cfr. fls. 170 a 172).

Foi ordenada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da eventual incompetência em razão da hierarquia deste TCAN.

Apenas a Recorrente tomou posição sobre a questão suscitada pela EMMP, referindo, em síntese, que o recurso não aborda apenas matéria de direito, pois que resulta das conclusões f) e g) das alegações que se pretende o aditamento à matéria provada dos seguintes factos:

- Data da realização da penhora;

- Data do seu levantamento;

- Modo de aplicação do saldo credor penhorado à reclamante.

No entanto, caso assim não venha a ser entendido por este TCAN, solicita, desde já, que seja ordenada a remessa dos autos ao STA, nos termos do artigo 18º, nº2 do CPPT.

*

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

*

Em face da posição assumida pela EMMP, a primeira questão que nos cabe solucionar é a da eventual incompetência em razão da hierarquia do TCAN, por, como se sustenta no parecer emitido, estar em causa unicamente matéria de direito.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos a posição expressa pela EMMP no seu douto parecer.

Efectivamente, nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.

Na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684º, nº3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa – cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 2006, I, Áreas Editora, pag. 213. (Vide o acórdão do STA, de 26/10/11, rec. nº 0805/11, nos termos do qual “(…) as conclusões integrarão matéria de direito se discutirem a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica. E integrarão matéria de facto se traduzirem discordância sobre factos materiais da vida real na sua perspectiva actual ou histórica uma vez que a sentença os não tenha considerado ou os tenha fixado em desacordo com a prova produzida ou com aquela que devia ter sido produzida, ou se traduzirem discordância com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada.”).

Ora, no caso, face ao teor das conclusões da alegação de recurso é, pelo menos, claro, que a Recorrente invoca factos - data da realização da penhora; data do seu levantamento e o modo de aplicação do saldo credor penhorado – que, de todo, não encontram qualquer suporte na decisão recorrida.

Portanto, entendemos poder concluir que, independentemente do relevo de tais factos para a decisão da causa ou até, diga-se, independentemente de se entender, como pretende a Recorrente, que foi efectiva e eficazmente requerido o aditamento da matéria de facto, a verdade é que as conclusões apresentadas não versam exclusivamente matéria de direito.

Razão pela qual, não acompanhando o parecer da EMMP, consideramos competente este TCA para o conhecimento do presente recurso jurisdicional.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, a qual se transcreve ipsis verbis:

“Com base nos elementos constantes dos autos (articulados e documentos), resulta provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão a proferir.

Com os fundamentos que constam de fls. 3 e segs, a aqui Reclamante insurge-se, em síntese, contra a compensação que, no âmbito da execução fiscal nº 053120050100357 instaurada no Serviço de Finanças de Bragança, foi efectuada por despacho do Director de Finanças de Bragança datado de 10/08/2011 mediante a aplicação do crédito proveniente de saldo credor penhorado à aqui Reclamante pelas dívidas fiscais subjacentes àquela execução fiscal.”

2.2. De direito

Sem prejuízo das questões relativamente às quais este Tribunal foi chamado a pronunciar-se pela Recorrente, a análise da sentença objecto do presente recurso jurisdicional leva-nos a que nos detenhamos, desde já, numa outra questão.

Vejamos.

Dispõe o artigo 125º, nº1 do CPPT que constitui causa de nulidade da sentença, além do mais, a não especificação dos fundamentos de facto da decisão. No mesmo sentido preceitua o artigo 668º, nº1, al. b) do CPC, nos termos do qual se refere que é nula a sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto da decisão.

Como se vem entendendo, no que respeita à matéria de facto, tal nulidade abrange, quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo nº 2 do artigo 123º do CPPT, quer a falta do exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº3 do CPC. (Neste sentido, vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág. 358; acórdão do TCAN, de 08/03/12, processo nº 00329.05.1 BEMDL).

O nº 4 do referido artigo 668º do CPC (na actual redacção, resultante do DL 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável) prevê que o conhecimento desta nulidade (sem distinguir a falta de discriminação da matéria de facto provada, a falta de indicação dos factos não provados ou a falta do exame crítico das provas) está dependente de arguição dos interessados, a qual será feita directamente no tribunal que proferiu a decisão ou no tribunal de recurso, consoante este seja, ou não, admissível.

Contudo, como refere Jorge Lopes de Sousa (Vide, Jorge Lopes de Sousa, obra citada pág. 359), “haverá que fazer uma distinção, que resulta de outras disposições, entre a falta de indicação da matéria de facto provada (ou mesmo só a sua deficiência, obscuridade ou contradição) e os restantes casos (designadamente a não indicação dos factos não provados, a falta de exame crítico das provas ou a falta de fundamentação de direito).

Na verdade, no que concerne à matéria de facto provada, prevê-se no nº4 do art.º 712º do CPC, para os recursos para tribunais de 2ª instância, como é o caso dos tribunais centrais administrativos, que, em recursos de decisões dos tribunais de 1ª instância, eles poderão anular oficiosamente a decisão proferida pela 1ª instância, quando reputem deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Como é óbvio, se esta possibilidade existe quando se está perante uma mera deficiência, obscuridade ou contradição, por maioria de razão existirá esta possibilidade de anulação oficiosa quando exista uma total falta de discriminação dos factos provados”. (No sentido de que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão da causa constitui nulidade do conhecimento oficioso, pode ver-se o acórdão do STA, de 20/02/08, proferido no processo nº 0903/07. Veja-se, também, o acórdão do TCAN, de 26/10/06, proferido no processo nº 00398/04).

De acordo com a primeira parte do referido artigo 712º, nº4 do CPC, prevê-se, como condição da decisão de anulação da sentença proferida em 1ª instância, a não disponibilização no processo de todos os elementos probatórios que, em conformidade com o disposto na al. a) do respectivo n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto. O tribunal de recurso, com vista à eventual alteração, pode, assim, reapreciar ou reexaminar a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, não lhe competindo, porém, efectivar o julgamento de facto sem que na 1.ª instância o mesmo tenha sido efectuado.

Ora, no caso em concreto, como se passará a demonstrar, estamos perante uma nulidade por falta de discriminação da matéria de facto provada, a justificar a intervenção a título oficioso deste Tribunal.

Vejamos, então, recuperando a factualidade assente pelo Tribunal a quo.

Consignou-se na sentença recorrida, a título de matéria de facto com interesse para a decisão a proferir, unicamente o seguinte:

“Com os fundamentos que constam de fls. 3 e segs, a aqui Reclamante insurge-se, em síntese, contra a compensação que, no âmbito da execução fiscal nº 053120050100357 instaurada no Serviço de Finanças de Bragança , foi efectuada por despacho do Director de Finanças de Bragança datado de 10/08/2011 mediante a aplicação do crédito proveniente de saldo credor penhorado à aqui Reclamante pelas dívidas fiscais subjacentes àquela execução fiscal.” (sublinhado nosso).

Importa dizer que, no caso sub judice, e de acordo com as conclusões da p.i de reclamação, vinha alegado, em síntese, que:

“1 - A reclamante tem a correr termos pelos Serviços de Finanças Mirandela, o processo executivo n.o 0531200501000357, por dívidas de IRC e IVA dos anos de 2000 a 2002;

2 - A compensação efectuada pelo Sr. Director-Geral dos Impostos só poderia ter ocorrido nos termos do artigo 89° do CPPT, caso não se verificasse qualquer excepção;

3 - No entanto, a reclamante requereu o pagamento em prestações no âmbito de um Procedimento Extrajudicial de Conciliação - PEC n.º 1795, em que interveio quer a Direcção Geral de Contribuições e Impostos quer o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;

4 - Foram constituídas e prestadas as necessárias garantias no processo;

5 - A sua pretensão foi autorizada, iniciando-se o pagamento das prestações em Agosto de 2010;

6 - A reclamante encontra-se a cumprir, pontualmente, o plano de pagamento em prestações;

7 - De conformidade com o disposto no artigo 89° n.º 1 b) do CPPT, os créditos provenientes da penhora de créditos da reclamante não poderiam ter sido compensados já que a dívida encontra-se a ser paga em prestações e está devidamente garantida nos termos do artigo 169º do CPPT;

8 - Assim, a compensação efectuada pelo Director-Geral dos Impostos é ilegal, não só porque viola o disposto na alínea b) do nº1 do art. 89° do CPPT, mas também porque em despacho de 10.08.2011, se ordenou o levantamento da penhora dos créditos da reclamante;

9 - Da compensação resultou prejuízo grave e irreparável à reclamante que se viu impedida de utilizar a quantia na gestão da sua actividade;”

Ora, sem prejuízo de, naturalmente, se considerar que, relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre todos os factos alegados, tendo apenas o dever de, nos termos do disposto nos artigo 508º-A, nº1, alínea e), 511º e 659º do CPC, seleccionar os que interessam para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, a verdade é que a aquela formulação, vertida em forma de facto pelo Mmo. Juiz, não permite descortinar minimamente o circunstancialismo fáctico que está na base da questão que é objecto de litígio, como é exigido nos termos do artigo 123º, nº1 do CPPT.

Na verdade, pode até dizer-se que a transcrita formulação dada ao facto pelo Mmo. Juiz mais não encerra que a identificação do despacho objecto da reclamação apresentada, em termos quase decalcados da identificação do acto reclamado tal como surge no relatório da sentença recorrida – aí se refere, mais exactamente, que “Teldeste (…) vem (…) apresentar reclamação, para tanto e com os fundamentos de fls. 3 e segs se insurgindo, em síntese, contra a compensação que, no âmbito da execução fiscal nº 053120050100357, foi efectuada por despacho do Director de Finanças de Bragança datado de 10/08/2011 mediante a aplicação do crédito proveniente de saldo credor penhorado à aqui Reclamante pelas dívidas fiscais subjacentes àquela execução fiscal.”

É por demais evidente que a formulação apresentada pelo Mmo. Juiz, sob a veste de factualidade assente, só na aparência pode merecer tal designação, sendo para nós claro que, in casu, o tribunal a quo se demitiu, por completo, de discriminar os factos provados que permitiriam julgar de direito a pretensão apresentada pela Reclamante, ora Recorrida, na petição inicial. Note-se, de resto, que não vem discriminado um único facto atinente ao circunstancialismo subjacente à penhora de créditos, à compensação, ao PEC, ao plano de pagamento prestacional acordado, às datas em que tais factos ocorreram, entre outros que podem assumir relevantes efeitos jurídicos para a decisão a tomar.

Em suma, a decisão da matéria de facto, em concreto dos factos provados, traduz-se num absoluto niilismo, numa redução a nada.

Por conseguinte, a assinalada falta de discriminação dos factos provados não pode deixar de implicar a anulação oficiosa da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, nos termos apontados.

Da anulação oficiosa da decisão que, a final, se irá determinar, resulta que fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Recorrente, ainda que, uma delas se reconduza a alegada nulidade por omissão de pronúncia. Entendemos, pois, que, in casu, essa apreciação seria ilógica e inútil, pois que, nos termos expostos, qualquer que fosse o resultado da apreciação dessa questão, sempre este Tribunal Superior teria de anular a decisão recorrida.

Refira-se, a finalizar que, nos termos previstos no artigo 3º, nº 3 do CPC, se nos afigura manifestamente desnecessário ouvir as partes antes do decretamento oficioso da anulação da decisão recorrida.

3 - DECISÃO

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

a) Anular a decisão recorrida;

b) Ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a fim de que este proceda ao julgamento da matéria de facto e, após, profira nova decisão, se a tal nada obstar.

Sem custas.

Porto, 11 de Janeiro de 2013.

Ass.: Catarina Almeida e Sousa

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves