Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00886/07.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
SISA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) A exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, sendo que para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
IV) No caso, deparamos com uma liquidação claramente fundamentada, na medida em que são elencados um conjunto de elementos relacionados com a aquisição do imóvel em apreço, com destaque para o valor da hipoteca relacionada com o dito imóvel, o que conduziu às diligências descritas bem como à afirmação de que o valor da transacção é diferente do valor escriturado, de modo que, não colhe a crítica dos Recorrentes neste domínio, pois que, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente porque permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração.
V) Tendo presente que a AT pode proceder à liquidação adicional de imposto, desde que adquira a séria convicção da existência de uma omissão declarativa por banda do sujeito passivo (designadamente que o preço declarado na escritura de compra e venda foi inferior ao preço real da transmissão do bem) estribada em pressupostos objectivos (e não em meras suposições ou juízos de índole subjectiva) uma vez que sobre ela impende o ónus de abalar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e que a AT demonstrou cabalmente os pressupostos da sua actuação, cumprindo o ónus da prova que lhe competia, tal significa que se impunha aos Recorrentes demonstrar que o preço constante da escritura correspondia ao preço real.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
R... e S…, devidamente identificados nos autos, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 16-07-2017, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de Imposto Municipal de SISA, Imposto de Selo e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 6.633,36 euros.

Formularam nas respectivas alegações (cfr. fls. 180-191), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1) Não deve ser dado como provado, o depoimento prestado pela testemunha apresentada pela Fazenda Pública, cf. Art.º 118º do CPPT.
2) Deve ser dado considerada a prova testemunhal apresentada pelos recorrentes, cf. Art.º 118º do CPPT;
3) Os recorrentes demonstraram por prova testemunhal que compraram a fração autónoma A, do prédio urbano sito à Quinta…, freguesia de Ranhados, inscrito na matriz sob o artigo 2…, por € 100.000,00, à vendedora Á…, Lda., e mais nada.
4) Os recorrentes demonstraram que dois dos três cheques emitidos, no valor global de € 114.483,10, cf. pontos 2 e 3 do probatório, foram para adquirir um terreno sito na Quinta… em São João de Lourosa, pertencente ao Sr. Á…, administrador da vendedora, mas o negócio não se concretizou, tendo o mesmo devolvido este valor aos recorrentes.
5) A sentença não demonstrou se a AT carreou elementos certos e seguros que demonstrassem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado na escritura de compra e venda foi simulado.
6) Pois, em momento algum, a AT fez prova complementar, que lhe seria exigível, pelo menos saber qual o destino dos cheques emitidos, de que os recorrentes pagaram pela aquisição efetuada mais do que aquilo que foi declarado na escritura de compra e venda em 18.07.2003, e no montante de € 214.483,10.
7) Devia a AT, nomeadamente, ter confrontado os recorrentes com a discrepância entre o valor da aquisição constante da escritura de compra e venda, por contraposição ao valor dos cheques emitidos pelos mesmos, o que constitui vício de violação da lei, (cf. Art.º 74º da LGT).
8) Por outro lado, não tendo a AT produzido diligências demonstrativas do facto tributário no âmbito do procedimento anterior à estruturação da liquidação adicional impugnada, nem na produção da prova testemunhal, subsistem dúvidas probatórias que devem ser valoradas a favor dos recorrentes relativamente à existência do mesmo facto tributário e à sua quantificação (cf. Art.º 100º, n.º 1, do C.P.P.T.).
9) Ademais, existe falta ou ausência de fundamentação do ato tributário de SISA e Imposto do Selo, pois, faltou à AT especificar quais os motivos ou fundamentos que se encontravam na origem da liquidação recorrida.
10) Inexplicavelmente consta no ponto 8 do probatório, uma fundamentação sucessiva, sobre os factos que ocorreram.
11) Nem consta nestes factos provados da liquidação de SISA efetuada ao recorrente, nem da fundamentação ao recorrente este relatório da inspeção.
12) Os quais assentam em realidades diferentes;
13) Por outro lado, desde relatório de inspeção, verificam os recorrentes, que no comprador a AT corrige a SISA em € 114.483,10, centrado na diferença dos cheques, para o valor declarado e na vendedora corrige num valor de € 96.633,10, centrado numa diferença dos cheques para o valor declarado e com mais uma dedução de umas obras efetuadas no prédio, pelo construtor, constante de uma fatura, datada de 30.10.2003, a favor dos recorrentes, muito depois da escritura de compra e venda de 18.07.2003.
14) Pelo que no final, nos compradores, para efeitos de SISA, o preço de compra presumido pela AT foi de € 214.483,10 e na vendedora, para efeitos de determinação do rendimento bruto, o preço de venda presumido foi de € 196.633,10.
15) O que é incoerente e incongruente.
16) Quando, os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes “estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”., cf. n.º 3, do Art.º 268º da CRP.
17) Assim sendo, deve ser alterada a decisão, porquanto existe falta de fundamentação do ato tributário.
NESTES TERMOS,
Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação recorrida e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocada erro de julgamento de facto, analisar a suscitada falta de fundamentação da liquidação impugnada e ainda indagar do suscitado erro nos pressupostos de facto e de direito no que diz respeito à liquidação apontada nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Com data de 18 de julho de 2003, foi celebrada escritura pública pela qual os Impugnantes adquiriram a Á…, Lda, pelo preço de € 100.000,00 a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinado a habitação, com tudo o que a compõe, do prédio urbano sito à Quinta…, freguesia de Ranhados, concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artigo 2… e descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o número 1…, tendo constituído, sobre esta fração, hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de F..., CRL no montante de duzentos e vinte mil euros. – Cfr. fls. 25/30 do processo físico, doravante PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Com data de 27/01/2003, os Impugnantes emitiram cheque sobre o Crédito Agrícola – F... com o n.º 94500488320, no montante de € 22.445,41, à ordem de Á…. – Cfr. fls. 23 do processo administrativo apenso aos autos, doravante PA e fls. 24 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Com data de 18/07/2003, os Impugnantes emitiram cheque sobre o Crédito Agrícola – F... com o n.º 9361707498, no montante de € 92.037,19, à ordem de Á…. – Cfr. fls. 14 do PA e fls. 23 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Com data de 18/07/2003, os Impugnantes emitiram cheque sobre o Crédito Agrícola – F... com o n.º 2361707495, no montante de € 100.000,00, à ordem de Á…, Lda. – Cfr. fls. 15 do PA e fls. 22 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 2006 00494, a Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Viseu levou a cabo uma ação de inspeção aos Impugnantes, em sede de Imposto Municipal de SISA e Imposto de Selo, que incidiu sobre o ano 2003. – Cfr. fls. 7 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 16.03.2007, após o cumprimento da audição prévia no âmbito da ação de inspeção referida em 5., foi elaborado o relatório de inspeção tributária, sancionado superiormente por despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto em 21.03.2007, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, destacando-se o seguinte:
Descrição dos factos e fundamentos das correcções aritméticas à mat. tributável
Por escritura pública celebrada no 2° Cartório Notarial de Viseu, em 18-07-2003, o sujeito passivo acima identificado adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz predial do Serviço Local de Finanças de Viseu - 2ª, sob o nº 2 240 A, da freguesia 182321.
Para a aquisição do referido imóvel, foi de imediato concedido 1 empréstimo, no montante de € 220 000,00 pela entidade bancária "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo", com garantia de hipoteca sobre o dito artigo e totalmente disponibilizado no acto da escritura.
O valor que serviu de base à liquidação de sisa foi de € 100 000,00, a que corresponde a sisa nº 659, datada de 16-07-2003. No entanto, por aplicação do disposto no artigo 39.º-A do Código do Imposto Municipal de SISA e Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMISSD) não houve lugar a pagamento de SISA.
Existindo fundadas dúvidas sobre o valor real desta transacção, foi o contribuinte notificado para prestar esclarecimentos e exibir documentos relacionados com a operação.
Em resposta, os sujeitos passivos apenas remeteram cópia da escritura de compra e venda e posteriormente recusaram o acesso às suas contas bancárias
Em consequência, foi iniciado procedimento para acesso a informações e documentos bancários nos termos do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT).
O projecto de decisão do Director-Geral dos Impostos, bem como a decisão final, foram notificados aos sujeitos passivos, em 28/09/2006 e em 02/11/2006, respectivamente. Da notificação final consta a informação de que poderiam interpor recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, no prazo de dez dias, o que não fizeram.
Com base na informação prestada pelo TAF, da não interposição de recurso, o Director-Geral dos Impostos, emitiu certidão que foi notificada, nos termos da alínea e) do n.º 6 do artigo 63.º da LGT, à instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de F..., para permitir o acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário.
Os documentos carreados para o processo, obtidos junto da referida instituição bancária, depois de devidamente analisados, permitem concluir que a transacção foi efectuada pelo preço de € 214 483,10, assim discriminada:
1. Cheque n.º 9450048820, sobre CCAM, datado de 27/01/2003, no montante de € 22445,91, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
2. Cheque n.º 9361707498, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 92 037,19, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
3. Cheque n.º 2361707495, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 100 000,00, emitido à ordem de Á… Lda, sociedade vendedora do imóvel
A omissão de declaração do total do valor pago ao vendedor visou o pagamento inferior de IMSisa e I. Selo.
(…)
Até esta data, o sujeito passivo não fez prova de ter procedido à regularização voluntária das diferenças devidas, quer para efeitos de imposto municipal de sisa quer para efeitos de imposto do selo.
(…).”. – Cfr. fls. 7 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Pelo ofício n.º 2579, de 04.04.2007, o Serviço de Finanças de Viseu, notificou os Impugnantes “para no prazo de 10 dias efectuar o pagamento do Imposto Municipal de Sisa, no montante de € 6.633,36, sendo a importância de € 4.869,23, respeitante à liquidação do Imposto Municipal de Sisa, a importância de € 713,98 de Juros Compensatórios, a importância de € 915,86 de Imposto de Selo e ainda a importância de € 134,29 de Juros compensatórios s/ Imposto de Selo, resultante da regularização do valor de compra para efeitos de Sisa, na aquisição que efetuaram à firma Á…, Lda de uma fração autónoma designada pela letra A, do prédio urbano localizado na Quinta…, inscrito na matriz predial da freguesia de Ranhados, sob o n.º 2…”. – Cfr. fls. 8/9 do PF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200700567, a Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Viseu, levou a cabo uma ação de inspeção à sociedade comercial “Á…, Lda.”, de âmbito parcial para o ano 2003, na qual foi elaborado o relatório de inspeção tributária em 21.11.2007, sancionado por despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto em 27.11.2007, constante de fls. 136V.º e ss. do PF, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade.
IV.2. Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e juntos ao processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
As testemunhas dos Impugnantes não mereceram qualquer credibilidade para este Tribunal.
Com efeito, a testemunha Ana…, referiu que é empresária no ramo da imobiliária e afirmou que foi ela que vendeu a fração em causa aqui aos Impugnantes pelo valor de € 100.000,00 euros. Todavia, não acompanhou o negócio até ao fim tendo apenas apresentado os Impugnantes ao Administrador da sociedade vendedora.
Por seu turno, a testemunha Á…, administrador da sociedade vendedora, referiu que tem uma quinta para vender e que os dois cheques no valor de € 22.445,41 e de € 92.037,19 foram entregues pelos Impugnantes para aquisição dessa quinta.
Mas não é verosímil que se entregue valores tão avultados sem qualquer documento que o comprove. Afirmou, ainda, que tal negócio não foi realizado porque a quinta, afinal não era só sua propriedade tendo devolvido a quantia referida nos cheques, em espécie, o que não nos parece ser normal.
Portanto, nenhuma destas testemunhas depôs com isenção e imparcialidade, além de que, os depoimentos não foram infirmados pelos documentos existentes nos autos, no PA e bem assim de toda a documentação que, na sequência dos seus depoimentos e declarações foram juntos.
Por outro lado, a testemunha, Fernando Maia Pires, Inspetor Tributário, depôs com clareza e com conhecimento dos factos, chamando a atenção deste Tribunal para o facto de que a sociedade vendedora tinha assumido em sede de inspeção que tinha vendido a fração em causa pelo valor de € 214 483,10 euros.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.”
«»
3.2. DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões do recurso, os Recorrente questionam a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica dos Recorrentes, não deve ser dado como provado, o depoimento prestado pela testemunha apresentada pela Fazenda Pública e deve ser dado considerada a prova testemunhal apresentada pelos recorrentes, sendo que os recorrentes demonstraram por prova testemunhal que compraram a fracção autónoma A, do prédio urbano sito à Quinta…, freguesia de Ranhados, inscrito na matriz sob o artigo 2…, por € 100.000,00, à vendedora Á…, Lda., e mais nada e bem assim que dois dos três cheques emitidos, no valor global de € 114.483,10, cf. pontos 2 e 3 do probatório, foram para adquirir um terreno sito na Quinta… em São João de Lourosa, pertencente ao Sr. Á…, administrador da vendedora, mas o negócio não se concretizou, tendo o mesmo devolvido este valor aos recorrentes.

Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690º-A do CPC, que regulava esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Antes de avançar, cabe ter presente o exposto na decisão recorrida no que concerne à valoração da prova testemunhal:
“…
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
As testemunhas dos Impugnantes não mereceram qualquer credibilidade para este Tribunal.
Com efeito, a testemunha Ana…, referiu que é empresária no ramo da imobiliária e afirmou que foi ela que vendeu a fração em causa aqui aos Impugnantes pelo valor de € 100.000,00 euros. Todavia, não acompanhou o negócio até ao fim tendo apenas apresentado os Impugnantes ao Administrador da sociedade vendedora.
Por seu turno, a testemunha Á…, administrador da sociedade vendedora, referiu que tem uma quinta para vender e que os dois cheques no valor de € 22.445,41 e de € 92.037,19 foram entregues pelos Impugnantes para aquisição dessa quinta.
Mas não é verosímil que se entregue valores tão avultados sem qualquer documento que o comprove. Afirmou, ainda, que tal negócio não foi realizado porque a quinta, afinal não era só sua propriedade tendo devolvido a quantia referida nos cheques, em espécie, o que não nos parece ser normal.
Portanto, nenhuma destas testemunhas depôs com isenção e imparcialidade, além de que, os depoimentos não foram infirmados pelos documentos existentes nos autos, no PA e bem assim de toda a documentação que, na sequência dos seus depoimentos e declarações foram juntos.
Por outro lado, a testemunha, Fernando Maia Pires, Inspetor Tributário, depôs com clareza e com conhecimento dos factos, chamando a atenção deste Tribunal para o facto de que a sociedade vendedora tinha assumido em sede de inspeção que tinha vendido a fração em causa pelo valor de € 214 483,10 euros. …”.

Neste ponto, cumpre ter presente que a prova deve ser apreciada e valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, o que significa que não nos podemos quedar pela avaliação fragmentada de cada elemento probatório ou cada meio de prova isolado. Temos de ir mais longe e avaliar, contextualizar e articular toda a prova produzida para dela extrair a «verdade possível» para a situação que enfrentamos, sabendo que a verdade «absoluta» pode não ser alcançada, mas apenas aquela que processual e empiricamente possa ser validada e aceite genericamente, sem embargo de se lhe reconhecer todas as limitações do conhecimento humano.
Diga-se ainda que a “...prova testemunhal é particularmente falível e precária, na subjectividade da sua base, por duas ordens de razões. Por um lado, há que contar com o perigo do erro na percepção e do desgaste na memória da testemunha. Mesmo em relação às testemunhas presenciais de um facto, muitas vezes ocorre, especialmente quanto aos aspectos secundários da ocorrência, que cada pessoa viu a coisa a seu modo, com versões diferentes da mesma realidade. Além disso, o tempo exerce uma poderosa erosão das vivências de cada facto na memória da generalidade das pessoas (...). Por outro lado, há que contar ainda, na apreciação da prova, com o risco da parcialidade da testemunha, expresso principalmente na omissão de factos capazes de prejudicar a parte que a indicou (...) Assim se explica o particular cuidado – o prudente senso crítico – com que, não podendo o tribunal prescindir da sua colaboração, a testemunha necessita de ser interrogada e o seu depoimento devidamente ponderado...” (A. Varela e outros in Manual de Processo Civil, 2ª ed. pp. 614 e 615).

Ora, apreciada a factualidade levada ao probatório e analisada a prova testemunhal produzida, cremos poder afirmar com segurança que a realidade apontada pelos Recorrentes não tem a virtualidade de colocar em crise a fundamentação externada no que concerne à matéria vertida no probatório, pois que, do cotejo da prova carreada para os autos, nenhuma razão se vislumbra para alterar a apreciação crítica que sobre a mesma recaiu, não merecendo qualquer censura a conclusão extraída na sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto.

Com efeito, e no essencial, está em causa o depoimento das testemunhas Ana… e Á…l que, na verdade, e só por si, não têm a virtualidade que os Recorrentes lhe pretendem conferir.
Em relação ao primeiro depoimento, o mesmo apenas insiste no valor escriturado, que é conhecido, nada adiantando em relação a um conjunto de elementos que envolvem a situação e que impunham um outro desenvolvimento por forma a permitir conferir valor acrescentado ao seu depoimento.
Depois, o depoimento da testemunha Á…, que subscreveu a escritura em causa, não tem consistência bastante para alterar a percepção da realidade em apreço, porquanto, pretende de uma forma despachada justificar a situação em causa, deixando muitas lacunas por preencher.
Desde logo, estando em causa uma eventual aquisição de um imóvel, e tendo os ora Recorrentes entregue, em dois momentos, de acordo com a sua versão, dois cheques para pagamento de uma aquisição, cujo preço nem sequer é identificado, sendo que a sua descrição é insuficiente para sustentar o exposto, de modo que, sem prova complementar relacionada com a situação do imóvel, a sua titularidade pela tal herança e bem assim das diligências efectuadas para remover as dificuldades apontadas, não é possível conferir suporte ao exposto pela referida testemunha em relação ao tal outro negócio.
Por outro lado, insiste no valor constante da escritura, que também subscreveu e da qual se retira que os ora Recorrentes constituíram hipoteca até ao montante de € 220.000,00 sobre o imóvel identificado na escritura, referindo, sem qualquer pudor, que os Recorrentes receberam mais do que o valor da casa, como se a instituição bancária fosse alguma instituição de caridade, que resolveu presentear os Recorrentes com um empréstimo cujo valor é mais do dobro do valor escriturado, sem exigir outro tipo de garantias.
Como é evidente, o simples bom senso, e as regras de experiência comum determinam a rejeição do exposto pela citada testemunha, impondo-se antes perceber que o empréstimo em apreço permitiu, isso sim, a liquidação do valor em falta relativamente à fracção escriturada.

Assim, e nesta altura, tendo presente que a alegação dos Recorrentes não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.

Os Recorrentes defendem também que existe falta ou ausência de fundamentação do ato tributário de SISA e Imposto do Selo, pois, faltou à AT especificar quais os motivos ou fundamentos que se encontravam na origem da liquidação recorrida, sendo que inexplicavelmente consta no ponto 8 do probatório, uma fundamentação sucessiva, sobre os factos que ocorreram e nem consta nestes factos provados da liquidação de SISA efectuada ao recorrente, nem da fundamentação ao recorrente este relatório da inspecção, os quais assentam em realidades diferentes, além de que deste relatório de inspecção, verificam os recorrentes, que no comprador a AT corrige a SISA em € 114.483,10, centrado na diferença dos cheques, para o valor declarado e na vendedora corrige num valor de € 96.633,10, centrado numa diferença dos cheques para o valor declarado e com mais uma dedução de umas obras efectuadas no prédio, pelo construtor, constante de uma factura, datada de 30.10.2003, a favor dos recorrentes, muito depois da escritura de compra e venda de 18.07.2003, pelo que no final, nos compradores, para efeitos de SISA, o preço de compra presumido pela AT foi de € 214.483,10 e na vendedora, para efeitos de determinação do rendimento bruto, o preço de venda presumido foi de € 196.633,10, o que é incoerente e incongruente.

É sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade ( Acs. do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137). ---
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu ( Prof. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244 ).
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado ( neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218 ).

Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. ( Pleno ) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197.

Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.

Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa.

Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:

- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;

- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a.

Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto.

O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.

Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la.

Diga-se ainda que no que concerne à fundamentação por remissão resulta expresso na lei que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (cf. artº 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária), sendo entendido que nestes casos de remissão o acto administrativo integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 11-12-2002, Proc. nº 1434/02, www.dgsi.pt).

Que dizer?
Desde logo, cumpre ter presente que em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado, de forma genérica, no art. 77.º da LGT.
Nos termos deste último artigo, «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e a «fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Por outro lado, como já ficou dito, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
A partir daqui, e tendo presente a realidade em equação nos autos, temos que o RIT contempla, além do mais, o seguinte:
“…
Descrição dos factos e fundamentos das correcções aritméticas à mat. tributável
Por escritura pública celebrada no 2° Cartório Notarial de Viseu, em 18-07-2003, o sujeito passivo acima identificado adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz predial do Serviço Local de Finanças de Viseu - 2ª, sob o nº 2 240 A, da freguesia 182321.
Para a aquisição do referido imóvel, foi de imediato concedido 1 empréstimo, no montante de € 220 000,00 pela entidade bancária "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo", com garantia de hipoteca sobre o dito artigo e totalmente disponibilizado no acto da escritura.
O valor que serviu de base à liquidação de sisa foi de € 100 000,00, a que corresponde a sisa nº 659, datada de 16-07-2003. No entanto, por aplicação do disposto no artigo 39.º-A do Código do Imposto Municipal de SISA e Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMISSD) não houve lugar a pagamento de SISA.
Existindo fundadas dúvidas sobre o valor real desta transacção, foi o contribuinte notificado para prestar esclarecimentos e exibir documentos relacionados com a operação.
Em resposta, os sujeitos passivos apenas remeteram cópia da escritura de compra e venda e posteriormente recusaram o acesso às suas contas bancárias
Em consequência, foi iniciado procedimento para acesso a informações e documentos bancários nos termos do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT).
O projecto de decisão do Director-Geral dos Impostos, bem como a decisão final, foram notificados aos sujeitos passivos, em 28/09/2006 e em 02/11/2006, respectivamente. Da notificação final consta a informação de que poderiam interpor recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, no prazo de dez dias, o que não fizeram.
Com base na informação prestada pelo TAF, da não interposição de recurso, o Director-Geral dos Impostos, emitiu certidão que foi notificada, nos termos da alínea e) do n.º 6 do artigo 63.º da LGT, à instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de F..., para permitir o acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário.
Os documentos carreados para o processo, obtidos junto da referida instituição bancária, depois de devidamente analisados, permitem concluir que a transacção foi efectuada pelo preço de € 214 483,10, assim discriminada:
1. Cheque n.º 9450048820, sobre CCAM, datado de 27/01/2003, no montante de € 22445,91, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
2. Cheque n.º 9361707498, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 92 037,19, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
3. Cheque n.º 2361707495, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 100 000,00, emitido à ordem de Á… Lda, sociedade vendedora do imóvel
A omissão de declaração do total do valor pago ao vendedor visou o pagamento inferior de IMSisa e I. Selo.
(…)
Até esta data, o sujeito passivo não fez prova de ter procedido à regularização voluntária das diferenças devidas, quer para efeitos de imposto municipal de sisa quer para efeitos de imposto do selo.
(…).”. – Cfr. fls. 7 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Com este pano de fundo, é manifesto que deparamos com uma liquidação claramente fundamentada, pois que elenca um conjunto de elementos relacionados com a aquisição do imóvel em apreço, com destaque para o valor da hipoteca relacionada com o dito imóvel, o que conduziu às diligências descritas bem como à afirmação de que o valor da transacção é diferente do valor escriturado, o que conduziu à apontada liquidação a partir do momento em que os visados não procederam à regularização voluntária da situação, de modo que, não colhe a crítica dos Recorrentes neste domínio, pois que, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente porque permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração.
Diga-se ainda que quando se apreciam os elementos apontados pelos Recorrentes em sede de petição inicial, fica a sensação de que não lhes basta que o acto contenha as razões de facto e de direito de que a decisão brotou, querem que as razões mostrem que a decisão é boa - o que confunde a forma com o fundo, de modo que, estando apenas em causa a questão da falta de fundamentação formal da liquidação, nenhum mérito pode recolher o recurso neste domínio.

Os Recorrentes insistem ainda que a sentença não demonstrou se a AT carreou elementos certos e seguros que demonstrassem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado na escritura de compra e venda foi simulado, pois, em momento algum, a AT fez prova complementar, que lhe seria exigível, pelo menos saber qual o destino dos cheques emitidos, de que os recorrentes pagaram pela aquisição efectuada mais do que aquilo que foi declarado na escritura de compra e venda em 18.07.2003, e no montante de € 214.483,10 e devia a AT, nomeadamente, ter confrontado os recorrentes com a discrepância entre o valor da aquisição constante da escritura de compra e venda, por contraposição ao valor dos cheques emitidos pelos mesmos, o que constitui vício de violação da lei.
Por outro lado, não tendo a AT produzido diligências demonstrativas do facto tributário no âmbito do procedimento anterior à estruturação da liquidação adicional impugnada, nem na produção da prova testemunhal, subsistem dúvidas probatórias que devem ser valoradas a favor dos recorrentes relativamente à existência do mesmo facto tributário e à sua quantificação.

Como é sabido, em regra, a matéria tributável é determinada directamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à Administração Tributária (AT), uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita.

O sistema jurídico-fiscal português consagrou o princípio do sistema declarativo como meio de apuramento da matéria colectável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da Administração Fiscal (AF), como meios subsidiários ou residuais. O que significa que vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

Nos termos do artigo 75º, nº 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

Desta presunção da veracidade resulta a vinculação da AF à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados.

Assim, só no caso de resultar, do controlo efectuado, que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade, pode a AF proceder, em alternativa, ao apuramento da matéria tributável.

Existem, pois, situações em que a matéria tributável não pode ser apurada de acordo e com base naquilo que o contribuinte declara, quer porque o contribuinte omite os seus deveres declarativos, quer porque, perante determinados condicionalismos legalmente tipificados e aos quais se reporta o nº 2 do artigo 75º da LGT, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes cessa.

Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos.

Esse apuramento alternativo deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade/escrita do sujeito passivo, só podendo haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável. Razão porque a lei estabelece que mesmo no caso de ocorrerem irregularidades ou inexactidões na contabilidade, o recurso aos métodos indiciários só possa verificar-se quando não seja de todo possível a comprovação e quantificação directa dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.

Assim, tal como tem vindo a ser decidido, numa sólida e pacífica orientação jurisprudencial, para que a AF se encontre legitimada a lançar mão dos métodos indiciários, não basta que depare com anomalias e incorrecções na declaração dos contribuinte, é ainda indispensável que, cumulativamente, tais anomalias e incorrecções inviabilizem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável (cfr. arts. 85° n° 1 e 87 e segs. da LGT). Ou seja, é à AF que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso ao método presuntivo se tomou a única forma de calcular o imposto a liquidar, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, sabido que a AF actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, não gozando de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT).

Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos constitui um método excepcional de tributação do rendimento.

Ora, estabelecendo, assim, o ordenamento jurídico duas metodologias alternativas ao método declarativo - correcções técnicas e presunções -, o recurso a qualquer delas não depende de um critério discricionário da AT, sendo que a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, então não pode, nessa mesma exacta medida, deixar de lançar mão dos métodos presuntivos, mau grado o maior grau de incerteza que caracteriza estes últimos.
Incide sobre a AT o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar as correcções ao declarado pelos contribuintes, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de as diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efectuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).

Pois bem, é sabido que por escritura pública celebrada no 2° Cartório Notarial de Viseu, em 18-07-2003, o sujeito passivo acima identificado adquiriu um prédio urbano inscrito na matriz predial do Serviço Local de Finanças de Viseu - 2ª, sob o nº 2 240 A, da freguesia 182321, sendo que para a aquisição do referido imóvel, foi de imediato concedido 1 empréstimo, no montante de € 220 000,00 pela entidade bancária "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo", com garantia de hipoteca sobre o dito artigo e totalmente disponibilizado no acto da escritura.
Após várias diligências descritas no RIT, foi iniciado procedimento para acesso a informações e documentos bancários nos termos do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), tendo sido emitida certidão que foi notificada, nos termos da alínea e) do n.º 6 do artigo 63.º da LGT, à instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de F..., para permitir o acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário.
Nesta sequência, o RIT aponta que os documentos carreados para o processo, obtidos junto da referida instituição bancária, depois de devidamente analisados, permitem concluir que a transacção foi efectuada pelo preço de € 214 483,10, assim discriminada:
1. Cheque n.º 9450048820, sobre CCAM, datado de 27/01/2003, no montante de € 22445,91, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
2. Cheque n.º 9361707498, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 92 037,19, emitido à ordem de Á…, administrador da sociedade Á… Lda, vendedora do imóvel
3. Cheque n.º 2361707495, sobre CCAM, datado de 18/07/2003, no montante de € 100 000,00, emitido à ordem de Á… Lda, sociedade vendedora do imóvel

Tendo presente que a AT pode proceder à liquidação adicional de imposto, desde que adquira a séria convicção da existência de uma omissão declarativa por banda do sujeito passivo (designadamente que o preço declarado na escritura de compra e venda foi inferior ao preço real da transmissão do bem) estribada em pressupostos objectivos (e não em meras suposições ou juízos de índole subjectiva) uma vez que sobre ela impende o ónus de abalar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, somos de entendimento que no caso sub judice, face à factualidade acolhida no probatório, a AT recolheu e carreou para os autos elementos bastantes para que se possa concluir pela simulação do preço por parte dos ora Recorrentes.
Diga-se que, logo em sede de petição inicial, os ora Recorrentes nem sequer aludiram ao cheque no montante de € 92.037,19, apenas discutindo o enquadramento do cheque de € 22.445,41, sendo que não se percebe a questão relacionada com o facto não terem sido confrontados com a discrepância, quando o RIT evidencia precisamente o contrário, tendo os Recorrentes remetido cópia da escritura e recusado o acesso às suas contas bancárias.
Ora, foram os elementos fornecidos pela instituição bancária que permitiram estabelecer o fio condutor com referência à relação entre os Recorrentes e a sociedade a quem adquiriram o imóvel e o seu sócio-gerente a quem foram passados dois dos cheques, não podendo aceitar-se a justificação esboçada na medida em que a mesma coloca em crise o senso comum e as mais elementares regras da experiência comum, porquanto, quando se considera o valor da hipoteca, tudo faz sentido ao contrário do exposto para afastar a situação descrita.

Em relação aos valores apurados junto da empresa vendedora, os Recorrentes só podem queixar-se de si próprios, porquanto, estando em causa, numa primeira linha de análise o mesmo valor, a entidade vendedora tinha contabilizado uma factura relativa a prestação de serviços no imóvel que invocou estar integrado no valor global pago, situação que a AT aceitou, realidade que os Recorrentes ignoraram na discussão da matéria em apreço, optando por dirigir a sua alegação para uma verdadeira estrada sem saída. Sibi imputet.
Em suma, afigura-se manifesto ter a Administração Tributária demonstrado cabalmente os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos supra expostos, o ónus da prova que lhe competia, o que significa que se impunha aos Recorrentes demonstrar que o preço constante da escritura correspondia ao preço real. Porém, perscrutados os autos e analisada a prova testemunhal oferecida, verificamos que estes não contêm qualquer elemento probatório que corrobore a alegação dos Recorrentes de que o valor real da transacção do imóvel é o constante da escritura de compra e venda.
Não pode deixar de notar-se que os Recorrentes sendo os principais interessados na “desconstrução” da tese em que a AT estribou a correcção posta em crise, não trouxeram aos autos elementos susceptíveis de abalar a convicção desta, produzindo a prova adequada a fazer vingar a sua tese. Uma vez colhidos os elementos indiciadores de simulação do preço de compra do imóvel em causa pela AT, era sobre os Recorrentes que se impunha fazer prova da realidade por si afirmada, evidenciando factos susceptíveis de a suportar, pelo que, não o tendo logrado fazer, impõe-se concluir pela legitimidade da actuação da AF e pela pertinência da correcção apontada nos autos.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos