Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00572/17.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO GARANTIA SALARIAL; DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE; INTEGRAÇÃO DE LACUNAS; CADUCIDADE
Sumário:
1 – De acordo com a declaração de inconstitucionalidade em fiscalização concreta, entendeu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS segundo o qual o mesmo deverá ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.
2 - Perante a referida decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declarou a inconstitucionalidade da indicada interpretação do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, tal determinou a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a lacuna assim gerada.
3 - Perante a verificada lacuna, cabe aos tribunais, nomeadamente, criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.
4 – Na integração da lacuna deverá ser respeitada a intenção do legislador constante do Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, de limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
6 - Assim, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, impor-se-ia restaurar a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.
7 – Em qualquer caso e em concreto, não tenho sido apresentada a Ação de Insolvência sido apresentada antes de ter decorrido o prazo de um ano dentro do qual deveria ser apresentada a pretensão junto do FGS (Entre 4 de Maio de 2015, e 4 de Maio de 2016), por forma a permitir a suspensão do referido prazo, no “espirito do sistema” e atento o novel nº 9 do Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, essa circunstância compromete a pretensão apresentada.
8 – Assim, não tendo a Ação de Insolvência sido proposta antes do termo do prazo de um ano, dentro do qual, nos termos do nº 8 do Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, deveria ser apresentada a reclamação dos créditos laborais junto do FGS, por forma a permitir a suspensão daquele prazo, tal determinou a caducidade do peticionado.
Efetivamente, decorrido que estava já o referido prazo, não era já o mesmo suscetível de ser suspenso. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ACDV
Recorrido 1:o Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
ACDV, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho de 31 de março de 2017 que indeferiu o pedido que havia formulado, no sentido de lhe serem pagos os créditos laborais que entendia ter direito, “emergentes do contrato de trabalho celebrado com a sociedade comercial por quotas ARA, Unipessoal, Lda.”, inconformada com a decisão proferida no TAF de Penafiel em 8 de março de 2018 que julgou improcedente a Ação, “face à intempestividade da apresentação do Requerimento”, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 23 de abril de 2018.
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No seguimento do determinado aperfeiçoamento do Recurso, foram apresentadas as seguintes conclusões:
I) A Autora/Recorrente apresentou em 15.3.2017, junto dos competentes serviços do Fundo de Garantia Salarial) requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalha) ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial.
II) Por comunicação do Diretor de Segurança Social, datada de 21.04.2017 (rececionada em 4.05.2017), foi a Autora/Recorrente notificada de que o sobredito requerimento foi indeferido, nos termos do despacho de 31.3.2017 do Presidente do Conselho de Gestão do FGS e por ofício do mesmo Diretor de Segurança Social) datado de 16.5.2017 (rececionado em 25.5.2017) foi a mesma notificada de que, após apreciação da reclamação que dirigiu ao referido Presidente se mantinha o indeferimento do requerimento que apresentou para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho) nos termos do despacho de 16 de maio de 2017 do mesmo Presidente) ambos estribados no fundamento de que o requerimento não preenchia o requisito imposto pelo n.º 8 do artigo V~ do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, ou seja que o requerimento não tinha sido apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho da Autora/Recorrente.
III) Por D. Despacho/Sentença de 08.03.2018 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi julgada improcedente a ação interposta pela autora, aqui Recorrente, contra o Fundo de Garantia Salarial, em que esta formulou um pedido de anulação da decisão de indeferimento do pagamento dos créditos emergentes da cessação e violação do contrato de trabalho por si celebrado e a sociedade comercial ARA, unipessoal, Lda., e, em consequência) pediu que o FGS fosse condenado a pagar-lhe os créditos emergentes de contrato de trabalho) no montante de €16.226,85, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de entrada do requerimento da autora e até efetivo e integral pagamento, nos termos da legislação atinente ao FGS, com os limites máximos ali previstos, e subsidariamente, se assim não se entendesse, deduziu pedido para ser o FGS condenado a pagar-lhe a quantia de € 10.605,97, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de entrada do seu requerimento e até efetivo e integral pagamento, nos termos da referida legislação, com os limites máximos ali previstos.
IV) Foi, então, decidido na D. sentença:
a) Que o Réu FGS violou o direito de audiência prévia da autora, aqui recorrente, no entanto negou relevância a tal facto, porquanto considerou tratar-se do único fundamento por aquela invocado que obteve vencimento, pelo que ao abrigo do princípio utile per lnutile non vitiatur decidiu não anular o ato impugnado pela autora, aqui recorrente, julgando improcedente a ação.
b) A inexistência da falta de fundamentação da decisão impugnada.
c) A intempestividade do requerimento apresentado, em 15.03.2017, pela autora, aqui recorrente, ao FGS para pagamento dos créditos salariais e indemnização no citado valor de 16 226,85€.
V) Quanto ao vertido na alínea a) de IV supra, atenta a situação factual, o Tribunal a quo considerou ocorrer evidente violação do direito de audiência prévia da autora, aqui recorrente, por parte do FGS, previsto no artigo 121.º do CPA, decorrente e conexo com o direito de participação previsto nos artigos 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e 12.º do CPA, porquanto a Autora exerceu o seu direito em 24.04.2017, ou seja no último dia do prazo que dispunha para o fazer, tendo o FGS notificado a autora, aqui recorrente, do indeferimento do seu requerimento, por ofício datado de 21.04.2017, não tendo, desta feita, considerado a argumentação e elementos que aquela levou para o processo a, consequentemente, a decisão impugnada é ilegal, padecendo de vicio formal de preterição de formalidade legal, subsumível ao regime da anulabilidade, previsto no artigo 163.º do CPA.
Deste modo, seria de anular o ato impugnado por violação do direito de audiência prévia, no entanto, ao abrigo do princípio utile per inutile non viatura, julgou a D. sentença que é de assegurar que a procedência da ação não seja inútil, que seria no que redundaria caso a ação fosse julgada procedente apenas com este fundamento invocado pela Autora, o único que considerou obter vencimento, negando assim relevância ao erro praticado pelo Fundo, e julgando improcedente a ação.
VI) Não se pode aceitar tal decisão, pois, a audiência dos interessados prevista no artigo 121.º do código de Procedimento Administrativo constitui a par do princípio da participação, consagrado no artigo 12º do mesmo diploma legal, a materialização do paradigma de uma administração participada, o que é prevista expressamente nos n.9S 1 e 5 do artigo 267.2 da Constituição da República Portuguesa.
Este princípio impõe à Administração Pública a participação dos particulares na formação das decisões/atas a eles concernentes.
A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência prévia, in casu não tendo sido considerado a argumentação e elementos que a autora levou para o processo, só pode transformar-se em formalidade não essencial} e deste modo sem aptidão para produzir o efeito invalidante, se for demonstrado que, mesmo sem ela ter sido respeitada, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. E, o ónus de alegação e de prova de preterição de formalidade não essencial impende sobre a Administração. Ora, o FGS não alegou nem fez prova de que tal preterição do direito era não essencial. Nem sequer se pronunciou a respeito.
Aliás, não tinha fundamento para o fazer, dado que bem sabia que o ato em causa não se encontrava na esfera de poderes legais vinculados. A decisão foi tomada no âmbito do poder discricionário. Acresce que, não existe nenhuma norma que estabeleça que o n.º 8 do artigo 2º do DL 59/2015, de 21 de abril tem carater vinculativo. Assim sendo, o principio de aproveitamento do ato administrativo foi invocado pelo. Tribunal a quo oficiosamente.
Do expendido, a D. sentença ao ter considerado que ocorreu violação do direito de audiência dos interessados mas invocou o referido princípio utile per inutile non viatura - princípio este não previsto legalmente- para considerar o ato de preterição de um princípio constitucional como mera irregularidade não essencial, decidindo que o FGS não poderia ter deixado de indeferir o requerimento da autora e julgando improcedente a ação interposta pela autora, violou manifestamente os n.ºs 1 e 5 do artigo 267.º da Constituição da Republica Portuguesa, bem como os artigos 12.º e 121.º do Código de Procedimento Administrativo ICPA}, o que é subsumível ao regime da anulabilidade, previsto no artigo 163.º do CPA.
Deste modo, encontra-se a sentença do tribunal a quo eivada de vício que implica a sua anulabilidade.
VII) No que respeita ao mencionado em b] de IV supra, também na mesma sentença foi julgado inexistir violação do dever de fundamentação. Outrossim, nesta sede não lhe assiste razão.
Com efeito, aquela deveria ter considerado que a decisão do FGS padece de falta de fundamentação, visto que não foi feita uma exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, tendo sido adotados fundamentos que por insuficiência não esclareceram concretamente a motivação do ato. É manifesta a falta de fundamentação daquele ato que veio negar o direito e interesse legalmente protegidos da autora, no qual apenas é dito: "O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Dec.-lei n.º 59/2015,de 21 de abril."
Deste modo, a sentença ora em crise violou o disposto nos artigos 151,n.º 1, alínea d), 152.º e 153.2 do CPA, o que implica a sua anulabilidade por aplicação do artigo 163.º do mesmo diploma legal.
VIII) No que respeita ao referido na alínea c) de IV supra, a sentença do Tribunal a quo considerou intempestiva a apresentação pela autora do requerimento para pagamento dos créditos salariais, pelo que não poderia o FGS deixar de indeferir o sobredito requerimento.
Ora, também deste ponto de vista substancial não assiste qualquer razão ao Tribunal de Primeira Instancia.
IX) Com efeito, a Autora apresentou em 15 de março de 2017 ao FGS o requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação e violação do contrato de trabalho, no montante de €16.226,85, titulado por sentença judicial proferida em 17/05/2016, no âmbito de uma ação emergente de Contrato Individual de Trabalho, com processo declarativo comum, que correu termos na Comarca de Vila Real, instância central- Secção de trabalho - J2, sob o n.º 135/2014.2TIVR, por si instaurada contra a sociedade ARA, Unipessoal Lda., em 1 de abril de 2014 e em que aquela foi condenada a pagar-lhe a quantia de €14.611.21, sendo €4.005.24 a titulo de salários latu sensu e € 10.605,97 a título de indemnização pela resolução do seu contrato com justa causa, acrescidos os créditos salariais de juros desde a citação para a ação e até integral pagamento e a indemnização acrescida de juros desde a data da sentença e até integral pagamento, transitada em julgado em 10/10/2016. Esse montante de €16.226,85 peticionado ao FGS também se encontra titulado pelo reconhecimento dos seus créditos em 9.3.2017, por si reclamados em 8.3.2017, no processo de Insolvência n.º 1423/16.9T8AMT, do Juízo de Comércio de Amarante - juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, cuja declaração de insolvência da referida sociedade comercial a autora requereu a 16 de novembro de 2016 e que obteve vencimento por sentença de 27/1/2017, transitada em julgado em 14/2/2017. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não esteve bem em julgar extemporâneo o pedido formulado pela autora ao Fundo de Garantia Salarial.
Na verdade, face à existência da sentença, apenas na data do seu trânsito em julgado (10.10.2016) se venceram os seus créditos salariais, uma vez que os mesmos estavam dependentes do reconhecimento judicial da resolução contratual.
E, já que a autora dispunha de um crédito laboral reconhecido por decisão judicial, transitada em julgado, não se lhe podia aplicar o citado prazo de 1 ano previsto no n.º 8 do artigo 2.º do NRFGS para requerer o pagamento dos créditos, aplicando-se nesta esfera as normas civilistas, com aplicação subsidiária no direito do trabalho, designadamente o n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, em conjugação com o vertido no artigo 309.º do mesmo diploma legal, ficando, assim, a autora sujeita ao prazo ordinário de 20 anos, neste ultimo preceito contemplado, tendo feito o pedido atempada mente.
O aludido prazo do n.º 8 do artigo 2º do NRFGS para o trabalhador requerer ao FGS os créditos emergentes do contrato de trabalho reproduz o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho aprovado pela lei n,º 7/2009 de 12 de fevereiro, todavia, tais prazos não são de atender/considerar nas situações em que o crédito laboral se encontra reconhecido por decisão judicial ou outro título executivo, como era o seu caso.
Violou assim a D. sentença as referidas normas civilistas do n,º 1 do artigo 311.º e artigo 309.º do código Civil.
X) Acresce que, é verdade que quando reclamou os seus créditos perante o FGS - em 15.03.2017 já tinha decorrido mais de um ano a contar do dia seguinte à cessação do seu contrato de trabalho -10.04.2013- porém, intentou a ação judicial laboral em 1 de abril de 2014, com a citação decorrente da entidade empregadora, o que constitui uma causa de interrupção do prazo de prescrição, bem assim, intentou uma ação para declaração de insolvência da Sociedade (a 16.11.2016) que foi decretada (a 27.1.2017), tendo o seu crédito sido reconhecido (a 9.3.2017), consubstanciando tanto a ação de insolvência como o reconhecimento do seu crédito causas de interrupção do prazo de prescrição (Cfr. artigos 323.º a 327.º do Código Civil).
Assim, ocorreram causas de interrupção dos créditos por si reclamados ao FGS, que impediram a verificação da sua prescrição, pelo que tais créditos aquando da sua reclamação não se encontravam prescritos.
Violou, assim, a sentença as referidas normas civilistas dos artigos 323º a 327º do CC.
XI) Sem prescindir - o que se concebe para efeitos de raciocínio - mesmo que se entendesse que os créditos salariais - salários e formação profissional - para se vencerem não necessitavam de uma sentença judicial que os reconhecesse (porque passiveis de ser apurados por simples cálculo aritmético) o certo é que é inequívoco que quanto à indemnização por antiguidade esta só se venceu após ser reconhecida por sentença transitada em julgado, em 10 de outubro 2016 (cfr. artigo 805º n.º 3 do Código Civil) e a sociedade foi declarada insolvente por sentença de 27 de janeiro de 2017, também transitada em julgado, tendo a autora reclamado os seus créditos ao FGS naquele dia 15 de março de 2017, razão porque manifestamente o fez de forma atempada.
Que deste modo, no mínimo, sempre a indemnização que lhe foi arbitrada por sentença, ou seja a quantia de 10.605,97 Euros, acrescida de juros desde a data em que foi proferida até integral pagamento, teria que lhe ser paga (com os Limites legais).
A D. sentença ao sufragar entendimento contrário violou a referida norma civilista do artigo 805.º n.º 3 do CC, aplicável subsidiariamente ao direito do trabalho.
XII) Sem prescindir- o que se concebe para efeitos de raciocínio: É manifesto que à luz da lei antiga ainda faltava muito tempo para se verificar a prescrição dos créditos, cujo pagamento foi requerido ao FGS e, em decorrência, sendo o prazo de caducidade de reclamação de tais direitos de três meses antes da respetiva prescrição, ainda havia muitos anos para essa caducidade operar. No entanto, a nova lei estabelece um prazo curto de caducidade, ou seja de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - Cfr. artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Ora, diante de um prazo longo de caducidade, sob a égide da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, dever-se-á invocar o artigo 297º do Código Civil, a fim de determinar a contagem de tal prazo.
Estabelece o n.º 1 deste artigo: “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar."
Ora, à luz do n.º 3 do artigo 319.º 1 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam anos para operar a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos da Autora e que segundo o artigo 29, nº 8 do NRFGS o prazo de um ano de caducidade só começava a contar a partir da sua entrada em vigor, ou seja em 4 de maio de 2015 e caducaria em 4 de maio de 2016.
Tendo dado entrada o requerimento em 15.03.2017, não se verificou a caducidade do direito da Autora avocada pelo FGS e declarada na D. Sentença proferida pelo Tribunal Primeira Instância. Violou assim a D. sentença a referida norma civilista do artigo 297.º do CC e artigo 319º nº 3 da lei nº 35/2004, de 29.07.
XIII) Em suma, a sentença proferida pelo Tribunal a quo ao indeferir a pretensão da autora, aqui Recorrente, violou o disposto no artigo 267.º, nºs 1 e 5 da CRP, artigo 12.º e nº 1 do artigo 121.º, 151.º n.º aI. d), 152.º e 153.º e 163.º todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e artigos 311.º e 309.º, 323.º a 327.º, 805.º, n.º 3, e 297º todos do Código Civil e 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, estando eivada de vícios que acarretam a sua invalidade, designadamente anulabilidade.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Douto Despacho/Sentença recorrido e ser substituído por outro (a) que venha anular a decisão de indeferimento do requerimento apresentado pela Autora/Recorrente para pagamento dos créditos emergentes da cessação e violação do contrato de trabalho, celebrado com a sociedade comercial ARA, Lda., proferida por despacho do Fundo de Garantia Salarial, e, em consequência, ser este condenado a proferir nova decisão relativamente ao sobredito requerimento, em que tenha que pagar à Recorrente os créditos emergentes de contrato de trabalho, no montante de €16.226,85, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de entrada do requerimento da Autora/Recorrente e até efetivo e integral pagamento, nos termos da legislação atinente ao Fundo de Garantia Salarial, com os limites máximos ali previstos; Subsidiariamente, se assim não se entender:
II - Ser o Fundo de Garantia Salarial condenado a proferir nova decisão relativamente ao aludido requerimento, na qual tenha que pagar à Recorrente, aqui Recorrente a quantia de €10.605,97, a título de indemnização pela resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de entrada do requerimento do Autora/Recorrente e até efetivo e integral pagamento, nos termos da legislação ao mesmo atinente, com os limites máximos ali previstos;
III - Bem como a pagar custas de parte e procuradoria condigna, tudo com as demais consequências legais.
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O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 5 de Junho de 2018.
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O Recorrido/FGS em contra-alegações que havia já apresentado anteriormente à correção do Recurso, concluiu:
A. O requerimento da A foi apresentado ao FGS em 15.03.2017, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento da A foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.º 319.º 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
F. Não tendo aqui aplicação o art.º 297.º do CC, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontra terminado o prazo para apresentação do requerimento ao FGS.
G. Sendo aplicável o novo regime, temos de considerar como estando ultrapassado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser feita justiça, mantendo-se a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, tal como bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel na douta sentença aqui colada em crise.”
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, em Parecer emitido em 28 de setembro de 2018, veio a remeter para o Parecer que já havia emitido em 14 de junho de 2018, no qual, a final, e no que respeita ao Mérito, se havia pronunciado no sentido de dever ser negado provimento ao Recurso.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, atendendo à invocada violação do conjunto vasto de normativos enunciados e que terão sido incumpridos pela Sentença Recorrida (artigo 267.º, nºs 1 e 5 da CRP, artigo 12.º e nº 1 do artigo 121.º, 151.º n.º1 al. d), 152º e 153.º e 163.º todos do CPA e artigos 311.º e 309.º,323.º a 327, 805.º) n.º 3 e 297º todos do Código Civil e 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07), sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade:
1) A autora manteve uma relação laboral com a sociedade comercial ARA, Unipessoal Lda, desde o dia 01.05.2001 até 10.04.2013, em que sob as suas ordens, direção e fiscalização prestou trabalho próprio da categoria profissional de técnica oficial de contas, auferindo uma retribuição mensal ilíquida fixada em € 890,00;
Docs. 2 e 8 juntos com a p.i.; P.A., fls. 21
2) Em 10.04.2013, a autora resolveu o contrato de trabalho que mantinha com a referida empresa, com fundamento na falta de pagamento do subsídio de natal do ano de 2012 e retribuições referentes aos meses de fevereiro e março de 2013;
Docs. 2 e 8 juntos com a p.i.; P.A., fls. 21
3) Em 01.04.2014 a autora, invocando a resolução do contrato de trabalho com justa causa, instaurou uma ação emergente de Contrato Individual de Trabalho, com processo declarativo comum, na Comarca de Vila Real, Instancia central- Secção de trabalho - J2 contra a dita sociedade comercial (que correu termos sob o n.º 135/2014.2TTVR), com vista à condenação no seu pagamento de vários créditos laborais e indemnização de antiguidade decorrente de resolução do contrato com justa causa, num valor total de € 22 516,44, acrescida de juros vencidos desde a citação para a ação e vincendos;
Doc. 2 junto com a p.i.; P.A., fls. 236 e ant.
4) Em 17.05.2016 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a referida sociedade ARA, Unipessoal Lda., no pagamento da quantia de € 14 611,21, traduzida em € 1198,97 a título de subsídio de natal de 2012 e diferença dos proporcionais do subsídio de natal de 2013, em € 2.333,33 a título de salários, em € 472,94 a título de proporcionais de férias e diferença de subsídio de férias, e € 10 605,97, a título de indemnização pela resolução do seu contrato com justa causa à autora, sendo os créditos salariais acrescidos de juros desde a citação para a ação e até integral pagamento e a indemnização acrescida de juros desde a data da sentença e até integral pagamento;
Doc. 2 junto com a p.i.
5) A aludida sentença transitou em julgado em 10.10.2016;
Doc. 2 junto com a p.i.
6) Em 16.11.2016, a autora requereu a declaração de insolvência da referida sociedade comercial;
Doc. 3 junto com a p.i.
7) Por sentença proferida nos autos de Processo de Insolvência de Pessoa Coletiva, sob o n.º 1423/16.9T8AMT, do Juízo de Comércio de Amarante - juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, em 27.01.2017, a sociedade ARA, Unipessoal Lda foi declarada insolvente;
Doc. 4 junto com a p.i.
8) O crédito da autora foi reclamado em 08.03.2017 e reconhecido pelo Administrador de Insolvência no dia 09.03.2017, pela quantia global de € 16 226,85;
Docs. 5 e 6 juntos com a p.i.
9) O referido processo acabou por ser encerrado por insuficiência da massa, a 18.04.2017, o que foi publicado por anúncio no portal citius em 19.04.2017;
Doc. 7 junto com a p.i.; P.A., fls. 25
10) Em 15.03.2017, a autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos salários e indemnização no valor de € 16 226,85;
Doc. 8 junto com a p.i.; P.A., fls. 20
11) Por oficio do diretor de Segurança Social, datado de 31.03.2017, rececionado a 07.04.2017, a autora foi notificada de que nos termos do despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 31.03.2017, o requerimento apresentado seria indeferido, tendo, nos termos do disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, lhe sido concedido o prazo de 10 dias úteis para se pronunciar, mediante apresentação de resposta escrita, da qual constassem os elementos que pudessem obstar ao indeferimento, juntando os meios de prova adequados, antes de ser tomada a decisão final, sobre a intenção de indeferimento do requerimento do FGS, com o seguinte fundamento: «O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015,de 21 de abril»;
Doc. 9 junto com a p.i.
12) Em 24.4.2017, por carta registada com AR, assinado a 26.04.2017, no âmbito do exercício de tal direito, a autora apresentou resposta por escrito, dirigida ao Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, tendo também remetido, a 24.04.2017, pelas 18:10, por via fax;
Docs. 10 e 11 juntos com a p.i.
13) Por comunicação do Diretor de Segurança Social, datada de 21.04.2017 e rececionada em 04.05.2017, foi a autora notificada de que o requerimento que dirigiu ao FGS para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, foi indeferido, nos termos do despacho de 31.03.2017 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, porquanto o requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015,de 21 de abril, mais tendo sido notificada de que, a partir da notificação, dispunha do prazo de 15 dias uteis para reclamar e de 3 meses para impugnar judicialmente;
Doc. 1 junto com a p.i.
14) A 24.05.2017, por carta endereçada ao Diretor de Segurança Social, registada com AR, assinado a 25.05.2017, a autora apresentou reclamação por escrito, dirigida ao Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, da decisão mencionada supra, tendo também remetido a mesma por fax a 24.05.2017, pelas 15:05H;
Docs. 12 e 13 juntos com a p.i.
15) Por ofício do Diretor de Segurança Social, datado de 16.05.2017 e rececionado em 25.05.2017, foi a autora notificada de que, após apreciação da reclamação que dirigiu ao Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, se mantinha o indeferimento do requerimento que apresentou para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos do despacho de 16.05.2017 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, porquanto o requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015,de 21 de abril, e que atenta toda a factualidade verificava-se que não foram apresentados factos suscetíveis de alteração da decisão de indeferimento anteriormente proferida, mais tendo sido notificada de que se encontra a decorrer o prazo para impugnar judicialmente.
Doc. 14 junto com a p.i.
*
IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“Entende a autora que o seu requerimento deveria ser considerado como tempestivo.
Apreciando.
À data em que cessou o contrato de trabalho (10.04.2013), encontrava-se em vigor a Lei n.º 35/2004 de 29 de julho.
A referida Lei previa no artigo 317.º que “o Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação”. E de acordo com o artigo 318.º, n.º 1 do mesmo diploma “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.”
Prevê-se no número 1 do artigo 319.º que “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.” O número 3 do mesmo artigo determinava que o Fundo de Garantia Salarial apenas asseguraria o pagamento de créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição.
E no número 1 do artigo 323.º que “o Fundo de Garantia Salarial efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objeto do pedido.”
Resulta dos factos provados que a autora resolveu o contrato de trabalho por justa causa a 10.04.2013 e que instaurou ação declarativa contra entidade empregadora a 01.04.2014.
Ora, nos termos do disposto no artigo 323.º do CC, a citação da entidade empregadora interrompe o prazo de prescrição de 1 ano dos créditos laborais, o que significa, por força do disposto nos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC que o prazo decorrido anteriormente fica inutilizado, começando a correr novo prazo de 1 ano a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no processo laboral.
Ora, se tivermos em conta a data da instauração do processo judicial e que e o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, facilmente se pode concluir que tendo a ação sido instaurada a 01.04.2014, sempre ocorreu interrupção do prazo prescricional dos créditos laborais, pelo menos a 07.04.2014. O novo prazo prescricional só começa a correr após transito da decisão judicial proferida nesse processo, o que ocorreu, como resulta dos autos a 10.10.2016.
Portanto, em função das normas legais referidas, da Lei n.º 35/2004 de 29 de julho, quando a autora apresentou a 15.03.2017 o requerimento junto da entidade demandada ainda o poderia fazer.
É importante, porém, ter em consideração que nessa data essas normas legais já não estavam em vigor.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril revoga expressamente os artigos 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho (artigo 4.º, al. a) do diploma preambular), aprovando um novo regime do Fundo de Garantia Salarial, o qual entrou em vigor a 04.05.2015 (artigo 5.º do mesmo diploma).
O referido Decreto-Lei aprovou expressamente normas relativas à aplicação da lei no tempo, determinando que se aplique o novo regime aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor (artigo 4.º, n.º 1).
O novo regime, aprovado em anexo ao diploma legal referido prevê no artigo 2.º, n.º 8 que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Ora, no caso em apreço, e ao contrário do sustentado pela entidade demandada na contestação, não pode exigir-se ao autor a apresentação de requerimento no prazo referido, porquanto o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril entrou em vigor muito para além do prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho do autor, que ocorreu, como se referiu, a 03.02.2014.
Apesar de o artigo 4.º do mencionado Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril regular a aplicação da lei no tempo, nenhuma norma prevê expressamente a situação em apreço, não podendo exigir-se que o autor apresente, retroativamente, um requerimento, nem pretende o legislador eliminar da ordem jurídica a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, mas dar-lhe uma nova regulamentação.
No regime previsto pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, a apresentação de requerimento não estava sujeita a prazo (artigo 323.º), no entanto, previa-se que apenas ficava assegurado o pagamento dos créditos reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição (artigo 319.º, n.º 3).
A aplicar-se a interpretação que a entidade demandada pretende fazer valer, então o legislador teria, através da alteração em causa, revogado, com efeitos retroativos, a proteção atribuída aos créditos que, ao abrigo do regime anterior, ainda pudessem beneficiar da garantia do seu pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial.
Ora, tal interpretação conduziria a uma situação de desproteção jurídica e que redundaria quer na inconstitucionalidade da norma quer na violação do direito da União Europeia. Inconstitucionalidade, porque os trabalhadores, em situação idêntica à do autor, inicialmente protegidos pelo regime legal da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, ficariam legalmente desprotegidos quando o que o legislador pretendeu com o novo regime foi aumentar a proteção dos mesmos, o que ofenderia os princípios da igualdade – artigo 13.º da CRP (face a outros trabalhadores que, em circunstâncias idênticas, puderam reclamar ou reclamaram os seus créditos antes do dia 04.05.2015) –, da proteção salarial – artigos 53.º, 58.º, 59.º e 63.º da CRP – me da confiança – artigo 2.º da CRP (cfr. a propósito deste último os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 86/84, 303/90, 287/90, 303/90, 625/98 ou 186/2009, segundo os quais, uma regulamentação normativa posterior não pode alterar, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, o conteúdo de situações pendentes sem abalar a confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, que é o que aconteceria se se concluísse que até por mero efeito da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, a autora ficaria impossibilitada de reclamar o pagamento de créditos laborais junto da entidade demandada que ao abrigo do regime anterior ainda poderia reclamar). Violação do direito da União Europeia, porque o regime aprovado visa a transposição de diretivas da União Europeia, in casu, a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.10.2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, pelo que o legislador, embora lhe seja permitido garantir apenas créditos vencidos no período de 6 meses a contar da insolvência, já que a garantia não tem que ser integral (acórdãos do TJUE de 25.01.2007, Proc. C-278/05 e de 28.11.2013, Proc. C-309/12), não pode criar uma situação de desproteção total, já que deve ser sempre assegurado um nível de proteção mínimo (cfr. acórdão do TJUE de 25.01.2007, Proc. C-278/05).
Repare-se que na situação da autora, esta não podia prever, nem lhe era exigível, que reclamasse junto do Fundo de Garantia Salarial, e no prazo de 1 ano, o pagamento dos créditos laborais em causa, já que se possibilitava que o fizesse no caso de insolvência da entidade empregadora, o que veio a ocorrer, já que o requerimento foi apresentado na sequência da insolvência da sua anterior entidade patronal.
Em qualquer caso, afigura-se que a interpretação que a entidade demandada pretende fazer valer não se apoia nos princípios interpretativos aplicáveis no caso de aplicação da lei no tempo, constantes dos artigos 12.º e 297.º do CC, e cuja aplicação, porque não especificamente prevista, não é afastada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
De acordo com o artigo 12.º do CC, em princípio a lei só dispõe para o futuro e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa deve presumir-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos (número 1). E refere-se no número 2 do mesmo artigo que quando a lei nova regula as condições de validade de qualquer factos ou sobre os seus efeitos, em caso de dúvida, só visa os factos novos.
É certo que o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril estabelece que os novos requerimentos, apresentados a partir de 04.05.2015, ficam sujeitos ao novo regime. No entanto, daí não decorre que a situação do autor fique prejudicada pelo facto de a cessação do contrato ter ocorrido há mais de 1 ano a contar da data da apresentação do requerimento de proteção solicitada.
É que o que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril introduz é um prazo de caducidade, terminado o qual, sem que seja solicitada a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, este deixa de poder responder pelo pagamento de créditos laborais que lhe seja solicitado pelo trabalhador de sociedade insolvente.
Ora, o artigo 297.º, n.º 1 do CC impõe que apenas se considere o novo prazo imposto pela lei nova como iniciando a partir da entrada em vigor da nova lei.
Deste modo, relativamente aos factos ocorridos em momento anterior a 04.05.2015, o prazo de um ano fixado no artigo 2.º, n.º 8 do Regime do FGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, deve contar-se desde a data de entrada em vigor desse diploma legal, ou seja, 04.05.2015.
Ora, se tivermos em conta a data em que foi apresentado o requerimento pela autora, a 15.03.2017, afigura-se que já fora ultrapassado o prazo de um ano estabelecido no artigo 2.º, n.º 8 do Regime do FGS.
Assim, tendo sido alterado o regime legal estabelecido, a autora à data em que foram reunidos os pressupostos legais do direito que invoca, o último dos quais respeita à insolvência declarada a 16.11.2016, já não podia ativar a sub-rogação legal prevista para os créditos laborais de que era credora, por o requerimento que apresentasse sempre seria posterior ao prazo de caducidade que o novo regime veio estabelecer.
Deste modo, improcede este ponto.”
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Atenta a matéria de facto fixada, mas para permitir uma mais eficaz visualização daquilo que aqui está em causa, infra se esquematizará cronologicamente a principal factualidade relevante:
a) O Contrato Laboral do Trabalhador foi resolvido em 10/04/2013;
b) A Ação Declarativa para pagamento dos créditos laborais foi intentada em 01/04/2014;
c) Em 17/05/2016 a referida Ação foi julgada parcialmente procedente;
d) Esta Sentença transitou em julgado em 10/10/2016;
e) Em 16/11/2016 foi requerida a Declaração de Insolvência da Sociedade Empregadora;
f) Em 27/01/2017 foi a Sociedade Declarada Insolvente;
g) Em 15/03/2017 foram requeridos pelo trabalhador ao FGS os créditos laborais em falta;
h) O FGS indeferiu o requerido por despacho de 31/03/2017;
i) Por despacho de 16/05/2017 o FGS confirmou o indeferimento, por o requerimento não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
j) A presente Ação foi intentada em 21/07/2017;
Vejamos:
É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, atual lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial, fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano, o qual, por não ter sido excecionado (Artº 328º CC), se consubstanciaria, em princípio, num prazo insuscetível de suspensão ou interrupção.
Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Como se viu, o requerimento do Autor junto do FGS foi apresentado em 15/03/2017, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal -, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, ser-lhe-á aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.
A prescrição prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho do Autor cessou como se viu em 10/04/2013, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 11/04/2014.
No entanto, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.
A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, ainda que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Mostrando-se provado que a aqui Recorrente reclamou os seus créditos na Ação Declarativa para pagamento dos créditos laborais, intentada em 01/04/2014 é manifesto que se mostrava suspenso o prazo de prescrição, determinante de a mesma só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao Réu e, consequentemente, sendo o prazo de caducidade da reclamação desses direitos ao Fundo de Garantia Salarial, de três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.
Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.
Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º para determinar a contagem desse prazo.
Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam vários anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos dos Autores e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.
Tendo o requerimento para pagamento dos créditos laborais dado entrada no FGS em 15/03/2017, ter-se-á, em qualquer caso, verificado já a caducidade do direito do Autor.
Em qualquer caso, importa agora apreciar a suscitada questão à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que veio “Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”
Aqui chegados, importa escalpelizar o expendido no referido Acórdão do Tribunal Constitucional.
Em bom rigor, o TC não põe em causa a existência do prazo de um ano “para requerer o pagamento dos créditos laborais”, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, mas tão só o facto desse prazo ser “insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”
Mais se afirma no mesmo Acórdão do TC que “Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).”
Sintomaticamente afirma-se ainda no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional que “(...) não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.”
O sinal dado pelo TC vai pois singelamente no sentido de, na situação em apreciação, não dever ser fixado um prazo sem que o mesmo comporte potencialmente “qualquer suspensão ou interrupção”.
O importante é que aquando da fixação de um qualquer prazo, seja o mesmo estabelecido antecipadamente, com certeza e sem ambiguidades. Como se afirmou no nº 39 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325), “para cumprir a sua função de garantia da segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente. Uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza” (acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06).
Aqui chegados, e perante o referido acórdão do Tribunal Constitucional, importa verificar se ocorrerão causas interruptivas e suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
Efetivamente, importará verificar se deverá ser considerada a existência de causas interruptivas e suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, designadamente o tempo que mediou entre a cessação do contrato de trabalho e a existência de um plano de insolvência, até à data em que a insolvência veio a ser, definitivamente, decretada e consequentemente declarar que o prazo de 1 (um) ano, para requerer o fundo, foi cumprido pelo recorrente.
Em decorrência da referenciada inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, em termos de fiscalização concreta, cujo teor se acompanhará nos mesmos termos e condições, enquanto desaplicação de norma por inconstitucionalidade, importa encontrar solução interpretativa adequada e compatível com o declarado.
Assim, e não obstante a condicionante interpretativa imposta ao n.º 8 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, pelo Tribunal Constitucional, há, em qualquer caso, que limitar no tempo o exercício do direito ao pagamento de créditos salariais pelo FGS, a um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato (cfr. artº 337.º, n.º 1, do CT), considerando, no entanto, as vicissitudes decorrentes da tramitação do Processo de Insolvência, junto do qual foram reclamados os créditos laborais, por forma a acautelar que os atrasos processuais e procedimentais não se venham negativamente a refletir-se na esfera jurídica do trabalhador.
Como decorre da Diretiva 80/987, não há qualquer impedimento à aplicação de um prazo de prescrição ou de caducidade de um ano (princípio da equivalência).
Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade).
Como de algum modo decorre do acórdão do Tribunal Constitucional aqui em análise, importa predominantemente que o trabalhador não veja o prazo que lhe é atribuído para recorrer ao FGS, substancialmente diminuído em resultado de questões colaterais que vão consumindo o prazo.
Independentemente da interpretação que se adote no que respeita à suspensão ou interrupção do prazo para exercício do direito, não se poderá subverter a intenção do legislador de acordo com a qual o FGS só deverá assegurar o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
É pois manifesto que “é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (v., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 620/2007 e 396/2011), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição) ” (Acórdão TC n.º 510/2016).
Como se afirmou relevantemente no Acórdão nº 328/2018, do TC, “Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Acolhe-se o entendimento plasmado no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, em síntese, decidiu que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS deve ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.
Estamos pois perante uma decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declara a inconstitucionalidade do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, e que como tal determina a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a mesma, em resultado da circunstância do referido normativo ter ficado inoperacional e esvaziado, insuscetível de ser aplicado.
Com efeito, a lacuna é uma falha de legislação, na regulação de uma situação da vida que exige uma disciplina normativa.
A existência de lacunas é inevitável, pois as leis são impotentes para prever todas as situações que carecem de ser disciplinadas pelo Direito. Tal ocorre, seja pelo facto de existirem matérias não reguladas, seja porque o conteúdo da lei é incompleto pois não contempla certos domínios de uma determinada matéria, seja porque a mesma lei, abarcando os referidos domínios, não é suficientemente pormenorizada para reger determinados efeitos jurídicos que neles emirjam.
Assim, a lacuna pode envolver quer uma falha de previsão (a lei não contempla uma situação que deve ser regulada juridicamente) ou de estatuição (a lei prevê a referida situação mas não determina as correspondentes consequências jurídicas).
As razões que conduzem à existência de lacunas prendem-se a fatores tão diversos como, a intenção do legislador em não regular; falhas técnicas do legislador ou incapacidade de o mesmo encontrar uma solução jurídica adequada para uma dada situação; o aparecimento de situações imprevistas; ou, finalmente, uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, ainda que em apreciação concreta.
Na medida em que a lacuna é uma falha normativa que desafia exigências de completude reclamadas pelo sistema jurídico, este prevê mecanismos de integração do vazio jurídico.
A integração de lacunas pode envolver institutos normativos, como é o caso da emissão de uma lei ou o efeito automático de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que determina, de acordo com o nº 1 do art.º 282.º da Constituição, a reposição em vigor (repristinação) de uma lei revogada por aquela que foi julgada inconstitucional.
Perante a verificada situação de inoperacionalidade da norma declarada inconstitucional, os tribunais devem criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.
É incontornável que os tribunais não podem abster-se de julgar invocando falta da lei, de acordo com o n.º 1 do art.º 8.º do CC (proibição de juízos de non liquet).
Como por outro lado se afirmou no Acórdão do STA nº 0292/16, de 08.09.2016, “Com efeito, a ideia do juiz como mero intérprete - uma espécie de “correia de transmissão do legislador” - e, portanto, sem um poder criativo da própria ordem jurídica não corresponde à realidade.
O juiz também cria Direito, designadamente, nos termos do artigo 10º, nº3, do CC, devendo nesse caso criar uma norma “dentro do espírito do sistema”. Espírito do sistema acolhe a ideia que corresponde aos “juízos de valor legais a que se referia ao artigo 110º do Estatuto Judiciário, mas aperfeiçoada. Nomeadamente, já se não limita aos juízos de valor legais, antes busca os que são próprios de todo o sistema jurídico” - OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, página 413.
A questão da desaplicação da referida norma por inconstitucionalidade, já foi tratada, desde logo na Sentença do TAF de Coimbra, proferida no Procº 585/16.0BECBR de 7 de fevereiro de 2017 que veio a determinar a declaração de inconstitucionalidade que se tem vindo a apreciar.
Na referida Sentença do TAF de Coimbra a solução resultante da verificada lacuna foi encontrada por recurso à “norma geral da prescrição dos créditos laborais, precisamente um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato – cf. artigo 337 nº 1 do CT – esta, sim, suscetível das interrupções constituídas pela ação laboral e pela reclamação dos créditos na insolvência, interrupções indispensáveis pata a reposição da justiça em face de um anormal atraso das decisões no processo de insolvência que são pressuposto da obrigação do Fundo.”
Já neste Tribunal a referida questão foi já tratada em diversos Acórdãos, a saber: Processo n.º 1777/17.0BEPRT de 21.12.2018; Processo n.º 61/17.3BEBRG de 11.01.2019; Processo n.º 295/17.0BEPNF de 25.01.2019; Processo nº. 232/17.2BEBRG de 21.12.2018; Processo n.º 2492/16.7BEPRT de 07.12.2018.
Nos referenciados Acórdãos do TCAN se tem afirmado que “Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.
Na verdade é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.”
Se bem que a base do entendimento jurídico que se preconiza tenha ponto de partida idêntico àquele que determinou as precedentemente referenciadas decisões deste TCAN, o sentido decisório que se adota, passa antes pela criação no caso concreto de norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), “construindo-se” uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondente àquele que se presume ser a vontade do legislador.
Também no recente acórdão deste TCAN nº 662/18.2BEBRG, de 1 de fevereiro de 2019, se adotou solução que aqui, no essencial, se acompanhará.
Na realidade, é incontornável que era intenção do legislador no Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional não questiona aquele prazo, apenas se “opondo”, por via de declaração concreta de inconstitucionalidade, a que esse prazo não seja suscetível de suspensão ou interrupção.
A solução a dar à controvertida questão, na “construção” de norma em observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, encontra-se facilitada em decorrência do facto do próprio legislador a ter introduzido, ainda que apenas ex nunc, nova norma, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12, compatibilizando o Artº 2º nº 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, com o entendimento do Tribunal Constitucional estabelecido no seu Acórdão nº 328/2018 que se tem vindo a referir.
Com efeito, ainda que sem natureza interpretativa, a Lei n.º 71/2018 introduziu no Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, um nº 9, no qual se refere que “O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”
O novel normativo permitiu assim percecionar de forma clara quais os princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondentes à vontade do legislador.
Assim, em face de tudo quanto se expendeu, mostrar-se-ia legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaurasse a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.
A referida interpretação permite pois dar resposta ao facto do Tribunal Constitucional ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido.
Há no entanto na situação concreta em análise uma questão incontornável e que passa pelo facto da Ação de insolvência ter sido apresentada quando já havia decorrido o prazo de um ano dentro do qual deveria ser apresentada a pretensão junto do FGS (Entre 4 de Maio de 2015, e 4 de Maio de 2016), por forma a permitir a suspensão do referido prazo.
Efetivamente, decorrido que estava já o referido prazo, não era já o mesmo suscetível de ser suspenso.
Deste modo, à luz do precedentemente discorrido, uma vez que a reclamação dos créditos laborais junto do FGS foi apresentada em 15/03/2017, foi a mesma intempestiva, por ulterior a 4 de Maio de 2016, último dia do prazo de um ano para a efetivação do referido requerimento.
Assim, ainda que com fundamentação divergente da adotada em 1ª instância, confirmar-se-á o sentido da decisão recorrida.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª instância.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozará
Porto, 29 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa