Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00011/04.7BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
COMPROVAÇÃO DOS CUSTOS
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 10°, n° 1, al. a) do CIRS, conjugado com o nº4, al. a) do mesmo preceito legal, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso.
II- Nos termos do disposto no artigo 44º, nº3 do CIRS (actual, 46º, nº3), o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados.
III - A comprovação dos custos de construção, que o Recorrente pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74º, nº1 da LGT e 342º, nº1 do Código Civil).
IV - Em matéria de obrigação de comprovar os elementos das declarações estabelece o CIRS (anteriormente no artigo 119º e actualmente no artigo 128º) que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.
V - Não logrando o Impugnante, ora Recorrente, demonstrar os custos de construção que pretendia ver acrescidos ao valor do terreno, para efeitos de cálculo do respectivo valor de aquisição, como, sublinhe-se, lhe competia, não merece censura a actuação da Administração Tributária quando os desconsiderou ao abrigo do artigo 46º, nº 3 do CIRS.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
Fernando…, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1998, emitida com o nº 5320094149, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“1. A decisão proferida no Tribunal a quo não atendeu aos depoimentos prestados e como se realizou a gravação da audiência impugna-se também a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2. Nos termos referidos no texto não se pode dizer que houve imprecisão ou qualquer deficiência nos depoimentos prestados que foram elucidativos e verdadeiros.
3. Atendendo ao teor dos depoimentos impõe-se que a decisão proferida em relação à matéria de facto seja diferente da que consta da sentença.
4. O recorrente apresentou comprovativos de despesas de pagamentos feitas a empreiteiros que fizeram as obras no local no montante de € 113.723,97.
5. Esta verba é confirmada pelos depoimentos prestados que, contrariamente ao que é dito pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, têm consistência probatória, são esclarecedores e não enfermam de qualquer vício de memória selectiva.
6. A Lei - art° 46, n° 1, 2, 3 e 4 do CIRS preceitua que ao valor do terreno se deve adicionar os custos da construção.
Termos em que e cumprido que se mostra o conteúdo do art° 685º-B do C.P.C. deve a decisão proferida sobre a matéria de facto ser modificada, considerando-se que efectivamente foram dispendidos pelo recorrente nas obras levadas a cabo no seu prédio na Maia as verbas que no seu conjunto € 113.723.97.
Assim se fará a melhor JUSTIÇA”.
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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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São as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
A questão que, desde logo, o Recorrente pretende ver apreciada prende-se com o (i) julgamento da matéria de facto, concretamente com a circunstância de o Tribunal a quo não ter atendido aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas. Em consequência, defende o Recorrente que deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como provadas as despesas de pagamentos feitas a empreiteiros que fizeram as obras no local no montante de € 113.723,97, relativamente às quais, diz, além da prova testemunhal, apresentou os respectivos comprovativos.
Decidida esta questão e verificando-se o erro no julgamento da matéria de facto, defende o Recorrente a verificação de (ii) erro de julgamento de direito, em concreto a violação do artigo 46º do CIRS, na medida em que foram desconsiderados, para efeitos de apuramento do valor de aquisição, os custos de construção.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, cujo teor se reproduz:
“a). Na sequência de uma análise interna levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária ao impugnante foram efectuadas correcções à matéria tributável do ano de 1998, nos termos que constam do relatório de inspecção junto a fls. 19/21 do processo administrativo apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b). Como resulta do referido relatório, a Inspecção Tributária considerou que o sujeito passivo omitiu à declaração modelo 3, o anexo G do exercício de 1998 (por lapso foi referido o ano de 1999), pela alienação em 17/12/1998 de um lote de terreno para construção urbana, sito na freguesia de S. Pedro Fins, Maia, omisso na matriz, pelo valor de € 119.960,89, à firma A… - Sociedade de Construções, Lda, do qual devia constar o valor da aquisição -€84.651,76 e o valor da realização - € 199.519,02.
c). Consta do referido relatório que: “Após avaliação do referido lote de terreno ao qual foi atribuído o valor patrimonial de € 124.699,34 (24.999.975$00), para efeitos de liquidação do Imposto de Sisa e o artigo matricial urbano 691 - freguesia de S. Pedro Fins.
Valor da realização: 199.519,02 € - 39.999.975$00
Valor da avaliação - 124.699,34€
Benfeitorias - 74.819,68€
199.519,02€
O S.P apresentou as escrituras de aquisição relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de S. Pedro Fins (...)
Valor de aquisição: 84.651,76€
Valor de aquisição - 62.349,74 €
Encargos c/ benfeitorias 22.302,02 €
84.651,76€(...)
d). No seguimento das correcções efectuadas, a Administração Tributária emitiu a liquidação nº 53200094149, referente a IRS de 1998, no valor de € 22.522,86, cuja data limite par pagamento voluntário ocorreu em 28 de Agosto de 2002.
e). Em 13 de Agosto de 2002, o impugnante apresentou reclamação graciosa da referida liquidação, a qual em 30 de Dezembro de 2003, foi indeferida, com os fundamentos que constam da decisão de fls. 24/36 do processo de reclamação apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
f). A presente impugnação foi instaurada em 19 de Janeiro de 2004- cfr. fls. 2 dos autos.
g). Dão-se por reproduzidos os documentos juntos com a petição inicial, constantes de fls. 13 a 15 dos autos.
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Não se provaram outros factos além dos supra - mencionados.
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A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos.
O tribunal não atendeu aos depoimentos das testemunhas inquiridas, uma vez que os mesmos se revelaram sem a consistência probatória mínima exigível. Com efeito, a testemunha José…, além de ser pai do impugnante, prestou um depoimento confuso e muito pouco esclarecedor, não conseguindo precisar exactamente os trabalhos realizados pelos supostos beneficiários dos pagamentos a que se reportam os documentos juntos aos autos e as outras duas testemunhas, além do conhecimento indirecto, uma vez que não tiveram qualquer relação directa com as obras desenvolvidas, mostraram uma “memória selectiva”, ao não se lembrarem de praticamente mais nada; além dos montantes dos cheques em causa, pelo que os seus depoimentos também não foram suficientemente credíveis para convencer o tribunal de que os montantes a que se reportam os documentos dos autos foram efectivamente suportados pelo impugnante em obras no prédio alienado e em causa nos presentes autos”.
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A primeira questão que vem colocada prende-se com a circunstância de o Tribunal a quo não ter atendido aos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Importará, antes do mais, precisar que não se trata de o Tribunal se ter abstido de qualquer exame crítico desse meio de prova; não é disso que se trata.
O que está em causa é a circunstância de o Tribunal ter considerado que os depoimentos produzidos pelas testemunhas, com vista à prova de que os montantes a que se reportam os documentos dos autos foram efectivamente suportados pelo impugnante em obras no prédio alienado e em causa nos presentes autos, não reuniam a credibilidade exigida, isto é, não tinham força bastante para que o Tribunal, com base nesses depoimentos, desse determinados factos como provados.
Isto mesmo resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença, onde constam as razões pelas quais tais depoimentos não foram considerados aptos a provar os factos que o Impugnante se propôs demonstrar, concretamente os custos incorridos com as obras efectuadas num terreno na Maia, de que era proprietário o Recorrente, no montante total de € 113.723.97.
Vejamos.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artº 690º-A nº 1 e 712º nº1 als. a) e b) do CPC). Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Ora, na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
No caso concreto, o que o Recorrente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de não consideração dos depoimentos, retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.
Ora, no caso, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justifica se, feita a reapreciação, for evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, importando, porém, não desprezar que o julgamento pelo tribunal a quo dispõe de um universo de elementos não apreensíveis na gravação e que, naturalmente, são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção do julgador.
A fim de apreciarmos esta questão, procedemos à audição das gravações dos depoimentos das testemunhas e, por isso, podemos afirmar com a sentença recorrida que, efectivamente, os depoimentos das testemunhas ouvidas não assumem, para os efeitos pretendidos, qualquer relevância, nada apontando, forçosamente, em sentido diverso daquele que foi acolhido na fundamentação externada pelo julgador.
Com efeito, N… e J… não tiveram qualquer relação directa com as obras levadas a cabo no terreno, pelo que, quanto a este aspecto, nada de útil se retira dos seus depoimentos. Por seu turno, como bem assinala a sentença recorrida, foi patente que ambos os referidos depoentes mostraram uma “memória selectiva” assinalável, pois que, apesar de justificarem com a distância que mediava entre a inquirição e a data dos factos (cerca de 8/10 anos), a circunstância de não se lembrarem de vários aspectos relativamente aos quais foram interrogados, recordaram, sem hesitação e de forma insistente o afirmaram, vários pormenores sobre os alegados pagamentos em cheque efectuados pelo Sr. José… aos Srs. A… e C…, tais como os montantes exactos dos cheques, a instituição bancária sacada ou a circunstância de um cheque ter sido endossado pelo Sr. José a favor de C…. Este conhecimento selectivo e pormenorizado, com total (e único) enfoque nos concretos factos relevantes para a tese sustentada pelo impugnante, levou o tribunal a desconsiderar tais depoimentos, por falta de credibilidade, não merecendo esse juízo qualquer censura.
Também a desconsideração do depoimento da testemunha José…, nos termos em que vem fundamentada na sentença recorrida, não nos merece censura. De realçar que a testemunha é pai do Impugnante, sendo evidente, aliás, um vincado interesse na defesa da tese do Recorrente, até por, alegadamente, ter sido a testemunha em causa a suportar as despesas que o Impugnante quer agora ver reconhecidas e consideradas para efeitos fiscais. O depoimento prestado revelou-se, ainda, pouco consistente, designadamente quanto aos meios de pagamento - o cheque destinado ao empreiteiro, Sr. M…, que a testemunha afirma ter utilizado no pagamento da obra mas que não foi exibido - ou quanto à explicação para o facto de o Recorrente não dispor das facturas/recibos respeitantes aos serviços prestados – segundo a testemunha, ou não pediram facturas/ recibos, já que não sabiam que era necessário, ou pediram mas os empreiteiros não tinham facturas disponíveis no momento e nunca as emitiram.
Em suma, face à audição da prova gravada, nenhuma razão se vê para alterar a apreciação crítica que sobre ela recaiu, não merecendo qualquer censura a conclusão extraída na sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, na parte em que aí se refere que os depoimentos não foram suficientemente credíveis para convencer o tribunal de que os montantes a que se reportam os documentos dos autos foram efectivamente suportados pelo impugnante em obras no prédio alienado e em causa nos presentes autos.
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Aqui chegados, importa deixar claro que está em causa a não aceitação, por parte da Administração Tributária, para efeitos de cálculo do valor de aquisição de imóvel construído pelo próprio sujeito passivo, de custos de construção, por os mesmos não terem sido considerados devidamente comprovados.
A sentença recorrida, ainda que sem autonomização na matéria de facto, deu como não provado que o Impugnante suportou efectivamente os custos em causa (concretamente, de 284.610$00, 8.600.000$00 e de 13.895.000$00) em obras no prédio alienado, entendendo que os custos em causa, em face dos documentos juntos, não estão devidamente comprovados – cfr. 5 da sentença recorrida.
Na conclusão 4 das alegações de recurso, o Recorrente insurge-se contra tal julgamento, defendendo que apresentou comprovativos de despesas de pagamentos feitas a empreiteiros que fizeram as obras no local no montante de € 113.723,97.
Vejamos.
Efectivamente, a prova documental junta aos autos – que o próprio impugnante, na p.i, reconhece ser ambígua - não permite que se dê como provada tal factualidade, como foi considerado na sentença sob recurso e como tentaremos demonstrar.
Vejamos os meios de prova apresentados relativamente a essa factualidade.
A prova de tais custos pretendeu o Impugnante fazê-la com a junção de três documentos, a saber (os mesmos a que se reporta a alínea g) da matéria de facto):
- cópia da venda a dinheiro emitida, em 10/03/98, pela “N…” a favor de “José…, Lda”, corrigida para “José…”, no montante de 284.610$00, na qual se faz menção diversas quantidades de vigas e tubos;
- declaração emitida por A..., datada de 26/8/97, em que se declara “que recebeu dos senhores Fernando… e José…, a quantia de 8.600.000$00 (oito milhões e seiscentos mil escudos) para pagamento do seu crédito relativo ao trabalho feito na obra à Rua…, São Pedro de Fins, Maia;
- cópia de um cheque datado de 30/8/1995, no montante de 13.895.000$00, daí constando como tomador José… e como sacador José A. F…., acompanhado por declaração datada de 2/8/1995, subscrita por Carlos…, na qualidade de gerente da sociedade “M…”, com o seguinte teor: “Declaro que recebi a quantia em cima mencionada pelo juste de um esqueleto obra no Porto e acabamentos de 2 vivendas conforme contrato que irá ser feito à Firma M…. Recebeu o sócio gerente C…. Por ser verdade vou assinar.”
Quanto ao custo no montante de 284.610$00, temos uma venda a dinheiro emitida pela N…, em 10/03/98, a qual, importa salientar, não se mostra sequer emitida em nome do impugnante, mas sim em nome de José…, Lda (tendo sido rasurado & Filhos, Lda, ficando José…). Para mais, do referido documento consta como local da descarga a morada do cliente que, no caso, é em Chaves, sendo certo que o local das obras foi a Maia.
Ora, pelas razões expostas, este documento não permite que se dê como provado que o Impugnante, ora Recorrente, pagou o montante de 284.610$00 relativo a material para incorporar na obra construída no seu terreno na Maia.
Quanto ao custo no valor de 8.600.000$00, a declaração emitida por A…, alegado empreiteiro, por si só, não é susceptível de comprovar aquele pagamento. Tal declaração – um documento particular - que nem se refere apenas ao Recorrente (mas também ao Sr. José…) e que nem identifica cabalmente o emitente (com nº fiscal ou sede), não concretiza minimamente os serviços prestados, sendo certo que a expressão “para pagamento do seu crédito relativo ao trabalho feito na obra à Rua…, São Pedro de Fins, Maia”, é de todo inócua para apurar em que consistiram os serviços prestados.
Esta declaração, desacompanhada de outros elementos, como por exemplo um recibo, um cheque, um documento de transferência bancária, um orçamento, não comprova devidamente que aquele valor corresponde a custos de construção incorridos pelo impugnante com respeito à obra efectuada na Maia.
Por último, quanto ao custo no montante de 13.895.000$00, dir-se-á que o cheque em causa, datado de 30/8/1995, do qual consta como tomador José… e como sacador José A. F. …, mesmo acompanhado da declaração de C… (alegadamente gerente da sociedade M…), não permite estabelecer o nexo causal entre os documentos em causa e as obras no prédio alienado.
Com efeito, não desconsidera o Tribunal que o Recorrente invocou que aquele cheque, do qual constava como tomador o seu pai, foi endossado e entregue ao C…. Porém, este endosso não se retira dos autos, muito menos que o mesmo teve como destinatária a sociedade M…, da qual o C… seria gerente.
Para mais, surge pouco credível uma declaração emitida em 2/08/95, na qual se afirma o recebimento de uma determinada quantia paga por um cheque datado de 30/08/95.
Por outro lado, a referida declaração menciona um “contrato que irá ser feito”, o qual não foi junto aos autos e que, a ser junto, podia contribuir para esclarecer o alegado pagamento. Refira-se, ainda, que a declaração em causa, sem concretizar razoavelmente os serviços prestados, se refere a obra no Porto e acabamentos de duas vivendas – lembre-se que o terreno vendido se situa na Maia.
Portanto, tal cheque e declaração, que nem identifica cabalmente o emitente (com nº fiscal, sede), desacompanhados de outros elementos, como por exemplo o recibo, a demonstração do endosso, o contrato a que alude a declaração, não permite que se dê como provado que o Impugnante, ora Recorrente, pagou o montante de 13.895.000$00 pela empreitada relativa ao terreno situado na Maia.
Pelo que fica dito, impõe-se concluir pela impossibilidade de formular um juízo com a certeza requerida para dar como assente que o Impugnante incorreu em custos de construção respeitantes à aquisição de material e execução de obras no seu terreno na Maia, nos valores de 284.610$00, 8.600.000$00 e de 13.895.000$00.
Assim, nenhuma censura há a fazer ao julgamento da matéria de facto, a qual não se afigura passível de alteração.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso 1 a 5, respeitantes ao alegado erro no julgamento da matéria de facto.
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2.2. De direito
Estabilizada a matéria de facto, importa, agora, aplicar o direito aos factos.
Em causa está uma liquidação adicional de IRS efectuada com base numa correcção aos rendimentos declarados, em 1998, pelo ora Recorrente, correcção essa resultante de mais-valias decorrentes da venda, em 1998, de um lote terreno para construção. Em concreto, o que o Recorrente questiona é a não consideração, por parte da Administração Tributária (e confirmada pelo Tribunal a quo), de determinados custos incorridos com a construção no dito lote de terreno, os quais, em seu entendimento, deveriam ser acrescidos ao valor de aquisição para efeitos do cálculo da mais-valia realizada.
Vejamos o quadro legal aplicável, fazendo apelo aos normativos na sua redacção à data dos factos.
Nos termos do disposto no artigo 10°, n° 1, al. a) do CIRS, constituem mais- valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
De acordo com o nº4, al. a) do mesmo preceito legal, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso.
Por seu turno, o artigo 44° do CIRS (actual 46º) estabelecia que:
1. No caso da alínea a) do n° 1 do artigo 10º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa.
2. Não havendo lugar à liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
3. O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele (sublinhado e negrito nossos).
4. Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n°1 e 2 deste artigo.
No caso vertente, pretendia o Impugnante, ora Recorrente, que o valor da aquisição (de € 84.651,76) fosse acrescido dos custos de construção em que alegadamente incorreu com a edificação no lote de terreno, num total de € 113.723,97, valor este que se decompõe nas seguintes três verbas:
- 284.610$00, relativos a compra de material à N…;
- 8.600.000$00, relativos a pagamento de empreitada a A…;
- 13.895.000$00, relativos a pagamento de empreitada à Construções M…, Lda.
Vimos já que, nos termos do disposto no artigo 44º, nº3 do CIRS (actual, 46º, nº3), o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados.
Como está bem de ver, a comprovação dos custos de construção, que o Recorrente pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74º, nº1 da LGT e 342º, nº1 do Código Civil).
De resto, em matéria de obrigação de comprovar os elementos das declarações estabelece o CIRS (anteriormente no artigo 119º e actualmente no artigo 128º) que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.
Ora, no caso, como referido, pretendeu o Recorrente fazer essa prova com apoio em documentos e, complementarmente, com recurso à prova testemunhal.
Vimos já atrás, quando apreciámos a decisão sobre a matéria de facto, as razões pelas quais se entendeu que o Impugnante não demonstrou os alegados custos de construção no lote de terreno na Maia. Remetemos, pois, para o que ficou dito como justificação para a sua não comprovação ou, como refere o artigo 46º, nº3 do CIRS, as razões pelas quais os mesmos não se podem considerar devidamente comprovados.
Assim, não logrando o Impugnante, ora Recorrente, demonstrar os custos de construção que pretendia ver acrescidos ao valor do terreno, para efeitos de cálculo do respectivo valor de aquisição, como, sublinhe-se, lhe competia, impõe-se concluir o que se segue: que bem andou a Administração Tributária quando os desconsiderou ao abrigo do artigo 46º, nº 3 do CIRS.
Assim, não enferma de qualquer ilegalidade a liquidação impugnada que, sujeitando a IRS - categoria G/ mais-valias - os rendimentos constituídos pelo ganho obtido em resultado da alienação onerosa, em 17/12/98, de um lote de terreno para construção urbana, tomou em consideração como valor de aquisição o montante de € 84.651,76, desconsiderando os alegados custos de construção, de € 113.723,97, por os mesmos não se mostrarem devidamente comprovados.
Tanto basta para concluir que a liquidação adicional sindicada é conforme à lei, devendo pois ser mantida.
Improcede, pois, a conclusão 6 das alegações de recurso, mantendo-se a sentença recorrida que, com acerto, julgou a impugnação judicial improcedente.
3 - DECISÃO
Termos em que, improcedendo todas as conclusões da alegação do Recorrente, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves