Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00371/12.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:IAPMEI; CONTRATO DE CONCESSÃO DE INCENTIVOS; CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO; SÓCIO GERENTE NÃO CONSTANTE DA FOLHA DE REMUNERAÇÕES DA EMPRESA; ARTIGO 28º, NºS 9 E 10, DO DESPACHO Nº 2676-A/2009, DE 20.01;
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO; PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL; ACTO INÚTIL; ARTIGO 130º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:1. Não padece de invalidade a decisão que preteriu a realização de audiência de julgamento se os factos articulados na petição inicial sobre os quais recaiu o requerimento de produção de prova testemunhal não poderiam conduzir a outra solução jurídica que não a sustentada pelo Tribunal a quo, mostrando-se neste caso o julgamento um acto inútil e, como tal, vedado por lei – artigo 130º do Código de Processo Civil.

2. A norma do artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, que obriga à indicação dos factos dados como não provados apenas se aplica à sentença proferida na sequência da realização de audiência de julgamento, como resulta da inserção sistemática da norma e da expressão utilizada no n.º 1 do mesmo preceito: “Encerrada a audiência final …”.

3. A lei e o contrato em apreço são muito precisos na sua formulação: se na execução não forem mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto, a consequência é a anulação da decisão de concessão do incentivo e a consequente devolução das verbas pagas - alíneas a), d) e l) da cláusula 8ª e alª a) do nº 1 da cláusula 12ª do contrato celebrado entre as partes e artigo 28º, nºs 9 e 10, do Despacho nº 2676-A/2009, de 20/01.

4. O que justifica a decisão de rescisão do contrato de concessão de incentivos celebrado com o IAPMEI no caso de se ter demonstrado que não se verificou a criação dos dois postos de trabalho, previstos na candidatura, sendo um dos “trabalhadores” indicados pela empresa beneficiária um sócio gerente que nunca figurou na folha de remunerações nem antes da candidatura nem até à conclusão do projecto.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.B.- C.T.P.,Lda
Recorrido 1:IAPMEI, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

C.B.- C.T.P.,Lda, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 14.11.2017, que julgou improcedente a presente acção administrativa especial que a Recorrente move contra IAPMEI, I.P. – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., absolvendo este do pedido de anulação do acto administrativo impugnado, deliberado pelo Conselho Directivo do IAPMEI de rescisão do contrato celebrado entre a Autora e o IAPMEI, ao abrigo do sistema de incentivos a projectos de modernização do comércio.

Invocou para tanto, em síntese, a nulidade da sentença recorrida por ausência de realização da audiência de julgamento; não inclusão dos factos alegados nos artigos 13º a 33º e 50º a 73º da petição inicial nos factos provados ou não provados; da sentença recorrida não constar o incumprimento do contrato celebrado entre as partes (omissão de pronúncia); contradição entre os fundamentos e a decisão, a deficiência da fundamentação do despacho que dispensou a realização da audiência de julgamento; a errada interpretação e aplicação do artigo 437º, nº 1, do Código Civil e a violação do princípio da proporcionalidade.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) A decisão judicial aqui em crise foi proferida sem a audição das testemunhas indicadas pela recorrente, isto é, em a realização de audiência de discussão e julgamento, pelo que, não teve a recorrente oportunidade de produzir prova quanto aos factos por si invocados - os pontos 13 a 33 e 50 a 73 da petição inicial afigura-se essencial para a descoberta da verdade material e apenas poderia ser provada por meio da prova testemunhal.

B) Consciente da importância dos factos por si elencados na petição inicial, e conforme requerimento de fls. dos autos, a recorrente solicitou a realização de julgamento e a inquirição das suas testemunhas, não obstante, entendeu ainda assim o tribunal que os elementos constantes do processo eram suficientes para decidir o mérito da causa (despacho de fls. tendo acabado por julgar a acção improcedente).

C) Estamos perante factualidade que apenas se poderia provar por prova testemunhal, até a ausência de prova documental nesta matéria junta aos autos, e que, a provar-se, determinaria a existência de uma causa justificativa do incumprimento ou, se quisermos, constituíram factos que consubstanciam uma irrefutável alteração anormal e posterior das circunstâncias;

D) Tendo a decisão sido proferida sem a inquirição das testemunhas arroladas para os factos referidos e acima houve erro de julgamento, por vício de violação de lei e de violação do princípio da proibição da indefesa, constitucionalmente consagrado, e como corolário do direito ao acesso ao direito e as tribunais estabelecido no art. 20º da CRP, e bem assim do princípio da tutela jurisdicional efectiva a que faz apelo o artigo 268º da CRP e até mesmo do direito à prova, tendo a sentença violado ainda, na interpretação e aplicação, o artigo 392º do CC;

E) Acresce que o despacho que dispensou a produção de prova não se mostra devidamente fundamentado uma vez que não permite perceber as razões pelas quais se verifica a "clara desnecessidade" da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação;

F) Ao não conhecer da alteração anormal e posterior das circunstâncias a sentença violou o disposto no art. 437º/1 do CC, na sua interpretação e na sua aplicação;

G) Depois, temos que a sentença não deu como provada, ou como não provada, a matéria factual alegada pela recorrente, designadamente a matéria factual constante dos artigos 13 a 33 da petição inicial onde alegou a recorrente ter criado dois postos de trabalho e ter 10 funcionários e não 9.

H) De igual forma, na douta sentença não se deu como provada, nem como não provada, a matéria factual constante dos artigos 50 a 73, onde alegou factos justificativos para a redução da rendibilidade bruta das vendas, desde logo factos que consubstanciam no seu conjunto uma alteração substancial das circunstâncias.

I) Para lá disso não se deu como provado que a recorrente tenha incumprido o contrato com o IAPMEI, se criou ou não 2 postos de trabalho e se as suas vendas brutas diminuíram ou não, nem se deu como provado que existiu justa causa para a resolução contratual operada pelo IAPMEI, sendo estas questões toda elas essenciais para a descoberta da verdade material e a essência do que aqui se discutia nos autos.

J) Estamos assim perante nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (al. d) do no 1 do artigo 615º) por não ter conhecido, não tendo dado como provados ou não provados, os factos constantes da petição inicial nos artigos 13 a 33 e 50 a 73, bem como por não ter dado como provado, ou não provado, um só qualquer incumprimento contratual da recorrente bem como pelo facto de não se ter dado como provado, ou não provado, o fundamento para justificar a resolução contratual operada pelo IAPMEI.

K) Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, sempre se dirá que incorreu a sentença na nulidade prevista na alínea b) nº 1 do artigo 615º do CPC dado que não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão.

L) Por outro lado sempre estaremos perante a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do mencionado artigo 615º - contradição entre os fundamentos e a decisão — dado que se a sentença não dá como provado que a recorrente incumpriu o contrato, se não existem factos que consubstanciem incumprimento na matéria de facto dada como provada, não poderia essa mesma sentença julgar como improcedente a acção.

M) Ainda, na sentença deram-se como provados 6 factos, no essencial, deu-se como provada a outorga do contrato entre o IAPMEI e a recorrente e a subsequente troca de correspondência entre as partes, tendo-se transcrito na matéria de facto dada como provada o teor de tais comunicações.

N) Em concreto, no ponto 3 da matéria de facto dada como provada consta que o IAPMEI remeteu à recorrente notificação a resolver o contrato (reproduzindo-se ali o teor da comunicação), no entanto, não se dá como provado que os factos constantes dessa comunicação sejam verdadeiros, nem se deu como provado que a recorrente tenha incumprido o contrato (Na sentença não se dá como provado se a recorrente tinha 9 ou 10 trabalhadores; Não se dá como provado que as receitas brutas das vendas da recorrente tenham efectivamente diminuído).

O) Por isso, e em face do sentido da decisão e para justificar e fundamentar tal sentido da decisão, tem de ser havida como insuficiente a materialidade acolhida, enquanto procedente/provada, o que aqui expressamente se invoca - deficiência/insuficiência ou ainda, imperfeição da matéria de facto ajuizada nos autos, a impor a intervenção do disposto no art. 662º nº 2 alínea c) do CPC, mandando ampliar a mesma.

P) Nestes termos e nos melhores de direito deve o invocado vício da sentença recorrida ser declarado nos termos e para os efeitos do art. 662º nº 2 alínea c) do CPC e ordenado ampliar a matéria de facto dos factos assentes.

Q) Ainda, o acto administrativo em causa enferma de uma anulabilidade por violação de lei na disciplina do art. 135º do Código de Procedimento Administrativo, sendo que, violou igualmente a sentença, na interpretação e aplicação, tal normativo legal.

R) Sendo que, violou ainda a decisão administrativa e a própria sentença, na interpretação e aplicação, o disposto no Despacho nº 2676-A/2009, de 20 de Janeiro (sistema de incentivos a projectos de modernização do comércio), artigo oitavo nº 1 alínea b) e artigo 34 nº 1 alínea a).

S) Acresce em todo o caso que deveriam ter sido dados como provados os factos 21, 24, 30 e 32 alegados na petição inicial, ou seja, deveria ter sido dado como provado que a recorrente no âmbito da execução do contrato com o IAPMEI criou dois postos de trabalho, sendo que, por tal factualidade não ter sido dada como provada a recorrente considera incorrectamente julgados tais pontos/factos, pois do processo constam todos os meios de prova que determinariam uma decisão distinta e a sua inclusão nos factos provados, designadamente as folhas de remuneração da segurança social a fls. contratos de trabalho fls. , certidão comercial fls. contrato e processo interno do IAPMEI a fls.

T) Violou ainda a decisão, na interpretação e aplicação, o disposto no Despacho n.º 2676-A/2009, de 20 de Janeiro (sistema de incentivos a projectos de modernização do comércio), artigo oitavo nº 1 alínea c) e artigo 34 nº 1 alínea a).

U) O grau de realização global do investimento foi de 97,55 e do investimento de 92,72%, tendo a Recorrente obtido a classificação total no critério A e a pontuação de 50% relativamente ao critério B — criação dos postos de trabalho, mas tal ficou apenas a dever-se às razões supra enunciadas, em que a Recorrente na pessoa da sua gerência se viu obrigada a que o gerente deixasse de auferir remuneração com o fim único de evitar mais despesa e bem assim acautelar a continuidade da actividade da empresa.

V) A recorrente aplicou todo o montante que recebeu do IAPMEI em obras e na empresa — conforme resulta de fls. do processo de avaliação do IAPMEI.

W) Nestes termos, não se mostra razoável à luz dos critérios da equidade e da justiça que devem pautar a actuação de toda a Administração que estando perante quando muito um incumprimento parcial, a Recorrente tenha de devolver a totalidade da quantia constante do acto ora impugnado, o que representa uma profunda injustiça até porque em termos efectivos a Recorrente deu cumprimento ao contrato;

X) Jamais à luz dos princípios básicos de um Estado de Direito se pode conceder que a diferença de um valor irrelevante num único item conduza à rescisão do contrato na sua totalidade, sendo que, por ter decidido em sentido contrário, a decisão viola o principio da proporcionalidade e o disposto no art. 5º do C.P.A..
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II –Matéria de facto.

1.A nulidade da sentença recorrida por ausência de realização de audiência de julgamento.

Alegou a Recorrente que: invocou nos pontos 13 a 33 da petição inicial que não obstante o gerente não constasse da listagem ou folhas de remuneração da segurança social entregues ao IPAMEI a verdade é que o mesmo prestava funções e era funcionário da Recorrente — gerência não remunerada; assim, das folhas de remuneração da segurança social constavam 9 trabalhadores; no entanto, alegou a Recorrente, com o gerente tinha 10 trabalhadores e não nove; o gerente apenas esteve sem remuneração durante alguns meses em virtude das dificuldades económicas da empresa; no entanto, ali permaneceu sempre a trabalhar apenas não auferindo salário — sendo certo que até seria reformado; invocou assim a Autora que tinha ao seu serviço 10 trabalhadores e, por via disso, o contrato não poderia ter sido resolvido pelo IAPMEI; esta matéria factual carecia de ser provada por via de prova testemunhal. Mais alegou a Autora, ora Recorrente, que nos artigos 50 a 73 da petição inicial invocou factos justificativos para a redução da rendibilidade bruta das vendas; factualidade que, a provar-se, determinaria a existência de uma causa justificativa do incumprimento ou, se quisermos, constituíram factos que consubstanciam uma irrefutável alteração anormal e posterior das circunstâncias; acontece que toda esta matéria não foi dada como provada na sentença, nem, diga-se, sequer foi dada como não provada; no fundo, tal como a matéria relativa à criação dos postos de trabalho, esta mesma matéria não foi sequer apreciada nestes autos; inexistiam documentos nos autos quanto a esta matéria da alteração superveniente das circunstâncias; assim, não foi permitido à Recorrente produzir prova testemunhal quanto a esta matéria; ora, não deveria a Recorrente ter visto ser-lhe recusada a possibilidade de demonstração dessa factualidade através da prova testemunhal oferecida, a factualidade supra referida inclui factos que, provados, demonstram que entre a data da celebração do contrato e a data em que terá incorrido em incumprimento ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias que justificam tal incumprimento ou que, pelo menos, permitem sustentar que não lhe seja imputável tal incumprimento; tendo a decisão sido proferida sem a inquirição das testemunhas arroladas para os factos referidos e acima houve erro de julgamento, por vício de violação de lei e de violação do princípio da proibição da indefesa, constitucionalmente consagrado, e como corolário do direito ao acesso ao direito e as tribunais estabelecido no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, e bem assim do princípio da tutela jurisdicional efectiva a que faz apelo o artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, e até mesmo do direito à prova; ocorre vício, agora de carácter procedimental, e com incidência no probatório, qual seja, a recusa da inquirição das testemunhas arroladas, o que, para além de violar o princípio constitucional da equidade, e até da igualdade de armas, bem como o princípio da proibição da indefesa - na medida em que acerca dessa recusa do tribunal "a quo" não foram ouvidos os recorrentes - há nulidade da decisão respeitante à matéria de facto, dado que essa irregularidade cometida, influi decisivamente no exame e decisão da causa.

Apreciemos.

Diz-se na decisão recorrida, a este propósito e de relevante:

“(…)

No que diz respeito aos fundamentos da rescisão do contrato celebrado, a Autora nunca demonstrou a criação dos dois postos de trabalho previstos em candidatura.

A criação líquida de postos de trabalho é calculada através da diferença entre os postos de trabalho existentes até ao final do ano de conclusão do projeto e o maior dos valores de postos de trabalho existente no final dos dois últimos anos anteriores ao da candidatura.

O final do ano de conclusão do projeto corresponde a Dezembro de 2010 e o final dos dois últimos anos anteriores ao da candidatura (em 11 de Março de 2009), correspondem a Dezembro de 2007 e Dezembro de 2008.

Sendo que, resulta que a informação constante do processo da empresa – declaração de remunerações da Segurança Social – permite constatar os seguintes valores: em Dezembro de 2007 – 8 trabalhadores; em Dezembro de 2008 – 7 trabalhadores e em Dezembro de 2010 – 9 trabalhadores.

No que respeita ao posto de trabalho do gerente, invocado pela Autora, importa esclarecer que o Sr. M.C.B., apenas consta do extrato de declaração de remunerações da Segurança Social, no ano de 2007 (Dezembro de 2007), não existindo qualquer referência ao seu nome a partir do ano de 2008.

Se o sócio gerente deixou de constar da declaração de remunerações da Segurança Social, a partir de 2008, ano anterior ao da data de candidatura (em 11 de Março de 2009), não faz sentido a argumentação apresentada pela Autora relativamente a esta pessoa ser considerada como trabalhador da empresa, com ou sem remuneração.

Não pode ser considerado como trabalhador uma pessoa que à data da candidatura não assumia essa qualidade, nem a veio a assumir até à data de conclusão do projeto, em Dezembro de 2010.

Pelo que, improcedem os argumentos apresentados, segundo os quais “a Autora cumpriu com o contratado com o IAPMEI uma vez que em termos efetivos verifica-se a criação de dois postos de trabalho adicionais num total de dez trabalhadores, dentro do prazo contratualmente estipulado para o efeito”.

O que na verdade se verificou foi a criação de apenas um posto de trabalho como se refere na Informação nº 674/2011: “O promotor enviou as folhas de remuneração da Segurança Social de Dezembro de 2010, onde apresentava 9 postos de trabalho, pelo que se considerou a criação de um dos dois postos de trabalho previstos”.

Ou seja, a resolução do contrato fundamentou-se no incumprimento do critério de criação do posto de trabalho, situação que colocou em causa os pressupostos de avaliação que deram origem à seleção do projeto, não se tratando de um mero lapso de natureza formal como afirma a Autora.

Existindo razões para afirmar que a Autora não cumpriu todas as obrigações a que se encontrava sujeita e que constam da cláusula Oitava do contrato.

Sendo que, o ato administrativo em causa não viola quaisquer normas jurídicas aplicáveis.

Quanto à “Redução da Rendabilidade Bruta das Vendas” resulta que o Sistema de Incentivos a Projetos de Modernização do Comércio (MODCOM), regulado pelo Anexo ao Despacho nº 2676-A/2009, de 19 de Janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 13, de 20 de Janeiro de 2009, prevê expressamente no seu artigo 28º que “Em sede de execução, devem ser mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à seleção do projeto nos termos dos nºs 2 e 3 do presente artigo” (nº 9) e “o não cumprimento do disposto no número anterior tem como consequência a anulação da decisão de concessão de incentivo e consequentemente devolução das verbas pagas, nos termos definidos no contrato de concessão do incentivo” (nº 10).

No mesmo diploma e na mesma norma refere-se relativamente aos pressupostos de avaliação do projeto que “os projetos são hierarquizados por região, com base na pontuação final obtida, e, em caso de igualdade, por ordem crescente de investimento elegível do projeto, sendo selecionados até ao limite orçamental da região” e “no âmbito do despacho que determina a abertura das fases de candidatura, pode ser definido um valor mínimo de pontuação final, abaixo do qual os projetos são considerados não selecionados, independentemente da dotação orçamental da fase” (nºs 3 e 4, do artigo 28º).

Ou seja, o diploma legal que cria e regulamenta o sistema de incentivos a que a Autora se candidatou faz depender a seleção dos projetos da pontuação final obtida nos investimentos elegíveis do projeto – os critérios de avaliação encontram-se previstos no artigo 8º, do Anexo ao Despacho nº 2676-A/2009 – sendo os projetos selecionados até ao limite orçamental da região.

O valor mínimo abaixo do qual os projetos são considerados não selecionados, para a Região Dão – Lafões (NUTE III) era de 43,08, na fase de candidatura a que a Autora se apresentou (4ª fase).

O valor obtido pela Autora considerando o montante de investimento elegível proposto em candidatura era de 43,99.

A pontuação final do projeto, com a redução da criação de postos de trabalho e do investimento elegível relativo a “rendabilidade bruta de vendas” (alínea c), do nº 1, do artigo 8º, do Despacho nº 2676-A/2009), passou a ser de 33,87.

A Autora não desconhecia as consequências da sua atuação, uma vez que a própria lei que regulamenta este sistema de incentivos previa (artigo 28º) que a não manutenção, em sede de execução, dos pressupostos de avaliação que deram origem à seleção do projeto, tinha como consequência a anulação da decisão de concessão do incentivo e a consequente devolução das verbas pagas.

Como bem defende a Entidade demandada, se foi selecionado o projeto da autora com base em determinado pressuposto (valores de rendabilidade bruta) e este não se manteve, em sede de execução, a consequência lógica deste comportamento é ser-lhe imposta a penalização legalmente prevista. Se assim não fosse as empresas podiam, sem quaisquer consequências, inflacionar os montantes de rendabilidade bruta com o objetivo de obter uma pontuação necessária para serem selecionadas e, após a aprovação do projeto, não se preocuparem com os objetivos do investimento, sem que este comportamento fosse sancionado.

Ora, a redução produzida na rubrica em questão implica o preenchimento do nº 9, do artigo 28º, do Despacho nº 2676-A/2009 – “em sede de execução, devem ser mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à seleção do projeto”.

Pelo que, haveria sempre lugar, nestas circunstâncias, à aplicação da previsão do nº 10, do artigo 28º, do Despacho nº 2676-A/2009.

E consequentemente, por remissão do nº 10, do artigo 28º, para as cláusulas do contrato que dizem respeito às obrigações do promotor e que se encontram incumpridas por efeito desta redução efetuada no investimento elegível.

Não sendo tal comportamento sanável através da invocação decréscimo do consumo privado (artigo 51º), do pedido de ajuda externa de Portugal (artigo 53º), ou da crise nacional e mundial que afeta a economia (artigos 52º e 54º) como a Autora pretende, uma vez que se trata de normas imperativas cuja aplicação não pode ser afastada por convenção das partes.

E como a Autora tão bem conhece e diz na sua petição existe um facto (“redução da rendabilidade bruta das vendas”) que implica necessariamente, nos termos da lei e do contrato celebrado, o desencadear do processo de rescisão, não lhe assistindo qualquer razão.

Perante a lei aplicável a esta situação concreta (nºs 9 e 10, do artigo 28º, do Despacho nº 2676-A/2009), as cláusulas contratuais que esta lei manda aplicar (alíneas a), d) e l), da cláusula Oitava) e o facto gerador desta situação (“redução da rendabilidade bruta das vendas”), a decisão tomada não poderia ser outra.»

Há duas afirmações na decisão recorrida, resultantes de factos documentados, que permitem só por si a decisão, de declarar válida e rescisão do contrato pelo IAPMEI, e que não poderiam ser afastados por qualquer outra prova, não documental.

Se o sócio gerente deixou de constar da declaração de remunerações da Segurança Social, a partir de 2008, ano anterior ao da data de candidatura (em 11 de Março de 2009), não faz sentido a argumentação apresentada pela Autora relativamente a esta pessoa ser considerada como trabalhador da empresa, com ou sem remuneração.

E:

Não pode ser considerado como trabalhador uma pessoa que à data da candidatura não assumia essa qualidade, nem a veio a assumir até à data de conclusão do projeto, em Dezembro de 2010.

Na verdade, a situação de dificuldade económica comprova-se documentalmente, pela escrituração da empresa que se presume ser verdadeira.

Não foi certamente uma situação de dificuldade económica posterior à candidatura que determinou a situação de um dos sócios da empresa ter de exercer as funções de gestor não remunerado, segundo alega a Autora.

Porque, como está documentado pela declaração de remunerações da Segurança Social – que se pressupõe verdadeira -, essa situação existia antes da candidatura e continuou a existir até à conclusão do projecto.

Seria, portanto, uma inutilidade produzir prova testemunhal dos factos alegados pela Autora, já que tais factos em si mesmos, mesmo que provados, não poderiam conduzir a outra solução jurídica que não a sustentada pelo Tribunal a quo. Seria pura perda de tempo e de esforços enveredar pela realização de audiência de julgamento.

Ora, a lei proíbe os actos inúteis – artigo 130º do Código de Processo Civil de 2013.

Pelo que foi acertada a decisão de não realizar audiência de julgamento.

2. A deficiência da fundamentação do despacho que fundamentou a dispensa da realização da fase de produção de prova.

Esta alegação cai por base quando atendemos a que a sentença tem suficiente, clara e precisa fundamentação quanto à dispensa de prova não documental. Ainda que não seja suficiente no despacho de dispensa de prova, mostra-se suficiente na fundamentação de direito da sentença. E tanto basta para que tal dispensa exista e seja perceptível pelas partes e por quem lê a sentença, pelo que não se verifica a deficiência alegada.

Ainda que fosse deficiente a fundamentação, tal seria irrelevante porque, pelo que se expôs, se mostra acertada a decisão de dispensar mais produção de prova.

Pelo que tal irregularidade, a existir, não teria qualquer influência na discussão e decisão da causa, sendo irrelevante – artigo 195º, n.º2.parte final, do Código de Processo Civil.

Improcede, também aqui o recurso.

3. A não inclusão dos factos alegados nos artigos 13º a 33º e 50º a 73º da petição inicial nos factos provados ou não provados.

Já se expôs os fundamentos para concluir pela inutilidade de se produzir prova sobre estes factos que foram impugnados pelo Réu na contestação e, logo, a inutilidade destes factos em si mesmos.

Por outro lado, a norma do artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil de 2013 que implica a indicação dos factos dados como não provados apenas se aplica à sentença proferida na sequência da realização de audiência de julgamento, como resulta da inserção sistemática da norma e da expressão utilizada no n.º 1 do mesmo preceito: “Encerrada a audiência final …”.

Sucede que a audiência que foi dispensada no caso em apreço.

Em todo o caso, ainda que se fosse obrigatório, pela aplicação desta norma, indicar aqueles factos como não provados, tal irregularidade seria no caso irrelevante, pois nenhuma repercussão teria essa deficiência no exame ou decisão da causa.

Conclui-se que no caso concreto, a sentença só tinha que indicar os factos provados, de acordo com a solução jurídica por que se enveredou.

Também nesta parte se mostra improcedente o recurso.

4. O incumprimento do contrato; matéria de facto; omissão de pronúncia - artigo 615º nº 1 alª d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.

Sobre o Réu incide o ónus de alegação e prova do incumprimento contratual e sobre a Autora o ónus de alegação e prova da alteração das circunstâncias.

Sucede que a Autora confessou logo na petição inicial o dito incumprimento, que tentou justificar com a alteração das circunstâncias.

Esse incumprimento, porque fundamental para o exame e decisão da causa, tem que ser levado à matéria factual dada como provada, o que não sucedeu na decisão recorrida, pelo que se acrescenta agora à matéria factual indicada pela 1ª Instância os factos 7º a 12º, provados por documentos juntos ao processo administrativo e que foram usados na fundamentação de direito.

Assim se suprindo não uma nulidade mas a insuficiência da decisão quanto á matéria de facto provada, nesta parte.

5. A nulidade por verificação de contradição entre os fundamentos e a decisão – artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Não tem razão a Recorrente, já que os factos agora a acrescentar foram os usados para se chegar à solução jurídica na sentença prolatada pela 1ª instância, conforme já supra referido, pelo que o silogismo judiciário foi observado.
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Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

1) Em Dezembro de 2008 a Autora apresentou junto do IAPMEI um projeto de Incentivo para a realização de melhoramentos ao nível das instalações, sistema informático e aquisição de mobiliário de exposição e reclamo luminoso – cfr. processo administrativo.

2) O contrato MODCOM – Acção A n.º 2009/102710, foi outorgado no dia 04.09.2009 – cfr. processo administrativo.

3) Da notificação efectuada pelo IAPMEI à Autora em 30.11.2011 e recebida pela empresa em 2 de Dezembro de 2011, consta o seguinte:

“ Comunicamos que por decisão do Conselho Directivo do IAPMEI, em 22 de Setembro de 2011, foi rescindido o contrato celebrado entre a vossa empresa e o IAPMEI ao abrigo do Sistema de Incentivos a Projectos de Modernização do Comércio – Despacho n.º 2676A/2009, de 20 de Janeiro.

Tal rescisão deve como fundamento o seguinte: “não foi cumprido o disposto na alínea l) da cláusula oitava do contrato de concessão de incentivos, nomeadamente em sede de execução, devem ser mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto”.

Nos termos doas alíneas a), d) e l), da cláusula Oitava, o promotor obriga-se a “executar o projecto de investimento nos termos e prazos aprovados” a “comunicar ao IAPMEI qualquer alteração ou ocorrência que possa por em causa os pressupostos relativos à aprovação do projecto, bem como a sua realização pontual” e deve “manter em sede de execução os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto”.

Assim, o não cumprimento destas obrigações contratuais por parte do promotor indicado e consequentemente, a violação da sua estatuição, implica a reunião dos requisitos, contratualmente exigidos, para rescisão do contrato celebrado, nos termos da alínea a), do n.º 1 da Cláusula Décima Segunda.

O disposto no n.º 1 da Cláusula Décima Segunda do contrato celebrado, confere ao IAPMEI, neste sistema de incentivos, a faculdade de resolver unilateralmente estes contratos.

A rescisão do presente contrato implica a restituição do incentivo pago à empresa, no montante de 21.924,62€, acrescido dos juros contratualmente devidos, no valor de 1.235,25€, o que perfaz a a quantia total de 23.159,87€”.
– cfr. documento 1 junto com a contestação.

4) A empresa Autora veio, em 02.02.2012, "requerer a V. Exas. a reversão da decisão de Rescisão do Contrato MODCOM outorgado entre o IAPMEI e esta empresa" – cfr. documento n° 2 junto com a contestação.

5) Em 16.04.2012, o IAPMEI notificou a empresa da decisão tomada relativa à reclamação apresentada, tendo a Autora tomado conhecimento desta comunicação em 17.04.2012, com o seguinte teor:

“Na reclamação apresentada a empresa admite todos os incumprimentos que lhe são atribuídos – execução do projecto nas componentes previstas no critério B e C – mas justifica estes desvios com o “ambiente económico em que se desenvolve a implementação e o período de comprovação das metas deste projecto”.

Embora o IAPMEI não desconheça a realidade económica em que as empresas concretizam os seus projectos, não estamos propriamente perante uma situação em que se verifica alteração das circunstâncias (artigo 437.º do Código Civil), nem em situações semelhantes (no MODCOM), o Instituto considerou como justificação para este tipo de incumprimentos, a realidade económica e financeira actual do país. Por estas razões – não existe nenhum argumento válido que permita justificar a não concretização dos postos de trabalho previstos, a redução da rendibilidade brutas das vendas e a conjuntura económica não é, neste caso concreto, um facto justificativo para a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar - este Instituto decidiu manter a rescisão do contrato, já comunicada à empresa, em 30/11/2011 e, a consequente reposição do incentivo recebido (23.159,87 €)."
cfr. documento n° 3 junto com a contestação.

6) A Autora foi notificada a 10.01.2011 da intenção de resolução do contrato – cfr. documento 4 junto com a contestação.

7) O final do ano de conclusão do projecto corresponde a Dezembro de 2010 e o final dos dois últimos anos anteriores ao da candidatura (em 11 de Março de 2009), correspondem a Dezembro de 2007 e Dezembro de 2008.

8) A informação constante do processo da empresa – declaração de remunerações da Segurança Social – indica os seguintes valores: Em Dezembro de 2007 – 8 trabalhadores; em Dezembro de 2008 – 7 trabalhadores e em Dezembro de 2010 – 9 trabalhadores.

9) No que respeita ao posto de trabalho de gerente, apenas consta do extracto de declaração de remunerações da Segurança Social, no ano de 2007 (Dezembro de 2007), não existindo qualquer referência ao seu nome a partir do ano de 2008 até, pelo menos, 2011.

10) O valor mínimo abaixo do qual os projectos são considerados não selecionados, para a Região Dão – Lafões (Nute III) era de 43,08 na fase de candidatura a que a Autora se apresentou (4ª fase).

11) O valor obtido pela Autora considerando o montante de investimento elegível proposto em candidatura era de 43,99.

12) A pontuação final do projecto, com a redução da criação de postos de trabalho e do investimento elegível relativo a “rendabilidade bruta de rendas”, passou a ser de 33,87.
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III - Enquadramento jurídico. A violação do disposto no artigo 437º, nº 1, do Código Civil, na sua interpretação e aplicação.

Mostra-se acertada, em nosso entender, a posição sufragada pelo Tribunal a quo sendo sólida a fundamentação que a sustenta, pelo que se torna forçoso concluir, como concluímos, que a sentença recorrida não viola, por erro de interpretação e aplicação, antes respeita, o disposto no artigo 437º, nº 1, do Código Civil.

O acto impugnado viola o princípio da proporcionalidade – artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo.

Quanto à alegada falta de proporcionalidade no acto impugnado, não procede.

Existe uma proporção adequada entre o fim que se pretendia atingir, penalizar a empresa pelo incumprimento do contrato com base no qual recebeu fundos púbicos, e o meio utilizado, de resto o que está previsto na lei, a rescisão do contrato.

Sendo que, em todo o caso, em iguais circunstâncias - projectos sem manutenção na execução dos pressupostos de avaliação e de aceitação da candidatura - o IAPMEI procedeu de igual forma.

O IAPMEI face aos factos e às regras legais e contratuais previstas não tinha qualquer alternativa que não fosse tomar a decisão de rescisão do contrato.

A lei e o contrato são muito precisos na sua formulação: se na execução não forem mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto, a consequência é a anulação da decisão de concessão do incentivo e a consequente devolução das verbas pagas - alíneas a), d) e l) da cláusula 8ª e alª a) do nº 1 da cláusula 12ª do contrato celebrado entre as partes e artigo 28º, nºs 9 e 10, do Despacho nº 2676-A/2009, de 20.01.

E neste sentido, na decisão tomada, no seu conteúdo ou objecto, existe total correspondência ente a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta e sobre a qual a Administração agiu.

O IAPMEI não agiu contra a lei, mas antes em respeito estrito pelas normas que fixam o interesse público a prosseguir e as condutas a observar.

Conclui-se que não foi violado o princípio da proporcionalidade.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida e com ela o acto impugnado.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 31.01.2020

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco