Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01425/10.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AVALIAÇÃO DIRECTA VS INDIRECTA
Sumário:I - Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
II – Sendo apurada a matéria tributável por métodos directos, através de correcções técnicas, cabe ao contribuinte fazer prova dos custos que alega/do IVA que suportou e que pretenderia ver considerados como componente negativa do lucro tributável por via da correcção dos proveitos.
III – Não tendo sido efectuada esta prova, nenhuma influência é exercida no quantum de IVA suportado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Empreendimentos Turísticos..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

Empreendimentos Turísticos ..., Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Santo Tirso, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 30/05/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra as liquidações adicionais de IVA de 2003 a 2007 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €173.139,12, bem como as decisões de indeferimento da respectiva reclamação graciosa e a que negou provimento ao recurso hierárquico.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 1425/10.9BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente o pedido formulado pelo Sujeito passivo, que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação adicional de IVA relativos aos vários períodos de tributação de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.
B) A.F. na determinação da matéria tributável, para os exercícios de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, trabalha por amostragem, baseando as suas estimativas nos indícios recolhidos de elementos do sistema informático da alegante (não sublinhe-se não são parte integrante da contabilidade), sem analisar todos os dados relativos a todas as transmissões processadas nos exercícios em exame, introduzindo assim, uma lógica de extrapolação ou estatística.
C) Os elementos em que A.F. fundou as correcções à matéria tributável, e com base nos quais o tribunal a quo pretendeu fundamentar a decisão posta em crise não permitem a sua quantificação directa e exacta, ou seja, por via da avaliação directa.
D) O itinerário intelectivo do autor do acto tributário, desenvolve-se no campo do procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável, subsumível na hipótese da alínea b), do art. 87º da LGT, com concretização expressa no art. 88º do mesmo diploma, já que, em face das correcções efectuadas, a contabilidade da Recorrente (cuja análise, se cingiu ao exame de alguns documentos), se revelou insuficiente e com irregularidades.
E) Durante a acção de inspecção tributária, a A.F., a partir de elementos esparsos da contabilidade da Recorrente, carreou para o procedimento um conjunto de indícios, e presunções, descritos no relatório de fundamentação, os quais indiciam que a contabilidade apresenta irregularidades e insuficiências para possibilitar a quantificação directa e exacta da matéria tributável dos exercícios de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.
F) Emergindo essa impossibilidade da verificação de anomalias e incorrecções tipificadas no art. 88º da LGT, designadamente: i) a inexistência e insuficiência dos elementos de escrituração mercantil da Recorrente; ii) a manifesta discrepância entre o volume de vendas declarados pela Recorrente, com as vendas de negócios apurado pela A.F.; iii) a existência de factos concretos que permitiram à A.F., concluir que a Recorrente, revelou nos exercícios em exame uma capacidade contributiva, significativamente superior à que efectivamente declarou.
G) À luz do art. 87º da LGT, a detecção de tais anomalias, impõem o recurso à avaliação indirecta inviabilizando a simples correcção técnica, dado que, ao postergar esta obrigação, a A.F.: i) impediu que o contribuinte recorresse ao procedimento de revisão; ii) impediu o escrutínio da decisão por Perito independente; iii) impediu a suspensão automática do processo executivo no caso de coincidência entre o Laudo do Perito independente e do contribuinte; iv) impediu que – mesmo a ser verdade a tese da “omissão dos proveitos” – o contribuinte considerasse os custos da sua actividade.
H) Ao incumprir esta verdadeira “obrigação de procedimento”, a A.F. violou a lei, e preteriu uma formalidade legal, que por integrar meios de tutela dos interesses do contribuinte, é rotulado como “formalidade essencial”.
I) Dito de outro modo: atendendo a que na óptica da A.F., o valor total das vendas efectuadas é superior ao valor das vendas contabilizadas pela Alegante, no montante de € 1.050.333,80, também e correlativamente, o valor dos custos, seria superior, face ao valor efectivamente contabilizado, embora na devida proporção.
J) Assim, se por força das correcções efectuadas pela A.F., como se logrou demonstrar nos Autos, o valor das vendas sofreu um acréscimo de € 1.050.333,80, pela mesma ordem de razões, também o valor contabilizado nos custos/IVA suportado deveria ter sofrido um aumento proporcional.
K) Agindo de forma inversa, a A.F., caiu no intolerável erro de na determinação da base tributável de IVA apenas considerar o IVA liquidado de cada um dos exercícios em exame, sem ponderar o IVA suportado apuradas para os mesmos anos económicos, contrariando as mais elementares regras de determinação do lucro tributável para efeito de IRC, com expressão legal nos arts. 17º, 20º e 23º do CIRC, com reflexos ao nível da determinação de IVA, por referência ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços.
L) Salvo o devido respeito, a Sentença a quo, incorre em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, com a consequente errada aplicação do direito.
M) Devendo em consequência reapreciar-se a prova testemunhal produzida em sede de Audiência Contraditória, consignada em acta e relativamente aos depoimentos das testemunhas A…, P…, D… e J…, constate de registo áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
N) A sentença em recurso violou, entre outros, os artigos 87º e 88º da LGT e 90º do CIVA
Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!
Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 357/362 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas se resumem como segue:
i) Se a sentença incorreu em erro de julgamento na decisão da matéria de facto ao não fazer constar do probatório que os meses em que a base informática de dados assinala maior volume de facturação correspondem àqueles em que a impugnante regista menor volume de transacções;
ii) Se o método de que a Administração Tributária se serviu na quantificação da obrigação de imposto impunha o recurso ao procedimento de avaliação indirecta, incorrendo a sentença em erro de julgamento ao decidir diferentemente;
iii) Se, tendo a Administração Tributária considerado que o valor efectivo das vendas era superior ao declarado, lhe se impunha considerar na quantificação da obrigação tributária o acréscimo de custos necessários à geração daquela diferença de proveitos, com influência no quantum de IVA suportado.



III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Com interesse para a decisão da causa, foi considerada provada a seguinte factualidade em 1.ª instância:
“(…)

A) A impugnante foi sujeita à acção inspectiva ao exercício de 2003 constante do relatório de inspecção tributária (RIT) de fls. 59 a 68 do processo de reclamação graciosa (PRG) apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B) A impugnante foi ainda sujeita à acção inspectiva aos exercícios de 2004 a 2007 constante do relatório de inspecção tributária (RIT) de fls. 41 a 55 do PRG apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

C) Com base nas conclusões dos RIT referidos em A) e B), cujo teor aqui se dá por reproduzido, a administração tributária considerou que a impugnante omitiu à contabilidade serviços prestados nos valores aí discriminados, não tendo declarado o IVA correspondente, tendo-se apurado os seguintes valores de vendas omitidas e IVA em falta, nos terceiro e quarto trimestres de 2003, nos quatro trimestres de 2004 a 2006 e nos primeiro e segundo trimestres de 2007:

Ano de 2003 – Apuramento de IVA em falta
Período
Vendas omitidas
Taxa
IVA em falta
3.º T
€24.057,49
12%
€2.886,90
4.º T
€80.250,26
12%
€9.630,03
Total
€104.307,75
12%
€12.516,93
Ano de 2004 – Apuramento de IVA em falta
Período
Vendas omitidas
Taxa
IVA em falta
1.º T
€45.544,19
12%
€5.585,30
2.º T
€73.064,12
12%
€8.767,69
3.º T
€58.927,64
12%
€7.071,32
4.º T
€88.916,05
12%
€10.669,93
Total
€267.452,00
12%
€32.094,24
Ano de 2005 – Apuramento de IVA em falta
Período
Vendas omitidas
Taxa
IVA em falta
1.º T
€61.246,92
12%
€7.349,63
2.º T
€55.888,12
12%
€6.706,57
3.º T
€46.436,37
12%
€5.572,36
4.º T
€10.546,94
12%
€1.256,63
Total
€174.118,35
12%
€20.894,20
Ano de 2006 – Apuramento de IVA em falta
Período
Vendas omitidas
Taxa
IVA em falta
1.º T
€40.168,97
12%
€4.820,28
2.º T
€24.796,02
12%
€2.975,52
3.º T
€160.169,48
12%
€19.220,34
4.º T
€279.321,24
12%
€33.518,55
Total
€504,455,71
12%
€60.534,69
Ano de 2007 – Apuramento de IVA em falta
Período
Vendas omitidas
Taxa
IVA em falta
1.º T
€54.135,09
12%
€6.496,21
2.º T
€76.099,90
12%
€9.131,99
Total
€130.234,99
12%
€32.094,24

D) Estas conclusões determinaram a realização de correcções do IVA de natureza meramente aritmética por apuramento do imposto em falta no valor de €32.094,24, €20.894,20, €60.534,69 e €15.628,20, nos exercícios de 2003, terceiro e quarto trimestres, 2004, 2005, 2006 e 2007, primeiro e segundo trimestres, respectivamente (fls. 41, 42, 59 e 60 do PRG).

E) Estas correcções deram origem às liquidações adicionais impugnadas de IVA e juros compensatórios discriminadas no artigo 1.º da petição inicial e a fls. 80 e 81 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Com relevância para a decisão da causa, não existe matéria de facto julgada não provada.

3.1.1 – Motivação.

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada do RIT e demais documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.

O tribunal relevou ainda os depoimentos das testemunhas J… e P…, inspectores tributários que com depoimentos isentos, coerentes e credíveis descreveram a realização das acções inspectivas e a recolha do suporte informático da contabilidade da impugnante, bem como a sua análise, reiterando as diligências e conclusões descritas nos RIT.

A restante matéria de facto alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, motivo pelo qual não foram julgadas provadas ou não provadas, conforme melhor resultará da motivação da fundamentação de direito. Apesar da impugnante ter arrolado testemunhas e ter inquirido aos artigos identificados na acta da audiência contraditória, a impugnante não invocou factos concretos susceptíveis de prova, alegou matéria conclusiva, como melhor resultará da fundamentação de direito.”

2. O Direito

A Recorrente assaca à sentença erro na decisão da matéria de facto.
Pretende a Recorrente que este tribunal proceda à reapreciação da prova testemunhal, uma vez que, a seu ver, os depoimentos das testemunhas, cujos segmentos relevantes transcreve nas alegações, são de modo a evidenciar a falta de aderência dos dados registados informaticamente no seu “software” de facturação à sua realidade económica, nomeadamente, no que aos serviços prestados respeita. E perante essa evidência, nenhuma conclusão se podia retirar quanto à omissão de vendas com base nesses dados, a não ser por inferência, que foi o que a Administração Tributária fez.
Ouvida a gravação da diligência de inquirição, é certo que as testemunhas – A…, P… e D…– referem menor movimento, ou volume de transacções do estabelecimento comercial nos meses de Verão, sendo que a base informática de dados reflecte precisamente um maior volume de facturação reportado a esses meses.
Como já se decidiu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 26/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 513/10.6BEPNF, referente à mesma Recorrente:
“(…) Todavia, o depoimento das testemunhas não se revela suficientemente convincente, sobretudo o argumento transversal de que “o pessoal ia para férias”, pois de acordo com as regras da experiência comum, de que o tribunal não se pode alijar na valoração da prova, sabe-se que tal período corresponde àquele em que não só os emigrantes, como também gente da terra a viver noutras paragens, regressa para férias e gera movimento e animação em largos sectores da actividade económica local (Santo Tirso), incluindo a restauração.
Ou seja, à falta de melhor prova, tais depoimentos não são suficientemente convincentes para dar como assente o facto material de que nos meses de Verão, ou durante a época balnear, o estabelecimento da Impugnante/Recorrente regista menos movimento e menor número de transacções, ao contrário do que evidencia a sua base informática de dados, a que recorreu a Administração tributária. (…)”

Pelo que não se verifica o apontado erro de julgamento na decisão da matéria de facto, sendo de manter o probatório da sentença nos termos em que foi fixado.

Sustenta, ainda, a Recorrente que o método de que a Administração Tributária se serviu para quantificar a obrigação de imposto impunha-lhe a abertura do procedimento de avaliação indirecta.
Dispõe o n.º 1 do artigo 81.º da Lei Geral Tributária (LGT) que «A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».
Por outro lado, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT que “A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa”.
A subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radicam no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) – cf. Acórdão do STA, de 12/10/2011, proferido no âmbito do processo n.º 524/11.
O artigo 87.º, n.º 1 da LGT consagra os casos em que pode ter lugar a avaliação indirecta, dispondo que a mesma só pode efectuar-se, nos termos da sua alínea b) e, entre outras hipóteses que para o caso não relevam, perante a constatação da “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.
Mais uma vez, esta questão já foi decidida no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 26/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 513/10.6BEPNF, cujo teor, por pertinente, se passa a transcrever parcialmente:
«(…) No caso vertente e de acordo com o que resulta do probatório é que em acção inspectiva constatou a Administração tributária, partindo dos elementos constantes da base de dados do sistema informático (“software” de facturação) do próprio sujeito passivo, ora Recorrente, a existência de facturas/recibos não lançadas como proveito na contabilidade.
Ou seja, temos que a Recorrente não lançou na contabilidade, nem declarou, como devia, os valores por si apurados no período em causa, no que aos proveitos respeita.
A desconsideração de valores, decorrentes de prestações de serviços reflectidos no “software” de facturação do próprio sujeito passivo e aí perfeitamente identificados (cf. pontos III.1 – Restaurante e III.2 – Discoteca do relatório de inspecção tributária a fls.40 do apenso instrutor), determina que os mesmos não possam deixar de se reflectir positivamente na determinação da respectiva matéria tributável.
Foi nesta linha de raciocínio que a sentença decidiu, tendo deixado consignado o seguinte: “A AT apurou as diferenças entre o valor dos proveitos relevados na contabilidade, obtido através da análise das bases tributáveis declaradas para efeitos do IVA, e o valor dos proveitos obtidos, constante nos registos auxiliares utilizados para a emissão das facturas/recibos, ou sejam, as bases de dados do sistema informático; procedendo deste modo a uma rectificação do resultado líquido que, veio a ter repercussões nos resultados fiscais”.
No caso em apreciação, a recuperação dos valores de facturação constantes do “software” informático do contribuinte reintegrando-os na contabilidade, em proveitos, basta-se com o recurso a meras correcções técnicas, por via das quais tais operações serão relevadas.
Com efeito, no caso, e com base em dados recolhidos junto da própria Recorrente, foi possível autonomizar e delimitar os factos, as operações em causa. Assim sendo, o apuramento da matéria colectável não podia deixar de fazer-se, com base na contabilidade do contribuinte, procedendo-se à relevação de tais operações não contabilizadas, nem declaradas.
Daquilo que se trata é, pois (e ainda), de lançar mão da avaliação directa da matéria tributável, método a que o legislador deu clara preferência no nosso sistema tributário.
Como se salienta no Acórdão do TCA Sul, de 13/03/2014, proferido no proc.º06854/13, “Em bom rigor, não é a verificação de toda e qualquer anomalia na contabilidade que determina, por si só, a aplicação de métodos indirectos. Decisivo, para tal efeito, é que as anomalias e incorrecções detectadas obstaculizem o apuramento directo da matéria tributável, surgindo o recurso à avaliação indirecta como um meio de natureza restrita e excepcional”.
No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão deste TCA Norte, de 18/11/10 proferido no proc.º00144/02.TFPRT12, em que se deixou relevantemente consignado: “porque viável se mostra a determinação da matéria tributável de forma directa, seria manifestamente ilegítimo o recurso a métodos indirectos (na terminologia legal anterior, métodos indiciários) para efectivar tal determinação, atento o carácter subsidiário destes últimos que resulta, claramente, da norma do artigo 51º, nº 2 do CIRC na redacção aqui aplicável e dos artigos 81º e 85º, nº 1 da LGT (sublinhe-se que isto mesmo também já resultava do disposto no artigo 81º do CPT)”.
Não se verificando os pressupostos para a utilização de métodos indirectos, a determinação da matéria tributável faz-se de acordo com as regras próprias do imposto em causa, levando a que os valores em falta sejam corrigidos através de correcções técnicas.
Foi o que sucedeu no caso em análise, pelo que, tendo a sentença decidido no mesmo sentido, fê-lo de acordo com a lei, não incorrendo no apontado erro de julgamento. (…)»

Defende, por último, a Recorrente que, tendo a Administração Tributária recuperado para a contabilidade os valores de facturação reflectidos no seu “software” informático, se lhe impunha também a consideração dos custos necessários para a obtenção daquela diferença de proveitos (contabilizada e recuperada para a contabilidade por via de correcção). Agindo de forma inversa, a Administração Tributária caiu no intolerável erro de na determinação da base tributável de IVA apenas considerar o IVA liquidado de cada um dos exercícios em exame, sem ponderar o IVA suportado, apurado para os mesmos anos económicos, contrariando as mais elementares regras de determinação do lucro tributável para efeito de IRC, com expressão legal nos artigos 17.º, 20.º e 23.º do Código de IRC, com reflexos ao nível da determinação de IVA, por referência ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços.
Mas não lhe assiste razão.
Como vimos, situamo-nos no domínio das correcções técnicas, pelo que a Administração Tributária não tem de presumir quaisquer custos associados a valores facturados que não tinham sido levados a proveitos na contabilidade.
Era o contribuinte (ou seja, a Recorrente) que tinha de fazer prova dos custos que alega e que pretenderia ver considerados como componente negativa do lucro tributável por via da correcção dos proveitos.
Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC que “a matéria colectável é, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte…”. E tais declarações gozam da presunção de veracidade decorrente do disposto no artigo 75.º da LGT.
Se o contribuinte, afinal, incorreu em custos com compras (matéria-prima e fornecimento de serviços externos ou suportou IVA na aquisição de matéria-prima) que não declarou nem reflectiu na contabilidade, a si incumbe fazer, nos termos gerais de direito (cf. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 341.º e 342.º, n.º 1 do Código Civil), prova desses custos que pretende ver deduzidos ou reflectidos como componente negativa do lucro tributável, nomeadamente, juntando aos autos a documentação relativa a tais despesas (v.g., facturas de compras).
Nesta linha se decidiu no referido Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 26/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 513/10.6BEPNF:
«(…) pretendia a Recorrente a consideração de custos reportados ao excesso de proveitos contabilizado, por via correctiva, pela Administração tributária. Sendo certo que para efeitos de IRC, a prova dos custos não está sujeita a limitações de ordem probatória, admitindo-se qualquer meio de prova, a verdade é que, unicamente assente no depoimento de testemunhas desacompanhado de qualquer suporte documental (bem que de documento de despesa se não trate), tal prova dificilmente poderá ser de alcançar e nas alegações a Recorrente limita-se a transcrever excertos do depoimento do Sr. Contabilista da empresa opinando sobre o erro e incongruência do resultado decorrente da falta de associação de quaisquer custos aos proveitos que a Administração tributária veio a fixar, sem nada referir de concreto e relevante. Ou seja, nenhum elemento de prova suporta a afirmação da existência de custos (e quais sejam) para além dos contabilizados pela empresa impugnante, (…)
Tal prova – de custos efectivos não levados à contabilidade – não pode alcançar-se unicamente com base no depoimento de testemunhas, tem de ser suportada documentalmente ou, pelo menos, complementada com elementos de prova documental ainda que não tenham a natureza de documentos típicos de despesa.
Ora esse ónus de prova, a Recorrente manifestamente não cumpriu, o que se compreende dentro da sua linha argumentativa no sentido de que a Administração tributária procedeu à quantificação da obrigação de imposto “por inferência”, sem abrir mão do correspondente procedimento de avaliação indirecta. Argumento que, como vimos, caiu por terra. (…)»

Nesta conformidade, improcedem todos os segmentos do presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
II – Sendo apurada a matéria tributável por métodos directos, através de correcções técnicas, cabe ao contribuinte fazer prova dos custos que alega/do IVA que suportou e que pretenderia ver considerados como componente negativa do lucro tributável por via da correcção dos proveitos.
III – Não tendo sido efectuada esta prova, nenhuma influência é exercida no quantum de IVA suportado.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 12 de Março de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves