Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00340/13.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:INCENTIVOS FINANCEIROS – RESOLUÇÃO DO CONTRATO – INCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO
Sumário:I- Invocando o A. um incumprimento justificado da obrigação que assumiu perante o IEFP, cumpre-lhe alegar e provar que o incumprimento da obrigação se ficou a dever a circunstâncias que não podia controlar, que escaparam de todo ao seu domínio e previsão, porque não eram expectáveis ou possíveis de se antever.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
A., com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial por si intentada contra o INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P, também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação improcedente.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A - Quanto aos pontos 2, 4, 6 e 8 dos factos considerados pelo Tribunal como não provados, o A., em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode estar de acordo.

B - Não corresponde à verdade que a testemunha V., prima do A., apenas acompanhou a fase de processo disciplinar e mesmo em par final do projeto no seu encerramento aquando da liquidação das dívidas.

C - O seu depoimento é claro sobre o entusiasmo e empenho inicial do A. no projeto.

Veja-se quando refere:

“que acreditava nele... depois também teve que recorrer a alguns familiares...e sobretudo à mãe e do qual também conversava com a mãe dizendo que era um projeto que valia a pena investir. só que a certa altura as coisas começaram a ser muitíssimo difíceis e começamos a encarar a realidade... e na altura o meu primo... eu consegui perceber perfeitamente o momento de entusiasmo, do profissionalismo com que ele empregou nisto

D- Como igualmente a referida testemunha ajudou o A. a angariar patrocinadores/investidores:

“eu acompanhei as dificuldades que estava a ter em termos económicos para de alguma forma promover esta parte da publicidade e informação da revista. por outro lado também paralelamente a questão dos patrocinadores... consegui alguns mas também aqui muitas dificuldades na questão dos patrocinadores. nós íamos conversando, é normal que qualquer patrocinador só também invista a partir do momento em que sente o impacto que as revistas tem no mercado e a projeção da imagem e pronto tudo começou por aqui de alguma forma... eu aqui anda tentei tranquilizá-lo ... eu sei que ele foi investindo dinheiro próprio neste projeto. a mãe também colaborou, nós próprios, eu própria dizia à minha tia para ajudá-lo.”

E - Do depoimento da testemunha V., testemunho isento e credível, com razão de ciência durante todo o processo e não apenas quando surgiram dificuldades.

F - Este testemunho implica que se considere provados os seguintes factos:

a) O A. desenvolveu esforços de captação de publicidade, tentativas de encontrar investidores e divulgação da revista que se revelaram infrutíferos;

b) O A. esgotou os seus meios financeiros para garantir a atividade da empresa;

c) O A. esgotou os meios financeiros próprios e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência;

d) A falta de meios financeiros determinou o encerramento da atividade da publicação e a impossibilidade de assegurar as contratações previstas.

G - Em face destes factos que devem ser considerados provados, com os factos já considerados provados:

25. As receitas obtidas em publicidade foram escassas;

26. - O A. negociou o pagamento das diversas dividas contraídas e liquidou débitos, encerrando a empresa sem dívidas.

Temos que considerar que há por parte do A. um incumprimento contratual justificado.

H - Resulta provado que o A. chegou a uma situação em que tendo esgotado todas as suas fontes de apoio, tendo gastos todos as poupanças e fundos que possuía, não lhe restou outra alternativa que não fosse terminar com o projeto sob pena de entrar numa espiral de endividamento, podendo inclusive ser acusado de uma situação de insolvência culposa.

I - Como resultou do depoimento das testemunhas as dificuldades de tesouraria tornaram-se uma constante.

J - Instalou-se o desespero pela manifesta insuficiência de meios financeiros para satisfazer atempadamente os pagamentos correntes.

K - Os esforços de captação de publicidades e as tentativas de encontrar investidores revelaram-se infrutíferas e a empresa ficou sem condições para completar o investimento e as contratações previstas por absoluta falta de meios financeiros para o efeito.

L - O A. ficou abalado pelo desmoronar do projeto em que se empenhou com todas as suas energias e entrou num quadro de depressão psicológica profundo - facto em que a testemunha V. por diversas vezes refere.

M - O A. com a ajuda dos familiares negociou o pagamento das diversas dívidas contraídas.

N - Negociados e liquidados os débitos, a empresa foi encerrada sem recurso a insolvência e sem quaisquer dívidas ao fisco ou segurança social.

O - Todo este processo resultou na destruição do ambiente familiar do A., no consequente divórcio do A., objetivamente imputável a carências extremas de ordem financeira e no clima de insegurança e incerteza desde então rodearam a vida académica do casal e a vida do próprio casal.

P - O A. não teve culpa grave no sucedido, pois que não lhe era exigível que tivesse que levar a empresa à insolvência e ficar como ficou em situação de insolvência pessoal para manter um projeto condenado inelutavelmente ao fracasso.

Q - O incumprimento do A. encontra-se por isso justificado, não podendo ser considerado injustificado.

R - O A. agiu com toda a seriedade, empenho e melhor diligência de que era capaz.

S - Em todos os diplomas legais aplicáveis ao caso concreto dos autos verifica-se que não existe a definição do que se entende por incumprimento injustificado.

T - Trata-se, pois de um conceito indeterminado que terá que ser aferido concretamente.

U - O incumprimento injustificado, tem que ser um incumprimento com culpa por parte do promotor.

V - Nunca um incumprimento sem culpa por parte do promotor.

W - Ora, na situação dos autos, verifica-se que o promotor tentou por todos os meios assegurar a viabilidade do projeto.

X - Mas chegou a uma situação em que, tendo esgotado todas as fontes de apoio, tendo-se endividado para além das suas possibilidades, que não restou o promotor terminar com o projeto sob pena de entrar numa espiral de dívidas e mais dívidas, podendo inclusive ser acusado de uma situação de insolvência culposa nos termos dos art°s 18, n° 1; 186°, n° 3, ala a), 186°, n° 2, ala g), todos do CIRE.

Y - Com já se referiu o A. agiu com toda a seriedade, empenho e a melhor diligência de que era capaz.

Z - E nem se diga que se tratou de um risco associado ao negócio.

AA - A verdade, é que o IEFP tinha que fazer uma correta apreciação do projeto quanto à sua viabilidade e essa não foi feita.

AB - A concessão de incentivos ter que ser feita com correta e exigente avaliação dos projetos e não com ligeireza, sob pena de se transformar a situação desespero do desempregado, numa situação ainda mais angustiante, gravosa e calamitosa, como acabou por ficar a situação do promotor e recorrente (…)”.


*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar se se a sentença recorrida incorre (i) em erro de julgamento da matéria de facto, bem como em (ii) erro de julgamento da matéria de direito, por incorreta interpretação do bloco legal aplicável por parte do Tribunal a quo, ao considerar não justificado o incumprimento do contrato de incentivos financeiros visado nos autos.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [positivo, negativo e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

1. Em 7.8.2009 o A. apresentou junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (doravante IEFP), no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano, candidatura ao “Programa de Estímulo à Oferta de Emprego - PEOE” a que foi atribuída o número 083/ILE/09, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da qual resulta, além do mais, serem objetivos do projeto “Criar uma revista, de âmbito nacional, especializada em questões relativas ao futebol de formação. Conquistar, a curto médio prazo, 5% do mercado potencial de um milhão de leitores, garante o sucesso do projeto; Alcançar o reconhecimento da marca para o incremento das receitas em publicidade. ”, com a criação de 5 postos de trabalho e um plano de investimento que incluía um capital fixo de € 30.387,00 e um fundo de maneio de € 20.000,00, correspondendo o financiamento a € 1222,00 relativos ao recebimento antecipado de prestações de desemprego, e financiamento do IEFP de € 3.889 de apoio ao investimento e € 45.276 de subsidio a fundo perdido. - cfr. doc. de fls. 107 e ss. do pa junto aos autos.

2. Juntamente com a candidatura apresentou, além do mais, Plano de Negócios cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. doc. de fls. 58 e ss. do pa apenso aos autos.

3. O IEFP procedeu a visita às instalações propostas pelo A. no âmbito da sua candidatura. - cfr. doc. de fls. 126 do pa.

4. O IEFP procedeu à analise económico financeira do projeto tendo elaborado relatório cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. doc. de fls. 127 a 141 do pa apenso aos autos.

5. Em 4.3.2010 foi elaborada a Informação n.° 289/DN-EBG/2010 da qual consta,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. de fls. 148 e ss. do pa apenso aos autos.

6. Por despacho do Diretor do Centro de 10.03.08, aposta sobre a Informação n.° 289/DN- EBG/2010, a candidatura do A. foi aprovada. - cfr. doc. de fls. 151 do pa junto aos autos.

7. Por oficio de 11.3.2010 foi remetida ao A. a minuta do contrato de concessão de incentivos financeiros e a “decisão de aprovação” da qual consta,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. docs. de fls. 152 e ss. do pa.

8. Em 1.4.2010 a C., Lda. celebrou contrato de trabalho sem termo com E.. - cfr. doc. de fls. 199 e ss. do pa.

9. Em 5.4.2010 o A. apresentou pedido de adiantamento. - cfr. doc. de fls. 204 do pa.

10. Em 21.4.2010 foi celebrado entre o IEFP e C., Lda., ali representada pelo A. na qualidade de promotor, o contrato de concessão de incentivos financeiros do qual consta:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. doc. de fls. 185 e ss. do pa junto aos autos.

11. Em 19.5.2010 a C., Lda. celebrou contrato de trabalho sem termo com J.. – cfr. doc. de fls. 199 e ss. do pa.

12. Em 1.6.2010 foi aprovado o pedido de pagamento no valor de € 8.491,20. – cfr. doc. de fls. 208 do pa.

13. Em 29.6.2010 o A. apresentou pedido de reembolso. – cfr. docs. de fls. 245 e ss. do pa.

14. Em 9.7.2010 o A. apresentou pedido de reembolso. – cfr. docs. de fls. 245 e ss. do pa.

15. Em 16.7.2010 foi aprovado o pedido de pagamento no valor de € 8.339,33 relativo às despesas de contratação do trabalhado. – cfr. doc. de fls. 252 e ss. do pa.

16. Em 31.3.2011 o A. apresentou no IEFP exposição, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual dá conta, além do mais, do encerramento da atividade e dissolução da empresa, peticionando se considere justificado o incumprimento do contrato ou a possibilidade de reembolso faseado do montante adiantado pelo IEFP. – cfr. doc. de fls. 275 e ss. do pa.

17. Em 3.5.2011 a Diretora do Centro de Emprego de Braga proferiu o despacho “Concordo com a análise técnica e proposta apresentada. Notifique-se o promotor em sede de audiência prévia nos termos do art. 100.º e ss. do CPA”, aposto sob a informação 353/UDE/DN-EBG, com o seguinte teor,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. docs. de fls. 280 e ss.

18. Notificado, o A., na qualidade de promotor e representante legal de C., Lda., exerceu o direito de audição prévia à proposta referida no ponto anterior. – cfr. doc. de fls. 293 e ss. do pa junto aos autos.

19. Em 12.05.08 a Diretora do Centro de Emprego de Braga proferiu o seguinte despacho, aposto sob a informação 731/UDE/DN-EBG,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

cfr. doc. de fls. 297 do pa junto aos autos.

20. Por oficio remetido sob registo e entregue em 28.5.2012 o A. e a C., Lda., foram notificados que


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

cfr. doc. de fls. 310 do pa apenso aos autos.

21. Em 17.7.2012 o A., na qualidade de promotor e representante legal de C., Lda., apresentou recurso hierárquico dirigido ao Delegado Regional do Norte do IEFP do despacho referido em 4. – cfr. doc. de fls. 389 e ss. do pa junto aos autos.

22. Em 24.9.2012 o Delegado Regional do Norte do IEFP proferiu o seguinte despacho, “Pelos fundamentos de facto e de direito da presente Informação, concordo com o que nela está proposto, assim se julgando totalmente improcedente o recurso hierárquico em apreço, mantendo-se e confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.”, aposto sob a Informação 144/DN-DAT/2012 de 17.9.2012,


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. doc. de fls. 406 e ss. dos autos.

23. O A. foi notificado do despacho referido no ponto anterior em 18.10.2012. – facto confessado na p.i.
24. A fiadora restituiu ao IEFP o montante de € 16.830,53. – facto não controvertido.
Mais se provou que,
25. As receitas obtidas em publicidade foram escassas.
26. O A. negociou o pagamento das diversas dívidas contraídas e liquidou os débitos, encerrando a empresa sem dívidas.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos com interesse para a decisão da causa não se provaram os que constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:

1. Só após a assinatura do contrato de incentivos o A. tomou conhecimento dos montantes aprovados, da forma de pagamento e dos valores reembolsáveis.

2. O A. desenvolveu esforços de captação de publicidade, tentativas de encontrar investidores e divulgação da revista que se revelaram infrutíferos.

3. O A. contraiu empréstimos para assegurar a impressão e publicação da revista.

4. O A. esgotou os seus meios financeiros próprios para garantir a atividade da empresa.

5. Face ao estrangulamento financeiro com que a empresa se debatia e à diminuta percentagem de vendas do primeiro número, para evitar a interrupção do projeto, o terceiro número da revista saiu com menos páginas e menor tiragem que as anteriores.

6. O A. esgotou os meios financeiros próprios e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência.

7. A não aprovação da quantia de € 20.000,00 a titulo de fundo de maneio determinou a inviabilidade económico financeira da empresa.

8. A falta de meios financeiros determinou o encerramento da atividade publicação e a impossibilidade de assegurar as contratações previstas.

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos identificados nos pontos do probatório, essencialmente da análise dos documentos juntos aos autos, do depoimento das testemunhas ouvidas, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.

Quanto aos pontos 25 a 26 a sua prova resultou, essencialmente, do depoimento da testemunha J., o qual prestou serviços para o A. no âmbito da apresentação da candidatura e, bem assim, ao nível da contabilidade da empresa C., Lda.

Esta testemunha revelou razão de ciência quanto às matérias que se relacionaram com o contacto que teve quer na elaboração do plano de negócios, quer na gestão e contabilidade da empresa.

O seu depoimento mereceu, pois, pela sua pertinência, coerência e verosimilhança, a credibilidade do Tribunal.

Quanto ao ponto 1 dos Factos não provados importa considerar que antes da assinatura do contrato ao A. foi remetida a respetiva minuta e, bem assim, a decisão de aprovação, tendo pois ai tomado conhecimento das condições do financiamento, incluindo quanto à verba relativa a fundo de maneio, não sendo pois verosímil a alegação de que só após a assinatura do contrato tomou consciência das condições desse financiamento.

Relativamente aos esforços desenvolvidos pelo A. (ponto 2 dos Factos não provados) retenha-se que o Tribunal ouviu a este respeito as testemunhas V., J. e J..

Sucede que nenhuma delas revelou razão de ciência que permitisse ao Tribunal ancorar a sua convicção nas declarações prestadas.

De facto, a testemunha V., prima do A., referiu que apenas acompanhou a fase final do projeto no seu encerramento aquando da liquidação das dividas.

O seu depoimento quanto às diligências e à atividade do A. foi assente apenas nas conversas tidas com este, não revelando conhecimento direto da factualidade sobre que depunha.

A igual conclusão se chega quanto a J..

Com efeito, não só é a mãe do A. – o que, desde logo, diminui a sua credibilidade -, como depôs de uma forma essencialmente emotiva quanto ao caráter do filho, limitando-se a afirmar genericamente que o filho “deu tudo” pelo projeto, sem concretizar em que se traduziu esse envolvimento.

As testemunhas J. e a própria técnica do IEFP, I., notaram que o A. era empenhado, mas o certo é que também não detêm conhecimento direto sobre as medidas tomadas pelo A., a divulgação e a comercialização daquele projeto, assentando o seu depoimento nesta matéria em juízos essencialmente conclusivos.

A matéria dos pontos 3 a 8 dos Factos não provados relativa à insuficiência económica com que o A. se deparou e os empréstimos contraídos também não resultou provada, não só porque nos termos supra expostos as testemunhas ouvidas não mostraram razão de ciência quanto a essa factualidade, revelando um mero conhecimento indireto, mas também porque mesmo o conhecimento de J. desacompanhado da prova documental necessária a confirmar as transações bancárias e o património do A. se apresenta insuficiente.

De notar que quanto ao ponto 7 nenhuma prova foi feita, sendo certo que do montante pedido de € 50.387,00 foi aprovado o valor de € 44.031,40, que complementados com os valores obtidos pelo A. como antecipação do subsidio de desemprego se aproximaram ao valor que o próprio A. considerou necessário à viabilidade da empresa.

(…)”.


*
III.2 - DO DIREITO
*
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
*
Do imputado erro de julgamento da matéria de facto

*
A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pelo Recorrente.
Vejamos.
A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria de facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.
De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:“(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.

Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:

«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.

Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).

O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.

O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».

Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:

I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.

De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:

I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.

Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:

«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no recentíssimo Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:
“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.

O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.

É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…)”.

Mas o quadro legal aplicável não se basta com tal cumprimento deste ónus processual, exigindo ainda que a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só possa ser alterada pelo Tribunal Superior nos casos estabelecidos no art.º 662º do Código de Processo Civil, ou seja, “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” [cfr. nº.1].
Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, decidiu-se no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Proc.º n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Proc.º n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Deste modo, à luz de tudo o quanto se vem de expender, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, e, bem assim, uma vez ultrapassado este crivo processual, com (ii) a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto.
Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.
E, nesse domínio, dir-se-á que o Recorrente faz expressa referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, motivando, na exigência de lei, tal entendimento, ou seja, com definição do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida, que define objetivamente, e com transcrição das partes do depoimento em que se funda o seu recurso.
O que serve para concluir que o Recorrente cumpre adequadamente o ónus de impugnação preconizado no nº. 2 do artigo 640º do C.P.C.
Por sua vez, e no que tange ao acerto [ou desacerto] da matéria de facto sob impugnação, cabe notar que o Recorrente coloca em causa, por via do depoimento da testemunha V., que o Tribunal a quo não possa ter dado como provado que:
2. O A. desenvolveu esforços de captação de publicidade, tentativas de encontrar investidores e divulgação da revista que se revelaram infrutíferos.
4. O A. esgotou os seus meios financeiros próprios para garantir a atividade da empresa.
6. O A. esgotou os meios financeiros próprios e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência.
8. A falta de meios financeiros determinou o encerramento da atividade publicação e a impossibilidade de assegurar as contratações previstas.
Aqui chegados, impera sublinhar que a verdadeira justiça material é feita pelos tribunais de 1ª instância, onde a imediação direta é uma constante, onde os rostos pairam à frente dos julgadores.
Porém, compete aos tribunais de 1ª instância explicar, de forma assaz convincente, a razão pela qual se decide por um caminho ou por outro.
No caso concreto, como resulta da motivação de facto supra transcrita no ponto III.1 do presente Acórdão, o Tribunal a quo não entendeu valorizar o depoimento prestado pela testemunha V., em virtude desta ter apenas acompanhado “(…) a fase final do projeto no seu encerramento aquando da liquidação das dívidas (…)”, baseando-se a sua convicção “(…) quanto às diligências e à atividade do A. (…) apenas nas conversas tidas com este, não revelando conhecimento direto da factualidade sobre que depunha (…)”.
O Recorrente, porém, discorda de tal entendimento, por manter a firme convicção de que o depoimento da testemunha em questão foi prestado com razão de ciência durante todo o processo e não apenas quando surgiram dificuldades.

Vejamos.

Cotejada a transcrição que integra as conclusões de recurso, podemos agrupar em quatro [4] os pontos chave do depoimento prestado pela testemunha V..

O primeiro ponto chave insere-se, logo, na narração das dificuldades, ademais e especialmente económicas, sentidas pelo Autor com o processo de vendas da revista e com a promoção da mesma por recurso à publicidade, realidades que teve conhecimento por conversas tidas com o Autor.

O segundo ponto chave relaciona-se com a sequente abordagem das questões dos patrocínios e do recurso a empréstimos dos familiares do Autor, por motivo de esgotamento das poupanças deste, cujo conhecimento adveio da circunstância da testemunha ser uma pessoa do relacionamento familiar, o que lhe permitiu acompanhar a evolução destas matérias, bem como da condição anímica do Autor [depressão] e respetivas causas.

O terceiro ponto chave tem que ver com a descrição de determinadas diligências desenvolvidas pelo Autor com o Instituto de Emprego de Formação Profissional no sentido de resolver a sua situação e com alguns fornecedores e credores no sentido de renegociar parte das suas dívidas, fruto do conhecimento direto que detinha nesta matéria.

O quarto e último ponto chave prende-se com a assunção expressa por parte da testemunha visada, não obstante ter acompanhado o processo de renegociação da dívida, não deter conhecimento concreto de causa quanto às razões que determinaram o falhanço do projeto do Autor.

Sendo estes os “pontos cardiais” pelos quais se moveu o depoimento prestado pela testemunha visada, entendemos ser forçosa a conclusão de que o Tribunal a quo laborou parcialmente em erro de julgamento no tocante à razão de ciência detida por aquela relativamente aos factos que prestou depoimento, já que do vem de supra expor ressuma evidente que, no mínimo, aquela acompanhou diretamente o processo de renegociação das dividas, tendo conhecimento pessoal e presencial da necessidade de recurso a empréstimos por parte dos familiares do Autor, das diligências tidas pelo Autor em relação ao Réu, para além da condição anímica deste [depressão] e respetivas causas.

Neste quadro, e à mingua de qualquer outra motivação justificativa da não valoração deste depoimento por parte do Tribunal a quo, é de manifesta justiça que seja reconhecida a materialidade que se mostre, efectivamente, suportada no alcance direto e presencial do depoimento prestado da testemunha visada.

E essa materialidade é a que deriva apenas dos pontos 4 e 6 dos factos não provados, ou seja, que o A. esgotou os seus meios financeiros próprios para garantir a atividade da empresa e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência.

Consequentemente, pelas razões expostas, e ao abrigo do disposto no artigo 662º do C.P.C, este Tribunal Superior decide aditar a seguinte factualidade:
27- O A. esgotou os seus meios financeiros próprios para garantir a atividade da empresa e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência.
Nestes termos, e com os fundamentos acima expendidos, parcialmente a questão da impugnação da matéria de facto.

*

II- Do imputado erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação do bloco legal aplicável por parte do Tribunal a quo, ao considerar não justificado o incumprimento do contrato de incentivos financeiros visado nos autos.

*


*

O Autor intentou a presente ação visando a anulação do despacho de 24.9.2012 do Delegado Regional do IEFP, que indeferiu o recurso hierárquico por este apresentado do despacho de 12.5.2008 da Diretora do Centro de Emprego que determinou a resolução do contrato de incentivos financeiros e a devolução da quantia de € 16.830,53.

Todavia, o T.A.F. de Braga julgou esta ação improcedente.

Fê-lo, sobretudo, com a seguinte ponderação de direito:

“(…)

O despacho impugnado determinou a resolução do contrato de incentivos, nos termos da clausula 13ª celebrado com o A. com o seguinte fundamento - não manutenção do nível de emprego atingido por via do apoio concedido por um período mínimo de 4 anos a partir da data do apoio à criação dos postos de trabalho, violando o disposto na clausula 9.°, n.° 1, al. e) do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.

As partes não questionam a ocorrência do incumprimento, ou seja que, efetivamente, não foi mantido o nível de emprego atingido por via do apoio concedido por um período mínimo de 4 anos a partir da data do apoio à criação dos postos de trabalho. A controvérsia gera-se apenas em saber se, em conformidade com o disposto na cláusula 13.°, n.° 1 do CCIF, ocorreu um incumprimento injustificado da obrigação estabelecida na cláusula 9.°, n.° 1, al. e) do CCIF.

(…)

Como devemos pois considerar o que é um incumprimento injustificado?

Na legislação aqui aplicável e supra referida não existe a figura do incumprimento justificado mas tão só a do incumprimento injustificado pelo que temos de aferir se o mesmo está justificado apenas para, a contrario, o integrar ou não no incumprimento injustificado.

Vejamos então se o incumprimento está justificado, tendo sempre presente que compete ao incumpridor provar que o incumprimento se justificava.

(…)

Ora, o A. alegou que agiu com seriedade, empenho e diligencia, tentou por todos os meios assegurar a viabilidade do projeto, tendo realizado todos os esforços ao nível da obtenção de receitas de publicidade e de investimento, divulgação da revista, diminuição dos custos por via da redução ao numero de paginas e tiragem, injeção de liquidez por via de empréstimos. Mas do probatório verifica-se que o A. não fez prova dos factos que alegou.

Na realidade nada resultou provado quanto às diligencias que o A. tomou, quanto à forma como divulgou e publicitou a revista, quanto ao investimento financeiro que fez e quanto ao desenvolvimento da área comercial do projeto. E, sendo assim, como é obvio não se pode considerar que tenha atuado de forma diligente, eficiente e apta por forma a considerar-se justificado o incumprimento da obrigação que assumiu na clausula 9.°, n.° 1, al e) do CCIF.

Mais alegou que foi a inelegibilidade do fundo de maneio que retirou a viabilidade financeira ao projeto e que, em tais circunstâncias, o próprio IEFP deveria ter recusado a aprovação do projeto. Contudo, não só não o demonstrou, como a verdade é que o financiamento que lhe foi atribuído, associado aos montantes que auferiu a título de antecipação do subsidio de desemprego atingiram o valor que havia peticionado no âmbito da sua candidatura. Ora, foi o próprio A. quem pugnou, designadamente no âmbito do plano de negócios que apresentou, que os recursos por si considerados - e que na sua quase totalidade lhe foram atribuídos - eram suficientes para assegurar viabilidade económica financeira do projeto.

E o A., parecendo querer ignorar que acedeu ao conteúdo do contrato e aos termos do financiamento que lhe foi concedido, tenta “sacudir” a sua responsabilidade, quando foi o próprio que não só assumiu um projeto que assegurou ter viabilidade, como se obrigou ao seu cumprimento quando poderia simplesmente não ter assinado o CCIF.

A demais matéria alegada, designadamente quanto aos prazos de pagamentos de clientes, ao período de afirmação da revista no mercado, à insuficiência de recursos, à crise financeira, mais não são do que riscos expectáveis e normais da atividade económica e que, como se disse, são suportados pelos agentes económicos.

Assim o comportamento contratual contrário às disposições vinculativas a que o A. se obrigou no contrato de concessão de incentivos financeiros bem como as disposições legais constantes da Portaria n.° 196-A/2001, de 10 de março, conduzem-nos à única solução plausível para o caso dos autos, isto é que o A. se constituiu em incumprimento contratual injustificado, fundamento bastante para a respetiva resolução unilateral, com a consequente restituição dos apoios atribuídos através da declaração de vencimento imediato da dívida, convertendo-se, assim, o subsídio não reembolsável em reembolsável - cfr. Art°s 11.°, n°5; 25°, n°2 da Portaria n.° 196- A/2001, de 10 de março e cláusula 13ª do contrato de concessão de incentivos financeiros.

(…)”.

Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde já, que o assim considerado e decidido é de manter.

Para melhor percepção do enquadramento legal do dissídio em apreço, cumpre enquadrar alguns dos normativos legais relevantes.
Regulamentando as modalidades específicas de intervenção do programa de estímulo à oferta de emprego, a Portaria nº 196-A/2001, de 10 de março, na redação dada pela Portaria nº 255/2002, de 12 de março, veio sintetizar num só diploma os normativos que se encontravam dispersos.
O n.º 1 do artigo 4º da supracitada Portaria veio estatuir que “apenas serão apoiados os projetos que assegurem a criação líquida de postos de trabalho”, estabelecendo o artigo 5º que “Os promotores, sem prejuízo das obrigações específicas que venham a ser estabelecidas através do contrato de concessão de incentivos, obrigam-se a manter o nível de emprego atingido por via do apoio concedido pelo prazo mínimo de quatro anos, contados a partir da data da concessão dos apoios”.
Por seu turno, o n.º 3 do artigo 11.º determina que “Sempre que os promotores dos projetos não disponham, manifestamente, de meios que lhes permitam assegurar o cumprimento do disposto na segunda parte do n.º 2, podem solicitar, mediante requerimento a apresentar ao IEFP, a dispensa, total ou parcial, da respetiva aplicação”, dispondo o n.º 5 que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a não execução do projeto nos termos constantes do contrato de concessão de incentivos e no prazo previsto no n.º 3 do n.º 13.º é fundamento bastante para a respetiva resolução unilateral, com a consequente restituição dos apoios atribuídos, pelo IEFP,” resultando do n.º 6º que “Caso haja lugar à execução parcial do projeto, o respectivo promotor pode solicitar, mediante requerimento a apresentar ao IEFP, a restituição parcial do apoio concedido ao abrigo do n.º 1, desde que a parte não executada não ponha em causa a respetiva viabilidade económico-financeira.”
Por sua vez, o artigo 25.º com a epígrafe “Contrato de concessão de incentivos” no seu n.º 3 estatui que “Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro.”
In casu, e conforme decorre da Cláusula 1ª do CCIF, aqui reproduzido no facto 10) da factualidade assente, o contrato celebrado entre o Autor e o Réu rege-se pela Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de março, pela regulamentação específica do Fundo Social Europeu, do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional [FEDER] e demais legislação comunitária e nacional aplicável, bem como pelas cláusulas constantes do CCIF.
Em conformidade com a citada legislação, as cláusulas contratuais fixadas no CCIF, designadamente a Cláusula 2ª do CCIF estabeleceu como objectivo “(…) a criação de 5 postos de trabalho a preencher por 5 desempregados involuntários, e ainda a realização de investimento em ativos fixos corpóreos e/ou incorpóreos, conforme consta do processo de candidatura e respetivos anexos, os quais se consideram para todos os efeitos como fazendo parte integrante deste contrato”.
Da cláusula 9ª do CCIF resulta, que o Autor se obrigou a: “1- a) Executar integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos e prazos, fixados em sede de candidatura e cumprir os demais objetivos constantes desta; b) Prestar no Centro de Emprego competente, no prazo máximo de 60 dias úteis, contados a partir do termo do prazo para a execução integral do projeto, garantias do cumprimento das obrigações resultantes do apoio concedido; (…) c) Satisfazer as condições pós-projecto legalmente previstas; (…); d) Apresentar balanço, demonstração de resultados e balancetes do projeto, referentes ao semestre anterior, até à conclusão do investimento total, desde que legalmente estejam obrigados a dispor de contabilidade organizada, de acordo com as regras do Plano Oficial de Contabilidade [POC]; e) Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos, contados a partir da data do pagamento do apoio à criação dos postos de trabalho, substituindo qualquer trabalhador vinculado ao(s) segundo(s) outorgante(s) por contrato de trabalho sem termo, por outro nas mesmas condições, no prazo de 45 dias úteis, quando se verifique, por qualquer motivo, a cessação do contrato de trabalho (…)” [destaque nosso]; assim como a “2 - b) Comunicar ao primeiro outorgante qualquer alteração ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos às condições de acesso que permitiram, a aprovação da candidatura, bem como a sua realização (…).”
O apoio financeiro total previsto a conceder, estipulado na cláusula 4ª do CCIF corresponde ao montante de € 44,031,40 e foi repartido da seguinte forma: um subsídio não reembolsável concedido para apoio financeiro ao investimento, correspondente ao montante de € 6,301,60; um subsídio não reembolsável concedido para apoio financeiro à criação de postos de trabalho, correspondente ao montante € 37,729,80, com a majoração de 20% respeitante ao preenchimento de 0 postos de trabalho, e em 25% respeitante ao preenchimento de 0 postos de trabalho – cfr. facto 10) do probatório.
Tendo presente o enquadramento que se vem de explanar, cabe salientar, com reporte para o âmago da alegação recursiva do Autor, que o Autor não questiona o incumprimento das obrigações por si assumidas, mas apenas que este [incumprimento] seja caracterizado “injustificado” nos termos e para os efeitos do nº. 3 do artigo 25º da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de março.

A este propósito, ressalte-se o expendido no recentíssimo Acórdão Tribunal Administrativo Central Sul, de 30.04.2020, tirado no processo nº. 801/11.4BELRA:

“(…)

Invocando o A. e Recorrente um incumprimento justificado da obrigação que assumiu perante o IEFP, cumpria-lhe nos termos do art.º 799.º do CC provar junto àquele Instituto – credor da obrigação – que tal incumprimento não procedia de culpa sua, assim ilidindo a presunção de culpa que vem prevista no indicado normativo. Teria o A. e Recorrente que provar frente ao IEFP, invocando circunstâncias fácticas minimamente concretizadas e densificadas, que agiu com a diligência que se exigia a um “bom pai de família”, em face às circunstâncias do caso, esforçando-se para cumprir as obrigações assumidas – cf. art.º 487.º, n.º 2, do CC.

Assim, havia o A. de alegar e provar frente ao IEFP que na data em que assumiu a obrigação usou das cautelas e do zelo adequados a um empreendedor que está a lançar-se numa atividade nova, que atentou aos riscos que decorriam da conjuntura económica então existente e que se antevia e nas normais adversidades do mercado num horizonte temporal de 4 anos. Cumpria ao A. (devedor) alegar e provar frente ao IEFP (credor), que o incumprimento da obrigação se ficou a dever a circunstâncias que não podia controlar, que escaparam de todo ao seu domínio e previsão, porque não eram expectáveis ou possíveis de se antever.

(…)”.

Acolhendo-se aqui a interpretação assim declarada pelo T.C.A. Sul, tem-se, portanto, por assente, que competia ao Autor alegar e provar que o incumprimento da obrigação se ficou a dever a circunstâncias que não podia controlar, que escaparam de todo ao seu domínio e previsão, porque não eram expectáveis ou possíveis de se antever.

No caso presente, e no que para o presente efeito releva, dimana do probatório, que, em 31.3.2011 o A. apresentou no IEFP exposição, na qual dá conta, além do mais, do encerramento da atividade e dissolução da empresa, peticionando se considere justificado o incumprimento do contrato ou a possibilidade de reembolso faseado do montante adiantado pelo IEFP.
Mais dimana que, na sequência de tal exposição a dar conta do encerramento da empresa, o Réu, com base no entendimento de que o encerramento da empresa consubstanciava um incumprimento ao disposto no artigo 5º da Portaria n°196-A/2001, de 10/03, com a redação que lhe foi dada pela Portaria n°255/2002, de 12/03, dado que a empresa não manteve o nível de emprego atingido por via do apoio concedido pelo prazo mínimo de quatro anos contados a partir da data da concessão dos apoios, determinou a resolução do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, e consequente conversão do apoio não reembolsável em reembolsável e o vencimento imediato da dívida.
Dimana ainda que, desta feita com reporte para matéria justificativa do incumprimento das obrigações de contrato, que (i) as receitas obtidas em publicidade foram escassas; (ii) que o A. negociou o pagamento das diversas dívidas contraídas e liquidou os débitos, encerrando a empresa sem dívidas; e que (iii) o A. esgotou os seus meios financeiros próprios para garantir a atividade da empresa e recorreu a empréstimos de familiares para honrar os compromissos mais prementes e evitar a insolvência.
Sendo estes os contornos fácticos dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que a ponderação feita pelo Tribunal a quo no domínio da caracterização do incumprimento como sendo injustificado mostra-se, para além de racional e perfeitamente enquadrada no entendimento jurisprudencial supra vertido, inteiramente suportada pelo tecido fáctico apurado nos autos.

Na verdade, é insofismável a falta de aptidão do lastro probatório do tecido fáctico supra caracterizado por forma a resultar processualmente adquirido que o incumprimento da obrigação se ficou a dever a circunstâncias que não podia controlar, que escaparam de todo ao seu domínio e previsão, porque não eram expectáveis ou possíveis de se antever.

O juízo que se vem de efectuar surge particular potenciado pelo facto dos riscos associados à normal atividade económica, mormente o risco de “insucesso” da atividade económica que possa ter motivado o encerramento “precoce” da atividade da empresa do Autor, não relevarem em sede de justificação do incumprimento do CCIF [vd. neste sentido Ac. deste STA de 03.02.2011 in proc. nº 0474/10].

Não resulta viável, portanto, a caracterização a atuação faltosa do Autor nas condições concretas do caso em análise como se de um “incumprimento justificado” do CCIF se tratasse.

E o que se vem de asseverar em nada colide com a possibilidade de renegociação do contrato, bem como de suspensão do mesmo, previstas nas Cláusulas 11º e 12º do Contrato de Incentivos Financeiros celebrado pelas partes.

Na verdade, “(…) a suspensão ou a resolução do contrato são direitos opcionais da Administração em caso de incumprimento do contrato, inexistindo qualquer indicação literal ou racional no sentido de que a suspensão deva preceder necessariamente a resolução (…)” [cfr. aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.07.2017, tirado no processo nº. 00563/08.2BEPRT].

É certo que o Recorrente também pode solicitar a renegociação do contrato.

Contudo, tal faculdade está reservada para a ocorrência de consequências gravosas para uma das partes do contrato decorrente da verificação circunstâncias anormais e imprevisíveis e que delas resulte uma perturbação iníqua e inesperada para o equilíbrio do contrato [vd. neste sentido o citado Ac. do STA de 03.02.2011], o que nem sequer resulta alegado e demonstrado nos autos, circunstância que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à eventual verificação das mesmas.

Donde se conclui por tudo o quanto se vem de expor de que a sentença recorrida, no trecho em análise, não enferma do erro de julgamento de direito que lhe vem imputado.

Concludentemente, improcede o presente recurso
Assim se decidirá.

* *

* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas a cargo do Recorrente.
* *
Porto, 30 de outubro de 2020



Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro