Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00879/15.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:RECLAMAÇÃO DAS DECISÕES DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRINCIPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
CONVITE
Sumário:I- O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido.
II - Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:F..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal dom Porto, que julgou procedente a reclamação deduzida pela entidade Recorrida, F…, LDA, contra o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 que indeferiu requerimento de dispensa de prestação de reforço de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1910200801051768 e apensos.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT, do despacho proferido em 2014-11-25, pelo Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1910200801051768 e, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de reforço de garantia, para efeitos de suspensão da execução, em virtude de impugnação judicial deduzida.

B. Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela ilegalidade do despacho que indeferiu a isenção de prestação de reforço da garantia por entender que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”, uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens.

C. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a Douta Sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.

D. Perante a questão controvertida, isto é, se se encontra provada nos autos a verificação dos pressupostos de que depende a concessão de prestação de garantia, uma vez que a Reclamante invocou todos os previstos no n.º 4 do art. 52º da LGT, entendeu a Meritíssima Juíza a quo como provado, relativamente aos dois requisitos alternativos - prestação de garantia cause prejuízo irreparável ou cause falta de meios económicos – que a situação económico-financeira da executada inviabiliza a prestação de garantia.

E. E, por outro lado, relativamente ao requisito da falta de culpa pela inexistência de bens, a Meritíssima Juíza considerou que dos documentos apresentados não se pode retirar em que medida a crise económica tenha afectado a actividade prosseguida, entendendo que, com a sua alegação por parte da Reclamante, a AT deveria convidar a apresentar meios adicionais de prova.

F. Conforme refere a sentença recorrida, “da conjugação do estabelecido pelo artigo 52º da LGT com o disposto no nº 3 do artigo 170º do CPPT, resulta que o Reclamante ao requerer a dispensa de prestação de garantia deve fundamentar o seu pedido de facto e de direito e instruí-lo com a prova documental necessária.” (sublinhado nosso)

G. Primordialmente, no que se refere ao probatório, a Reclamante não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, jurisprudencialmente consagrado no douto acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 5/7/2012, proferido no processo 0286/12, porque, em violação dos arts. 52º da LGT e 170º do CPPT, não provou que se verificavam as condições para a dispensa de prestação de reforço da garantia, na medida em que, não foi capaz de trazer aos autos qualquer elemento que contribuísse para a conclusão de que não foi responsável pela insuficiência de bens que a impossibilita de prestar a garantia necessária para a suspensão do processo de execução fiscal.
H. Como vem sendo entendido jurisprudencialmente, a simples alegação de dificuldades de mercado ou de conjuntura, ou a simples presunção dessas dificuldades, não pode ser tido em conta como prova da irresponsabilidade pela inexistência de bens, assim sendo, e quanto a este requisito, existe uma completa omissão de prova,

I. o que, conforme sumário do Acórdão do STA, de 2014/09/03, processo 0718/14, conduz ao indeferimento imediato do pedido de dispensa de reforço de garantia, na medida em que, é sobre a Reclamante que recai o ónus de provar que se verificam todas as condições de que tal dispensa depende.

J. Pelo que, além do mais, não se pode conformar a Fazenda Pública com a conclusão, que conduziu à procedência da reclamação, de que a AT violou o principio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, quando, da parte da aqui Reclamante não foi apresentada qualquer prova conducente à sua irresponsabilidade pela inexistência de bens, como lhe competia,

K. até porque, tal ónus impendia sobre a Reclamante, como se encontra jurisprudencialmente consagrado em plena conformidade com o enquadramento legal vigente sobre a matéria, materializado nos arts. 52º da LGT e 170º do CPPT.

L. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a Reclamante deveria concretizar factos que, podendo embora ter a sua génese na crise económica, foram os determinantes em termos de causalidade e sem que a mesma o pudesse evitar, para a situação a que chegou de inexistência de bens capazes de garantir a dívida em causa nos autos.

M. Ora, de acordo com a factualidade dada por assente na sentença recorrida, nenhum facto determinante da situação de inexistência de bens foi concretizado no procedimento e, menos ainda, demonstrado nos autos, pela Reclamante, que se limitou a debitar genericamente a crise económica que conduziu à situação de insuficiência ou inexistência de bens que alega.

N. O que significa que a Reclamante não logra fazer a prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na situação de inexistência de bens, mediante alegação de factos positivos tendentes à demonstração das reais causas da tal inexistência de bens que o tribunal, em sede probatória, tenha validado.

O. Por tudo o que se deixou descrito, considera a Fazenda Pública que a Reclamante, não tendo junto nem no requerimento a solicitar a dispensa de reforço de garantia, nem com a petição de reclamação os elementos de prova capazes de demonstrar o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de inexistência de bens, acabou por incumprir o ónus probatório que sobre si impendia, que bem funda o indeferimento da pretensão de suspensão da execução fiscal com isenção da prestação do reforço de garantia.

P. Termos em que, verificado erro de facto e de direito na sentença sob recurso nos moldes supra expostos, que determinou a procedência da reclamação, subjacente à decisão de indeferimento do pedido de dispensa de reforço de garantia, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com a legais consequências.

A Recorrida não apresentou contra alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o douto parecer inserto a fls. 548 a 551 no sentido da procedência do recurso, no entendimento de que “(…) face ao ónus de prova que impende sobre a Reclamante, a AT não o pode substituir ou auxiliar, nessa demonstração, com base no argumento do princípio da colaboração ou do inquisitório, dado que, o que compete ao órgão de execução é decidir com base na prova que lhe é presente, a verificação ou não da insuficiência de bens.
E ao tribunal, compete apenas sindicar da legalidade da decisão que recair sobre tal e não, como no caso em apreço, se a AT deveria ter convidado a reclamante a apresentar meios adicionais de prova.(…)”

Dispensados os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, atenta a natureza urgente do presente processo, foi este submetido à Conferência para Julgamento.


DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão suscitada pela Recorrente e delimitada pela alegação de recurso e respectivas conclusões nos termos dos artigos 608º, 635ºnº s 3 e 4 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e art. 281º do CPPT consiste em determinar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao conceder provimento à reclamação deduzida pela Reclamante, ora Recorrida no entendimento de que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”,uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens.

FUNDAMENTOS

DE FACTO
A Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

“1) O Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 instaurou o processo de execução fiscal n.º 1910200801051768 em nome de F…, Lda., NIPC 5…, por dívidas de IRC dos exercícios de 2003 e 2004 no montante de €245.393,45 – cfr. fls. 128 a 130 dos autos.
2) Ao processo de execução fiscal descrito em 1) foi apenso o processo n.º 1910200801053396 instaurado por dívidas de IRC do exercício de 2005 no valor de €150.338,98 e n.º 1910200801093819 instaurado por dívidas de IVA dos períodos de 2003, 2004 e 2005 no montante de €242.583,10 – cfr. informação de fls. 5 e 6 dos autos.
3) A Reclamante deduziu impugnação judicial relativamente às dívidas descritas em 1) – cfr. fls. 143 a 145 dos autos.
4) Em 9.09.2008 a Reclamante ofereceu junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 como garantia o “estabelecimento comercial de armazém com entrada pelo nº … da rua… composto por uma zona ampla, dois WC, pátio de acesso na parte lateral direita, designada por letra “A”. Tem a área bruta privativa de 372 m2, inscrita na matriz Predial Urbana da freguesia de Vilar de Andorinho, sob o artigo nº 1… – “A” e descrita na conservatória do Registo Predial de VN Gaia, sob o número 0…, de Vilar de Andorinho (…)” – cfr. fls. 151 e 152 dos autos.
5) Em 22.09.2008 foi exarado auto de penhora sob o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vilar de Andorinho, sob o artigo 1…, fracção A com o valor patrimonial tributário de €184.145,88 – cfr. fls. 174 dos autos.
6) Em 22.09.2009 os processos de execução fiscal descritos em 1) e 2) foram suspensos – cfr. fls. 5 e 175 dos autos.
7) Em 29.09.2014 o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 emitiu informação com o seguinte teor: “(…) È de salientar que, ao executado, foi concedida a suspensão dos autos, tendo-se aceite os seguintes bens que o executado ofereceu como garantia:
O artigo urbano inscrito sob o artigo nº 1…, fracção “A” da freguesia de VILAR DE ANDORINHO, concelho de VN Gaia, distrito do Porto, com o VP de 196.720,14,
Os veículos com as seguintes matrícula: …ER e …ZT com o valor patrimonial total 1.500,00€ (sendo o VP de 500 €,00 de cada um).
Na presente data, o valor da garantia para assegurar o processo de execução fiscal supra e para ser possível a suspensão do mesmo, é de €1.116.736,33 (um milhão cento e dezasseis mil setecentos e trinta e seis euros e trinta e três cêntimos);
É de salientar que, em consulta ao Registo da Conservatória do Registo Predial de V. N Gaia, o artigo urbano inscrito sob o artigo nº1.., fracção “A” da freguesia de VILAR DE ANDORINHO, concelho de VN Gaia, distrito do Porto, não possui quaisquer ónus ou encargos, constatando apenas várias penhoras tendo como sujeito activo a Fazenda Pública, efectuadas nos anos de 2007 e 2008 (…)
Verificando-se que os bens apresentados para o efeito são de valor inferior (€198.220,14) para servirem de garantia para o valor solicitado (1.116.736,33€) sendo assim é de meu parecer que seja indicado garantia idónea da diferença em causa, que é de €919.516,19; (…)” – cfr. fls. 274 e 375 dos autos.
8) Sob a informação descrita em 7) recaiu em 29.09.2014 despacho nos seguintes termos: “(…) em face da informação que antecede, deverá prestar garantia por qualquer das formas previstas nos termos do nº 1 a 5 no artº 199º do CPPT. (…)
Verificando-se que os bens apresentados para o efeito são de valor inferior (€198.220.14) para servirem de garantia com o valor solicitado (1.116.736,33€), sendo assim solicito que seja indicada garantia idónea da diferença em causa, que é de €919.516,19 (…)” – cfr. fls. 376 dos autos.
9) O Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 remeteu em 30.09.2014 a R… na qualidade de mandatário da Reclamante o ofício n.º 6507 com o seguinte teor: “(...) Assunto: REFORÇO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA IDÓNEA (...) Fica Vª Exª, por este meio notificado (…) para, no prazo de 15 dias a contar desta notificação, cumprir o determinado (…)” – cfr. fls. 377 dos autos.
10) O ofício a que se alude em 9) foi recepcionado em 1.10.2014 – cfr. fls. 377 e 378 dos autos.
11) Em 14.10.2014 a Reclamante apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 solicitando a isenção da prestação do reforço da garantia com o seguinte teor: “(…) 16 – Quanto ao pressuposto da demonstração da irresponsabilidade da executada pela inexistência de bens para esse reforço, sobre esta questão, por todos, pode ver-se na conclusão da anotação nº 3 e 10 ao art. 52º da LGT, anotada e comentada (…)
17) Ora, a Executada, tendo sido enquanto laborou, uma pequena empresa de prestação de serviços ligados à electricidade e à construção civil, com a redução de actividade provocada pela crise que se instalou no sector da construção civil, e pelas penhoras efectuadas pela Administração Tributária, para garantia das dívidas antes referidas, dos créditos e da conta bancária da empresa, estas tiveram como consequência a impossibilidade de dispor de meios para continuar o exercício da sua actividade.
18) Num juízo de normalidade, face à sua pequena dimensão de empresa e de proveitos anuais, sem dificuldade se pode presumir que esse quadro se revelou avassalador e impossibilitou a continuação da sua actividade. Situaçãoesta apesar de todo o empenho possível dos seus gerentes em tentar ultrapassar, tal não foi possível. (…)” – cfr. fls. 33, 386 a 391 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12) Com o requerimento descrito em 11) a Reclamante apresentou cópias das declarações de IRC modelo 22 e declarações anuais dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e cópia de mapa dos bens tangíveis – cfr. fls. 392 a 401 dos autos.
13) A Área da Justiça Tributária da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto proferiu em 17.10.2014 a informação n.º 440/2014/DGDE com o seguinte teor: “(…) Do requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto de irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto este que tem necessariamente que ser demonstrado, quer se verifique prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicos pela insuficiência de bens. (…)
Sendo estas as rigorosas condições a observar para efeitos
III. Conclusão A executada é parte legítima no presente petitório, ao solicitar a dispensa de garantia nos termos do artigo 52º n.º 4 da LGT, não efectuou a sua petição de forma tempestiva conforme art. 170.º do CPPT.
A requerente não apresentou qualquer prova documental para além do já mencionado ou testemunhal, sendo que o ónus da prova recai sobre quem o invoque (n.º 1 do artigo 74º da LGT), e tem vindo a ser esta a posição da jurisprudência, citando a título de exemplo: (…)
Por outro lado, também não provou o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens. (…) - cfr. fls. 410 a 413 dos autos.
14) Sob a informação a que se alude em 13) recaiu em 25.11.2014 despacho nos seguintes termos: “Concordo com os fundamentos requeridos, indefiro o pedido.” – cfr. fls. 410 dos autos.
15) A Reclamante foi notificada da decisão descrita em 14) em 9.12.2014 – cfr. fls. 414 dos autos.
**
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), foram corroborados pelos documentos juntos, conforme preestabelece o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC), bem como o posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados.

DE DIREITO

Do erro de julgamento

Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação que a sociedade F…, LDA., deduziu contra o acto de indeferimento do pedido de dispensa de reforço de garantia com vista à suspensão de processo de execução fiscal n.º 1910200801051768 e apensos, contra si instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia, sendo que aquele indeferimento alicerçou-se na falta de prova, pela sociedade requerente, do pressuposto legal de ausência de responsabilidade sua na insuficiência ou inexistência de bens para prestação de garantia.

Cumpre, assim, entrar na análise da questão essencial suscitada pela recorrente e que se resume, em suma, em determinar se mal andou o Tribunal quo ao considerar que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”, uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens.
Brande a Recorrente Fazenda Pública, contra o assim decidido e em síntese, o argumento de que “(…)da parte da aqui Reclamante não foi apresentada qualquer prova conducente à sua irresponsabilidade pela inexistência de bens, como lhe competia, (…)até porque, tal ónus impendia sobre a Reclamante, (…) a Reclamante deveria concretizar factos que, podendo embora ter a sua génese na crise económica, foram os determinantes em termos de causalidade e sem que a mesma o pudesse evitar, para a situação a que chegou de inexistência de bens capazes de garantir a dívida em causa nos autos. (…) de acordo com a factualidade dada por assente na sentença recorrida, nenhum facto determinante da situação de inexistência de bens foi concretizado no procedimento e, menos ainda, demonstrado nos autos, pela Reclamante, que se limitou a debitar genericamente a crise económica que conduziu à situação de insuficiência ou inexistência de bens que alega. (…)O que significa que a Reclamante não logra fazer a prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na situação de inexistência de bens, mediante alegação de factos positivos tendentes à demonstração das reais causas da tal inexistência de bens que o tribunal, em sede probatória, tenha validado.(...).

Vindo a concluir que “a Reclamante, não tendo junto nem no requerimento a solicitar a dispensa de reforço de garantia, nem com a petição de reclamação os elementos de prova capazes de demonstrar o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de inexistência de bens, acabou por incumprir o ónus probatório que sobre si impendia, que bem funda o indeferimento da pretensão de suspensão da execução fiscal com isenção da prestação do reforço de garantia. “.

Sobre a questão decidenda, se pronunciou o tribunal a quo nos seguintes termos que parcialmente se transcrevem: “(…) atento o pedido de isenção de prestação de reforço garantia, vertido no probatório, ponto 11), conclui-se que a Reclamante alegou factualidade no sentido de comprovar a sua irresponsabilidade pela insuficiência dos bens, por forma a dar-se como verificado tal requisito da procedência da sua pretensão. Ademais e como decorre da petição dos presentes autos a Reclamante está convencida que os documentos juntos ao requerimento lograram comprovar a factualidade alegada em sede do requerimento de pedido de dispensa de reforço de prestação e garantia.
“Quanto a este requisito, pese embora as reconhecidas dificuldades na prova dos factos negativos, a jurisprudência tem entendido «dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado”, cfr. Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 17.12.2008, rec. 327/08.
Como resulta vertido no acervo probatório, ponto 12), para prova da dispensa do reforço da garantia a Reclamante apresentou cópias das declarações de IRC modelo 22 e declarações anuais dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e cópia de mapa dos bens tangíveis.
Ora, se dos documentos juntos pode-se depreender que a actividade da Reclamante mostra-se nos anos de 2011, 2012, 2013 efectivamente reduzida, quanto à origem dessa redução estes mostram-se despicientes.
Com efeito, não se vislumbra em que medida é que dos documentos apresentados resulte provado que a crise sentida no sector afectou significativamente a actividade prosseguida, dai resultando a irresponsabilidade da Reclamante pela insuficiência dos bens para pagamento da dívida e acrescidos.(…)
No caso sob apreciação, e como já aqui aventado, tendo a Reclamante apresentado factualidade e elementos de prova que considerou suficientes para o alegado, incumbia à AT nos seus deveres de inquisitório e de colaboração convidá-la a completar a prova apresentada, fosse por meio de documentos ou indicação de prova testemunhal, por forma a comprovar que a crise do sector económico da construção civil estiveram na origem da situação económica da Reclamante Assim, impera concluir que não tendo a AT convidado a Reclamante a apresentar meios adicionais de prova para demonstração cabal da factualidade alegada, violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, procedendo o que vem alegado.

Como sinteticamente referido supra, contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública, sustentando que o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela sociedade executada tinha de ser, por força da lei, instruído com os meios de prova dos factos que o sustentam, concretamente, com a prova dos factos relativos à ausência de culpa na insuficiência de bens, prova essa que para além de constituir um ónus que impende sobre a requerente, concerne a factos intrínsecos que exorbitam o âmbito da actividade inquisitória da administração tributária, sendo que nem a letra da lei nem a celeridade do procedimento permitem que esta dirija convites à requerente para produzir tal prova.

Importa, assim, antes de mais, e por facilidade de exposição, fazer o enquadramento legal e doutrinal do caso em análise.

Nos termos do regime ínsito no artigo 52º da LGT a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, sendo que a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. (cfr nº1 e 2 do art.52º e artigo 169º do CPPT).

Todavia, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, sendo competente para decidir da sua idoneidade o órgão de execução fiscal por força das disposições conjugadas dos nºs 8 do artigo 199º e 197º do CPPT.

Com efeito e na esteira do entendimento perfilhado pelo STA no Aresto de 7.01.2015, rec. 01489/14“No âmbito do procedimento para dispensa de prestação de garantia, o executado tem o ónus de alegar e comprovar os pressupostos factuais para a requerida dispensa, nomeadamente que a situação de inexistência/insuficiência de bens não lhe é imputável.”
Ora,“A responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens Cfr., Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa na "Lei Geral Tributária - Comentada e Anotada", Vislis, 2ª edição (2002).” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 05-02-2015, rec. 07929/14.“Quanto a este requisito, pese embora as reconhecidas dificuldades na prova dos factos negativos, a jurisprudência tem entendido «dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado”, cfr. Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 17.12.2008, rec. 327/08.

Por último impera realçar que o ónus de prova da verificação dos requisitos legalmente exigidos para a obtenção da dispensa total ou parcial de garantia, ou do respectivo reforço recai sobre o requerente, atento o regime ínsito no art. 74º, nº 1, da LGT, uma vez que é sobre a parte que almeja obter tal desiderato, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que impende o ónus da prova de que se verificam as condições ou pressupostos legais de que ele depende, porquanto estamos perante factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido (lembre-se o direito à dispensa de prestação/reforço de garantia) .

Feita esta breve incursão no regime jurídico que regula a dispensa de prestação de garantia ou do respectivo reforço, a questão que a Recorrente coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação do regime legal ínsito nos arts. 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT, na medida em que julgou que, no respectivo procedimento, a administração tributária devia ter dirigido convite à requerente para apresentar prova da materialidade relativa à falta de responsabilidade na sua insuficiência patrimonial, em obediência aos princípios do inquisitório e da colaboração e cooperação entre a AT e os contribuintes.

Destarte, o cerne da discórdia situa-se, não nos domínios do ónus probatório, mas diversamente, em sede da instrução do procedimento, mais concretamente na amplitude dos deveres de inquisição e de colaboração e cooperação entre a administração tributária e a contribuinte.

Atento o preceituado no art. 170º nº 3 do CPPT, resulta inequívoco que o requerimento de dispensa de prestação de garantia tem i)de conter a exposição das razões de facto e de direito que o fundamentam e ii)de ser acompanhado dos meios probatórios que o suportam, isto é, tem de ser feita a imediata apresentação dos meios de prova pelo requerente.

Neste sentido já se pronunciou o STA no acórdão de 19/12/2012, lavrado no processo nº 1298/12, segundo o qual: «No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.».

Estamos pois, perante um “princípio de preclusão procedimental” dirigido ao executado que almeja obter a dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na exacta medida em que define o momento procedimental em que o interessado deve alegar os factos que sustentam a sua pretensão e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando, assim, com a administração fiscal no sentido de evidenciar que preenche os pressupostos que a lei faz depender a aplicação desse regime, sob pena de não resultando demonstrados o interessado perder a oportunidade de obter aquele benefício.

Ressalta deste princípio que o legislador fiscal visou conciliar quer interesses de eficiência, quer de celeridade,quer economia procedimental, prevenindo o eventual prolongar e/ou retardar de um procedimento que tem a sua génese na vontade e iniciativa do executado e que assume carácter célere e urgente, uma vez que ao requerimento se lhe segue, de imediato, a decisão, não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de seguida,ponderando as razões de facto e de direito invocadas no requerimento e a prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse.

Se atentarmos no curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido (lembre-se, dez dias), conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar simultaneamente o requerimento onde formula a pretensão, e a prova da factualidade ali alegada como sustentáculo do seu pedido, ressalta manifesta a natureza urgente deste procedimento, onde o factor tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, ou seja, de obviar à ocultação ou dissipação de património susceptível de garantir a cobrabilidade da quantia exequenda e do acrescido, bem como, traduz uma opção legislativa clara no sentido de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não comporta um ónus desproporcionado sobre o requerente, atenta a especifica natureza do procedimento m apreço e os fins que por ele são prosseguidos.

Assim, o indeferimento imediato do pedido de dispensa de prestação ou reforço de garantia por total ausência de requerimento probatório representa um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, porquanto o requerente, por um lado não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e, por outro, na medida em que é ele quem está em melhores condições( ou melhor, em situação privilegiada) para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada e em que alicerça a sua pretensão, a que acresce o dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece nos seu art. 59º e que exige ao contribuinte, num manifesto sistema de “vasos comunicantes”, que este coopere activamente com a administração tributária, no sentido da descoberta da verdade, dever este que não pode deixar de ser lido em conjugação com a “regra mater “ relativa ao ónus da prova, ou seja, impende sobre o interessado o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação ou reforço de garantia, cabendo-lhe, assim, o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados tais requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si.

Contudo, todo o vertido supra não redunda na conclusão simplista de que a administração tributária não deva, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar quer os esclarecimentos que entenda essenciais à sua decisão, quer elementos de prova adicionais ou complementares.

Sobre esta matéria é esclarecedor o douto Acórdão do STA de 03.09.2014 , proferido no Rec 0718/14, que por adesão in totum à sua proficiente fundamentação passamos a transcrever:” Todavia, tal dever deve ser interpretado em termos hábeis, pois a investigação oficiosa pressupõe, no mínimo, que tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova que não ditem o indeferimento liminar e imediato do pedido. Se o requerente omite completamente a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou a dirigir convite ao requerente para apresentar a prova que ele completamente omitiu.

A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova num momento procedimental determinado, ficando a parte interessada negligentemente à espera do convite que a administração estaria obrigada fazer-lhe ou à espera do resultado das diligências probatórias que ela estaria obrigada a encetar oficiosamente e que, no âmbito de pedidos de dispensa de garantia, contendem até com factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração.

Deste modo, e visto que, em princípio, ao requerimento se segue a imediata decisão, é inquestionável que o legislador quis instituir um procedimento célere e urgente em que, salvo casos excepcionais, a prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia seja logo junta com o requerimento inicial sob pena de indeferimento imediato do pedido por falta de demonstração desses factos constitutivos. Todavia, pode e deve haver uma fase de instrução no caso de o requerente ter apresentado alguma prova; ou melhor, pode e deve existir uma actividade de averiguação por parte do órgão decisor com vista à determinação da verdade material que a prova apresentada pelo requerente pretende afirmar, pois tal proibição constituiria uma afronta ao princípio da investigação que informa o procedimento tributário (art. 58º da LGT) e que traduz o poder/dever que a administração tem de esclarecer autonomamente os factos sujeitos à sua apreciação, com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, só limitada pela existência de princípios como a da economia processual e da razoabilidade.

Porém, o exercício desses poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se para demonstrar os factos que invocou e cujo ónus probatório lhe assiste, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.

E existindo instrução e sendo aí colhidas informações e dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados pelo requerente, este não pode deixar de ser deles notificado, atento o princípio do contraditório que igualmente informa e estrutura o procedimento tributário – art. 45º do CPPT – tendo o direito de, no exercício desse contraditório, juntar documentos que possam, por sua vez, debilitar ou derrubar os elementos colhidos pela administração, assim se temperando o aludido princípio da preclusão com os princípios do inquisitório, do contraditório e da imparcialidade.

A observância dos princípios do inquisitório e da cooperação não implicam, pois, para a administração, o dever de se substituir ao contribuinte na articulação dos factos e na apresentação da prova que, nos termos da lei, a este compete invocar e apresentar num procedimento célere da sua estrita iniciativa; todavia, tal não significa que a administração não deva, à luz desses princípios, empenhar-se em criar condições para poder vir a proferir uma decisão de mérito, convidando o requerente a aperfeiçoar as deficiências formais do requerimento, isto é, as suas imprecisões e inexactidões, de lhe solicitar o esclarecimento de dúvidas, de lhe pedir meios de prova complementares caso considere que o requerimento se encontra deficientemente instruído e que necessita de prova adicional para a comprovação de factos essenciais, bem como de colher oficiosamente dados e informações susceptíveis de confirmar ou infirmar os factos alegados e os elementos documentais apresentados pelo requerente. Mas, como se disse, o exercício destes poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.

Por conseguinte, o art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido. Já se for apresentada alguma prova com esse requerimento, o interessado poderá ainda apresentar outros elementos de prova caso a administração lhe solicite o esclarecimento de dúvidas ou meios de prova complementares ou adicionais ou, no caso de ocorrer instrução, de serem colhidos dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados com o requerimento inicial. Para além disso, o dever de apresentação dos meios de prova juntamente com o requerimento inicial também claudicará no caso de a prova que o requerente pretende utilizar se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária, bastando então, para que deles se possa prevalecer, que o requerente os identifique no seu requerimento (art. 74º, nº 2, da LGT), ou se, por razões fundamentadas, for impossível juntar a prova dentro do prazo de apresentação daquele requerimento.

Sufraga-se, assim, mais uma vez, o entendimento expresso no acórdão desta Secção no aludido processo nº 1298/12 (em que a presente Relatora interveio como Adjunta), no sentido de que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelo requerente para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que solicita essa dispensa. Mas mais se acrescenta que a completa omissão de requerimento probatório pelo requerente não implica para a administração o dever de suprimento oficioso da lacuna, conduzindo, antes, ao indeferimento imediato do pedido. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.

Entende-se ser esta a solução mais defensável do ponto de vista do regime jurídico do procedimento tributário, tendo em conta que cabe plenamente nos poderes/deveres da administração este tipo de diligência, de colher oficiosamente ou junto do contribuinte interessado (através de convite para a sua junção) a documentação adicional considerada essencial para a prova de um facto fundamental do núcleo complexo que integra a alegada causa de pedir da requerida dispensa de prestação de garantia. É precisamente nestes casos que os deveres que impendem simultaneamente sobre o contribuinte (ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga) e a administração tributária (deveres inquisitórios, de colaboração e, em última análise, de cooperação procedimental) têm de ser adequadamente conjugados, nomeadamente nos termos previstos no art. 48º, nº 1, do CPPT, segundo o qual «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem».

Tal é o também entendimento que se nos afigura mais adequado à observância dos princípios da eficiência e economia procedimental, do inquisitório e da colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, bem como da justiça material, sendo que a urgência do procedimento não é incompatível com o convite para o requerente juntar, num prazo razoavelmente curto fixado pelo órgão administrativo decisor, os meios de prova julgados necessários face à factualidade alegada. Se até no processo judicial o juiz está legalmente obrigado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, colaborando activamente com as partes e convidando-as a carrear para o processo todos os documentos que considere essenciais [cfr. arts. 6º, 7º, e 590º, nºs 2 e 3) do actual CPC, e 114º do CPPT], por maioria de razão isso deve acontecer no procedimento tributário, sujeito a regras de simplicidade, celeridade e economia procedimental, traduzidas na prevalência de actuações desburocratizadas e nas quais prevalece o dever de investigação e de imparcialidade para o órgão decisor, que o obrigam a carrear (ou convidar a carrear) para o procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afigurem necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo que do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da administração tributária isso lhe seja desfavorável. (…).

Volvendo in casu e como resulta vertido do acervo probatório, ponto 6), em 22.09.2009 o processo de execução fiscal e apensos foi suspenso na sequência da penhora de bens da executada, concretamente, um imóvel e veículos automóveis (cfr. pontos 5) e 7) da factualidade assente).

Contudo, atenta a manifesta insuficiência do valor dos bens penhorados (€198.220,14) face ao valor a garantir (€1.116.736,33) o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, em 29.09.2014, proferiu despacho determinando que a Reclamante deveria prestar garantia idónea no valor de €919.516,19, correspondente ao diferencial entre os valor dos bens penhorados e o cálculo da garantia a prestar ( cfr. ponto 8 dos factos provados), na sequência do que a ora Recorrida requereu dispensa de prestação de reforço de garantia (cfr. ponto 11) do acervo), juntando a prova documental que reputou suficiente para sustentar os factos alegados como suporte da sua pretensão.

Porém, a Administração Tributária entendeu que a executada não provou o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, por insuficiência da prova apresentada.
Ora, perscrutado o requerimento de isenção de prestação de reforço garantia, formulado pela Recorrida (ponto 11 do probatório), verifica-se que a Reclamante alegou factualidade no sentido de comprovar a sua irresponsabilidade pela insuficiência de bens e juntou documentos que, no seu entendimento,lograram comprovar a factualidade vertida no requerimento de pedido de dispensa de reforço de prestação de garantia, concretamente, apresentou cópias das declarações de IRC modelo 22 e declarações anuais dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e cópia de mapa dos bens tangíveis.
Como se refere na Sentença Recorrida“Ora, se dos documentos juntos pode-se depreender que a actividade da Reclamante mostra-se nos anos de 2011, 2012, 2013 efectivamente reduzida, quanto à origem dessa redução estes mostram-se despicientes.
Com efeito, não se vislumbra em que medida é que dos documentos apresentados resulte provado que a crise sentida no sector afectou significativamente a actividade prosseguida, dai resultando a irresponsabilidade da Reclamante pela insuficiência dos bens para pagamento da dívida e acrescidos.(…)
No caso sob apreciação, e como já aqui aventado, tendo a Reclamante apresentado factualidade e elementos de prova que considerou suficientes para o alegado, incumbia ao autor do acto reclamado, nos seus deveres de inquisitório e de colaboração, convidá-la a completar a prova apresentada, fosse por meio de documentos ou indicação de prova testemunhal, por forma a comprovar o circunstancialismo não imputável à Reclamante (nomeadamente de que a crise do sector económico da construção civil estiveram na origem da situação económica)que a impede de prestar garantia pelo valor indicado.

Assim, na esteira da doutrina propugnada, e considerando que a requerente não omitiu por completo a indicação de elementos de prova com o pedido de dispensa do pagamento do reforço de garantia – pese embora eles não contemplem todos os factos alegados, constituindo, portanto, prova insuficiente para o fim em vista – cumpria ao órgão decisor, no âmbito dos seus deveres inquisitórios e de colaboração com a requerente, convidá-la a completar a prova apresentada, mediante a junção de documentação adicional para prova de factos considerados essenciais para a requerida dispensa, (no caso vertente,a falta de responsabilidade pela insuficiência dos bens apresentados como garantia e pela inexistência de outros bens), tendo em conta que tal pode ser comprovado através de elementos extraídos da contabilidade da sociedade, evidenciadores nomeadamente da evolução do seu activo e do seu passivo ao longo dos últimos anos, quer demonstrativos de que não houve ocultação ou dissipação de património, desvio de rendimentos,empréstimos aos sócios ou remunerações excessivas, em suma de na génese da actual insuficiência de bens não encontra qualquer actuação culposa da executada.

Destarte, e no entendimento de que o órgão administrativo decisor tinha o dever de convidar a sociedade requerente a apresentar meios adicionais de prova para demonstração cabal da factualidade alegada, e que não o tendo feito violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, improcedem totalmente as conclusões da alegação da Recorrente,impondo-se confirmara decisão aqui sindicada.


*****

DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão judicial recorrida inalterada na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Porto,15 de Outubro de 2015
Ass. Ana Paula Santos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Ana Patrocínio