Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00879/15.1BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 10/15/2015 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Ana Paula Santos |
Descritores: | RECLAMAÇÃO DAS DECISÕES DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA PRINCIPIO DO INQUISITÓRIO PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS CONVITE |
Sumário: | I- O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido. II - Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | F..., Lda. |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal dom Porto, que julgou procedente a reclamação deduzida pela entidade Recorrida, F…, LDA, contra o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 que indeferiu requerimento de dispensa de prestação de reforço de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1910200801051768 e apensos. Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: B. Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela ilegalidade do despacho que indeferiu a isenção de prestação de reforço da garantia por entender que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”, uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens. C. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a Douta Sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e de direito, como a seguir se argumentará e concluirá. D. Perante a questão controvertida, isto é, se se encontra provada nos autos a verificação dos pressupostos de que depende a concessão de prestação de garantia, uma vez que a Reclamante invocou todos os previstos no n.º 4 do art. 52º da LGT, entendeu a Meritíssima Juíza a quo como provado, relativamente aos dois requisitos alternativos - prestação de garantia cause prejuízo irreparável ou cause falta de meios económicos – que a situação económico-financeira da executada inviabiliza a prestação de garantia. E. E, por outro lado, relativamente ao requisito da falta de culpa pela inexistência de bens, a Meritíssima Juíza considerou que dos documentos apresentados não se pode retirar em que medida a crise económica tenha afectado a actividade prosseguida, entendendo que, com a sua alegação por parte da Reclamante, a AT deveria convidar a apresentar meios adicionais de prova. F. Conforme refere a sentença recorrida, “da conjugação do estabelecido pelo artigo 52º da LGT com o disposto no nº 3 do artigo 170º do CPPT, resulta que o Reclamante ao requerer a dispensa de prestação de garantia deve fundamentar o seu pedido de facto e de direito e instruí-lo com a prova documental necessária.” (sublinhado nosso) G. Primordialmente, no que se refere ao probatório, a Reclamante não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, jurisprudencialmente consagrado no douto acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 5/7/2012, proferido no processo 0286/12, porque, em violação dos arts. 52º da LGT e 170º do CPPT, não provou que se verificavam as condições para a dispensa de prestação de reforço da garantia, na medida em que, não foi capaz de trazer aos autos qualquer elemento que contribuísse para a conclusão de que não foi responsável pela insuficiência de bens que a impossibilita de prestar a garantia necessária para a suspensão do processo de execução fiscal. I. o que, conforme sumário do Acórdão do STA, de 2014/09/03, processo 0718/14, conduz ao indeferimento imediato do pedido de dispensa de reforço de garantia, na medida em que, é sobre a Reclamante que recai o ónus de provar que se verificam todas as condições de que tal dispensa depende. J. Pelo que, além do mais, não se pode conformar a Fazenda Pública com a conclusão, que conduziu à procedência da reclamação, de que a AT violou o principio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, quando, da parte da aqui Reclamante não foi apresentada qualquer prova conducente à sua irresponsabilidade pela inexistência de bens, como lhe competia, K. até porque, tal ónus impendia sobre a Reclamante, como se encontra jurisprudencialmente consagrado em plena conformidade com o enquadramento legal vigente sobre a matéria, materializado nos arts. 52º da LGT e 170º do CPPT. L. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a Reclamante deveria concretizar factos que, podendo embora ter a sua génese na crise económica, foram os determinantes em termos de causalidade e sem que a mesma o pudesse evitar, para a situação a que chegou de inexistência de bens capazes de garantir a dívida em causa nos autos. M. Ora, de acordo com a factualidade dada por assente na sentença recorrida, nenhum facto determinante da situação de inexistência de bens foi concretizado no procedimento e, menos ainda, demonstrado nos autos, pela Reclamante, que se limitou a debitar genericamente a crise económica que conduziu à situação de insuficiência ou inexistência de bens que alega. N. O que significa que a Reclamante não logra fazer a prova do facto negativo que é a sua irresponsabilidade na situação de inexistência de bens, mediante alegação de factos positivos tendentes à demonstração das reais causas da tal inexistência de bens que o tribunal, em sede probatória, tenha validado. P. Termos em que, verificado erro de facto e de direito na sentença sob recurso nos moldes supra expostos, que determinou a procedência da reclamação, subjacente à decisão de indeferimento do pedido de dispensa de reforço de garantia, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR A questão suscitada pela Recorrente e delimitada pela alegação de recurso e respectivas conclusões nos termos dos artigos 608º, 635ºnº s 3 e 4 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e art. 281º do CPPT consiste em determinar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao conceder provimento à reclamação deduzida pela Reclamante, ora Recorrida no entendimento de que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”,uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens. FUNDAMENTOS DE DIREITO Do erro de julgamento Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação que a sociedade F…, LDA., deduziu contra o acto de indeferimento do pedido de dispensa de reforço de garantia com vista à suspensão de processo de execução fiscal n.º 1910200801051768 e apensos, contra si instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia, sendo que aquele indeferimento alicerçou-se na falta de prova, pela sociedade requerente, do pressuposto legal de ausência de responsabilidade sua na insuficiência ou inexistência de bens para prestação de garantia. Cumpre, assim, entrar na análise da questão essencial suscitada pela recorrente e que se resume, em suma, em determinar se mal andou o Tribunal quo ao considerar que a AT “violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte”, uma vez que, não solicitou meios adicionais de prova para demonstrar a irresponsabilidade da Reclamante na inexistência de bens. Vindo a concluir que “a Reclamante, não tendo junto nem no requerimento a solicitar a dispensa de reforço de garantia, nem com a petição de reclamação os elementos de prova capazes de demonstrar o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de inexistência de bens, acabou por incumprir o ónus probatório que sobre si impendia, que bem funda o indeferimento da pretensão de suspensão da execução fiscal com isenção da prestação do reforço de garantia. “. Sobre a questão decidenda, se pronunciou o tribunal a quo nos seguintes termos que parcialmente se transcrevem: “(…) atento o pedido de isenção de prestação de reforço garantia, vertido no probatório, ponto 11), conclui-se que a Reclamante alegou factualidade no sentido de comprovar a sua irresponsabilidade pela insuficiência dos bens, por forma a dar-se como verificado tal requisito da procedência da sua pretensão. Ademais e como decorre da petição dos presentes autos a Reclamante está convencida que os documentos juntos ao requerimento lograram comprovar a factualidade alegada em sede do requerimento de pedido de dispensa de reforço de prestação e garantia. Importa, assim, antes de mais, e por facilidade de exposição, fazer o enquadramento legal e doutrinal do caso em análise. Nos termos do regime ínsito no artigo 52º da LGT a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, sendo que a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. (cfr nº1 e 2 do art.52º e artigo 169º do CPPT). Todavia, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, sendo competente para decidir da sua idoneidade o órgão de execução fiscal por força das disposições conjugadas dos nºs 8 do artigo 199º e 197º do CPPT. Com efeito e na esteira do entendimento perfilhado pelo STA no Aresto de 7.01.2015, rec. 01489/14“No âmbito do procedimento para dispensa de prestação de garantia, o executado tem o ónus de alegar e comprovar os pressupostos factuais para a requerida dispensa, nomeadamente que a situação de inexistência/insuficiência de bens não lhe é imputável.” Por último impera realçar que o ónus de prova da verificação dos requisitos legalmente exigidos para a obtenção da dispensa total ou parcial de garantia, ou do respectivo reforço recai sobre o requerente, atento o regime ínsito no art. 74º, nº 1, da LGT, uma vez que é sobre a parte que almeja obter tal desiderato, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que impende o ónus da prova de que se verificam as condições ou pressupostos legais de que ele depende, porquanto estamos perante factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido (lembre-se o direito à dispensa de prestação/reforço de garantia) . Feita esta breve incursão no regime jurídico que regula a dispensa de prestação de garantia ou do respectivo reforço, a questão que a Recorrente coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação do regime legal ínsito nos arts. 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT, na medida em que julgou que, no respectivo procedimento, a administração tributária devia ter dirigido convite à requerente para apresentar prova da materialidade relativa à falta de responsabilidade na sua insuficiência patrimonial, em obediência aos princípios do inquisitório e da colaboração e cooperação entre a AT e os contribuintes. Destarte, o cerne da discórdia situa-se, não nos domínios do ónus probatório, mas diversamente, em sede da instrução do procedimento, mais concretamente na amplitude dos deveres de inquisição e de colaboração e cooperação entre a administração tributária e a contribuinte. Atento o preceituado no art. 170º nº 3 do CPPT, resulta inequívoco que o requerimento de dispensa de prestação de garantia tem i)de conter a exposição das razões de facto e de direito que o fundamentam e ii)de ser acompanhado dos meios probatórios que o suportam, isto é, tem de ser feita a imediata apresentação dos meios de prova pelo requerente. Neste sentido já se pronunciou o STA no acórdão de 19/12/2012, lavrado no processo nº 1298/12, segundo o qual: «No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.». Estamos pois, perante um “princípio de preclusão procedimental” dirigido ao executado que almeja obter a dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na exacta medida em que define o momento procedimental em que o interessado deve alegar os factos que sustentam a sua pretensão e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando, assim, com a administração fiscal no sentido de evidenciar que preenche os pressupostos que a lei faz depender a aplicação desse regime, sob pena de não resultando demonstrados o interessado perder a oportunidade de obter aquele benefício. Ressalta deste princípio que o legislador fiscal visou conciliar quer interesses de eficiência, quer de celeridade,quer economia procedimental, prevenindo o eventual prolongar e/ou retardar de um procedimento que tem a sua génese na vontade e iniciativa do executado e que assume carácter célere e urgente, uma vez que ao requerimento se lhe segue, de imediato, a decisão, não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de seguida,ponderando as razões de facto e de direito invocadas no requerimento e a prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse. Se atentarmos no curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido (lembre-se, dez dias), conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar simultaneamente o requerimento onde formula a pretensão, e a prova da factualidade ali alegada como sustentáculo do seu pedido, ressalta manifesta a natureza urgente deste procedimento, onde o factor tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, ou seja, de obviar à ocultação ou dissipação de património susceptível de garantir a cobrabilidade da quantia exequenda e do acrescido, bem como, traduz uma opção legislativa clara no sentido de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não comporta um ónus desproporcionado sobre o requerente, atenta a especifica natureza do procedimento m apreço e os fins que por ele são prosseguidos. Assim, o indeferimento imediato do pedido de dispensa de prestação ou reforço de garantia por total ausência de requerimento probatório representa um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, porquanto o requerente, por um lado não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e, por outro, na medida em que é ele quem está em melhores condições( ou melhor, em situação privilegiada) para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada e em que alicerça a sua pretensão, a que acresce o dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece nos seu art. 59º e que exige ao contribuinte, num manifesto sistema de “vasos comunicantes”, que este coopere activamente com a administração tributária, no sentido da descoberta da verdade, dever este que não pode deixar de ser lido em conjugação com a “regra mater “ relativa ao ónus da prova, ou seja, impende sobre o interessado o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação ou reforço de garantia, cabendo-lhe, assim, o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados tais requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si. Contudo, todo o vertido supra não redunda na conclusão simplista de que a administração tributária não deva, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar quer os esclarecimentos que entenda essenciais à sua decisão, quer elementos de prova adicionais ou complementares. Sobre esta matéria é esclarecedor o douto Acórdão do STA de 03.09.2014 , proferido no Rec 0718/14, que por adesão in totum à sua proficiente fundamentação passamos a transcrever:” Todavia, tal dever deve ser interpretado em termos hábeis, pois a investigação oficiosa pressupõe, no mínimo, que tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova que não ditem o indeferimento liminar e imediato do pedido. Se o requerente omite completamente a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou a dirigir convite ao requerente para apresentar a prova que ele completamente omitiu. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova num momento procedimental determinado, ficando a parte interessada negligentemente à espera do convite que a administração estaria obrigada fazer-lhe ou à espera do resultado das diligências probatórias que ela estaria obrigada a encetar oficiosamente e que, no âmbito de pedidos de dispensa de garantia, contendem até com factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração. Deste modo, e visto que, em princípio, ao requerimento se segue a imediata decisão, é inquestionável que o legislador quis instituir um procedimento célere e urgente em que, salvo casos excepcionais, a prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia seja logo junta com o requerimento inicial sob pena de indeferimento imediato do pedido por falta de demonstração desses factos constitutivos. Todavia, pode e deve haver uma fase de instrução no caso de o requerente ter apresentado alguma prova; ou melhor, pode e deve existir uma actividade de averiguação por parte do órgão decisor com vista à determinação da verdade material que a prova apresentada pelo requerente pretende afirmar, pois tal proibição constituiria uma afronta ao princípio da investigação que informa o procedimento tributário (art. 58º da LGT) e que traduz o poder/dever que a administração tem de esclarecer autonomamente os factos sujeitos à sua apreciação, com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, só limitada pela existência de princípios como a da economia processual e da razoabilidade. Porém, o exercício desses poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se para demonstrar os factos que invocou e cujo ónus probatório lhe assiste, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte. E existindo instrução e sendo aí colhidas informações e dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados pelo requerente, este não pode deixar de ser deles notificado, atento o princípio do contraditório que igualmente informa e estrutura o procedimento tributário – art. 45º do CPPT – tendo o direito de, no exercício desse contraditório, juntar documentos que possam, por sua vez, debilitar ou derrubar os elementos colhidos pela administração, assim se temperando o aludido princípio da preclusão com os princípios do inquisitório, do contraditório e da imparcialidade. A observância dos princípios do inquisitório e da cooperação não implicam, pois, para a administração, o dever de se substituir ao contribuinte na articulação dos factos e na apresentação da prova que, nos termos da lei, a este compete invocar e apresentar num procedimento célere da sua estrita iniciativa; todavia, tal não significa que a administração não deva, à luz desses princípios, empenhar-se em criar condições para poder vir a proferir uma decisão de mérito, convidando o requerente a aperfeiçoar as deficiências formais do requerimento, isto é, as suas imprecisões e inexactidões, de lhe solicitar o esclarecimento de dúvidas, de lhe pedir meios de prova complementares caso considere que o requerimento se encontra deficientemente instruído e que necessita de prova adicional para a comprovação de factos essenciais, bem como de colher oficiosamente dados e informações susceptíveis de confirmar ou infirmar os factos alegados e os elementos documentais apresentados pelo requerente. Mas, como se disse, o exercício destes poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte. Por conseguinte, o art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido. Já se for apresentada alguma prova com esse requerimento, o interessado poderá ainda apresentar outros elementos de prova caso a administração lhe solicite o esclarecimento de dúvidas ou meios de prova complementares ou adicionais ou, no caso de ocorrer instrução, de serem colhidos dados susceptíveis de infirmar os elementos documentais apresentados com o requerimento inicial. Para além disso, o dever de apresentação dos meios de prova juntamente com o requerimento inicial também claudicará no caso de a prova que o requerente pretende utilizar se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária, bastando então, para que deles se possa prevalecer, que o requerente os identifique no seu requerimento (art. 74º, nº 2, da LGT), ou se, por razões fundamentadas, for impossível juntar a prova dentro do prazo de apresentação daquele requerimento. Sufraga-se, assim, mais uma vez, o entendimento expresso no acórdão desta Secção no aludido processo nº 1298/12 (em que a presente Relatora interveio como Adjunta), no sentido de que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelo requerente para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que solicita essa dispensa. Mas mais se acrescenta que a completa omissão de requerimento probatório pelo requerente não implica para a administração o dever de suprimento oficioso da lacuna, conduzindo, antes, ao indeferimento imediato do pedido. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista. Entende-se ser esta a solução mais defensável do ponto de vista do regime jurídico do procedimento tributário, tendo em conta que cabe plenamente nos poderes/deveres da administração este tipo de diligência, de colher oficiosamente ou junto do contribuinte interessado (através de convite para a sua junção) a documentação adicional considerada essencial para a prova de um facto fundamental do núcleo complexo que integra a alegada causa de pedir da requerida dispensa de prestação de garantia. É precisamente nestes casos que os deveres que impendem simultaneamente sobre o contribuinte (ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga) e a administração tributária (deveres inquisitórios, de colaboração e, em última análise, de cooperação procedimental) têm de ser adequadamente conjugados, nomeadamente nos termos previstos no art. 48º, nº 1, do CPPT, segundo o qual «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem». Tal é o também entendimento que se nos afigura mais adequado à observância dos princípios da eficiência e economia procedimental, do inquisitório e da colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, bem como da justiça material, sendo que a urgência do procedimento não é incompatível com o convite para o requerente juntar, num prazo razoavelmente curto fixado pelo órgão administrativo decisor, os meios de prova julgados necessários face à factualidade alegada. Se até no processo judicial o juiz está legalmente obrigado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, colaborando activamente com as partes e convidando-as a carrear para o processo todos os documentos que considere essenciais [cfr. arts. 6º, 7º, e 590º, nºs 2 e 3) do actual CPC, e 114º do CPPT], por maioria de razão isso deve acontecer no procedimento tributário, sujeito a regras de simplicidade, celeridade e economia procedimental, traduzidas na prevalência de actuações desburocratizadas e nas quais prevalece o dever de investigação e de imparcialidade para o órgão decisor, que o obrigam a carrear (ou convidar a carrear) para o procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afigurem necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo que do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da administração tributária isso lhe seja desfavorável. (…). Volvendo in casu e como resulta vertido do acervo probatório, ponto 6), em 22.09.2009 o processo de execução fiscal e apensos foi suspenso na sequência da penhora de bens da executada, concretamente, um imóvel e veículos automóveis (cfr. pontos 5) e 7) da factualidade assente). Contudo, atenta a manifesta insuficiência do valor dos bens penhorados (€198.220,14) face ao valor a garantir (€1.116.736,33) o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, em 29.09.2014, proferiu despacho determinando que a Reclamante deveria prestar garantia idónea no valor de €919.516,19, correspondente ao diferencial entre os valor dos bens penhorados e o cálculo da garantia a prestar ( cfr. ponto 8 dos factos provados), na sequência do que a ora Recorrida requereu dispensa de prestação de reforço de garantia (cfr. ponto 11) do acervo), juntando a prova documental que reputou suficiente para sustentar os factos alegados como suporte da sua pretensão. Porém, a Administração Tributária entendeu que a executada não provou o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, por insuficiência da prova apresentada. Assim, na esteira da doutrina propugnada, e considerando que a requerente não omitiu por completo a indicação de elementos de prova com o pedido de dispensa do pagamento do reforço de garantia – pese embora eles não contemplem todos os factos alegados, constituindo, portanto, prova insuficiente para o fim em vista – cumpria ao órgão decisor, no âmbito dos seus deveres inquisitórios e de colaboração com a requerente, convidá-la a completar a prova apresentada, mediante a junção de documentação adicional para prova de factos considerados essenciais para a requerida dispensa, (no caso vertente,a falta de responsabilidade pela insuficiência dos bens apresentados como garantia e pela inexistência de outros bens), tendo em conta que tal pode ser comprovado através de elementos extraídos da contabilidade da sociedade, evidenciadores nomeadamente da evolução do seu activo e do seu passivo ao longo dos últimos anos, quer demonstrativos de que não houve ocultação ou dissipação de património, desvio de rendimentos,empréstimos aos sócios ou remunerações excessivas, em suma de na génese da actual insuficiência de bens não encontra qualquer actuação culposa da executada. Destarte, e no entendimento de que o órgão administrativo decisor tinha o dever de convidar a sociedade requerente a apresentar meios adicionais de prova para demonstração cabal da factualidade alegada, e que não o tendo feito violou o princípio do inquisitório e o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, improcedem totalmente as conclusões da alegação da Recorrente,impondo-se confirmara decisão aqui sindicada. ***** DECISÃO Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão judicial recorrida inalterada na ordem jurídica. Custas pela Recorrente. Porto,15 de Outubro de 2015 Ass. Fernanda Esteves Ass. Ana Patrocínio |