Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00327/09.6BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 01/22/2016 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Esperança Mealha |
Descritores: | CESSAÇÃO DO DIREITO DE REVERSÃO |
Sumário: | “O Código das Expropriações de 1991 aplica-se aos pedidos de reversão feitos após a sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a expropriações realizadas ao abrigo de anteriores diplomas legais. Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 5.º do CE/91, o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação dos bens expropriados” (Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 01.10.2003, P. 037653).* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | CELESTIAL ORDEM TERCEIRA DA ST |
Recorrido 1: | ... – TERMINAIS DE PORTUGAL, SA, e o MINISTÉRIO DA ECONOMIA |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório CELESTIAL ORDEM TERCEIRA DA ST interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto que, com fundamento em cessação/caducidade do direito à reversão, julgou improcedente a ação administrativa comum intentada pela Recorrente contra T... – TERMINAIS DE PORTUGAL, SA, e o MINISTÉRIO DA ECONOMIA, como interveniente, na qual a Autora pedia o reconhecimento do direito à reversão sobre a parcela identificada nos autos e que lhe foi expropriada (em 1979) e posteriormente transmitida à 1.ª Ré. A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: 1. No âmbito do direito constitucional a declaração de inconstitucionalidade nos termos do artº 282º da CRP, aplicável as situações concretas emergentes dos processos (repristinação concreta) não remete para os princípios gerais do direito, mas repõe em vigor a norma revogada pela disposição inconstitucional. Ao assim não decidir a sentença causou-nos agravo. 2. No Caso concreto, a reversão, derivada da expropriação de 1979 mostra-se regulada pelo artigo 7º nº 1 do Dec-Lei 845/76 (Código das Expropriações, 1976), que afastava tal direito, quando, como no caso ocorria, a entidade expropriante fosse publica. Tal norma foi considerada inconstitucional, pois no leque de direitos inerentes à propriedade no artº 62º nº 2 da CRP, foi considerado o direito de reversão. 3. Também na sentença “a quo”, aplica erradamente o princípio “tempus regit actum”, pois uma coisa é a aplicação da lei aos atos verificados sob a sua vigência, outra, diferente, a sucessão de leis aplicáveis a uma situação jurídica concreta. Um princípio geral estabelecido no artigo 12 do Código Civil, estabelece que “a lei só dispõe para o futuro”, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Neste sentido, e paradoxalmente, o acórdão do STA, em que se louva o sr. Juiz “a quo”, que aplica a doutrina correta, e diz o contrário do que pretende o sr, Juiz “a quo”, ao exigir que o prazo de dois anos decorra na vigência do novo Código, que lhe marca o termo inicial, e não antes da vigência. 4. As expropriações ocorreram ao longo do ano de 1979, e por isso também sob a Constituição da Republica de 2 de Abril de 1976, a qual, no leque de direitos de tutela da propriedade, constantes do artigo 62º nº 2, continha o direito de reversão, razão porque o artigo 7º nº 1 do Dec-Lei 845/76 de 11/12, que por a entidade expropriante ser pública excluía o direito de reversão foi considerado inconstitucional. 5. O Dec-Lei 845/76 de 11/12, veio a revogar o nº 1 do artº 9º da Dec-Lei 71/76 de 27 de Janeiro que extinguia o direito de reversão. Tal norma revela-se inconstitucional quando aplicada a situações nascidas sob a égide da Constituição de 1976, como ocorre nas expropriações em apreço ocorridas em 1979. 6. A repristinação está em sede constitucional prevista no artº 282º da CRP e tem em vista a inconstitucionalidade abstracta. O enquadramento legal é óbvio. Quando o Tribunal Constitucional julga em primeira instância, independentemente de qualquer caso concreto e, em tal eventualidade tem de indicar a norma substitutiva da norma anulada, com eficácia “ex tune” e portanto, efeito retroactivo. O critério legal é recorrer à norma revogada, por aquela declarada inconstitucional. 7. O caso em apreço é de fiscalização sucessiva concreta, de aplicação sob controle judicial, a um caso concreto de reversão, que foi declarado inconstitucional. O juízo da inconstitucionalidade mesmo quando proferida em sede de fiscalização concreta destrói retroactivamente os seus efeitos. Logo, verificando-se os pressupostos da repristinação os tribunais e as autoridades administrativas devem resolver a questão no quadro legal antecedente repristinado em consequência da desaplicação reputada inconstitucional. 8. A norma repristinada no artº 7º nº 1 do Dec-Lei 845/76 é o arº 9º nº 1 da Dec-Lei 71/76, o qual exclui o direito de reversão e que, por inconstitucionalidade sucessivo com a entrada em vigor da Constituição de 1976, se tornou também inconstitucional. 9. A dupla repristinação origina um processo dirigido ao Tribunal Constitucional, como qualquer outro submetido ao princípio do pedido e assim Gomes Canotilho e Vital Moreira preconizam um pedido subsidiário de inconstitucionalidade da norma repristinada, mas Jorge Miranda não coloca idênticas reservas. 10. A norma repristinada pela Dec-Lei 71/76 é a Lei 2030 de 22 de Junho de 1948. É corrente afirmar-se que, face à Lei 2030, o prazo de caducidade do direito de reversão do expropriado e, no anverso, o prazo de consolidação do direito do expropriante era de 30 anos. 11. A afirmação carece melhor esclarecimento, pois a Lei 2030, no nº 2 do seu artigo 8º apenas fixa tal prazo de 30 anos, quando a entidade expropriante for particular. Quando é pública, não fixa qualquer prazo. 12. Não é admissível que o direito de eversão em caso de desafectação dos bens seja perpétuo. A nossa ordem jurídica é tendencialmente infensa a onerações perpétuas do direito de propriedade. Há de haver um momento em que a situação se consolida definitivamente na titularidade do ente público cessando a oneração em benefício particular. A lei, nomeadamente o Código das Expropriações, não nos oferece nenhuma determinação (nota; reporta-se ao Código das Expropriações de 76). Mesmo assim há de admitir a não perpetuidade 13. O atrás dito reporta-se a um estudo de José Oliveira Ascensão, o qual colmata o vazio legislativo pelo recurso aos princípios do Direito Civil, o que bem se explica, mas não se pode aceitar. Bem se explica porque, quando foi feito este estudo ainda, a evolução jurídica não havia considerado a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 7º do Dec-Lei 845/76. No estudo parte-se do nº 2 do art.º 7, que se reporta a expropriação por entidade particular, e nesta óptica, constitucional, não levantando um problema de repristinação da norma, mas de mera integração. Não se pode aceitar desde que se estabeleceu a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 7 do Dec-Lei 845/76 (que não é o versado no estudo), o que implica o recurso à norma revogada, que é a Lei 2030. 14. A inconstitucionalidade ao nº 1 do artº 7º do Dec-Lei 845/76 e do artº. 9 nº 1 da Dec-Lei 71/76, tem como norma, repristinada a Lei 2030, no seu artigo 8º nº1. 15. O artigo 8º nº 1 da Lei 2030 não refere nenhuma determinação, nas expropriações em que a entidade expropriante é publica, do prazo de consolidação do direito do expropriante. Ora não é admissível que o direito de reversão em caso de desafectação dos bens seja perpétuo. 16. Ao considerar-se necessário um prazo de consolidação dos direitos de expropriante, estaremos perante uma lacuna da lei, a integrar nos termos do artigo 10º do Código Civil. 17. O caso análogo a levar em conta é o previsto no artigo 8º nº 2 da Lei 2030 e se verifica quando a entidade expropriante é particular, e é de 30 anos a contar do acto expropriativo, pois em ambos os casos os interesses são paralelos, isomorfos e semelhantes. Tal critério tem vindo a ser aceite nos Códigos de Expropriação recentes, como o de 91 e 99, onde o prazo de consolidação é o mesmo, quer a entidade expropriante seja pública ou privada. 18. Cumpre estabelecer a aplicação da Lei Nova a um prazo já em curso pela Lei anterior. O prazo, aqui em apreço decorreu desde 1979, data da expropriação até 1991 data de entrada em vigor do Dec-Lei 438/91 (CE 91), no âmbito da Lei 2030, que estabelecia um prazo de caducidade de 30 aos, que o CE 91 encurtou, para 20 anos (artº 5) solução mantida pelo CE 99 (artigo 5º). 19. No caso, atento a que a Situação Jurídica é tutelada pelo artº 62º nº 2 da CRP, por forma idêntica aos direitos liberdades e garantias, o prazo de 20 anos fixado pelo artigo 5º do CE 91, nos termos do artigo 18º nº 3 do CRP, não é passível de aplicação retroativa. 20. A alteração dos prazos está normativamente prevista nos artigos 297º nº 1 do Código Civil do seguinte teor: “ A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”. No caso em apreço a expropriação é de 1979 e o direito de reversão foi exercido em 2008. Contando o prazo da entrada em vigor do CE 91, perfaria 20 anos em 2011 e, pela Lei Velha, a Lei 2030 perfaria 30 anos em 2009. * O Recorrido MINISTÉRIO DA ECONOMIA contra-alegou, concluindo o seguinte: 1. O direito de reversão rege-se segundo a lei vigente à data em que é exercido. 2. O direito de reversão foi exercido pela Autora em 26 de Junho de 2008, sob a égide do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, na redação dada pelas Leis n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro e pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro. 3. Estabelece o art.º 5.º do referido Código das Expropriações., sob a epígrafe “direito de reversão”, o seguinte: “(…) 4 - O direito de reversão cessa: a) Quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação; (…) 4. Tendo a adjudicação ocorrido em 1979, e só em 2008 é que a Recorrente veio requerer a reversão, nessa altura já o seu direito havia CADUCADO. 5. Face ao enquadramento factual da situação e ao direito aplicável, não restam dúvida que bem andou a sentença recorrida ao indeferir o pedido da Autora, ora Recorrente, por caducidade do direito de reversão. * A Recorrida T... contra-alegou, concluindo da forma que segue: A. Vem a Autora perante este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte suscitar de novo a questão da (in)tempestividade do seu pedido. B. À data em que apresentou o pedido de reversão, o putativo direito da Autora à reversão já havia caducado. C. Com efeito, é ponto seguro e pacífico que, de acordo com a lei – e a jurisprudência e a doutrina confirmam-no exaustivamente, sem que se conheça qualquer voz dissonante –, o direito de reversão terá o regime (esse e não qualquer outro) que se encontrar previsto e densificado no diploma em vigor à data em que o mesmo venha a ser exercido, por força do princípio “tempus regit actum”. D. Tal princípio tem vindo a ser afirmado a propósito do direito de reversão, entre outros, pelos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.95 (p. 032346), de 19.01.95 (p. 031955, in BMJ, n.º 443, pág. 130 e Cadernos de Justiça Administrativa, nº 0, Novembro/Dezembro de 1996, pág. 49, com anotação concordante de F. Alves Correia), de 23.04.1996 (p. 35 534), de 29.10.1996 (p. 36.198 e p. 38.648), de 28.01.1997 (p. 35.337), de 18.02.1997 (p. 37.658), de 25.02.97 (p. 37.647 e p. 37.650), de 15.04.1997 (p. 37 652), de 6.11.1997 (p. 32.713), de 25.11.1997 (p. 35.272), de 29.01.1998 (p.40.933), de 19.03.1998 (p.37.657), de 30.06.1998 (p. 39.204), de 1.07.1998 (p. 39.505), de 17.07.1998 (p. 39.505), de 23.11.1999 (p. 37.869), de 19.01.2000 (p. 037652), de 27.01.2000 (p. 037656), de 03.02.2000 (p. 043635), de 8.03.2000 (p. 037622), de 21.3.00 (p. 42.031), de 6.6.00 (p. 45.074), de 27.06.2000 (p. 039204), de 14.12.2000 (p. 046233), de 3.04.2001 (p. 43.635), de 12.12.2001 (p. 39.505), de 24.01.2002 (p. 37.649), de 5.03.2002 (p. 35.532), de 2.05.2002 (p. 045996), de 19.02.2003 (p. 40.230), de 20.05.2003 (p. 45.388), de 1.10.2003 (p.037653), de 1.04.2004 (p. 32.713), de 2.06.2004 (p. 30.256), de 9.02.2005 (p. 30256), de 28.11.2007 (p. 1095/06) e de 10.09.2009 (p. 1438/03). E. As razões que subjacentes à aplicação deste princípio aos pedidos de reversão não são muito diferentes das que justificam a sua aplicação à generalidade dos atos da Administração. F. Por um lado, tem-se entendido que é a lei nova que melhor tutela o interesse público que à Administração cabe prosseguir, não a lei antiga – neste sentido ver Afonso Queiró, in “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, 1976, policopiadas, p. 521. G. Por outro, o princípio em causa constitui um corolário necessário do princípio da legalidade a que se encontra especialmente adstrita toda a atividade administrativa, nos termos do artigo 266º/2 da Constituição e 3º/1 do CPA – neste sentido ver os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 77/2005 e n.º 42/2010. H. Ora, a Autora manifestou a intenção de exercer o seu hipotético direito de reversão em 26 de Junho de 2008, pelo que, de acordo com o referido princípio e segundo a jurisprudência do STA, será o atual Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, o diploma aplicável. E sendo este o diploma que regula o direito de reversão invocado pela Autora, é evidente que o prazo da respectiva caducidade há muito se encontra esgotado, por aplicação do prazo de caducidade estabelecido no seu artigo 5º/4, alínea a). I. A conclusão a que se chegou por via da aplicação do princípio “tempus regit actum” não seria muito diferente se ao caso fosse de aplicar o regime geral de aplicação das leis no tempo, dado que a previsão de um prazo de caducidade pelo artigo 5º/4, alínea a), do CE91 e CE99 constitui necessariamente a regulação de um conteúdo de uma relação jurídica já existente, o que configura precisamente, nos termos do art. 12º/2 do Código Civil, um caso de aplicação imediata a situações que subsistam à data da entrada em vigor da lei nova – nesse sentido, ver parecer do Prof. Oliveira Ascensão publicado na CJ, XVII, II, p. 36 e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 11.03.2008 (p. 148/07) e de 6.05.1996 (p. 0523469). J. Mesmo assumindo que o art.º 5º/4, alínea a) do CE de 91 e do CE de 99 não deve aplicar-se, o prazo vigente para o exercício do direito da Autora seria de 20 anos, pois, como refere a este propósito Oliveira Ascensão (op. cit., pp. 312 ss.) — em texto escrito justamente sobre a questão do prazo de caducidade da reversão à luz do CE de 1976 —, “não é admissível que o direito de reversão em caso de desafectação dos bens seja perpétuo. A nossa ordem jurídica é tendencialmente infensa a onerações perpétuas do direito de propriedade. Há de haver um momento em que a situação se consolida definitivamente na titularidade do ente público, cessando a oneração em benefício do particular. A lei, e nomeadamente o Código das Expropriações, não nos oferecem nenhuma determinação. Mesmo assim, há que admitir a não perpetuidade. Não teria sentido que alguém viesse hoje pretender beneficiar da desafectação dum terreno a uso portuário, se essa afectação se deu no século passado (…). Tudo somado, podemos decidir-nos por um prazo de 20 anos. É o prazo máximo fixado na nossa lei, quer para a prescrição quer para a usucapião. Podemos generalizar, dizendo que sempre que o tempo atua sobre as situações jurídicas, positiva ou negativamente, essa atuação se consuma, salvo disposição em contrário, num período máximo de 20 anos”. K. Pode assim concluir-se que o prazo de caducidade previsto para o direito de reversão está, como sempre esteve (já era assim nos tempos da Lei n.º 2030, de 1948) intimamente ligado ao prazo geral de prescrição ordinária e ao prazo da usucapião – neste sentido, e com especial interesse pela profundidade da sua abordagem ao tema, ver também acórdão nº 127/2012 (p. 842/10) do Tribunal Constitucional. L. Por último, a aplicação do artigo 5º/4, alínea a) do CE de 91 ao caso em apreço não tem carácter retractivo, na medida em que: i. o facto constitutivo do direito da Autora, digamos assim, ocorreu 15 anos após o início de vigência do CE de 91, não podendo portanto falar-se de uma retroatividade em sentido autêntico. ii. e, não se tratando de um caso de retroatividade autêntica é inaplicável o artigo 18º/3 da CRP. iii. Sendo um caso de simples retrospetividade, para que a norma constante do artigo 5º/4, alínea a), pudesse em teoria ser julgada inconstitucional seria necessário que ela se relevasse arbitrária, inesperada, desproporcionada ou afetasse direitos de forma excessivamente gravosa e imprópria para as posições jusfundamentais dos particulares, o que não foi seguramente o caso. Ora a introdução do artigo 5º/4/a) no CE de 91 nada teve de inesperado ou excessivamente gravoso – bem, pelo contrário, constituiu consagração formal, em texto de lei, de uma regra que a doutrina e a jurisprudência já vinham defendendo como a mais razoável (ver os já referidos acórdão nº 127/2012 do Tribunal Constitucional e artigo do Prof. Oliveira Ascensão (em Reprivatizações e Direitos dos Ex-Titulares das Empresas Nacionalizadas, ROA, ano 51, pp. 312 ss.). M. Em suma, pelo que ficou exposto, é seguro que a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento ou de aplicação de lei, sendo aliás o entendimento nela expresso aquele que mais e melhores fundamentos recolhe na lei e, em particular, na Constituição, designadamente nos seus artigos 18º/3 e 266º/2. * A Recorrente juntou um parecer (fls. 905 e s. dos autos).
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. A Recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, concluindo como nas alegações. *** 2. FactosA sentença recorrida não contém uma decisão, em separado, sobre a matéria de facto, embora tenha enunciado, na fundamentação de direito, os factos essenciais para a decisão que proferiu e que a Recorrente, no que respeita à matéria de facto, não impugnou. Assim, considerando que a factualidade relevante está documentada nos autos e não é objeto de controvérsia entre as partes e considerando que a correta elaboração de uma decisão judicial não pode prescindir de uma declaração dos factos julgados provados, cumpre suprir esta irregularidade da sentença recorrida, alinhando-se os seguintes factos (que o tribunal recorrido teve em consideração na decisão que proferiu e que se encontram provados nos autos, por documentos): i. A Celestial Ordem Terceira da ST era dona e legítima possuidora do prédio designado por “Bouça do Barreiro de Dentro”, “Farrapas” e “Bouça do Barreiro”, sito na freguesia de Santa da Cruz do Bispo, inscrito na matriz, sob o artigo 2…, entretanto cancelada e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n.º 4…, do Livro B-15, a fls. 84v. (docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a petição). ii. Pelo Decreto-Regulamentar n.º 40/78, publicado no DR de 14 de novembro, foi declarada a utilidade pública para fins de expropriação do terreno afeto à futura instalação do terminal para transportes terrestres internacionais em Leça da Palmeira – M..., assinalado na planta anexa ao diploma, onde se incluía o prédio referido em 1. iii. A expropriação do terreno referido em i. decorreu como amigável, sendo entidade expropriante o Fundo Especial de Transportes Terrestres e expropriada a referida Celestial Ordem Terceira da ST e tendo o ato de expropriação tido lugar, na Câmara Municipal de M..., em 18.05.1979 (doc. n.º 4 junto com a petição). iv. O valor da indemnização a pagar pela expropriação foi de dois milhões de escudos, pagos no ato da adjudicação do prédio à entidade expropriante (doc. n.º 5 junto com a petição). v. Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 199/2004, o Estado inscreveu toda a área expropriada como propriedade sua, na matriz predial urbana sob o artigo 4717, tendo o prédio referido em 1. sido vendido, pelo ajuste direto n.º 276 do Diretor-Geral do Património, à T... - Terminais de Portugal, SA (docs. n.ºs 12 e 13 juntos com a petição). vi. Os terminais instalados no terreno expropriado foram encerrados, por falta de rentabilidade da sua exploração, conforme explicitado em comunicações da T..., datadas de 10.08.2007, de 28.08.2007 e de 30.11.2007, tendo a Alfândega informado que a T... deixou de processar descargas de mercadorias extra comunitárias nos seus armazéns de Terminal de Freixieiro em 28.01.2008 (docs. n.ºs 8, 9, 10 e 11 juntos com a petição). *** 3. DireitoA sentença recorrida considerou, em síntese, que estava cessado ou caducado o direito de reversão da Autora, ora Recorrente, porque a expropriação data de 1979 e sensivelmente desde 2006 fora feito cessar o funcionamento do terminal de descargas de mercadorias extracomunitárias na área em causa, pelo que, quando em 26.06.2008, a Autora exerceu o seu direito de reversão, havia decorrido mais de 20 anos sobre a data da adjudicação, assim se mostrando ultrapassado o prazo previsto no artigo 5.º/4-a) do Código das Expropriações, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 438/91 (adiante CE/1991), mantida na versão atual do Código, aprovado pela Lei n.º 168/99 e alterado, por último, pela Lei n.º 56/2008 (adiante CE/1999), norma que prevê que o direito de reversão cessa “quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação”. Para assim considerar o tribunal recorrido rejeitou a tese da Autora, segundo a qual a contagem do prazo não podia ser feita nestes termos, uma vez que a referida norma do artigo 5.º/4-a) do Código das Expropriações apenas fora introduzida em 1991 e expropriação em causa datava de 1979; assim como afastou liminarmente a construção da Autora no sentido da repristinação da legislação anterior a 1976, por força da inconstitucionalidade dos artigos 7.º/1 do Decreto-Lei n.º 845/76 e 9.º/1 do Decreto-Lei n.º 71/76 (Código das Expropriações de 1976, que afastava o direito de reversão). Em suma, entendeu a decisão recorrida que o princípio tempus regit actum determinava que as normas do Código das Expropriações se aplicassem aos pedidos de reversão apresentados após a respetiva entrada em vigor, mesmo quando reportados a expropriações anteriores, tendo citado o Acórdão do STA, de 08.03.2000, P. 037622, em abono desta conclusão. Mais considerou que, ainda que assim se não entendesse (ou seja, mesmo que se considerasse inaplicável aquele prazo de 20 anos, introduzido no Código das Expropriações em 1991), sempre se teria de considerar que o direito de reversão da Autora havia prescrito, por se ter esgotado o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigos 309.º e 298.º do Código Civil) No presente recurso a Recorrente defende, em resumo, que face à inconstitucionalidade das citadas normas dos artigos 7.º/1 do Decreto-Lei n.º 845/76 e 9.º/1 do Decreto-Lei n.º 71/76 (que afastavam o direito de reversão quando a entidade expropriante fosse de direito público), deve considerar-se repristinada a Lei n.º 2030, de 22.06.1948, que no seu artigo 8.º/1 consagrava um prazo de 30 anos para a consolidação dos direitos do expropriante e que apesar de se referir apenas a entidades expropriantes particulares, deve considerar-se igualmente aplicável a um caso de expropriação por entidade pública. Mais entende que houve uma sucessão de leis no tempo, tendo o prazo aqui em apreço decorrido, no âmbito da citada Lei n.º 2030 desde a data da expropriação (1979) até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 438/91 (CE/91), sendo que aquela lei estabelecia um prazo de caducidade de 30 anos que o CE/91 encurtou para 20 anos (solução mantida no CE/99). Conclui a Recorrente que o direito de reversão foi tempestivamente exercido, pois, em aplicação do disposto no artigo 297.º do Código Civil, deve entender-se que o prazo para o exercício do direito de reversão da expropriação efetuada em 1979 perfazia 20 anos em 2011 (contando o prazo da entrada em vigor do CE/91) e perfazia 30 anos, à luz da Lei n.º 2030, em 2009. A questão colocada no presente recurso não é nova, tendo já sido apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que uniformemente tem entendido que o direito de reversão é regulado pela lei vigente ao tempo do seu exercício, o que quer dizer que o Código das Expropriações de 1991 se aplica aos pedidos de reversão feitos após o início da sua vigência, ainda que os mesmos possam respeitar a expropriações realizadas anteriormente. De entre os vários arestos sobre esta matéria, destaca-se o Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 01.10.2003, P. 037653, assim sumariado: III - A cessação de tal direito não configura um ataque ilegal e inconstitucional ao direito de propriedade desde que a expropriação tenha obedecido ao cânones legais e, designadamente, tenha sido paga a justa indemnização. Debruçando-se sobre o artigo 5.º/4-a) do CE/91, este acórdão sublinhou, além do mais, que “de acordo com o que se estatui neste preceito, a Expropriante estava obrigada a aplicar os bens objecto da expropriação na finalidade que a determinou no prazo de dois anos a contar da sua adjudicação sob pena, de não o fazendo, nascer na esfera jurídica dos Expropriados o direito de reversão, isto é, o direito a reaverem os bens expropriados. Este direito, contudo, não era um direito ilimitado susceptível de ser exercido a todo o tempo já que se operava a sua caducidade quando esse exercício não se fizesse no prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que o originou. Reafirmaram esta jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STA, de 05.04.2004, P. 01386/02; e do Pleno da Secção do CA, de 02.06.2004, P. 046991; e, mais recentemente, o Acórdão do TCAN, de 19.11.2015, P. 00988/12.9BEAVR. Assim, a questão da contagem do prazo de 20 anos, previsto no art 5.º/1 do CE/91, a partir da expropriação, mesmo quando esta tenha data anterior a tal Código, já foi objeto de jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo e decidida em conformidade pelas instâncias, o que, aliás, já determinou a não admissão de recurso de revista para o Supremo sobre essa mesma questão (cfr. Acórdão do STA, de 05.05.2011, P. 0411/11). Esta jurisprudência, que subscrevemos, é inteiramente aplicável ao caso em apreço, onde se verifica que entre o momento da adjudicação do bem (1979) e o momento em que o pedido de reversão foi formulado (26.06.2008) decorreram mais de 20 anos, tendo o decurso deste prazo determinado a prescrição desse direito (e não a sua caducidade, como refere a decisão recorrida), nos termos do artigo 5.º/4-a) do CE/91. Além disso, e contrariamente ao defendido pela Recorrente, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade das normas do artigo 7.º, n.ºs 1 e 3, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, constante do Acórdão n.º 827/96 do Tribunal Constitucional (que confirmou antecedente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.091992, que havia recusado a aplicação de tais normas com fundamento em inconstitucionalidade), foi proferida em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, o que significa que tem mera eficácia inter partes (cfr. artigos 280.º/5 e 281.º/3 da CRP), não sendo as normas aí julgadas inválidas eliminadas da ordem jurídica. Da mesma forma, ainda que se admita que a eficácia retroativa e o efeito repristinatório não são efeitos exclusivos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (embora expressamente previstos apenas quanto a estas – cfr. artigo 282.º/1 da CRP), ainda assim tal efeito repristinatório – caso se mostrasse possível (o que, além do mais, implicava verificar se a norma declarada inconstitucional revogara norma anterior) – sempre seria limitado ao caso concreto decidido em tal Acórdão n.º 827/96 *** 4. DecisãoPelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 22.01.2016 |