Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02426/07.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PRESUNÇÃO LEGAL
ÓNUS
Sumário:I. A falta de notificação é um acto ulterior à liquidação determinante da inexigibilidade da dívida, constituindo um facto modificativo da obrigação.
II. A presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de recepção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações: Recusa do destinatário em receber a carta e não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal (n.º 5 e 6 do artigo 39º do CPPT)
III. Aquela, presunção, deixa de valer quando se demonstrar que não foi deixado aviso para levantamento da carta e/ou que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicílio, no n.º 1 do art. 43.º.
IV. O ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à administração tributária.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I – RELATÓRIO
M…, NIF … … …, com os demais sinais dos autos, deduziu oposição à execução fiscal nº 1902 2004 01045830 e apensos contra si instaurada pela Fazenda Pública por dívida proveniente de IRS referente ao ano de 1999, no valor global de 28.324,52 euros.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
A recorrente termina as alegações do recurso (cfr. fls. 62 a 72 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
A. Decidiu o Tribunal a quo “que a oponente não foi validamente notificada da liquidação subjacente à execução dentro do prazo de caducidade”, sustentando tal conclusão nos factos de que “a oponente não se recusou a receber as notificações remetidas pela Administração Tributária” e que “o domicílio fiscal da oponente era o constante dessas notificações, tendo sido alterado apenas em 11/10/2007”.
B. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que a douta sentença errou no julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos, valorando erradamente a prova produzida e,
C. De igual modo errou no julgamento na aplicação do direito, porquanto fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente, as que regem a perfeição das notificações efectuadas pela AT, mais concretamente os nºs 5 e 6 do artº 39º do CPPT, não fazendo ainda a devida aplicação das normas que regem a obrigatoriedade da comunicação da alteração do domicílio fiscal, ou seja, os artºs 19º da LGT e 43º do CPPT.
D. Dispõe o artº 19º da Lei Geral Tributária (LGT) que o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da residência habitual, sendo obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à AT, sendo este um domicílio especial pelo qual se refere a um lugar determinado o exercício de direitos e o cumprimento de deveres previstos nas normas tributárias, conforme Alberto Xavier in “Manual de Direito Fiscal” – Volume I, pág. 393.
E. O cumprimento do dever de comunicação do efectivo domicílio, é também do máximo interesse do contribuinte que pretenda exercer, no quadro da lei, os direitos que lhe assistem perante a AT, uma vez que a falta de indicação do correcto domicílio fiscal o priva de um indispensável ponto de contacto com ela, para o exercício integral dos seus direitos e cumprimento das suas obrigações.
F. Nos termos do nº 3 do artº 19º da LGT, a não revelação da mudança de domicílio à AT determina a sua ineficácia perante esta entidade.
G. De igual modo, prevê o artº 43º do CPPT a obrigação da participação do domicílio aos interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da AT ou nos tribunais tributários, dispondo o nº 2 deste preceito que a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos do mesmo diploma, devido ao não cumprimento de tal obrigação, não é oponível à AT,
H. Só produzindo efeitos tal comunicação se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização fiscal do domicílio.
I. Já o artº 39º do CPPT, nos seus nºs 5 e 6, estabelece que no caso do aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção,
J. Presumindo-se a notificação se a segunda carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
K. No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. L. Se é certo que, in casu, efectivamente não se tratou de uma situação de recusa ou não levantamento da carta, também é certo que não se pode concluir, como arrematou a douta sentença sub judice, atentos os elementos tidos nos autos, que “sendo a devolução da inteira responsabilidade do funcionário dos CTT e a que a oponente é totalmente alheia”.
L. De igual modo, não se pode concluir que “o domicílio fiscal da oponente era o constante dessas notificações, tendo sido alterado apenas em 11/10/2007”.
M. Pois, impõe-se efectuar uma análise de todo o condicionalismo subjacente à não entrega das notificações à oponente.
N. Resulta dos autos que não obstante ter procedido à alteração do seu domicílio fiscal em 2007/10/11, já em 2007/11/06 emite a procuração por via da qual constitui mandatário nos presentes autos, onde indica como residência o Lugar da Lameira, Mosteiró, em Vila do Conde.
O. Não contesta a Fazenda Pública que efectivamente seja essa a morada da oponente e que assim o tenha sido durante muitos anos (já assim era, pelo menos em 1982, atentos os documentos juntos aos autos), pois é sabido que nas pequenas povoações inexistiam designações de arruamentos, sendo a morada dos habitantes designada pelo nome do respectivo Lugar, porquanto todos os habitantes se conheciam mutuamente,
P. O mesmo se pode dizer quanto aos funcionários dos CTT, que de igual modo conheciam toda a população do respectivo lugar onde exerciam funções.
Q. O que ainda acontece nos dias de hoje, nas pequenas povoações.
R. Da mesma forma, não contesta a Fazenda Pública que a morada da oponente seja também a Rua da Botica, nº 85, em Mosteiró, Vila do Conde, a qual se situa na freguesia da Lameira, também conhecida por Lugar da Lameira.
S. Pelo menos já assim o era em 2006/04/12, conforme resulta da procuração junta aos autos pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, como Doc. nº 8, aquando da instrução dos presentes autos, salientando-se porém que, não obstante, a oponente só procedeu à alteração da sua morada junto dos serviços da AT em 2007/10/11.
T. Importa no entanto esclarecer qual a morada correcta da oponente, qual o seu correcto domicílio fiscal, bem como aferir se a mera indicação de Lugar da Lameira, Mosteiró é suficiente para identificar a residência da oponente, pois, saliente-se, no Lugar da Lameira não reside apenas a oponente.
U. Convém ainda ter em consideração eventuais impedimentos por parte dos funcionários dos CTT, distribuidores de correspondência, conhecedores de todos os habitantes do Lugar da Lameira, que os levem a ser substituídos por colegas que, não estando tão familiarizados com o Lugar, desconheçam as verdadeiras moradas dos respectivos habitantes.
V. Não nos parece seja legítimo impor-lhes que andem “de porta em porta” a tentar desvendar as moradas constantes da correspondência que distribuem.
W. Afirma a oponente, na sua douta petição inicial (artºs 39º a 46º), que com a indicação daquela morada sempre recebeu toda a correspondência e que é a morada que sempre indica como sendo a sua residência, entendendo-a como suficiente, até à data.
X. Não contesta a Fazenda Pública que assim o tenha sido, como ficou exposto supra, o que se questiona é que essa seja a morada correcta, não bastando que tenha sido suficiente até à data, uma vez que o dever de comunicação do domicílio fiscal que impende sobre as pessoas singulares (artºs 19º da LGT e 43º do CPPT) reporta-se, como também já se referiu, ao correcto domicílio fiscal.
Y. Porque as notificações (releve-se, devidamente remetidas para a morada constante do cadastro informático da DGCI), não continham, na morada da oponente, a designação da rua e respectivo nº de polícia, o funcionário distribuidor dos CTT averbou, em nosso entender correctamente, as indicações de “endereço insuficiente/desconhecido” e “carece rua e nº”, respectivamente na primeira e segunda das notificações efectuadas à oponente e ora em crise.
Z. AA. Não podemos olvidar e deixar de consequenciar que a liquidação em crise foi emitida na sequência da entrega pela oponente de uma declaração de rendimentos relativa ao ano de 1999, sabendo pois que dessa entrega resultaria uma liquidação e que, por sua vez esta liquidação lhe seria notificada.
AA. A douta sentença sob recurso padece assim de notório erro de julgamento da matéria de facto, visto que releva como provada factualidade que não mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do artº 659º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos e,
BB. Errou na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos.
CC. De igual modo errou a douta sentença na aplicação do direito, porquanto fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente, as que regem a perfeição das notificações efectuadas pela AT, mais concretamente os nºs 5 e 6 do artº 39º do CPPT, bem como,
DD. Não fez a devida aplicação das normas que regem a obrigatoriedade da comunicação da alteração do domicílio fiscal, ou seja, os artºs 19º da LGT e 43º do CPPT.
EE. Em conclusão, pelas razões acabadas de explanar e em conclusão, padece a douta sentença de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de aplicação do direito, devendo, em consequência, anular-se a douta sentença do Tribunal a quo.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
A. Está provado que a primeira notificação foi devolvida com indicação de “endereço insuficiente e desconhecido”.
B. Está provado que a segunda notificação foi devolvida com a indicação de “carece de rua e número”.
C. Ficou demonstrado que a oponente não foi validamente notificada da liquidação de IRS de 1999 dentro do prazo de 4 anos, apenas tendo conhecimento da liquidação com a notificação da execução [11.10.2007].
D. Não lhe é imputada a falta de notificação.
E. O regime do art. 39º n.°s 5 e 6 do CPPT não pode operar no caso concreto.
F. É irrelevante o que consta da procuração emitida em 2006 e 2007 por se reportar a um período bastante posterior aos factos dos autos.
G. A Sentença em recurso não merece qualquer censura,
Pelo que o Recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão na Ordem Jurídica Nacional.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, pugnando pela improcedência do recurso (cfr. fls. 113 dos autos).
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
a) O erro de julgamento da matéria de facto, ao ter errado na selecção da factualidade relevante para decidir da causa, não apreciando toda a matéria de facto resultante dos elementos constantes dos autos, valorando erradamente a prova produzida; e
b) O erro de julgamento de direito, porquanto fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente, as que regem a perfeição das notificações efectuadas pela AT, mais concretamente os nºs 5 e 6 do artº 39º do CPPT, não fazendo ainda a devida aplicação das normas que regem a obrigatoriedade da comunicação da alteração do domicílio fiscal, ou seja, os artºs 19º da LGT e 43º do CPPT.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. Matéria de facto
O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. Pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde foi instaurado contra a oponente, o processo de execução fiscal n°1902 2004 01045830 e apensos, por dívida proveniente de IRS referente ao ano de 1999, no valor global de 28.324,52 euros.
2. Na origem de tal dívida está a liquidação n° 5354088173, emitida pela Administração Tributária em 7/11/2003.
3. Com vista à notificação de tal liquidação, em 12/11/2003, foi remetida à oponente cada registada com aviso de recepção para o domicilio fiscal da oponente, sito em “L... - 4485 Mosteiró”, a qual veio devolvida com a indicação de “endereço insuficiente e desconhecido” - cfr. fls. 19/20 dos autos.
4. Em 20/11/2003, a Administração Tributária remeteu nova carta registada para a morada da oponente, a qual também veio devolvida com a indicação de “carece de rua e número” - cfr. fls. 21/22 dos autos.
5. A oponente foi citada para a execução em 11/10/2007, na pessoa de J…, seu procurador.
6. A presente oposição foi apresentada em 12/11/2007.
7. Em 11/10/2007, foi actualizada a morada da oponente para “Rua..., Mosteiró, Vila do Conde”.
8. Dá-se por reproduzido o extracto do registo central de contribuinte junto a fls. 9 dos autos, do qual consta, para além do mais, que a oponente nasceu em 22/11/24 e tem o domicílio fiscal em “L... - 4480 V do Conde”.
9. Dá-se por reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 11 a 13, referentes a correspondência dirigida para a morada coincidente com o domicílio fiscal da oponente.
III – 2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos para além dos referidos supra.
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “… A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental”.
IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Na sentença recorrida fundamentou-se e decidiu-se que caduca o direito de liquidar os tributos se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (art. 45º LGT), respeitando a liquidação em causa a IRS de 1999 e porque se trata de imposto periódico, o prazo de caducidade conta-se a parir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Ou seja, conta-se a partir de 31.12.1999, o que faz expirar o direito à liquidação em 31.12.2003.
E, visto que a recorrida não foi notificada, nem por carta registada com aviso de recepção (artigo 38º n.º 1 CPPT), nem pessoalmente (artigo 38º, n.º 5 CPPT), antes dessa data, caducou o direito do estado à liquidação do IRS referente a 1999, o que constitui fundamento de oposição (artigo 204º n.º 1 do CPPT).
É assacado à sentença erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada, originador de incorrecta aplicação do Direito ao caso e consistente em se ter erroneamente considerado que “sendo a devolução da inteira responsabilidade do funcionário dos CTT e a que a oponente é totalmente alheia”, bem como a conclusão explanada em sede de fundamentação do decisório de que “o domicilio fiscal da oponente era o constante dessas notificações, tendo sido alterado apenas em 11/10/2007”, no entender da Recorrente não se vislumbra como pode a douta sentença ter retirado tais conclusões da factualidade apurada, pelo o que cumpria indagar pela possibilidade de notificação ser efectivada pelos CTT com a simples indicação do lugar e qual o seu correcto domicilio fiscal.
No entanto, não são colocados em causa os factos vertidos na sentença sob recurso, não identificando a Recorrente o erro de facto que aponta ao julgador, em suma o alegado em sede de erro de julgamento em matéria de facto reconduz-se a errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu.
Posto isto, a questão que importa decidir resume-se tão só, a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de direito ao ter considerado que a Recorrida foi ou não notificada da liquidação que originou a dívida exequenda perante a factualidade assente.
Vejamos.
Como é sabido, a execução fiscal não pode ser instaurada para cobrança de dívida proveniente de liquidação de imposto que não tenha sido notificada ao contribuinte, ou melhor, não pode ser instaurada antes de expirado o prazo para o pagamento voluntário da dívida, que pressupõe aquela notificação.
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CPPT, a certidão de dívida, que servirá de base à instauração da execução fiscal (n.º 4 do mesmo artigo), só será extraída depois de findo o prazo para o pagamento voluntário, ou seja, só pode ser coercivamente cobrada a dívida que seja exigível.
A liquidação só produz efeitos em relação ao contribuinte, só estatui para ele a obrigação de pagar o imposto, a partir do momento em que aquele acto lhe é notificado. O art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o art. 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária (LGT) e o art. 36.º, n.º 1, do CPPT, exigem a notificação ao contribuinte de todos os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, designadamente, dos actos de liquidação de impostos, e faz depender da notificação a produção de efeitos em relação ao contribuinte.
Portanto, enquanto a liquidação não for notificada ao contribuinte não produz efeitos quanto a ele; consequentemente, não se abre o prazo para o pagamento do montante liquidado e, como já se expressou, enquanto esse prazo não expirar a respectiva dívida não é exigível e não pode ser cobrada coercivamente. Se a dívida não for exigível e apesar disso estiver a ser cobrada em processo de execução fiscal, verifica-se uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância executiva (art. 494.º do CPC). Tal excepção pode ser arguida em sede de oposição, como meio de defesa do executado por excelência.
A inexigibilidade da dívida exequenda enquadra-se na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, que admite a oposição com base em “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título” (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado 2007, II volume, anotação 44 ao art. 204.º, pág. 369).
Em jeito de suma, a falta de notificação é um acto ulterior à liquidação determinante da inexigibilidade da dívida, constituindo um facto modificativo da obrigação, estamos perante um fundamento de oposição a provar por documento que não envolve a apreciação da legalidade da liquidação.
No que tange à notificação de actos ou decisões, no artigo 38º nº 1 do CPPT, preceitua-se o seguinte:
1 – As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada.
(…)”.
Actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes e abrangidos, portanto, pelo nº 1 do artigo 38º do CPPT, devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração da situação tributária, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
Por conseguinte, em regra, serão de efectuar por carta registada com aviso de recepção, entre outras, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária e as de actos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais – (nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 2006, pág. 345).
Assim, in casu, tratando-se de liquidação oficiosa de IRS relativa a 1999, efectuada em 07.11.2003, por força do disposto no art.º 38.º n.º1 do CPPT, a recorrida teria de ser notificada dessa liquidação, por carta registada com A/R, por tal liquidação alterar a sua situação tributária (como efectivamente foi assumido, tendo AT cumprido o estipulado ao enviar 1ª e 2ª carta registada com A/R – factos c) e d) do probatório).
E, a notificação considera-se efectuada na data em que o aviso for assinado, de acordo com o disposto no citado artigo 38º, n.º 1 e no artigo 39º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (o qual dispõe que “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado (...)”.)
Conforme resulta do probatório Administração Fiscal para notificar a liquidação em causa, remeteu à recorrida duas cartas registadas com aviso de recepção, as quais vieram devolvidas com indicação de “endereço insuficiente e desconhecido” e “carece de rua e número”.
A recorrida sustenta que não foi notificada da liquidação e, por sua vez, a recorrente pretende aplicação das normas que regem a perfeição das notificações, mais concretamente os n.º 5 e 6 do artigo 39º do CPPT e, aplicação das normas que regem a obrigatoriedade de comunicação da alteração do domicilio fiscal – artigos 19º da LGT e 43º do CPPT.
A respeito da presunção da notificação estabelece o artº 39º do CPPT que: “Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal” (nº 5) e “No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.” (n.º 6)
Ora, em face destes dispositivos legais, a presunção funciona em duas situações, a saber:
- Recusa do destinatário a receber a notificação;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.
Em anotação ao citado artigo 39º escreve Jorge Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, pág. 357, versando os requisitos da presunção de notificação:
Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente de
- Ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada;
- Não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar
- Que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
- Que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
- Que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
- Que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicílio, no n.º 1 do art. 43.º);
- Que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.
Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos:
- Quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta;
- Quando o destinatário tiver mudado de domicílio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.
Em síntese, atento o disposto do n.º 5 e 6 do artigo 39º do CPPT e, na esteira do supra exposto e da jurisprudência do STA, temos que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de recepção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações:
- Recusa do destinatário em receber a carta;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal (vd. acórdão STA 21 Mai. 2008, recurso 01031/07; acórdão STA 8 Jul. 2009, recurso 0460/09; acórdão STA 27 Jan. 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).
Feitas estas considerações e revertendo à situação em apreço no presente recurso, da matéria de facto fixada no probatório resulta que, em 12.11.2003, foi remetida à oponente carta registada com aviso de recepção para o domicilio fiscal da recorrida, sito em “Lameira - 4485 Mosteiró”, morada essa constante do cadastro da administração tributária, a qual veio a ser devolvida com a indicação de “endereço insuficiente e desconhecido” e, em 20.11.2003, a Administração Tributária remeteu nova carta registada para aquela mesma morada, a qual também veio devolvida com a indicação de “carece de rua e número”.
Ora, dessa factualidade provada extraí-se a ilação de que não foi deixado qualquer aviso no domicílio fiscal da recorrida, de que as cartas contendo as notificações podiam ser levantadas, sendo certo que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à administração tributária (neste sentido, acórdão STA 6 Out. 2005, recurso 500/05, www.dgsi.pt.). Seja, por outras palavras, como bem se decidiu na sentença recorrida “(…) é manifesto que a oponente não se recusou a receber as notificações remetidas pela Administração tributária, já que nem sequer chegou a ter conhecimento do seu envio (…)”, sendo que tal segmento não foi posto em causa, transitando, assim, em julgado, não funciona a presunção prevista no predito nº 5, não podendo considerar-se a notificação feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (vide predito nº 6).
Face aos normativos aplicáveis e ao quadro fáctico é manifesto que não pode ter-se por presumida a notificação à Recorrida da liquidação da qual emerge a obrigação exequenda.
Cumpre por último aferir da aplicação ao caso dos autos do regime dos artigos 19º da LGT e 43º do CPPT, defendida pela recorrente.
Defende a recorrente que sobre a recorrida recaí a obrigação de participar alteração do seu domicílio fiscal à Administração Tributária, para tal apoia-se no segmento da matéria de facto em que se atesta que “em 11/10/2007, foi actualizada a morada do oponente para a Rua da Botica n.º 85, Mosteiró, Vila do Conde”.
Vejamos.
De harmonia com o preceituado no artigo 19º da LGT, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o da residência habitual.
Por sua vez, o artigo 43º do CPPT faz recair sobre os interessados em processos fiscais a obrigação de comunicarem no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio. E, o n.º 2 daquele preceito determina como consequência da falta de tal comunicação, a não oponibilidade à Administração Tributária a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.
Este n.º 2 está em consonância com o preceituado no artigo 19º, n.º 3 da LGT em que se preceitua que “é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”.
Esta norma, porém, tem de ser confrontada com a existência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.º 3 do artigo 268º da CRP e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado da prática do acto.
Este preceito constitucional é compatível com presunções de notificações ilidíveis mediante prova em contrário, mas parece não o ser com presunções inilidíveis com dispensa de notificações, isto é, não permite que se considere feita uma notificação quando, comprovadamente, ela não foi efectuada e não efectivação não é imputável ao notificando.
Assim, tratando-se de actos que afectem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstre que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida.
Estas exigências constitucionais ficarão satisfeitas se este n.º 2 for interpretado em consonância com o preceituado no n.º 5 do artigo 39º deste Código.” (Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo tributário anotado e comentado, 2006, Vol. I, pág. 374 e 375).
Tecidas estas considerações, in casu, temos como já se referenciou supra, que a 1ª carta registada com A/R e 2ª carta expedidas pela administração tributária, foram objecto de devolução com a menção de “endereço insuficiente e desconhecido” e “carece de rua e número”, perante estes elementos não pode administração tributária concluir que o destinatário deixou de ter domicílio no local indicado, ou que aquele tenha omitido a obrigação legal de comunicar as alterações de domicílio àquela e consequentemente, concluir-se que a falta de notificação não seja oponível à administração tributária.
Era à recorrente (AT) que incumbia, na situação em apreço, o «ónus probandi» de tais factos, sendo que da simples constatação que a alteração/novos elementos da morada da recorrida ocorreu em 11.10.2007, não comprova por si que essa alteração tenha ocorrido no 15 dias antes daqueles em que administração tributária procurou operar a notificação da liquidação de IRS em Novembro de 2003.
É certo, que a Mª juiz descurou as implicações do regime dos artigos 19º da LGT e 43º do CPPT, e bem, pois o ónus de demonstrar que a notificação foi efectuada cabe, em regra, à administração tributária, o que não logrou, e tendo afastada em sede de decisório a aplicação das regras contidas no n.º 5 e 6 do artigo 39º do CPPT não havia que apreciar da não oponibilidade para a administração prevista no n.º 2 do art. 43º do CPPT.
Conclui-se, deste modo, que a liquidação de IRS que originou a dívida exequenda não foi validamente notificada à Recorrida antes da instauração da execução, sendo que essa falta de notificação, provocando a ineficácia do acto tributário de liquidação, torna tal dívida inexigível.
V – DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 15 de Dezembro de 2011
Ass. Irene Neves
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Paula Ribeiro