Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00624/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:IRC
CUSTOS FISCAIS
INDISPENSABILIDADE DOS CUSTOS
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:1 - Nos termos previstos no artigo 690º-A, nº1 do CPC, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida
2 - Cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
3 –As regras do ónus da prova coexistem com o princípio do inquisitório, de acordo com o qual se impõe à administração tributária que ordene oficiosamente as diligências probatórias indispensáveis ao apuramento da verdade material.
4 – Porém, o princípio do inquisitório não obriga a administração a investigar pretensões sem o mínimo de suporte probatório, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova.
5 – De acordo com o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora
6 - Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
7 - O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:V..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
V1…, Lda, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2001, no montante de € 9.180,74, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
A Recorrente não se conforma com a improcedência da impugnação porquanto o Tribunal a quo por um lado deu como não provados factos com suma relevância para a presente acção e por outro apreendeu de forma incorrecta a realidade factual e, salvo o devido respeito, aplicou erradamente o direito.
Não existem nos autos quaisquer elementos que sustentem as correcções meramente aritméticas efectuadas pela Administração Tributária com vista à determinação da matéria colectável de IRC relativa ao exercício de 2001.
Ao contrário do que se encontra na sentença recorrida, ocorreu uma efectiva violação do principio da verdade material na medida em que a Administração Tributária, em claro desrespeito pela lei, não procedeu a todas as diligências complementares e essenciais, a que estava obrigada, para a busca da verdade material, facto esse gerador de uma ilegalidade do relatório de decisão, e, consequentemente, da liquidação sub judice.
Porquanto, os custos extraordinários decorrentes do perdão de divida à sociedade Vicof constitui um encargo que, pela sua natureza, consubstanciam um custo indispensável nos termos do artigo 23° do código de IRC na esfera da Alegante tanto mais que, na mesma linha, a mesma Administração Tributária considerou como ganho extraordinário na esfera daquela sociedade.
Ademais, a Administração Tributária não poderá tout cours presumir a origem dos referidos valores, escarnecendo a informação retirada da contabilidade e dos documentos contabilísticos da Alegante não produzindo qualquer prova que fundamente e justifique a assumpção de uma “nova” factualidade.
Nem poderá a Administração Tributária nem o Tribunal a quo afastar a regra de ónus da prova da esfera daquela, tanto mais que é aquela, ao invocar factos negativos, que os incumbe provar.
Todos os argumento que vêm de se expor são bem elucidativos da ilegalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida merece censura, não podendo consequentemente manter-se da Ordem Jurídica.
A sentença recorrida violou entre outros a alínea d) do artigo 99º do CPPT e o artigo 23° do Código de IRC bem como o artigo 58° da LGT.
Nestes termos, assinalada a ilegalidade da decisão em recurso, não poderá deixar de se reparar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, concluindo-se pela procedência da impugnação e declarando-se, em consequência a anulação da liquidação adicional, em sede de IRC, relativa ao exercício de 2001.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença a quo ordenando-se a anulação da liquidação adicional dos autos.
Com o que V. Exas. farão a habitual Justiça”.
Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, nos termos que constam do parecer de fls. 111 dos autos.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
Assim, as questões sob recurso são as seguintes:
(i)- Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, concretamente por ter dado como não provados factos com suma relevância para a presente acção e por outro por ter apreendido de forma incorrecta a realidade factual, dando como provados factos constantes do relatório fundamentador das correcções (…) sem qualquer suporte probatório que o sustentasse.
(ii) - Saber se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de direito quando considerou legal a liquidação de IRC impugnada. A este propósito, importará apreciar e decidir se a sentença recorrida errou ao considerar não verificada a invocada violação do princípio da verdade material (com a consequente violação das regras do ónus da prova) e, bem assim, por ter entendido inexistir qualquer erro nos pressupostos de facto subjacentes ao acto de liquidação sindicado, confirmando que o custo corrigido não era fiscalmente dedutível.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
a) No seguimento da ordem de serviço nº 43961 de 19/09/2003, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que recaiu sobre o exercício de 2001 e teve por âmbito o IVA e o IRC (cf. doc. de fls. 13 a 19 do processo administrativo, doravante apenas PA). ---
b) Naquela sede apurou-se que “o sujeito passivo efectuou vários empréstimos à empresa V2… – Técnicas de Construção, Lda., cujos sócios são familiares dos da empresa em análise, durante vários exercícios. Os referidos empréstimos, normalmente para liquidação de facturas a fornecedores e outros fins, foram registados na conta de outros devedores (268296). Esta conta teve diversos movimentos quer a crédito, pelos empréstimos, quer a débito, pela facturação de equipamento e diversos materiais, efectuada em virtude da transferência dos mesmos para liquidação parcial da referida conta quando a empresa paralisou a sua actividade. Em 31/12/2001, a conta acima referida apresentava um saldo credor de €21.293,21 (4.268.906$00), contudo na contabilidade da empresa V2… o débito à empresa V1.. era apenas de €21.141,28 (4.238.447$00). Na mesma data, foi emitido um documento de quitação em que o sujeito passivo declarava que prescindia dos valores que eram devidos pela empresa V2…f, lda., no montante de €21.141,28 (4.238.4747$00). Com base neste documento e com o intuito de saldar a conta de terceiros foi efectuado o seguinte registo contabilístico:
- a débito – custos extraordinários (6983) – 4.238.447$
- a débito – resultados transitados (5921) – 30.459$
- a crédito – outros devedores (268296) – 4.268.906$” (cf. doc. de fls. 17 do PA). ---
c) Os SPIT concluíram em virtude daquela situação apurada que “não resultar da actividade normal da empresa, pois a empresa não tem actividade no sector financeiro e a V2… não revestir a qualidade de cliente da empresa, o facto descrito conduziu ao registo de um custo extraordinário que foi considerado aquando da determinação da matéria tributável do exercício de 2001. Assim, dado que o respectivo custo não é indispensável para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, de acordo com o art. 23º do CIRC, o referido custo, no montante de €21.141,28 não é de aceitar na determinação do lucro tributável do exercício “ (cf. fls. 17 do PA). ---
d) AS conclusões dos SPIT originaram uma correcção de natureza meramente aritmética ao IRC do ano de 2001, no montante de €21.141,28 (cf. doc. de fls. 15 do PA). ---
e) A impugnante foi notificada do resultado da inspecção bem como para os efeitos previstos no art. 60º da LGT e 60º do RCPIT, através do ofício nº 506150 M, de 04/03/2001, recebido em 13/02/2001, nada dizendo (cf. doc. de fls. 20 a 22 do PA). ---
f) Foi emitida em 12/1172004, a nota de cobrança nº 2004 1077004, no montante de €9.180,74 (cf. doc. de fls. 23 e 24 do PA). ---
g) A nota de cobrança não foi paga dentro do prazo de cobrança voluntária que terminou em 22/12/2004, pelo que foi instaurado o processo de execução fiscal nº 178320051002694 (cf. fls. 23 a 25 do PA). ---
h) Os prints de fls. 32 a 36 do PA que atestam as relações familiares dos sócios da V2… com os da impugnante. ---
i) A Impugnante dedica-se ao “Comércio por grosso de outras máquinas e equipamento” CAE 046690 (cf. doc. de fls. 34 do PA).---
j) A V2… dedica-se ao “Comércio por grosso de materiais de construção (exc. Madeira)” CAE 051532 (cf. doc. de fls. 41 do PA).---
k) A presente impugnação foi deduzida em 21/03/2005 (cf. doc. de fls. 3 dos autos). ---

Factos não provados
O Tribunal não considerou o documento de fls. 8 a 13 dos autos (contrato comercial), uma vez que o mesmo não tem aposta qualquer assinatura, nada provando.
Por outra banda, a impugnante nada junta aos autos que ateste que a alegada reunião com a “P… Gmbh”, ou o alegado acordo a que chegaram. ---
Nada mais resultou provado com interesse para a decisão. ---
O tribunal firmou a sua convicção nos documentos juntos ao processo administrativo.
2.2. O direito
A primeira questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se, como sustenta a Recorrente, a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto por, desde logo, ter dado como não provados factos com suma relevância para a presente acção.
Vejamos, relembrando o que, neste ponto, foi considerado na sentença recorrida, sob a epígrafe factos não provados.
Assim:
“O Tribunal não considerou o documento de fls. 8 a 13 dos autos (contrato comercial), uma vez que o mesmo não tem aposta qualquer assinatura, nada provando.
Por outra banda, a impugnante nada junta aos autos que ateste a alegada reunião com a “P… Gmbh”, ou o alegado acordo a que chegaram”.
Como se vê, apesar da formulação dada pelo Tribunal a quo, a sentença recorrida não considerou provados, com a fundamentação supra transcrita, os factos alegados pela impugnante relativos à celebração de um contrato comercial entre a impugnante e a sociedade V2…, Lda (artigo 23º da p.i) e, bem assim, a um acordo estabelecido entre a impugnante, a referida V2… e a sociedade alemã P… Gmbh, com vista à distribuição, em Portugal, de diversos produtos comercializados por esta última sociedade (artigos 25º a 28º da p.i).
Nos termos previstos no artigo 690º-A, nº1 do CPC, na redacção aqui aplicável Anterior às alterações operadas pelo DL 303/2007, de 24/08., quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, quanto à alegada celebração de um contrato comercial entre a impugnante e a sociedade V2…, Lda (artigo 23º da p.i), a impugnante limitou-se a juntar aos autos um documento denominado “contrato comercial”, cujo teor corresponde ao clausulado de um contrato, o qual, porém, não se mostra assinado por qualquer das partes alegadamente contratantes – a impugnante e a sociedade V2….
Perante a apresentação de tal documento, a Mma. Juiz a quo não o considerou, e bem, apto a fazer prova da celebração de um contrato entre a impugnante e a sociedade V2…, Lda. Com efeito, o documento apresentado carece de qualquer força probatória, não revestindo qualquer valor jurídico, sendo certo que não se mostra assinado, desconhecendo-se, por completo, a sua autoria.
Improcede, pois, neste ponto, a impugnação da matéria de facto.
Já quanto ao alegado acordo estabelecido entre a impugnante, a V2… e a sociedade alemã P… Gmbh, que a Mma. Juiz considerou não provado, dir-se-á que a Recorrente não cumpriu minimamente com o ónus que sobre si impendia quanto à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo e que impunham decisão diversa sobre esse ponto da matéria de facto.
É que, como decorre da análise dos autos, e com respeito a este ponto, nenhum documento de prova foi junto aos autos, sendo certo, também, que não foi produzida qualquer prova testemunhal, já que a impugnante, aqui Recorrente, na data marcada, não apresentou, como lhe competia, as testemunhas por si arroladas (cfr. fls. 58 dos autos).
Assim, e quanto ao apontado facto não provado, e sem necessidade de outras considerações, é de rejeitar a impugnação da decisão proferida sobre o mesmo.
À mesma conclusão – de não cumprimento do ónus do Recorrente na impugnação da matéria de facto - chegamos relativamente ao alegado erro quanto aos factos provados. Com efeito, entende a Recorrente que a sentença apreendeu de forma incorrecta a realidade factual, dando como provados factos constantes do relatório fundamentador das correcções (…) sem qualquer suporte probatório que o sustentasse.
Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, este Tribunal não pode deixar de concluir que, a este propósito, a Recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou os meios de prova que impunham uma decisão diferente daquela que foi feita na sentença recorrida.
Neste sentido, também aqui a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é de rejeitar.
Aliás, da leitura atenta das alegações e conclusões percebe-se que a Recorrente insurge-se, sim, contra aquilo que reputa como violação do princípio da verdade material, por entender que, em sede inspectiva, competia à Administração Tributária ter procedido a outras diligências tendentes à descoberta da realidade dos factos.
Acontece que esta questão já nada tem que ver com o julgamento da matéria de facto.
Na verdade, saber se houve, ou não, a violação do alegado princípio é uma questão que terá que obter resposta em sede de apreciação do julgamento de direito, o que seguidamente se apreciará.
Vejamos, então.
Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a Mma. Juiz do Tribunal a quo que não se verificou qualquer violação do princípio da verdade material, porquanto os serviços de inspecção efectuaram todas as diligências necessárias para o apuramento da matéria que deram como provada no relatório, sendo certo que as conclusões da acção inspectiva resultaram da análise efectuada à contabilidade da impugnante. Para mais, tendo a impugnante sido notificada para exercer o direito de audição prévia (o que não fez), devia nesse momento ter suscitado todas as questões e requerido as diligências que considerasse por bem levar a efeito para prova da tese que defende.
Por outro lado, considerou a sentença recorrida não se verificar o alegado erro nos pressupostos de facto subjacentes ao acto de liquidação sindicado, entendendo correcta a desconsideração do custo de € 21.141,28, atenta a sua não indispensabilidade para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC. Com efeito, entendeu a Mma. Juiz a quo que “a AT demonstrou que o custo inerente ao perdão da dívida da Vicof não era um custo adstrito aos proveitos da impugnante ou à manutenção da fonte produtora, pelo que não podia ser fiscalmente relevante. Por seu turno, (…) a impugnante não fez a prova da indispensabilidade daquele custo.
É contra o assim decidido que a Recorrente se insurge.
Vejamos, então.
Como é pacificamente entendido, designadamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos. Com efeito, como resulta do artigo 74º da LGT, há, a este nível, uma partilha do encargo probatório entre a Administração Tributária e o contribuinte.
Tal, porém, não pode deixar de ser visto em estreita relação com o princípio da verdade material e, por consequência, com o da oficiosidade da investigação e indagação das provas, que rege o procedimento tributário, por força do disposto nos artigos 58º da LGT – A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido – artigos 55º e 56º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e do artigo 50º do CPPT. Com efeito, como a este propósito refere Lima Guerreiro António Lima Guerreiro, LGT, Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 330. “a existência da regra sobre o ónus da prova (…) não é incompatível com o dever de a administração tributária, de acordo com o princípio do inquisitório, e a própria legalidade fiscal, ordenar oficiosamente as diligências probatórias indispensáveis ao apuramento da verdade material. Ou seja, as regras do ónus da prova (…) coexistem com o princípio do inquisitório”.
O princípio do inquisitório encontra, como se sabe, a sua justificação na prossecução do interesse público imposto à Administração Tributária e no dever de imparcialidade que norteia toda a actividade administrativa (artigos 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT). Como é evidente, esta obrigação da Administração de averiguar a verdade material não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas, como resulta do artigo 59º da LGT.
No entanto, como tem vindo a ser entendido, a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, pode ser fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária.
Porém, sem prejuízo daquilo que ficou dito, deve ter-se presente o seguinte, por forma a evitar cair num erro que pode ser fatal na apreciação destas questões: o princípio do inquisitório não obriga a Administração a investigar, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova, pretensões sem o mínimo de suporte probatório. Por outras palavras, e no que toca ao alcance de tal princípio, “a previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela Administração é valorada processualmente contra ela (art. 74.º, n.º 1, da L.G.T.)” Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 1999, Vislis Editores, pág. 192..
Dito isto, e recuperando o caso concreto, temos que a Administração Tributária, no âmbito de acção inspectiva e com base na análise da contabilidade do sujeito passivo, detectou que, ao longo de vários exercícios, a Recorrente concedeu empréstimos a uma sociedade – a V2… – que não era sua cliente e cujos sócios eram familiares dos da impugnante. Tais empréstimos foram registados numa conta de outros devedores, a qual foi revelando diversos movimentos a crédito e a débito. Em 31/12/01, tal conta apresentava um saldo credor de € 21.293,21 (4.268.906$00), sendo que na contabilidade da empresa V2… o débito à empresa V1… era apenas de € 21.141,28 (4.238.447$00). Apurou, ainda, a Inspecção Tributária que, naquela data, foi emitido um documento de quitação em que o sujeito passivo, aqui Recorrente, declarou prescindir dos valores que eram devidos pela empresa V2…, no montante de € 21.141,28 (4.238.4747$00). Com base neste documento e com vista a saldar a conta de terceiros a Recorrente efectuou, conforme apurado, o seguinte registo contabilístico: - a débito – custos extraordinários (6983) – 4.238.447$; - a débito – resultados transitados (5921) – 30.459$; - a crédito – outros devedores (268296) – 4.268.906$.
Ora, munida destes elementos, extraídos e revelados pela contabilidade da Recorrente, a Administração Tributária concluiu que, atento o objecto social da Recorrente (ou seja, não se tratando de sociedade com actividade no sector financeiro) e o facto de a beneficiária dos empréstimos não ser cliente da Recorrente, tal perdão de dívida e o correspondente custo extraordinário, não era de aceitar como custo indispensável para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, tendo procedido à correspondente correcção ao abrigo do artigo 23º do CIRC.
Assim, tendo presente o que se disse sobre a repartição do ónus da prova e sobre conteúdo e alcance do princípio do inquisitório, não se percebe em que medida pode a Recorrente defender que a Administração Tributária não cumpriu com a parte que lhe competia.
A Administração Tributária, através de acção inspectiva, analisou e extraiu todos os elementos possíveis que a contabilidade da Recorrente fornecia, não se vislumbrando que outros elementos poderia ter recolhido.
Aliás, e como se disse, sem prejuízo da obrigação da Administração de averiguar a verdade material, promovendo as diligências necessárias para tal, isso não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas. A este propósito, é importante sublinhar, como se referiu na sentença recorrida, que a Recorrente, notificada para exercer o direito de audição prévia à emissão das conclusões do relatório de inspecção, nada veio dizer. E se é verdade que a Recorrente não é obrigada a exercer tal faculdade, não é menos verdade que, perante a proposta de uma correcção com a qual a Recorrente discordava, devia aí ter visto a oportunidade para esclarecer o seu entendimento quanto ao desacerto da posição da Administração, juntando elementos de prova tendentes a demonstrar a sua tese ou, ainda, requerendo a realização de outras diligências de prova.
Para mais, num caso como o que está em apreciação, em que a Recorrente pretende demonstrar que na base da (correcta) consideração de um custo extraordinário está a celebração de um contrato celebrado com a V2… e, bem assim, um acordo celebrado entre estas duas empresas e a sociedade alemã P… Gmbh, importava que, não sendo esse circunstancialismo fáctico revelado pela contabilidade da Recorrente, que o mesmo fosse dado a conhecer à Administração Tributária, juntando os pertinentes documentos ou requerendo outras diligências probatórias.
Porém, a Recorrente optou por não exercer esse direito, sendo certo que as obrigações da Administração Tributária na observância do princípio do inquisitório têm limites, não tendo o alcance ilimitado que a Recorrente parece defender. Como acima se deixou apontado, e agora se repete, o princípio do inquisitório não obriga a Administração a investigar pretensões sem o mínimo de suporte probatório, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova.
Como bem sublinha o EMMP junto deste TCAN, “em parte alguma do procedimento tributário, designadamente aquando da audiência prévia, nem ao longo da presente impugnação, o S.P ora recorrente concretiza quais as diligências probatórias e esclarecimentos que deviam ser efectuados para o esclarecimento da verdadeira situação tributária, de molde a qualificar os custos desconsiderados pela AT como verdadeiros custos dedutíveis à matéria colectável”.
Portanto, e concluindo quanto ao aspecto que vínhamos analisando, dir-se-á que falecem as razões da Recorrente quando defende a violação, no caso, do princípio do inquisitório.
Prosseguindo a análise, importa relembrar que era à Administração Tributária que cabia o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correcções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar um custo contabilizado, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito. A partir daqui passava a competir ao contribuinte o ónus de prova de que os custos são fiscalmente relevantes, isto é, que foram realmente suportados e que eram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. De resto, bem se compreende que assim seja, já que ónus da produção de prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos.
Tenhamos presente, desde já, o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC Na redacção do CIRC em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, que republicou este Código, segundo o qual consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os que vêm exemplificados nas diversas alíneas desse número - como por exemplo, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, à distribuição e venda, os de natureza financeira, os de natureza administrativa, os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta, os fiscais e parafiscais, as reintegrações e amortizações, as provisões, as menos-valias realizadas, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se, no entendimento do Tribunal, que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
Como se refere no acórdão do TCA Sul, de 2/2/10 (recurso nº 3669/09), para que um custo seja fiscalmente relevante “tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, (…), que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.
Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, seja, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Quer isto dizer, pois, que fora do conceito de indispensabilidade ficarão os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
Ora, no caso concreto, e segundo a fundamentação da Administração Tributária, constava da contabilidade da impugnante um custo extraordinário correspondente a um perdão de uma dívida relativa a empréstimos feitos pela Recorrente à sociedade V2…, sociedade esta que não era cliente da Recorrente.
Assim sendo, considerou a Administração Tributária que tal custo, não resultando da actividade normal da empresa, pois a empresa não tem actividade no sector financeiro e a V2… não reveste a qualidade de cliente da empresa, não é indispensável para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, de acordo com o artigo 23º do CIRC, tendo, pois, desconsiderado, para efeitos de determinação do lucro tributável do exercício, o montante de € 21.141,28.
Ora, não se conformando com esta correcção, a impugnante, aqui Recorrente, defendeu que a dívida perdoada à V2… foi contraída na sequência de um contrato celebrado entre ambas com o objectivo de as duas sociedades distribuírem em Portugal os produtos comercializados pela sociedade alemã P… Gmbh. Mais alegou que tal contrato foi celebrado na sequência de um acordo estabelecido entre a impugnante, a referida V2… e a sociedade alemã, com vista precisamente à distribuição em Portugal de tais produtos.
Sucede, porém, como já se deixou dito aquando do tratamento da questão relativa ao erro de julgamento da matéria de facto, que tal circunstancialismo fáctico não se mostra minimamente demonstrado, pelo que não se mostra provada a relação causal entre o custo incorrido (o perdão de dívida à V2…) e a actividade da empresa nem, por consequência, a indispensabilidade desse encargo na realização de proveitos ou na manutenção da fonte produtora.
Com efeito, como se salienta no acórdão do STA de 30/11/11, proferido no processo nº o107/11, “resulta claro, perante a referência à necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim. Ou seja, sem embargo da relevância assumida pela realidade juridico-economica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Ora, o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. É por isso que, como é salientado no Acórdão do STA, proferido em 29/03/06, no Processo nº 01236/05, a Administração pode excluir gastos não directamente afastados pela lei, debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.
Retomando o caso concreto, e encaminhando-nos para o final, temos que Recorrente dedica-se à actividade de comércio por grosso de outras máquinas e equipamento, correspondendo a quantia em questão a um perdão de dívida resultante de empréstimos efectuados pela Recorrente à sociedade V2…, sociedade esta que, não sendo sua cliente, tinha como sócios familiares dos sócios da Recorrente.
Tal verba, com as características apontadas, não está, pois, directamente relacionada com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social (que é, repete-se, o comércio por grosso de outras máquinas e equipamento e não qualquer actividade no sector financeiro), sendo certo que esse custo nem indirectamente se pode reportar à sua actividade.
Improcede, assim, toda a matéria das conclusões das alegações de recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.
3 - CONCLUSÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12 de Janeiro de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves