Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00026/14.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:PRESCRIÇÃO DA DIVIDA, FUNDAMENTAÇÃO, APLICAÇÃO DOS MÉTODOS INDIRETOS IRC DE 1999.
Sumário:1.O facto de ter sido instaurada execução e de nela ter sido efetuada a penhora de bens da executada, em valor que garante o pagamento da dívida e acrescidos, tem necessariamente de ser equacionado, em face do art. 169.º, n.º1, do CPPT, que determina que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda desde que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sempre que a garantia não seja prestada (n.º3 do art. 169.º)

2.Tal facto determinou a suspensão da execução e do mesmo passo determinou a suspensão do prazo de prescrição até à decisão definitiva que ponha termo ao processo [no caso a impugnação que determina a suspensão da cobrança da dívida, como decorre do art. 49.º, n. º4 da LGT].

3. Carece de fundamentação formal para aplicação de método indiretos a decisão da AT que em matéria da indicação das normas legais, não faz expressa referência aos pressupostos legais das normas, do CIRC refere art. 52.º (anterior artigo 51.º que comporta várias alíneas) já o art. 52.º da reforma da tributação do rendimento (Lei n.º 30-G/2000, de 29/12), estatui que se efetua nos casos e condições previstas nos arts. 87.º a 89.º, ficamos sem saber qual a concreta norma ao abrigo da qual se opera, conjugada com os motivos referidos pela AT como: os lançamentos contabilísticos não contêm qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas, não se questionando os próprios documentos que corporizam as vendas dos produtos (sucata)nem a relação feita em cada ano aos produtos acabados e deteriorados ou com defeito.

4.Na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação [art. 74º, n. º3 da LGT]. A fundamentação formal adotada não permite desde logo aquilatar da validade substancial da fundamentação em matéria de pressupostos de aplicação do método indireto, pois que eivada de em meros juízos conclusivos ou juízos de valor.
5. Importa não esquecer as especiais exigências de fundamentação que rodeiam as decisões de tributação por métodos indiretos, tal como preceitua o art. 77.º, n.º4, da LGT, nos termos do qual se dispõe que “A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável(…)0”.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Massa Insolvente de (...), Lda.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1.RELATÓRIO

Massa Insolvente de (...), Lda., melhor identificada nos autos, veio recorrer da sentença que julgou improcedente a impugnação da liquidação do IRC do exercício de 1999, cuja matéria coletável foi fixada por métodos indiretos.

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 291-303) e seguintes conclusões que se reproduzem:

1) Quanto à QUESTÃO PRÉVIA DA PRESCRIÇÃO, damos aqui por integralmente reproduzido o douto parecer do ilustre Procurador-Adjunto do M.P. do Tribunal a quo, sendo que os presentes autos foram intentados em 26.05.2003 (e não 16.05.2003, conforme é referido na Sentença), estiveram parados entre 17.12.2004 (fls. 61) e 30.12.2005 (fls. 63), por facto não imputável à impugnante (aliás, os autos voltaram a estar parados entre 18.09.2007 - fls. 98 e 14.01.2009 - fls. 102) e, de acordo com o art. 49º-2 da LGT, retomou-se em 26.05.2004 (na sequência da paragem por mais de um ano) a contagem do prazo de prescrição, somando-se àquele que já havia decorrido até à instauração dos autos.
2) Assim, temos que: - Desde 31.12.1999 até 26.05.2003 decorreram 3Anos 4Meses e 26Dias; - Desde 26.05.2004 até ao presente - 01.10.2009 – decorreram mais 5Anos 4Meses e 5Dias, donde concluímos, acompanhado o Parecer do MP, que “Somando os dois períodos verifica-se que passaram mais de 8 anos, concretamente 8A 9M e 1D, donde, o prazo prescricional já se completou.”, igualmente assiste razão ao MP da 1ª Instância quando salienta que. “No caso em apreço não releva a revogação do nº 2 do art. 49º da LGT, operada pela Lei nº 53-A/06, de 29.12 (0E/07).
3) Todavia, a Sentença a quo afastou-se de tal entendimento conjunto do MP e da Impugnante com fundamento em que, tendo havido penhora de bens em 29/01/2004, foi “Suspensa a execução fiscal por motivo legal”, pelo que “ficou também suspensa a prescrição (citado nº 3 do artº 49º)”, e que, não obstante a impugnação ter estado “parada, o que fez cessar o efeito interruptivo”, conclui o Tribunal a quo que “o prazo de prescrição não pôde começar a correr de novo face à suspensão da prescrição”.
4) Com o devido respeito, aqui reside o equívoco do Tribunal a quo: é que a Sentença deu como provados os FACTOS W) a Z), mas não deu como provado ter ocorrido SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. Assim, a Sentença é nula porquanto dela não decorrem factos provados que permitam concluir ter efectivamente havido suspensão da execução fiscal, em que data ocorreu, quem proferiu o respectivo Despacho e se cessou.
5) E não deu como provado ter havido suspensão da execução por um motivo muito simples: porque ela não ocorreu! O busílis da questão é que erradamente o Tribunal a quo assumiu que a suspensão da execução até à decisão do pleito opera automaticamente, uma vez reunida a condição legal para poder ser suspensa de a penhora garantir a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
6) Nada mais errado, porquanto, da letra do art. 169º do CPPT, decorrem dois pontos que demonstram que a suspensão da execução não é automática: i) O tempo verbal “ficará” demonstra que a suspensão da execução, mesmo reunidas as respectivas condições legais, depende sempre do acto administrativo-tributário que consiste numa Decisão, vertida em Despacho, do Chefe do órgão periférico local; ii) Para que a questão da eventual suspensão poder ser declarada pelo Chefe de Finanças, a informação de que a penhora garante a totalidade da quantia exequenda e do acrescido teria que estar fornecida, no processo executivo, “pelo funcionário competente”.
7) Sucede que, nem a Sentença a quo deu como FACTO PROVADO ter sido proferido Despacho de Suspensão da Execução Fiscal, nem igualmente que o funcionário competente fez constar do processo executivo que a penhora garantia a totalidade da quantia exequenda e do acrescido e que, portanto, os autos estavam em condições de serem declarados suspensos pelo chefe do serviço de finanças. Mais: nunca tal foi alegado pela Fazenda Nacional, designadamente quando se pronunciou acerca da prescrição da dívida, pois inexistiu informação, “pelo funcionário competente”, de que a penhora garantia a totalidade da quantia exequenda e do acrescido e que, portanto, os autos estavam em condições de serem declarados suspensos pelo chefe do serviço de finanças, inexistiu Despacho de suspensão do processo executivo proferido pelo chefe do serviço de finanças, e inexistiu tout court Suspensão do Processo executivo.
8) Pelo exposto, e concordando com o parecer do MP, deverá ser julgada extinta por prescrição a obrigação tributária e, em consequência, serem os autos extintos por inutilidade superveniente da lide, atendendo a que inexistiu suspensão da execução fiscal.
9) Quanto ao ERRO NOS PRESSUPOSTOS NA DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS, no Relatório Final, a Inspecção Tributária afirma que: - A situação tributária da empresa não merece reparos pois tem cumprido as suas obrigações fiscais, não só declarativas como de pagamento; - A empresa procedeu ao abate de existências deterioradas e ou inutilizadas, de produtos acabados, subprodutos/ desperdícios e produtos em curso de fabrico, de montante considerado demasiado elevado quando comparado com as Vendas de Produtos declarados no ano de 1997 e sem que tivesse comunicado previamente tal facto à Administração Fiscal.
10) Todavia, o Sr. Inspector reconhece, contudo, que tal comunicação prévia não é exigida, mas apenas aconselhável, como expressamente é referido no ofício Circular nº 35264 do SIVA.1 Ora, diversa e erroneamente parece inculcar o Facto Provado E) da Sentença. Pelo que, as próprias afirmações referidas no Relatório Final, bem como comparando este com a Sentença, são contraditórias, reflectindo o 1º o correcto comportamento da empresa. Contudo, o Sr. Inspector e, em uníssono, a Sentença a quo, concluem que a contabilidade apresenta inexactidões e omissões que obrigam à determinação da matéria tributável dos anos 1999 e 2000 com recurso aos métodos indirectos, conforme previsto nos arts. 87º a 90º da Lei Geral Tributária, arts. 52º do CIRC e art. 84º do CIVA.
1 Consta do Relatório Inspectivo: Nota: Não existe obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços de Administração Fiscal nos moldes anteriormente previstos no art. 26º-A de Código do Imposto de Transacções. Os sujeitos passivos, porém, têm vantagem em ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados, como forma mais segura de elidir a presunção prevista no art. 80 do CIVA, pelo que, nos casos em que procedam a essa destruição ou inutilização, lhes é recomendável proceder à prévia comunicação desses factos — indicando o dia e hora — aos serviços competentes, a fim de que os agentes de fiscalização possam, se assem o entenderem, exercer o devido controle. Em qualquer caso, os sujeitos passivos, no seu próprio interesse, poderão elaborar e conservar um auto de destruição ou inutilização dos bens objecto de abate, testemunhado pelas pessoas estranhas ou não à empresa que presenciaram aquele acto (Oficio circulado nº35264 do SIVA).”
11) Não pôde então, nem pode agora, a impugnante, concordar com tal motivação plasmada no relatório final da DGCI e na Sentença, nem com o valor do lucro tributável apurado, que originou o documento de cobrança de IRC modelo 20, nº 2003 831 0000232, junto como Doc. nº 1 da P.I. A liquidação apurada não tem qualquer fundamento de facto ou de direito, assentando em meras generalidades e na confortável posição de inversão do onus probandi contra o contribuinte, sem curar de apurar se havia fundamentos para sequer aplicação a avaliação indirecta.
12) As conclusões plasmadas no Relatório Final, acolhidas em pleno pela Sentença, são não fundamentadas e apenas se basearam na dimensão das regularizações e na falta de comunicação prévia, argumento este desmontado pelo próprio Relatório Final da Administração Fiscal (AF), que a Sentença nem curou de ressalvar.
13) Refere o relatório da DGCI (pág. 5) que as Vendas de Produtos em 1997 atingiram o montante de 121.703.490$00, o que evidenciaria um manifesto desajustamento dos stoks do nível de produtividade. Acontece que, não se pode ter como termo de comparação o sector no seu todo, mas sim, a infeliz realidade da impugnante, face a várias condicionantes algumas das quais dadas como provadas na Sentença a quo mas não foram minimamente consideradas no Juízo final.
14) Nomeadamente, a AF não testou a capacidade produtiva da empresa, não foram avaliados os meios humanos e materiais utilizados, tecnologia utilizada, métodos de produção, desperdícios originados, tipo de artigos produzidos, etc., pelo que, não pode vencer a tese da administração tributária, de exagero de produtos acabados, sem se ter em consideração e ponderação de tais critérios/factores, mais ainda quando a Sentença deu como provadas várias das limitações produtivas da Impugnante, após produção de prova testemunhal, pese embora não as tenha devidamente valorado em prol da tese impugnatória (bem pelo contrário, vá-se lá entender).
15) Prima facie, a Sentença a quo nada disse acerca da apontada Nulidade do Relatório Final da DGCI por Falta de apreciação dos Factos Novos alegados no Direito de Audição, quando, logo na P.I. a Impugnante afirmou que, aquando da prolação do Relatório, a DGCI tinha na sua posse inventários das existências e relações devidamente referenciadas e valorizadas dos produtos a que se referem as regularizações de existências, e mais frisou que não foram postas em causa essas existências constantes dos inventários apresentados, nem as relações devidamente referenciadas e valorizadas dos produtos a que se referem as regularizações de existências.
16) No ano de 1999 e 2000, foram vendidas e facturadas, venda de “sucata de aço inox”, 25.992 Kg para o ano de 1999 e de 22.140 Kg para o ano de 2000, facturas que ao diante se juntam fotocópias e que aqui se dão por integradas e reproduzidas - Docs. nºs 2 a 21 da Impugnação.
17) Sendo tal “sucata” não mais que a venda de desperdícios, produtos em curso com defeito de fabrico ou deterioradas no processo de fabrico e produtos acabados deteriorados no seu manuseamento até à saída da fábrica. Para se fazer uma ideia dos produtos incluídos naqueles valores, bastará referir que, mesmo que o peso de cada peça produzida na empresa fosse de 1 Kg, o que não é pois é muito inferior, só no ano de 1999 teriam sido vendidas como sucata quase 26.000 peças.
18) Pelo que, o argumento de que os valores considerados nas regularizações são exagerados não pode proceder, quando comparado com a quantidade de produtos vendidos sob a denominação vulgarmente conhecida como “sucata”, vendas essas contabilizadas e declaradas como proveitos e sujeitas a liquidação do correspondente IVA pela impugnante, factos facilmente comprovados pelas empresas adquirentes e constantes das facturas juntas com a P.I., o que deu pleno cumprimento à recomendação da Administração Fiscal no citado Ofício circulado nº 35264, no sentido de a empresa, na falta de comunicação prévia, ter elementos que permitam ilidir a presunção referida no art. 80º do CIVA e utilizada pela Inspecção Tributária na determinação dos valores reclamados.
19) Não foram postas em causa pela DGCI as relações devidamente referenciadas e valorizadas dos produtos a que se referem as regularizações de existência, sendo certo que, dentro da venda de “sucata”, se incluem produtos em curso com defeito de fabrico ou deterioradas no processo de fabrico e produtos acabados deteriorados no seu manuseamento até à saída da fábrica, produtos esses relacionados nas relações que se juntaram como Docs. nº 22 a 27 da P.I. .
20) Pelo que o valor dos produtos vendidos como sucata, para o ano 1999, as existências deterioradas e ou inutilizadas para subprodutos se cifrava no valor de Esc.: 1.565.605$00 para produtos em curso de fabrico inutilizados de Esc.: 18.879.098$00, de produtos acabados com defeito da marca Gaipiro de esc.: 13.467.720$00, de produtos acabados com defeito na marca S. Paulo de Esc.: 3.765.810$00, e do ano de 2000, de produtos roubados na fase de acabamentos de Esc.: 3.732.476$00 e de produtos em curso inutilizados de Esc.: 7.576.875$00, sendo que o peso aí referido se pode computar no ano de 1999, em 8.570,31 Kg de produtos em curso de fabrico inutilizados, de 2.989,70 Kg para produtos acabados com defeito na marca Gaipiro e de 1.075,27 Kg de produtos acabados com defeito na marca S. Paulo, de 361,38 Kg para produtos e para 2000, de 509,09 Kg de produtos roubados na fase de acabamentos e de 2.989,70 Kg para produtos em curso inutilizados.
21) Pelo que, no ano de 1999, foram vendidos como sucata produtos em curso com defeito de fabrico ou deterioradas no processo de fabrico e produtos acabados deteriorados no seu manuseamento até à saída da fábrica, no valor de Esc.: 37.769.233$00 mercadoria que tinha o peso de 12.996,66 Kg e para o ano de 2000 no valor de Esc.: 11.309.351$00 mercadoria que tinha o peso de 3.141,59 Kg/valor custo produção.
22) É entendimento da impugnante, que melhor que um auto de destruição ou inutilização assinado apenas e só para esse feito, é a efectiva venda dos artigos inutilizados, devidamente relacionados nos documentos apresentados ao Funcionário que executou a inspecção e efectuada para empresas idóneas e não para o primeiro “sucateiro” que aparece.
23) Acresce que, a conclusão extraída no relatório da DGCI é tão anómala que, como é plasmado na página 7 desse relatório, se aceita a regularização no ano de 1999 de Esc.: 1.656.588$00, referente a subprodutos, desperdícios e refugos, correspondendo esse valor ao custo de produção!
24) Como se pode verificar pelas facturas juntas, só no ano de 1999, as vendas de sucata de aço inox atingiram o montante de Esc.: 2.313.970$00, que originou o IVA de Esc. 393.375$00, correspondendo esse valor ao preço de venda de “sucata”, sem prescindir de que, o valor da chapa de aço inox está associado ao preço do níquel e sofre frequentes variações no mercado internacional com os inevitáveis reflexos para empresas da dimensão da impugnante.
25) Ainda sem prescindir, quanto à regularização dos artigos furtados, acrescente-se ao que já foi aquando da audiência, que o furto ocorreu no acto de transferência de produtos da empresa “Gomes & Rocha Dias, Lda.”, para a impugnante, ambas pertencentes ao mesmo grupo, Produtos já facturados no momento do roubo, sendo por essa razão, que os bens pertenciam à impugnante, de foi esta a participar tal furto às autoridades competentes, pese embora, quanto a esta matéria dos artigos furtados, a prova testemunhal pouco tenha adiantado (concede-se).
26) Pelo que, é entendimento da impugnante que se está a pretender corrigir a matéria colectável em sede de IRC, só porque não se procedeu como a própria Administração Fiscal sugere mas admite não ser condição essencial. Nestas circunstâncias, não estão verificados os pressupostos legais para a aplicação de métodos indirectos, previstos nos artigos 81º e ss. da LGT.
27) Nem se diga - como disse a Sentença - que, “Ora, não tendo a impugnante conservado, como era seu dever, os elementos demonstrativos das faltas nas suas existências de bens desaparecidos, destruídos ou inutilizados durante o processo produtivo, não tem como elidir a referida presunção, funcionando a dúvida do que falta contra si.”, quando a documentação junta aos autos é toda a necessária à contrária conclusão, mais acrescendo os FACTOS PROVADOS na sequência da produção de prova testemunhal.
28) Sem prescindir, a Administração Fiscal (AF) apenas pode lançar mão da avaliação por métodos indirectos nos casos expressamente previstos na lei, sendo este um meio subsidiário da avaliação directa.
29) O que está em causa e constitui fundamento de discordância são as Regularizações de Existências levadas a cabo pela impugnante nos exercícios de 1999 e 2000 e a Sentença a quo, fazendo confiança cega no Relatório da DGCI, bastou-se com as generalidades aí alegadas, tendo concluído o Tribunal que, “De facto, comprovaram os SIT que a impugnante não possuía qualquer suporte documental minimamente justificativo dessas regularizações, alegadamente determinadas sobretudo por deterioração de produtos, efeitos de produção, desperdícios e furtos. Ora, mercê dessas omissões, torna-se inequívoco que a contabilidade da impugnante não se apresentava merecedora de credibilidade, o que só por si, é fundamento de recuso aos métodos indiciários.”.
30) Com o devido respeito, é errado tal juízo conclusivo da Sentença pois não é isso que o Relatório da DGCI afirma. Verifica-se que a AT alicerçou aquele recurso no facto de considerar que “Analisados os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, constata-se que os mesmos não contém qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas (...).” - extracto também citado na Sentença. Ora, não haver um “histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas” é manifestamente diferente de dizer-se que “a impugnante não possuía qualquer suporte documental minimamente justificativo dessas regularizações”; todavia, para a Sentença a quo é a mesma coisa (mas não é!).
31) E facilmente se vê que é coisa diferente, pois o próprio Relatório da DGCI diz que, havia suporte documental dessas regularizações; por isso afirma que foram “analisados os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos” das regularizações. O que a DGCI diz é que, na sua óptica, “os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos (...) não contêm qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas (...)”.
32) Perguntamos: está devidamente fundamentado o Relatório da DGCI e a Sentença a quo, ao ponto de Vªs Exas. poderem entender o que é um histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas? É um documento? É uma narração? É um mapa? É uma história? É um lançamento numa conta do POC à parte? Se nem um Jurista entende, muito menos o entenderá um contribuinte.
33) Uma coisa é certa: o dito histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas não é um documento/lançamento fiscalmente obrigatório para se justificasse sequer a aplicação de metidos indirectos, não tendo, portanto, a AT provado os pressupostos que a si incumbia provar antes de confortavelmente se sentar à sombra da inversão do onus probandi contra o contribuinte.
34) Não é verdade existir qualquer problema ou deficiência na contabilidade da inspeccionada só porque a DGCI inventou a suposta necessidade de existência de um histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas, estando todos os elementos registados e explicados nos mapas entregues, e tal afirmação o Tribunal a quo acolheu sem questionar e sem explicar sequer de que se trataria o elemento em falta e da sua relevância para estar justificada a aplicação de metidos indirectos!
35) O que se verifica é uma divergência entre o entendimento da Impugnante e o da DGCI quanto à forma como as Regularizações de Existências efectuadas foram tratadas contabilisticamente, mas disso não quis saber o Tribunal a quo, bastando-se com o raciocínio que, se a DGCI diz que tem que haver um histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas, é porque tem!
36) Em Direito Administrativo-Tributário e em Direito Judiciário, assim não pode suceder, sob pena de ser a DGCI a criar obrigações contabilísticas que a lei não impõe, e com o aplauso dos Tribunais. Assim, analisado o Relatório Final de Inspecção e a própria Sentença, conclui-se que não está fundamentada a opção da AF pelo recurso a métodos indirectos, não se percebendo as razões que levaram à sua aplicação, pelo que ter-se-á que concluir pela falta de fundamentação para aplicação de métodos indiciários, devendo-se concluir pela possibilidade de aplicação de métodos directos.
37) Encontra-se infirmado o factor-índice descrito no Relatório Inspectivo para justificar a aplicação dos métodos indirectos, prevalecendo a presunção legal de verdade dos registos contabilísticos elaborados pela Impugnante.
38) Diversamente do juízo efectuado na Sentença, a prova de que existiam “mapas de registo de desperdícios, a existência de subprodutos e a ocorrência do alegado roubo”, foi efectuada pela contribuinte, mormente através da “lista de subprodutos, produtos acabados com defeito, produtos em curso de fabrico inutilizados e produtos roubados na fase de acabamentos de fls. 22 a 34 dos autos”, sendo que a prova testemunhal que se impunha não seria propriamente confrontar testemunhas com a “lista” (conforme parece querer afirmar a Sentença), porquanto tal lista se trata de um mero documento registral, outrossim impor-se-ia comprovar que os elementos constantes dessa lista eram verdadeiros (caso o ónus recaísse sobre a Impugnante), elementos que os FACTOS PROVADOS demonstram ser verdadeiros, pelo menos na medida em que a respectiva matéria fáctica alegada resultou provada na Sentença.
39) Por isso, impõe-se uma ALTERAÇÃO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA, no sentido de a esta acrescer a “existência de mapas de registo de desperdícios, a existência de subprodutos e a ocorrência do alegado roubo”, atendendo à existência e consideração da “lista de subprodutos, produtos acabados com defeito, produtos em curso de fabrico inutilizados e produtos roubados na fase de acabamentos de fls. 22 a 34 dos autos”.
40) Todavia, afigura-se-nos que o onus probandi que se impunha quanto “à existência de mapas de registo de desperdícios, a existência de subprodutos e a ocorrência do alegado roubo”, atendendo à existente “lista de subprodutos, produtos acabados com defeito, produtos em curso de fabrico inutilizados e produtos roubados na fase de acabamentos de fls. 22 a 34 dos autos”, não se trataria de ónus da contribuinte em provar a veracidade do descritivo dessa lista, pois o que se impunha era um ónus da AT em demonstrar a falsidade dessa existente lista de fls. 22 a 34 dos autos, uma vez que essa falsidade é que seria o factor-índice capaz de justificar a aplicação dos métodos indirectos e afastar a presunção legal de verdade dos registos contabilísticos elaborados pela Impugnante.
41) Não tendo a AT efectuado tal prova, erradamente concluiu a Sentença que tal falta de prova funciona contra a Impugnante; mas ainda que assim fosse, a prova foi feita, o que conclui dos próprios FACTOS PROVADOS.
Nestes termos, e nos mais de Direito, cujo douto suprimento se pede, deve a Sentença a quo ser revogada e, consequentemente, ser substituída por outra que:
a) Concordando com o parecer do MP da 1a Instância, declare extinta por prescrição a obrigação tributária (tributos e juros), atendendo a que inexistiu suspensão da execução fiscal;
b) Declare que foram erroneamente considerados os factos tributários em causa e também erroneamente qualificados e quantificados os factos tributários,
ou, se assim não se entender,
c) Declare que se verifica ausência e/ou vício da fundamentação legalmente exigida para a aplicação de métodos indirectos,
e, em qualquer dos casos, deverá o acto impugnando ser anulado, mantendo-se os valores declarados,
fazendo-se, assim, a acostumada
JUSTIÇA»
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A recorrida, Fazenda Pública não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela procedência do presente recurso, com base no seguinte: «Alega Massa Insolvente de (...), Ld.a, em resumo, a prescrição do tributo e refere que a sentença enferma de erro de julgamento conforme melhor descrito em sede recursiva e para cuja leitura remetemos.
A prescrição já foi conhecida pelo julgador que se pronunciou pela sua não verificação, em termos que não merecem censura.
Em relação ao demais, o recurso mercê provimento atenta a posterior decisão do TCAN no processo 77/11.3BUPRT de 3/12/2020, junta ao processo, em estão em causa os mesmos factos que tiveram origem no RIT, ora sindicado.»
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por terem sido dispensados, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.

[a] saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar que a dívida resultante da liquidação do IRC não estava prescrita;
[b] se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia.
[c]saber se há erro de julgamento da matéria de facto provada e se com tais factos a AT demonstra a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso aos métodos indiretos, passando por saber se o ato está fundamentado em razões de facto e de direito que o motivaram.
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3. FUNDAMENTOS de FACTO

Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
«a) Com base na ordem de serviço nº 39620 de 20/06/2002, levou-se a efeito uma acção inspectiva à, ora, impugnante, tendo a mesma decorrido no período compreendido entre 28 de Junho e 24 de Julho de 2002, incidindo sobre o IVA e o IRC dos exercícios de 1999 e 2000 (cf. Doc. De fls. 72 a 98 do processo administrativo, doravante apenas PA).
b) A impugnante dedica-se à Fabricação de Outros Produtos Metálicos Diversos — CAE 28752 e iniciou a sua actividade em 1 de Janeiro de 1978 (cf. Doc. De fls.75 do PA).
c) Em sede inspectiva foi apurado que “Analisando os elementos contabilísticos do sujeito passivo referentes aos exercícios de 1997 a 2000, tendo-se constatado que nos anos de 1999 e 2000 a empresa efectuou regularizações de Existências, que indicou nas respectivas DR Modelo 22, nos seguintes montantes:
- Exercício de 1999:
Produtos acabados e intermediários esc: 30.989.396$00
Subprodutos e desperdícios esc: 1.656.588$00
- Exercício de 2000:
Produtos e trabalhos em curso esc: 11.309.360$00
Estas regularizações foram efectuadas tendo por contrapartida a Conta 59 — Resultados Transitados, que por tal motivo sofreram incrementos negativos naqueles montantes.
Analisados os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, constata-se que os mesmos não contêm qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas (cf. fls. 76 do PA).
d) Os SIT notificaram a impugnante para fornecer as” Relações (devidamente descriminadas, por referências, quantidades e valores) das Existências objecto de Regularizações, nos exercícios de 1999 e 2000; nota discriminativa dos motivos que estiveram subjacentes a tais regularizações” tendo a impugnante apresentado Relações, (devidamente descriminadas por referências, quantidades e valores) das Existências objecto de Regularização em 1999 e 2000 (cf. Doc. De fls. 76 do PA).
e) Concluíram os SIT que “As regularizações em causa, respeitando embora (segundo nos foi dito) na sua maioria, a produtos deteriorados que se foram acumulando de vários anos, são de valor tão elevado que implicariam uma linha de produção com incidência de defeituosos, demasiado elevada, para a empresa se poder manter em actividade. (...) ressalta o facto de não se ter comunicado à Direcção Geral dos Impostos a intenção de proceder à inutilização/destruição dos produtos que a empresa considerou não terem qualquer valor comercial, com vista a ser testemunhada a destruição e elaborado o adequado auto” (cf. Doc. De fls. 78 do PA).
f) Os SIT concluíram “que a contabilidade apresenta inexactidões e omissões na contabilização das operações, que impossibilitam a comprovação e quantificação de forma directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação das matérias tributáveis dos anos em análise” determinando tal matéria com recurso aos métodos indirectos (cf. fls. 79 do PA).
g) Assim procederam os SIT às correcções com métodos indirectos no ano de 1999 e 2000, apurando matéria tributável no montante de €52.594,71 e €4.105,75, respectivamente, para cada um daqueles anos, o que originou a liquidação de IRC no montante de €22.680,80 para o ano de 1999 (cf. Doc. De fls. 80 do PA).
h) A impugnante apresentou pedido de revisão nos termos do disposto no art. 91º da LGT, o qual mereceu a decisão comunicada em 12/11/2002, conforme acta da reunião nº 191, tendo o IRC para o exercício de 1999 sido mantido (cf. fls. 35 a 46 do PA).
i) Foi emitida a liquidação adicional nº 830000232, relativa a IRC do ano de 1999, no montante de €22.680,80, com data limite de pagamento de 19/02/2003 (cf. fls. 8 dos autos).
j) A impugnante deduziu a presente impugnação judicial em 16/05/2003 (cf. Doc. De fls. 9 do processo de execução fiscal apenso aos autos).
k) A impugnante comprava matéria-prima (inox) e fazia objectos (louça) naquele material, sendo as sobras do inox vendidas como sucata (cf. depoimento das testemunhas).
l) Os produtos com defeito, que rebentavam na primeira operação, também eram vendidos para a sucata como desperdícios (cf. depoimento das testemunhas).
m) A impugnante aproveitava todas as peças que podia, mesmo as que tinham pequenos defeitos eram vendidas com a produção (cf. depoimento das testemunhas).
n) A impugnante usava várias máquinas antigas que faziam o mesmo que as outras, mas com menos capacidade de produção (cf. depoimento das testemunhas).
o) Os desperdícios eram na ordem de 1%, o resto era tudo aproveitado (cf. depoimento de Sérgio Maia).
p) Uma em cada 100 peças era desperdício (cf. depoimento de Sérgio Maia).
q) A sucata era vendida a sucateiros (cf. depoimento das testemunhas).
r) A impugnante vendia sucata à “B.” e à “T.” (cf. depoimento das testemunhas).
s) A impugnante tinha cerca de 20 e poucos funcionários (cf. depoimento das testemunhas).
t) O valor do inox está associado ao preço do níquel (cf. depoimento das testemunhas).
u) A impugnante veio a desistir da perícia requerida alegando que “face aos elementos contabilísticos de que a insolvente dispõe, desiste da perícia por si requerida” (cf. fls. 139 dos autos).
v) Em 06/06/2003 foi instaurado contra a impugnante o processo de execução fiscal nº 3506200301006517, por dívidas relativas ao IRC do ano de 1999, no montante de €22.680,80 (cf. processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos).
w) A impugnante foi citada para o PEF em 01/08/2003 (cf. doc. de fls. 2 verso do PEF).
x) A impugnante, no âmbito do processo de execução fiscal, foi notificada para prestar garantia no valor de £31.764,81, não o tendo feito (cf. PEF).
y) Em 29/01/2004, no âmbito do PEF referido em v), foi elaborado auto de penhora, onde se mostram penhorados vários bens, no montante total de €120.000,00 (cf. doc. de fls. 20 do PEF).
z) Os autos de impugnação estiveram parados entre 17/12/2004 e 30/12/2005 e entre 18/09/2007 e 14/01/2009 (cf. doc. de fls. 61 e 63 e 98 e 102 dos autos).

Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão.
Mormente não resultou provada a existência de mapas de registo de desperdícios, a existência de subprodutos e a ocorrência do alegado roubo, nos moldes que vêm alegados pela impugnante. ---
O Tribunal firmou a sua convicção no depoimento das testemunhas e nos documentos juntos aos autos. ---
Em relação as testemunhas, além do que resulta provada pouco mais souberam esclarecer, uma vez que nada sabiam acerca da elaboração de mapas de registos de desperdícios, da existência de subprodutos, controle de qualidade, quantidade dos desperdícios ou do alegado roubo a que alude a impugnante. ---
O Tribunal não considerou a lista de subprodutos, produtos acabados com defeito, produtos em curso de fabrico inutilizados e produtos roubados na fase de acabamentos de fls. 22 a 34 dos autos, tanto mais que a única testemunha que foi confrontada com tais documentos (José Adriano) nada soube dizer.»
*

4. Apreciação jurídica do Recurso.

4.1. A recorrente discorda do julgamento feito na sentença relativamente à prescrição da dívida, que havia sido suscitada no parecer do M.ºP.º, no tribunal a quo.

Desde já se adianta que no que concerne à prescrição nenhum reparo merece a sentença na medida em que equacionou os factos relevantes em face da lei para dela conhecer.

Na verdade, o facto de ter sido instaurada execução e de nela ter sido efetuada a penhora de bens da executada, em valor que garante o pagamento da dívida e acrescidos, tem necessariamente de ser equacionado, em face do art. 169.º, n.º1, do CPPT, que determina que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda desde que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sempre que a garantia não seja prestada (n.º3 do art. 169.º).

Considerando os factos relevantes em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, não obstante a interrupção da prescrição com a instauração da impugnação em 26-05-2003, bem como as paragens do processo de impugnação por facto não imputável à impugnante, certo é que com a instauração da execução, além da citação ocorrida em 1-08-2003 (a executada embora notificada para prestar garantia não o fez) desencadeou que o órgão de execução procedesse à penhora de bens da executada, auto de penhora de 29-01-2004, no valor de €120.000,00 Ac. do STA de 07-02-2007 no recurso 01130/06 disponível em www.dgsi.pt.
. Ora tal facto determinou a suspensão da execução e do mesmo passo determinou a suspensão do prazo de prescrição até à decisão definitiva que ponha termo ao processo [no caso a impugnação que determina a suspensão da cobrança da dívida, como decorre do art. 49.º, n. º4 da LGT].

Aliás em consonância com a jurisprudência do STA Ac. de 12-10-2016, no recurso 0935/16 e 0429/-12 de 27-11-2019, disponíveis em www.dgsi.pt
Acórdão de 21 de janeiro de 2015 no Processo n.º 660/14-50 e publicado no Apêndice do DR em 2016-03-01.

onde se sumariou que “Da norma contida no nº 3 do art. 49º da LGT, conjugada com a norma legal que define o regime da suspensão da execução fiscal (art. 169º do CPPT), resulta que o efeito suspensivo da execução fiscal não é consequência directa e imediata da instauração da reclamação, impugnação ou recurso, nem é consequência directa e imediata da prestação de garantia; o que determina o efeito suspensivo da execução – e, por consequência, o efeito suspensivo da prescrição – é a instauração de reclamação, impugnação ou recurso, quando acompanhada ou seguida da constituição ou prestação de garantia idónea, da autorização da sua dispensa, ou da penhora de bens que garantam o pagamento integral da quantia exequenda e do acrescido.”

Assim, tendo havido penhora de bens da executada, no processo de execução fiscal, enquanto não transitar em julgado a impugnação mantém-se a suspensão da prescrição, o prazo não corre enquanto pender a impugnação.

Deste modo improcede este segmento do recurso.

4.2. A recorrente pugna pela nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre a nulidade do relatório final da DGCI ao não ter apreciado os factos novos alegados no direito de audição. [conclusão 15.ª]
Mas aqui é manifesta a sua falta de razão. A recorrente pretende retirar de uma afirmação que faz na p.i. nos arts. 16.º e 21.º que suscitou a nulidade do relatório pelo facto de a AT não se ter pronunciado sobre os factos novos aduzidos em sede de exercício do direto de audição.
Contudo nada é dito ou sugerido no sentido de o relatório final não ter atendido aos factos novos trazidos pela impugnante no exercício do seu direito de audição, razão pela qual o tribunal não tinha o dever de se pronunciar, posto que a questão não é de conhecimento oficioso.
Improcede tal conclusão de recurso.

4.3. Por fim, a Recorrente imputa erro de julgamento de facto e de direito à sentença ao sancionar favoravelmente o uso dos métodos indiretos para a determinação da matéria coletável, pois que a avaliação não se mostra sustentada e factos índice que permitam concluir que a aquela não era possível pela via direta.
Isto é, os factos elencados não demonstram verificação dos pressupostos legais da tributação com recurso aos métodos indireto, não estando o ato fundamentado em razões de facto e de direito que permitam a liquidação.

Ora, no que tange a este segmento recursivo não podemos deixar de dar razão à recorrente, aliás em consonância do que já foi decidido no recurso do processo n.º 62/03 (atual 77/11.3BUPRT), cujo acórdão foi por ela junto aos autos.

Antes de mais importa assentar que no plano jurídico-fiscal a situação descrita, atenta a data dos factos, cai na alçada dos arts. 51º e 52º do CIRC, [anterior à reforma da tributação Lei n.º 30-G/2000, de 29/12] vigente à data em que se gerou o imposto, 1999.
Os motivos que explicam o recurso aos métodos indiretos vêm elencados nas páginas 5 a 6 do Relatório e “Decisão” do procedimento de revisão, Ata n.º 191 de 2002, [pág.45-46 do p.a.] os quais assentam na sua essencialidade:
-A empresa apresenta valores relativos a Existência de Produtos muito elevados.
-“Analisando os elementos contabilísticos do sujeito passivo referentes aos exercícios de 1997 a 2000, tendo-se constatado que nos anos de 1999 e 2000 a empresa efectuou regularizações de Existências, que indicou nas respectivas DR Modelo 22, nos seguintes montantes: (…)
Concluíram os SIT que “As regularizações em causa, respeitando embora (segundo nos foi dito) na sua maioria, a produtos deteriorados que se foram acumulando de vários anos, são de valor tão elevado que implicariam uma linha de produção com incidência de defeituosos, demasiado elevada, para a empresa se poder manter em actividade. (...) ressalta o facto de não se ter comunicado à Direcção Geral dos Impostos a intenção de proceder à inutilização/destruição dos produtos que a empresa considerou não terem qualquer valor comercial, com vista a ser testemunhada a destruição e elaborado o adequado auto”
-Analisados os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, constata-se que os mesmos não contêm qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas

-Concluíram, assim, “que a contabilidade apresenta inexactidões e omissões na contabilização das operações, que impossibilitam a comprovação e quantificação de forma directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação das matérias tributáveis dos anos em análise” determinando tal matéria com recurso aos métodos indirectos, conforme previsto nos artigos 87.º a 90.º da Lei Geral Tributária, art. 52.º do CIRC e 84.º do CIVA.

Na decisão do procedimento de revisão afirma-se: “(…) verifico que no processo não há documentação que permita efetuar a ligação entre as vendas de sucata e as existências uma vez que não foi apresentado qualquer auto de destruição ou qualquer evidência do que aconteceu às existências regularizadas.
O parecer do Perito da Administração parece-me equilibrado e realista pela forma como aborda as questões colocadas (…) não tendo o contribuinte carreado para o processo evidência ou prova que ilida aquela presunção, estou de acordo com o Perito, que aqui dou por reproduzido. (…)
Para efeitos do IRC mantenho os valores fixados nos exercícios de 1999 e 2000 com base no relatório da inspeção tributária.”

Daqui logo se conclui que em matéria da indicação das normas legais, o relatório não é assertivo, pois que não faz expressa referência aos pressupostos legais das normas, do CIRC refere art. 52.º (anterior artigo 51.º que comporta várias alíneas) já o art. 52.º da reforma da tributação do rendimento (Lei n.º 30-G/2000, de 29/12), estatui que se efetua nos casos e condições previstas nos arts. 87.º a 89.º, ficamos sem saber qual a concreta norma ao abrigo da qual se opera.

Ademais, os motivos referidos pela AT não são aptos para fundamentar uma correção tão agressiva como é a avaliação indireta.
Dizer que, “analisados os documentos que servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, constata-se que os mesmos não contêm qualquer histórico justificativo das Regularizações de Existências efectuadas” não é, de modo algum, suficiente para descredibilizar o procedimento do s.p. pois não se questionam os próprios documentos que corporizam as vendas dos produtos (sucata)nem a relação feita em cada ano aos produtos acabados e deteriorados ou com defeito.
Nem tão pouco o facto de a Recorrente não ter feito uso da participação prévia, que não é obrigatória, apenas indicativa, poderá abalar o procedimento usado pela recorrente de fazer relações referenciadas dos produtos, com os respetivos valores atribuídos e proceder à sua venda documentada como “sucata”.
O procedimento verificado pela IT na regularização das existências no ano de 1999, ainda que de valor elevado, não permite concluir da forma que o fez.

Desajustamento dos stoks que não estão devidamente explicadas de molde a permitir concluírem de forma clara e adequada que é inviável a determinação da matéria coletável pela via direta, sendo que esta é forma prevalente e consagrada na lei. Neste sentido decidiu acórdão deste tribunal, que se crê ainda inédito, no recurso n.º 181/04.4BEVIS, do mesmo contribuinte e do mesmo ano de inspeção.

Tenha-se presente que é à AT que compete demonstrar, fundamentadamente, não só que a contabilidade não merece confiança, mas também que não é possível a determinação da matéria tributável por método direto, para que seja possível recorrer a estimativas ou presunções (métodos indiciários) na fixação da matéria tributável.

O recurso a métodos indiciários para determinar a matéria coletável é uma medida excecional, o que obriga que haja fundamentos objetivamente demonstrados para o efeito, sob pena de a aplicação de este método ser ilegal.

Na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação [art. 74º, n.º3 da LGT].

Ora a precedente fundamentação formal não permite desde logo aquilatar da validade substancial da fundamentação em matéria de pressupostos de aplicação do método indireto, pois que eivada de em meros juízos conclusivos ou juízos de valor.
Do que acaba de ser dito a correção enferma, pois, de violação de lei, pois que a AT não logrou provar, como lhe competia, os pressupostos para aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria coletável.

Na verdade, o recurso à avaliação indireta pressuporá que o contribuinte tenha violado alguns dos seus deveres legais de organização contabilística, sendo certo que sempre a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respetivo sector de atividade e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo. Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras.

Aqui chegados, importa não perder de vista as especiais exigências de fundamentação que rodeiam as decisões de tributação por métodos indiretos, tal como preceitua o art. 77.º, n.º4, da LGT, nos termos do qual se dispõe que “A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, (…) e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.
Ac.de 12-04-2018 no processo 01928/04-Viseu; 26-01-2018 no processo 01866/04BEPRT e 12-11-2015 no processo 04889/04-Viseu, todos deste tribunal, disponíveis em www.dgsi.pt


Deste modo, a sentença que assim não decidiu não se pode manter.
*

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, anulando-se a liquidação.
*
Custas a cargo da Fazenda, que está isente por se tratar de processo anterior a 2004.
*
Notifique-se.

Porto, 11 de Março de 2021



Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) Ac. do STA de 07-02-2007 no recurso 01130/06 disponível em www.dgsi.pt.

ii) Ac. de 12-10-2016, no recurso 0935/16 e 0429/-12 de 27-11-2019, disponíveis em www.dgsi.pt
Acórdão de 21 de janeiro de 2015 no Processo n.º 660/14-50 e publicado no Apêndice do DR em 2016-03-01.


iii) Neste sentido decidiu acórdão deste tribunal, que se crê ainda inédito, no recurso n.º 181/04.4BEVIS, do mesmo contribuinte e do mesmo ano de inspeção.

iv) Ac.de 12-04-2018 no processo 01928/04-Viseu; 26-01-2018 no processo 01866/04BEPRT e 12-11-2015 no processo 04889/04-Viseu, todos deste tribunal, disponíveis em www.dgsi.pt