Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00699/15.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CADUCIDADE
SUSPENSÃO DO PRAZO
Sumário:1. A caducidade é um instituto por via do qual os direitos se extinguem, se não forem exercidos durante certo período de tempo.
2. O prazo geral de caducidade é quatro anos por força do disposto no art. 45º/1 da LGT contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (no caso dos impostos periódicos) da data em que o facto tributário ocorreu (no caso dos impostos de obrigação única) e a partir do início do ano seguinte àquele em que o facto tributário se verificou, no caso do IVA e dos impostos sobre o rendimento retidos na fonte (art. 45º/2 LGT).
3. O decurso do prazo de caducidade suspende-se nos casos previstos no art.º 46º da LGT. Em especial, no que para aqui interessa, em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão. (alínea d) do n.º 2 do art. 46º LGT).
4. Nesta previsão está contida a hipótese de o facto tributário se reportar a período de tributação diferente daquele que foi considerado na liquidação anulada. Nesse caso, quando a administração tributária sair vencida, mantém a possibilidade de liquidar o imposto no período de tributação em que efetivamente o facto tributário ocorreu, se esse for o sentido da decisão administrativa ou judicial*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: E…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 2690201501017187 por caducidade do direito à liquidação.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. - Existe vício de caducidade do direito à liquidação, cf. n.° 4 do Art.° 45° da LGT, na liquidação em causa.
2. - Não existe suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação com referência ao exercício de 2009, por não decorrer da decisão emanada no âmbito do processo de impugnação n.° 463/11.9BEVIS, onde se discutiu a legalidade da liquidação com referência ao exercício de 2008.
3. - Assim, deve a execução fiscal ser extinta, por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, cf. Art.° 204°, n.° 1, alínea e), do CPPT.
NESTES TERMOS,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na procedência da Oposição e consequente extinção da execução fiscal e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a exceção caducidade do direito à liquidação de IRC relativo ao exercício de 1999.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Em 28.09.2011 foi apresentado pela ora Oponente processo de impugnação contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2008. – cfr. certidão de fls. 97 do SITAF.

2. O processo de impugnação a que alude o ponto anterior foi autuado no Tribunal sob o n.º 463/11.9BEVIS.

3. No âmbito do processo referido no ponto anterior, o STA proferiu decisão datada de 14.05.2014. – cfr. doc. 1 junto com a contestação.
4. No acórdão do STA sumariou-se nos seguintes termos:
“I – Nos termos do art. 24.º, n.º 2, do CIRC, permitia-se que as gratificações de trabalhadores da empresa a título de participação nos resultados fossem relevadas como variações patrimoniais negativas, concorrendo para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
II – Se esta condição não fosse verificada, o art. 24.º, n.º 5, do CIRC, estabelecia que ao valor do IRC liquidado em relação ao exercício seguinte se adicionava o IRC que deixou de ser liquidado, em resultado da dedução das gratificações que não tivessem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.”.
[cfr. doc. 1 junto com a petição inicial].
5. Assim, decidiu o Superior Tribunal que a Administração Tributária deveria ter procedido à pertinente correção, acrescendo ao exercício de 2009 o imposto que deixou de ser liquidado em 2008, em resultado da dedução das gratificações que não foram pagas até ao final do exercício de 2009.

6. As partes foram notificadas do acórdão a que alude o ponto 3 através de ofício remetido por carta registada em 16.05.2014. – cfr. certidão de fls. 97 do SITAF.

7. Na sequência da decisão referida, a Direção de Finanças emitiu a ordem de serviço interna n.º OI 201400741, datada de 10.10.2014, de âmbito parcial (IRC) que incidiu sobre o exercício de 2009. – cfr. doc. 2 junto com a contestação.

8. No seguimento da correção efetuada em sede de procedimento inspetivo, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRC n.º 2015 8310035955, referente ao exercício de 2009, com imposto a pagar de 31 312,49 € e juros compensatórios de 7 168,41 €.

9. A Administração Tributária emitiu a Demonstração de Compensação e Nota de Cobrança n.º 2015 3697277, com saldo apurado de 38 480,90 €. – cfr. fls. 59 dos autos.

10. A Oponente aderiu ao serviço de Caixa Postal Eletrónica. – facto não controvertido.

11. A Oponente foi notificada da nota referida no ponto 9 em 07.04.2015. – cfr. fls. 59 verso e 60 dos autos.

12. Não tendo a Oponente procedido ao pagamento dentro do prazo legalmente estabelecido, foi autuado pelo Serviço de Finanças de Tarouca o processo de execução fiscal n.º 2690201501017187. – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.

13. Serve de base à execução a certidão de dívida n.º 2015/2492953, de fls. 8/9 dos autos, cujo teor se tem por reproduzido.

Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
E… deduziu oposição judicial contra a citação no processo de execução fiscal n.º 2690201501017187 instaurado para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2009, no valor global de € 38.709,29 alegando a caducidade do direito à liquidação, pois sendo a dívida relativa ao ano económico de 2009, o direito à liquidação terminou em 31/12/2013 e a data de emissão da liquidação é de 24/3/2015.

Contestou o Exmo. Representante da Fazenda Pública dizendo, entre o mais, que a liquidação em causa surgiu na sequência do acórdão do STA proferido no âmbito do processo de impugnação n.º 463/11.9BEVIS intentado pela Oponente contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008. Esta liquidação resulta do facto de se ter apurado que a Oponente deliberou em assembleia geral a distribuição de € 300.000,00 pelos seus colaboradores a título de participação nos resultados obtidos em 2008. Contudo, até ao final de 2009, apenas lhes foi entregue o valor de € 91.250,00, razão porque o montante de € 300.000,00 não pode concorrer para a formação do lucro tributável do ano de 2008 pela totalidade, mas somente pela parte efetivamente distribuída, tendo-se efetuado a correspondente liquidação.
No entanto, o STA decidiu que a AT deveria ter procedido à correção, acrescendo ao imposto do exercício de 2009 o imposto que deixou de ser liquidado em 2008, em resultado da dedução das gratificações que não foram pagas até ao exercício de 2009, como o determinava o n.º 5 do artº 24 do CIRC.
No âmbito do processo de impugnação mencionado, não se questionou a factualidade nem a respetiva qualificação mas apenas o ano a que se reportou a correção. Assim, em consonância com o decidido, a AT procedeu à liquidação do ano de 2009, cujo direito resultou da decisão emanada no âmbito do processo de impugnação n.º 463/11.9BEVIS.

Instaurada a execução fiscal contra a oponente, e após citação desta, foi apresentada oposição à execução fiscal, alegando precisamente a caducidade do direito à liquidação relativa ao exercício de 2009.

A MMª juiz julgou improcedente a oposição convocando o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 46º da LGT considerando suspenso o prazo de caducidade desde a data da autuação da impugnação judicial no processo n.º 463/11 (em 28/9/2011) e o trânsito em julgado do acórdão do STA – 29/5/2014.

Com esta sentença não se conforma a Recorrente. Recuperando a anotação de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 387 citada na sentença, advoga não existir o direito de liquidação renovado, com referência ao exercício de 2008. O que sucedeu é que a AT errou e liquidou em 2008 quando devia ter liquidado em 2009, pelo que deixou passar os prazos legais para liquidar o imposto de IRC de 2009.

Portanto, a questão que somos chamados a decidir é saber se a caducidade do direito à liquidação relativa ao exercício de 2009 se suspendeu durante o período em que foi discutida judicialmente a legalidade da liquidação relativa ao exercício de 2008, não havendo qualquer divergência quanto à identidade dos factos que subjazam às duas liquidações.

A caducidade é um instituto por via do qual todos os direitos se extinguem, se não forem exercidos durante certo período de tempo. Constitui uma garantia dos contribuintes e por isso sujeita ao princípio da legalidade tributária e da reserva de lei formal, decorrente do art.º 103º da CRP) porque estabiliza as situações jurídicas que ao fim de certo lapso de tempo se tornam certas e inatacáveis (1).

No âmbito da lei tributária o prazo geral de caducidade é quatro anos por força do disposto no art. 45º/1 da LGT contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (no caso dos impostos periódicos) da data em que o facto tributário ocorreu (no caso dos impostos de obrigação única) e a partir do início do ano seguinte àquele em que o facto tributário se verificou, no caso do IVA e dos impostos sobre o rendimento retidos na fonte (art. 45º/2 LGT).

Estando em causa IRC do ano de 2009, o direito à liquidação expirava por caducidade se a notificação da liquidação não se efetuasse até ao termo dos quatro anos seguintes, ou seja, até 31/12/2013.

Mas o decurso do prazo de caducidade suspende-se nos casos previstos no art.º 46º da LGT, em especial no que para aqui interessa, em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão. (Alínea d) do n.º 2 do art. 46º LGT).

Segundo anotam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa esta norma “...parece ter de reportar-se aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.
Na verdade, em rigor, o direito de liquidação nunca resulta de uma anulação de uma reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial, pois são meios de anulação de actos tributários e não declarativos de direitos, designadamente para a administração tributária, que neles ocupa o lado passivo. Por outro lado, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são meios de impugnação de actos de liquidação, pelo que aquela alínea d) se reporta a situações em que o direito de liquidação já foi exercido e houve impugnação administrativa ou judicial.
Por isso, aquela expressão parece só poder reportar-se aos casos em que há um direito de liquidação renovado na sequência de um reclamação graciosa ou impugnação judicial” (2) (sublinhado nosso).

O que será “um direito de liquidação renovado” a que se referem os autores?
Segundo os mesmos sugerem, tal deve reportar-se “...aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido(sublinhado nosso).

De acordo com este entendimento, se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.
Então, poder-se-á dizer, embora de não totalmente correta, que o direito à liquidação resulta da reclamação ou impugnação, precisamente porque foi na sequência de tal decisão de anulação que se abriu a possibilidade de praticar novo acto não contido na decisão anulada e, por isso, sem incompatibilidade com decidido.

Mais impressivamente, António Lima Guerreiro (3) defende que “A alínea d) compreende os casos em que o direito a liquidação resulte de circunstâncias apuradas em processo de reclamação ou impugnação, por assentarem, não necessariamente na possibilidade legal e ratificação -sanação do acto – já prevista, em virtude do vencimento da impugnação judicial, na alínea a) -como também em o fundamento do vencimento consistir em o facto tributário se reportar a período de tributação diferente daquele que foi considerado na liquidação do tributo. Nesse caso, quando a administração tributária sair vencida, mantém ainda a possibilidade de liquidar o imposto no período de tributação em que efetivamente o facto tributário ocorreu, se esse for o sentido da decisão administrativa ou judicial” (sublinhado nosso também).

É esta exatamente a situação dos autos.
Com efeito, tendo a impugnação judicial n.º 463/11.9BEVIS sido apresentada em 28/9/2011 contra a liquidação de 2008, e o ac. do STA notificado às partes em 16/5/2014, a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação relativo ao exercício de 2009, pelos mesmos factos que originaram a liquidação de anulada de 2008, esteve legalmente suspenso nesse período - a que se deve acrescer o trânsito em julgado do acórdão- conforme interpretação que acolhemos.

Parece, assim, claro não se ter extinto por caducidade o direito à liquidação relativo ao exercício de 2009:
Desde 31/12/2010 até à data da apresentação da impugnação (28/9/2011) decorreu 1 ano 8 meses e 28 dias.
A nota de cobrança foi notificada à Impugnante em 7/4/2015 (facto provado n.º 11 e 9).
Desde a notificação do acórdão em 16/5/2014 até 7/4/2015 decorreram 10 meses e 21 dias.
Tudo somado resulta que apenas decorreram apenas 2 anos, sete meses e 19 dias (1A 8M 28D + 10M 21D) do prazo de caducidade.
Por conseguinte, a sentença não nos merece qualquer censura devendo ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 12 de abril de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in "Contencioso Tributário", Almedina 2017, Vol. I, pp. 236, que neste caso seguimos de perto.
(2) Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 387.
(3) In Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 223.