Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00633/16.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:VIOLAÇÃO DO DIREITO DE EXPRESSÃO E DO DIREITO DE PETIÇÃO; NULIDADE; PRAZO DE IMPUGNAÇÃO; ARTIGO 58º, Nº 1, ALÍNEA B), E Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ARTIGO 498º, Nº 1, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 5º DA LEI Nº 67/2007, DE 31.12.
Sumário:
1. A violação do direito de expressão e do direito de petição, por fundamentais, a verificar-se, pode ser deduzida sem dependência de prazo, em concreto do prazo de três meses previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b), e nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que relativamente a tal pedido não existe intempestividade da acção.
2. O pedido de indemnização com fundamento nesta violação pode ser deduzido no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito de indemnização – artigo 498º, nº 1, do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31.12. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:STAL - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL
Recorrido 1:Município de Cb...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

STAL - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, em representação da sua associada TLRTVP, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 06.11.2018, pelo qual foi julgada procedente a excepção de intempestividade da prática do acto processual e absolvido da instância o Réu, Município de Cb..., da instância, na acção administrativa intentada pelo ora Recorrente contra o ora Recorrido, na qual são formulados os seguintes pedidos: a)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – a anulabilidade da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 por falta de competência deste; b)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – que a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 é abusiva; c)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – a nulidade da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 por violar o direito de petição da Representada do Autor previsto no artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa, ou, no caso de assim se não entender, o que se não concede o direito à opinião, liberdade de expressão e à crítica previsto no art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa; d) – ser o Réu condenado a pagar à Representada do Autor uma indemnização no montante de 5.000,00 € (cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos e juros de mora calculados à taxa legal sobre a referida quantia desde a data da citação.
Invocou para tanto, em síntese, que não se verifica a caducidade do direito de agir objecto da decisão recorrida.
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O Réu apresentou contra-alegações no sentido de ser “negado provimento parcial” ao recurso.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
A) – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática de acto processual e absolveu a Ré da instância.
B) - O Recorrente intentou, em 31.03.2018, em nome da sua associada, acção administrativa de impugnação da sanção disciplinar de repreensão escrita aplicada à sua referida associada, por decisão do Presidente da Câmara Municipal de Cb..., proferida no dia 14.12.2015 e notificada em 15.12.2015, formulando, entre outros, o seguinte pedido:
“Ser a acção julgada provada e procedente e por via dela:
a)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – a anulabilidade da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 por falta de competência deste;
b)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – que a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 é abusiva;
c)- ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – a nulidade da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2016 por violar o direito de petição da Representada do Autor previsto no art.º 52.º da Constituição da República Portuguesa, ou, no caso de assim se não entender, o que se não concede o direito à opinião, liberdade de expressão e à crítica previsto no art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa
C)- O Tribunal a quo deu como assente a seguinte factualidade:
1 – A Representada do Autor foi notificada da decisão disciplinar de repreensão escrita, aplicada pelo Réu, em 15-12-2015;
2 – A petição inicial, que motiva os presentes autos, foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 31-03-2016.”
D) - Mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a referida decisão, sustentando que o prazo para o Autor impugnar o acto praticado pelo Presidente do Réu era de 3 meses, conforme previsto no art.º58.º,n.º1 alínea b) do CPTA.
E) - Salvo devido respeito, tal interpretação não se nos afigura correcta, pois tais prazos não são aqui aplicáveis, até porque um dos pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, na sua petição inicial é a nulidade da sanção disciplinar de repreensão registada, por violação do direito de petição da Representada do Autor, ou da liberdade de expressão, direitos consagrados nos artigos 52.º e 37.º da Constituição da República Portuguesa, respectivamente.
F) - Além do mais, o vínculo de emprego público estabelecido entre a Representada do Autor e o Réu tem por fonte um contrato, a saber: um contrato de trabalho em funções públicas, conforme Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06 (adiante abreviadamente designada por LTFP).
G) – E, de acordo com o disposto do n.º1 do art.º 4.º da LTFP, é aplicável ao contrato de trabalho em funções públicas, sem prejuízo do disposto na presente lei e com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Trabalho e respectiva legislação complementar com as excepções legalmente previstas.
H) - O mesmo equivale dizer que o Código de Trabalho aplica-se sempre na falta de disposição expressa em sentido contrário ou diferente na LTFP.
I) - Neste sentido, veja-se Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar in “Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – 1.º Volume – art.ºs 1.º a 240.º”, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Novembro de 2014, pág. 98, na anotação que faz ao aludido art.º 4.º, constante do ponto 3.
J) - Ora, no que concerne aos prazos de impugnação judicial de sanções disciplinares, da análise da LTFP, verifica-se que o legislador se debruça sobre esta matéria, mas apenas e tão só em relação à sanção disciplinar do despedimento.
K) - Estabelece o legislador, de acordo com o disposto do n.º1 do art.º 299.º da LTFP, que a acção de impugnação do despedimento ou demissão tem de ser proposta no prazo de um ano sobre a data da produção de efeitos da extinção do vínculo.
L) - Quanto aos prazos de impugnação judicial das demais sanções disciplinares a LTFP é totalmente omissa.
M) - Há pois que retirar as devidas consequências da referida disposição expressa quanto ao prazo de impugnação do despedimento e da omissão do legislador quanto ao prazo de impugnação das demais sanções disciplinares à luz do dito art.º 4.º LTFP que, como se viu, manda aplicar o Código de Trabalho, subsidiariamente, na falta disposição expressa em sentido contrário ou diferente na LTFP.
N) - O estabelecimento desse prazo de um ano para a impugnação judicial do despedimento previsto no cit. art.º 299.º, n.º1 da LTFP encontra precisamente a sua razão de ser naquele norma remissiva supra citada do n.º1 do art.º 4.º da LTFP para o Código de Trabalho, visando afastá-la neste caso.
O) - Com efeito o prazo de impugnação do despedimento previsto no Código de trabalho é de sessenta dias – cfr. art.º 387.º do Código de Trabalho -, o que seria aplicável caso a LTFP nada dissesse, conforme n.º1 do cit. art.º 4.º.
P) - A existência da referida disposição expressa do n.º1 do art.º 299.º da LTFP em sentido contrário ao que vem regulado no art.º 387.º do Código de Trabalho reforça que a intenção do legislador foi efectivamente a de aplicar também às acções de impugnação das sanções disciplinares aplicadas no âmbito dos contratos de trabalho em funções públicas com excepção do despedimento os prazos previstos no Código de Trabalho e afastar de todo os prazos previstos no Código de Processo dos Tribunais Administrativos para a impugnação de actos administrativos.
Q) - Ora o prazo estabelecido no Código de Trabalho para a impugnação das demais sanções disciplinares é o prazo de caducidade previsto para anulabilidade constante do art.º 287.º do Código Civil, ou seja, também um ano a contar da data da sua comunicação, ou o prazo de prescrição previsto no art.º 337.º do Código de Trabalho em caso de sanção disciplinar abusiva, que é também de um ano mas, neste caso, a contar da data da cessação do contrato de trabalho – vide, neste sentido Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/02/2014, Proc.º n.º 298/12.1TTMTS-A.P1.S1– que não vêm afastados expressamente pela LTFP.
R)- Dado o exposto, não havendo disposição expressa em sentido contrário ou diferente na LTFP, manda o art.º 4.º, n.º1 que tais prazos de caducidade e prescrição previstos no Código de Trabalho sejam aplicados aos presentes autos, já que se trata de uma acção de impugnação de sanção disciplinar de repreensão registada, visando a sua anulabilidade ou, no caso de assim se não entender, o caracter abusivo da mesma e ainda a sua nulidade.
S)- O que se vem de arrazoar é susceptível ainda de revelar, por outro lado, que em causa não está também um acto administrativo, mas sim uma declaração unilateral de vontade sancionatória decorrente do exercício de um direito potestativo (poder disciplinar) tal como é reconhecido, no direito laboral privado, ao empregador privado.
T)- Na verdade há também que retirar nesta sede as devidas consequências da reforma vínculo de emprego público: saber se uma sanção disciplinar aplicada no seio de um contrato de trabalho em funções públicas é um acto administrativo ou uma declaração unilateral de vontade sancionatória decorrente do exercício de um direito potestativo (poder disciplinar) que é reconhecido do mesmo modo ao empregador privado.
U)- Conforme disposto do art.º 200.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, o contrato de trabalho em funções públicas, apesar de regido em parte por normas de direito público, não é um contrato administrativo, já que não vem assim qualificado pela LTFP e é excluído também do âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos conforme seu art.º 4.º, n.º2.
V)- Não obstante, mesmo que se entenda que o contrato de trabalho em funções públicas se trata de um contrato administrativo - o que não se concede em face do elemento literal do citado art.º 200.º, n.º2 do Código de Procedimento Administrativo que é claro-, esclarecem, a este propósito da natureza jurídica das declarações unilaterais emitidas pela Administração Pública no âmbito de um contrato administrativo, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Edição, 2010, em anotação ao art. 37º (cfr. alegação supra).
W)- Do exposto decorre que, por regra, as declarações que a Administração produza no âmbito das suas relações contratuais não devem ser qualificadas como actos administrativos, excepto se tal resultar do quadro normativo aplicável ou de expressa e inequívoca estipulação contratual, fundada na lei - o que manifestamente não sucede in casu.
X)- O clausulado do contrato de trabalho em funções públicas estabelecido entre a Representada do Recorrente e o Réu Recorrido não prevê esse poder de praticar actos administrativos.
Y)- Sendo igualmente certo que, hoje, o poder disciplinar de aplicar sanções disciplinares reconhecido ao empregador público é idêntico ao que é reconhecido ao empregador privado (cfr. art.º 76.º da LTFP e 98.º do Código de Trabalho): tem por base, fundamento e fonte a existência de um contrato de trabalho, visando combater o seu incumprimento e a violação de deveres gerais e especiais que impendem sobre o trabalhador na execução desse mesmo contrato – cfr. art.º 183.º e art.º 73.º, ambos da LTFP e art.º 323.º e seguintes do Código de Trabalho que se encontra inserido no capítulo VI respeitante ao “Incumprimento do contrato” e Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho., pp. 596 e ss.
Z)- Assim sendo, mesmo que o contrato de trabalho em funções públicas seja considerado um contrato administrativo, o que se não concede, a sanção disciplinar em discussão nunca poderia ser também qualificada como um acto administrativo, mas apenas uma declaração unilateral de vontade sancionatória decorrente do exercício de um direito potestativo (poder disciplinar) tal como no direito privado - cfr. Maria Do Rosário Palma Ramalho, “Os Limites do Poder Disciplinar Laboral”, in Estudos de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2003, p. 187.
AA) - Por esta ordem de razões não se verifica pois a extemporaneidade da Representada do Autor arguir e peticionar a anulabilidade resultante da falta de competência do Presidente da Câmara Municipal de Cb... para aplicar a sanção disciplinar de repreensão registada, já que o prazo de anulabilidade aplicável é o previsto no Código de Trabalho, ou seja um ano contar data da sua comunicação, e não o de três meses previsto no Código de Processo do Tribunais Administrativos para a acção administrativa de impugnação de actos administrativos, e porque também não estamos perante um acto administrativo.
BB) - Por outro lado, como supra se referiu, tendo sido peticionada a nulidade da prática do acto praticado de aplicação da sanção disciplinar, o pedido de nulidade pode ser feito a todo o tempo, tal como previsto no artigo 58.º, n.º 1 do CPTA.
CC) - Por último, ainda que o prazo para impugnar a decisão em crise fosse de 3 meses (90 dias), o que não se concede e apenas por hipótese se coloca, sempre a Representada do Autor/Recorrente beneficiaria da suspensão do prazo em férias judicias, que naquele caso, ocorreram de 22 de Dezembro de 2015 a 3 de Janeiro de 2016 (férias judiciais de Natal) e desde 20 de Março de 2016 até 28 de Março de 2016 (férias judiciais da Páscoa), sendo que o termo do prazo ocorreria a 5 de Abril de 2016; tendo a acção dado entrada a 31 de Março de 2016, foi-o atempadamente.
DD) - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida interpretou erradamente e violou o disposto no artigo 58.º do CPTA, bem como o disposto nos artigos 52.º e 37.º da CRP.
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II –Matéria de facto.
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. A representada do Autor foi notificada da decisão disciplinar de repreensão escrita, aplicada pelo Réu, em 15.12.2015 – cfr. documento 4 junto com a petição inicial e confissão do Autor.
2. A petição inicial, que motiva os presentes autos, foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 31.03.2016 – cfr. registo SITAF.
Tais factos são, no entanto, insuficientes para decidir as questões que são colocadas no presente recurso jurisdicional.
Pelo que se impõe aditar os seguintes factos, aceites por ambas as partes e se encontram provados por documentos:
3- O STAL tem como associada TLRTVP que trabalha ao serviço do Município de Cb... no regime de contrato de trabalho em funções públicas.
4- A Representada do Autor é trabalhadora do mapa de pessoal do Réu desde 09.12.2010, em regime de contrato de trabalho de funções públicas de duração indeterminada, com a categoria de técnico superior, da carreira de técnico superior, exercendo a actividade de jurista.
5- Por despacho nº 59/2015, de 29.07.2015, o Presidente da Câmara Municipal de Cb... mandou instaurar processo disciplinar contra vários trabalhadores, designadamente contra a Representada do Autor.
6- Na sequência do referido processo disciplinar, foi aplicada à Representada do Autor a sanção disciplinar da repreensão escrita por decisão proferida pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14.12.2015.
7- A Representada do Autor foi notificada da referida decisão no dia 15.12.2015.
8- Conforme acusação deduzida contra a Representada do Autor, nos autos de processo disciplinar mandados instaurar por despacho nº 59/2015, de 29.07, proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb..., é alegadamente assacada a seguinte falta à Representada do Autor:
8.1 – Ter apresentado, no dia 22.06.2015, um requerimento ao Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Cb..., com uma exposição remetida à Câmara Municipal de Cb... e outros documentos atinentes, quanto a irregularidades verificadas nos despachos proferidos pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... nºs 32/2015, 43/2015, ambos de 26 de Maio, no âmbito da organização dos serviços do Réu, com vista à sua sanação.
8.2. – De acordo com aquela exposição, a Representada do Autor entende que os referidos despachos nºs 32/2015 e 43/2015, violam o princípio da legalidade, em suma não respeitavam o conteúdo da carreira de Técnico Superior detida, sendo-lhe atribuídas funções meramente administrativas, assim como outras de direcção e chefia próprias da carreira de assistente técnico, mais precisamente das categorias de assistente técnico e coordenador técnico respectivamente, e ainda outras funções, como as de assegurar o patrocínio judiciário e defesa em juízo, que está impedida por lei de desempenhar, mais referindo que tais funções desrespeitavam o modelo organizacional preconizado pelo Decreto-Lei nº 305/2009, de 23.10, o qual não previa a criação ao nível de subunidades orgânicas de serviços com direcção e chefia próprias, e que a coordenação e chefia das subunidades orgânicas teria de ser assegurada por coordenadores técnicos da carreira de assistente técnico, o que não era o caso da Representada do Autor, e ainda que por tais despachos não podia a Representada do Autor ser nomeada noutra carreira/categoria distinta da que detém de técnico superior, nomeadamente como coordenadora técnica da carreira de assistente técnica.
8.3. – Tendo aquele requerimento e de outros seus colegas de trabalho sido objecto do ponto 5º da Ordem do Dia da 3ª Sessão Ordinária da Assembleia Municipal de Cb..., designada para o dia 29.06.2015, cujo teor se transcreve: “requerimentos apresentados pelos técnicos municipais, Dr. JMAP, Drª CCMP, Drª LRTVP, a dar conta de várias irregularidades em despachos proferidos relativos à organização dos serviços municipais”.
8.4. – Tendo o aludido requerimento sido apreciado e discutido na aludida Sessão da Assembleia Municipal no dia 29/06/2015 e ficado consignado em acta que a Assembleia Municipal “tomou conhecimento, sugerindo as várias forças políticas representadas na Assembleia com as suas intervenções, de uma forma diversificada e por meios diferentes, uma clarificação e resolução e até o esclarecimento do mesmo por parte das entidades oficiais competentes.”
8.5. – A pretensão da Representada do Autor veiculada no aludido requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia Municipal havia já sido objecto de despachos anteriores proferidos pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb....
9 – No entender da referida acusação, o referido requerimento dirigido pela Representada do Autor à Assembleia Municipal versava exclusivamente matéria relacionada com a gestão e direcção de recursos humanos da competência exclusiva do Presidente da Câmara Municipal de Cb..., nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 35º da Lei nº 75/2013, de 12.09.
10- Finalizou aquela acusação por considerar que a Representada do Autor com a apresentação do referido requerimento ao órgão deliberativo do Município de Cb... não respeitou a cadeia hierárquica a que está sujeita, colocando à consideração de um órgão incompetente questões de competência exclusiva do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cb..., seu superior e empregador, que já haviam sido objecto de despachos anteriores, divulgando essas mesmas questões que não deveriam ter extravasado para além do gabinete do Senhor Presidente, o que, no seu entender, constitui violação dos deveres de zelo e lealdade para com o Presidente da Câmara Municipal de Cb..., seu superior e empregador previstos, respectivamente, nas alíneas e) e g) do nº 2 do artigo 73º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
11- Através dos referidos despachos nº 32/2015 e 43/2015, de 26.05, o Presidente da Câmara Municipal de Cb... criou um Gabinete de Assessoria Jurídica (distribuição de competências, sua regulamentação e regime de substituições) e subunidades orgânicas flexíveis e respetivo regulamento de atribuições, em que se inclui o aludido Gabinete de Assessoria Jurídica.
12- O Presidente da Câmara Municipal de Cabeceiras de Casto, pelo seu despacho nº 50/2015, proferido no dia 02.06.2015, decidiu indeferir a reclamação apresentada pela Representada do Autor e por aquele seu Colega de trabalho, Dr. JMAP, mantendo aqueles seus despachos nºs 32/2015 e 43/2015.
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Enquadramento jurídico; intempestividade do acto processual.
Constituindo esta excepção dilatória que conduz à absolvição do Réu da instância, a única questão a decidir no presente recurso e para proferir tal decisão são suficientes os factos supra dados como provados.
Determina o artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015, em vigor a partir de 01.12.2015, por força do disposto no artigo 15º, nº 2, do DL nº 214-G/2015, de 02.10:
“1 – Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de acto nulos não está sujeita a prazo e a de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2 – Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 59º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil.”
Por seu turno, estabelece o artigo 59º do mesmo diploma:
“(…)
2 - O prazo para impugnação pelos destinatários a quem o acto administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o acto tenha sido objecto de notificação, mesmo que obrigatória.
(…)
A presente acção foi intentada em 31.03.2016, cerca de três meses e dezasseis dias depois do acto contra o qual pretende reagir o Autor, identificado em 1 dos factos provados.
Assim, se concluirmos que tal acto é nulo a acção está sempre em tempo; se concluirmos pela anulabilidade desse acto, então terá caducado o direito de agir.
O Autor alega como causas de nulidade do acto a violação dos artigos 52º, nº 1, e 37º da Constituição da República Portuguesa, concluindo pela nulidade da decisão final do procedimento disciplinar com o fundamento previsto no artigo 161º, nº 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo de 2015 (acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental – o direito de liberdade de expressão e o direito de petição, ambos direitos fundamentais e cuja violação dá lugar à nulidade do acto que constitui uma sua violação).
Ora, a causa de alegada anulabilidade da decisão final do procedimento disciplinar, como seja alegada incompetência relativa do Presidente da Câmara Municipal de Cb... para proferir tal decisão, não pode ser objecto de conhecimento do seu mérito, por quanto a ela, se verificar a excepção dilatória da intempestividade da prática do acto processual de interposição da presente acção prevista no artigo 89º, nº 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015, uma vez que, nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea b), e nº 2, o prazo para esse efeito é de três meses contados nos termos do artigo 279º do Código Civil, não se suspendendo nas férias judiciais.
Tendo a acção sido instaurada a 31.03.2016 e a decisão disciplinar de repreensão escrita, aplicada pelo Réu, sido notificada à representada do Autor em 15.12.2015, já havia decorrido o prazo de três meses a contar dessa notificação quando a acção foi instaurada, pelo que tal interposição da acção foi intempestiva, dando lugar à absolvição do Réu da instância quanto às causas de anulabilidade dessa decisão.
Improcede, por isso, a argumentação do Autor de que o prazo para impugnar a decisão da repreensão escrita registada da Representada do Autor é o previsto no Código de Trabalho, ou seja, o prazo de um ano a contar da sua comunicação.
O Tribunal a quo aplicou correctamente o direito ao caso, no que respeita ao primeiro pedido formulado pelo Autor, reproduzido em a), não tendo violado qualquer disposição normativa, designadamente a constante do artigo 58º nº 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O mesmo se diga quanto ao segundo pedido, reproduzido em b), já que a consequência da aplicação de uma sanção abusiva ou da aplicação de uma sanção a comportamento que não integra qualquer infracção disciplinar é também a anulabilidade da decisão que aplica a sanção.
Já relativamente ao terceiro pedido, reproduzido em c) “ser decretado - e o Réu condenado a reconhecer – a nulidade da sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Representada do Autor pelo Presidente da Câmara Municipal de Cb... no dia 14/12/2016 por violar o direito de petição da Representada do Autor previsto no art.º 52.º da Constituição da República Portuguesa, ou, no caso de assim se não entender, o que se não concede o direito à opinião, liberdade de expressão e à crítica previsto no art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa,” não se verifica intempestividade da sua arguição, dado que o artigo 58º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015 não sujeita tal arguição a qualquer prazo.
Ora, na primeira instância não se atendeu tal pedido, tendo-se aplicado o artigo 58º, nº 1, alínea b), a toda a petição inicial, sem discriminar o regime aplicável a cada um dos pedidos formulados, de acordo com o vício em causa e suas consequências fundamentadores dos mesmos.
É inequívoco que a violação do direito de expressão e do direito de petição, por fundamentais, a verificar-se, pode ser deduzida sem dependência de prazo, pelo que relativamente a tal pedido não existe intempestividade da acção.
Também o pedido de indemnização com fundamento nesta violação é tempestivo, já que pode ser deduzido no prazo de três anos a contar da data em que a Autora teve conhecimento do direito de indemnização – artigo 498º, nº 1, do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31.12.
Assim, o recurso procede parcialmente, quanto à pretensão de que o Tribunal conheça dos terceiro e quarto pedidos e improcede quanto ao primeiro e segundo pedidos.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Mantêm a decisão recorrida quanto ao primeiro e segundo pedidos formulados na petição inicial.
B) Revogam a decisão recorrida quanto ao terceiro e quarto pedidos formulados na petição inicial, que julgam tempestivos, pelo que ordenam a baixa dos autos à 1ª instância para quanto a eles prosseguirem os autos os seus ulteriores termos se nada mais a tal obstar.
Metade das custas da 1ª instância e do recurso incidiriam sobre o Recorrente, que as não pagará por delas estar isento.
Sem custas a outra metade do recurso, por não haver vencimento quanto a elas, já que mesmo nas contra-alegações o Réu se pronunciou, ainda que sumariamente, no sentido da procedência parcial do recurso, precisamente na parte em que os autos prosseguem os seus ulteriores termos, atenta a tempestividade dos terceiro e quarto pedidos formulados.
Porto, 29.03.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre