Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00358/14.4BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/18/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:José Vital Brito Lopes
Descritores:CITAÇÃO.
ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:I - Não se considera pessoalmente citado, bem que presuntivamente, o executado por reversão a quem são enviadas, sucessivamente, duas cartas registadas com aviso de recepção para a morada por ele comunicada à entidade exequente se nada nos autos permite concluir que tenha sido deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta que primeiro lhe foi dirigida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social de Coimbra, IP
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE


1 – RELATÓRIO

R…, NIF 1…, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que rejeitou liminarmente a reclamação interposta, nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho da Sra. Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Coimbra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., proferido no processo n.º0601200701019970 e apensos, de que foi notificado por ofício n.º001887, de 21/03/2014.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

a) O Recorrente deduziu a reclamação do acto do órgão de execução em 03/04/2014, isto através de envio de correio electrónico, com assinatura digital nele aposto, por parte do seu mandatário constituído e direccionada, tal mensagem electrónica, para o órgão de execução e penhora efectuada ao Recorrente havia sido efectuada e dela dado conhecimento a este em 11/03/2014, isto é, entra a penhora e a interposição da reclamação do acto do órgão passaram menos de 30 dias.
b) O meio próprio de reacção seria a oposição à execução apenas não tendo o Recorrente seguido por tal caminho porque o órgão de execução lhe indicou como meio processual a usar a reclamação do acto do órgão de execução.
c) A oposição à execução fiscal pode ser deduzida, nos termos do artigo 203.° CPPT, no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora e por força do que dispõe o n.° 3 do artigo 191.º CPPT, nos casos de efectivação de responsabilidade subsidiária, a citação será pessoal.
d) As citações pessoais serão efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, como estabelece o n.° 1 do artigo 192.° CPPT e as citações em processo civil estão reguladas nos artigos 225° a 245° do CPC.
d) A citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n.° 5 do artigo 229°, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.° 3 do mesmo artigo (artigo 225° do CPC) e o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo, vara e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição (artigo 227° do CPC).
e) No acto de citação, indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (n.° 2 do artigo 227° do CPC) e no caso em apreço, depreende-se que a sentença recorrida considerou, nos termos do n° 2 do artigo 230° do CPC, que o Recorrente foi citado após a remessa da 2a carta registada com aviso de recepção visto que lhe foram remetidas duas cartas registadas com aviso de recepção, que foram devolvidas com a menção de “Não reclamado”, e aquele não logrou ilidir a presunção de que teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
f) Sucede que nos outros casos em que há lugar a citação postal aplica-se o regime do artigo 228° do CPC, segundo o qual a citação por via postal se faz por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo 227° CPC e não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado (n° 5 do artigo 228° CPC).
g) No situação sub judice, e conforme consta do probatório, está-se perante situação em que foram remetidas duas cartas registadas com aviso de recepção ao Recorrente para citação da reversão da dívida exequenda em causa nestes autos, as quais foram devolvidas simplesmente com a menção de não reclamadas, isto é as cartas enviadas não foram entregues ao seu destinatário, nem a terceiro, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 228° CPC, nem o Recorrente as reclamou, pelo que a única via de efectuar a sua citação seria a de contacto directo com o citando, uma vez que não é aqui aplicável o regime do depósito previsto no artigo 229° do CPC, o qual, como é evidente, é só aplicável nos casos especiais de obrigações emergentes de contratos em que tenha sido convencionado o domicílio.
h) Como tal não sucedeu, a citação pessoal não se pode, pois, considerar efectuada na data constante da sentença recorrida e, em consequência, a reclamação deduzida convolada em oposição, como nada o impede, não podia ser julgada intempestiva.
i) Sendo este, precisamente, o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO no Douto Acórdão supra citado no corpo alegatório.
j) Violou a Douta sentença os artigos 98°, n°4, 191°, n°3, 192°, 203° do CPPT, 97°. n° 3 da LGT, 225°, 227°, 228°, 2290 e 230° do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por uma decisão que, ordenando a convolação em oposição à execução, mais determine a regular prossecução dos autos para apreciação de meritis se a tal nada mais obstar.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída a mesma que ordene a regular prossecução dos autos após convolação em oposição à execução, tudo o mais com as consequências legais».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que a tal nada obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

A questão dos autos reconduz-se, nuclearmente, a indagar se o Recorrente pode considerar-se pessoalmente citado no processo.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Uma vez que a sentença não alinhou os factos provados, embora os refira na apreciação jurídica que fez das questões processuais, dão-se por fixados os seguintes, nos termos do disposto no art.º662.º, n.º1 do CPC, provados documentalmente:

1) Foi instaurado contra F…, Lda., o processo de execução fiscal n.º0601200701019970 e outros, a correr termos na Secção de Processo Executivo de Coimbra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (cf. “print” automático da tramitação do processo, a fls.8);
2) A execução reverteu contra o Reclamante por despacho do Sr. Coordenador da Secção de Processo Executivo (cf. fls.27);
3) Foi enviada citação ao revertido/Reclamante, sob registo postal com aviso de recepção, para a morada que constava da base de dados da exequente e fornecida pelo revertido (cf. “print” a fls. 11, sobrescrito de remessa, a fls. 24 e exposição do Reclamante dirigida à execução, a fls.35);
4) A carta foi devolvida ao remetente, com indicação postal de “ausente”, em 07/05/2013 (cf. fls.30);
5) Foi enviada segunda citação ao Reclamante para a mesma morada através de carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida ao remetente com informação postal de 05/11/2013, de “não atendeu”, “avisado na Estação de Correios de Tavarede” e “não reclamada” (cf. fls.31 e 32);
6) Foi efectuada penhora de vencimentos ao Reclamante, comunicada à sua entidade patronal em 10/03/2014 (cf. fls.33 e 34);
7) Por requerimento de 13/03/2014, dirigido à execução, o Reclamante requer a suspensão da penhora, alegando nomeadamente não ter tomado conhecimento anterior da reversão contra si efectuada (cf. fls.35);
8) Sobre o requerimento de suspensão da penhora de vencimentos recaiu despacho de indeferimento do Sr. Coordenador da Secção de Processo Executivo, notificado por ofício n.º1882, de 21/03/2014, por ele assinado e constante de fls.46, cujo teor damos por integralmente reproduzido;
9) A notificação, agora dirigida para a morada do Reclamante indicada no requerimento referido supra, em 7), foi recepcionada em 24/03/2014 (cf. fls.47);
10) Em 03/04/2014, foi apresentada a presente reclamação do despacho referido supra, em 8) – cf. fls.48.

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Invoca o Recorrente que apenas tomou conhecimento da execução com a primeira penhora em 11/03/2014, não podendo considerar-se pessoalmente citado em data anterior, como se entendeu na sentença recorrida. Pelo que, tendo apresentado a presente petição de reclamação em 03/04/2014, podia a mesma ser convolada em petição de oposição à execução fiscal incorrendo em erro de julgamento a sentença recorrida, que inviabilizou tal convolação por falta do requisito da tempestividade. Vejamos.

Dispõe o n.º1 do art.º203.º, do CPPT, que a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não tendo havido citação, da primeira penhora, ou da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou o do seu conhecimento pelo executado.

Decorre do disposto no nº3 do art.º191.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (redacção da Lei n.º64-B/2011, de 30 de Dezembro), que nos casos de efectivação de responsabilidade subsidiária, a citação é pessoal.

Dispõe o n.º1 do art.º192.º daquele Código, no segmento pertinente:

«1 - As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, no que respeita à citação por transmissão electrónica de dados, do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo anterior.
2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
3 - A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.
4 - Sendo desconhecida a residência, prestada a informação de que o interessado reside em parte incerta ou devolvida a carta ou postal com a nota de não encontrado, será solicitada, caso o órgão da execução fiscal assim o entender, confirmação das autoridades policiais ou municipais e efectuada a citação ou notificação por meio de éditos, nos termos do disposto neste artigo.
5 - O funcionário que verificar os factos previstos no número anterior passará certidão, que fará assinar pela pessoa de quem tenha recebido a informação respectiva».

Cumpriu a entidade exequente os formalismos legais especialmente previstos para a citação pessoal dos responsáveis subsidiários? Não.

Com efeito e tal como deixamos plasmado no probatório, a carta contendo a primeira citação foi devolvida ao destinatário com informação postal de “ausente”, não indicando o sobrescrito de remessa ou qualquer outro elemento dos autos, ter sido deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta.

A repetição da citação só podia regularmente fazer-se em vista do não levantamento da carta, contendo a primeira citação, por destinatário avisado na morada que a entidade exequente verificasse ter sido a comunicada e, entretanto, não alterada, pelo destinatário.

Ora, não foi isso que se passou. A entidade exequente, confrontada com a devolução da carta relativa à primeira citação com a informação postal de “ausente”, repetiu a citação para a mesma morada através de carta registada com aviso de recepção.

E sendo certo que esta segunda citação foi devolvida ao remetente com informação postal de “não atendeu”, “avisado na Estação de Correios de Tavarede” e “não reclamada”, o não levantamento da carta pelo destinatário não pode ter o efeito cominatório previsto no n.º3 do art.º192.º, do CPPT, como foi entendido na sentença recorrida, desde logo porque tal pressuporia que a carta contendo a primeira citação fosse devolvida ao remetente nas condições previstas no n.º2 daquele artigo, ou seja, que ao destinatário fosse deixado aviso e ele não tivesse procedido ao levantamento da carta na estação dos CTT no prazo legal, o que os autos não indicam minimamente, salientando-se que o sobrescrito apenas contém informação postal de “ausente”.

Não estando preenchidas as condições legais para que se possa ter por concretizada a citação pessoal, bem que presuntivamente, no 8.º dia posterior à data de 05/11/2013, em que foi deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta na estação dos CTT contendo a segunda citação (ou seja, em 13/11/2013), incorreu em erro de julgamento a sentença recorrida ao tomar esta última data como aquela em que ocorreu a citação pessoal do Recorrente.

Aqui chegados e como ponto de ordem, salienta-se que a Mma. juiz “a quo” indeferiu liminarmente a petição inicial de reclamação no entendimento de que a sua convolação para petição de oposição à execução fiscal – forma processual que entendeu a adequada em vista da pretensão formulada na reclamação – se mostrava inviabilizada, desde logo, por preclusão temporal do direito de oposição do Reclamante aferido à data em que, a seu ver, se consumara a citação pessoal, isto é, 13/11/2013.

Não podendo o Recorrente considerar-se pessoalmente citado naquela data, não pode manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida que, nesse pressuposto, julgou inviável a convolação da petição de reclamação para petição de oposição à execução fiscal por preclusão temporal do respectivo direito à luz do disposto no n.º1 alínea a), do art.º203.º, do CPPT.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que não seja de indeferimento liminar pelo motivo nela indicado.

Custas pela Recorrida em 1ª instância.

Porto, 18 de Setembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio