Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00209/14.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Manuel Feliciano Rebelo
Descritores:RECLAMAÇÃO.
SUBIDA IMEDIATA
Sumário:1. Deve subir imediatamente ao tribunal a reclamação cuja retenção a torne absolutamente inútil.
2. Pedido subsidiário é o pedido apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (art.º 554º/1 do CPC).
3. Procedendo o pedido anterior, está vedado ao juiz a apreciação do pedido subsidiário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:N..., SA
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Exma. Representante da Fazenda Pública inconformada com a sentença proferida no TAF de Viseu que julgou procedente a reclamação intentada por N...SA dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

I- Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos autos, anulando os atos consubstanciados no despacho do Senhor Chefe de Finanças de Tondela, datado de 14.02.2014, que visou a constituição de penhor sobre ações, títulos e saldos de depósitos à ordem e a prazo. Julgou ainda procedente o pedido de declaração de substituibilidade do penhor constituído nos termos do referido Despacho.
II- De acordo com a factualidade assente considerou o Ilustre Julgador “ a quo” aceitar os vícios invocados pela reclamante, designadamente, o vício de preterição de formalidades legais, a falta de audiência prévia, o vício de violação de lei e falta de fundamentação da decisão da Autoridade Tributária que determinou o penhor. Contudo, a aceitação dos vícios aduzidos, salvo melhor entendimento, foram subsumidos juridicamente, mediante uma enunciação taxativa de normas legais, isto é, não lançando mão de justificações cabais suscetiveis de alicerçar legalmente as pretensões queridas pela reclamante, apenas se cingindo a uma enunciação singela das normas legais.
III-O Tribunal “a quo” decidiu qualificar o ato administrativo de constituição de penhor, um ato administrativo, enunciando nesse sentido, o princípio constitucional do artigo 268º da CRP, e os artigos 124º e 125º do CPA e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77º da LGT.
IV-O tribunal “ a quo” decidiu promover oficiosamente a substituição do penhor constituído nos presentes autos pela Autoridade Tributária.
V- Decisões estas que, salvo o devido respeito, a Autoridade Tributária não aceita e refuta veemente, na medida em que, considera que em face dos elementos disponíveis nos autos se constata que as questões a apreciar e a decidir pelo Tribunal “ a quo” se deveriam cingir tão só às questões suscitadas pela Reclamante que se traduzem no seguinte:
• Subida imediata da reclamação;
• Violação do direito de audição prévia à constituição de penhores;
• Ilegalidade da constituição de penhores em momento anterior à citação para o processo de execução fiscal e violação do principio da boa-fé;
• Falta de verificação de requisitos legais para a constituição de penhores e violação do principio da proporcionalidade;
• Ilegalidade da impossibilidade de substituição de penhores constituídos por outras garantias.
VI- No que diz respeito à subida imediata, a Autoridade Tributária entende que o prejuízo irreparável não foi provado. Para efeitos de prova, a Reclamante limitou-se a juntar documentos que são manifestamente insuficientes para demonstrar a alegada impossibilidade de incumprimento de obrigações. O normal da atividade corrente de uma sociedade comercial é a assunção de obrigações e portanto, uma enunciação exemplificativa das mesmas não basta para se consubstanciar num alegado prejuízo irreparável.
VII- No que tange à violação do direito de audição prévia à constituição de penhores, a Autoridade Tributária não aceita a qualificação do ato como ato administrativo, pelo contrário, entende que o ato de constituição de penhor se qualifica como um verdadeiro ato de tramite processual e nesse sentido sufraga o entendimento vertido nos acórdãos do STA de 12.04.2012 proferido no recurso n.º 01054 e acórdão do STA proferido no processo n.º 0247/12.
VIII- Alicerça-se ainda, no entendimento doutrinário propugnado por ANTÓNIO LIMA GUERREIRO (cfr. Lei Geral Tributária Anotada, 2000, páginas 421 e 422 em anotação ao artigo 103º).
IX- Aliás, salvo o devido respeito, a Autoridade Tributária defende que a pedra de toque dos factos suscitados nos presentes autos se cinge à necessidade de saber se, no âmbito do processo de execução fiscal é essencial a audição prévia do contribuinte pela Administração Fiscal antes de determinar o penhor em causa.
X-E de acordo com o entendimento sufragado pela Jurisprudência e Doutrina supra mencionadas, esse requisito formal não é de aplicar ao caso sub Júdice, a Reclamante não tinha que ser notificada para exercer o direito de audição prévia à constituição de penhores. Todavia, esta questão nem sequer foi analisada em concreto pelo Tribunal “ a quo”.
XI-A base legal da constituição do penhor assenta no artigo 50º da LGT e no artigo 195º do CPPT. Nos termos do nº 2 do artigo 169º do CPPT a execução fica suspensa, desde que, após o termo do prazo do pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento, em que consta a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da divida exequenda.
XII- Não assiste razão à reclamante quando refere que não lhe foi concedida qualquer possibilidade de garantir o pagamento da divida e acrescido em momento anterior à constituição de penhores, pois essa possibilidade existia desde o termo do prazo de pagamento voluntária. Do quadro probatório dos autos não resulta que a Reclamante, após termo do prazo de pagamento voluntário, e em momento anterior ao Despacho reclamado, tenha deduzido reclamação graciosa ou manifestado o interesse em impugnar contenciosamente a liquidação ou tenha prestado garantia.
XIII- Ademais, do Ordenamento Jurídico Português não há nenhum dispositivo legal que faça depender a constituição de tal garantia de prévia citação, caso assim fosse, estar-se-ia a desvirtuar a natureza jurídica do penhor e as funções de eficácia e de garantia que lhes estão intrinsecamente associadas seriam grosseiramente escamoteadas.
XIV- Do quadro probatório dos autos resulta ainda que a Autoridade Tributária procedeu à constituição de penhores em momento anterior à citação para o processo de execução fiscal e num momento em que não se encontrava pendente qualquer pedido de suspensão da execução, não havendo neste âmbito qualquer violação ao principio da boa-fé. Saliente-se que no momento em que foi proferido o despacho datado de 14 de fevereiro de 2014, não tinha ainda dado entrada o requerimento com o intuito de prestar garantia, o que só sucedeu em 17 de fevereiro de 2014.
XV- Da análise aos factos vertidos nos autos comprova-se ainda que a constituição de penhor que deu origem aos presentes autos não foi um ato isolado, nessa data foi constituído um penhor nos mesmos termos mas que assumiu o montante de €285.049,40 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704201401008501, o qual foi igualmente objeto de reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT e que se corporizou no processo judicial n.º 208/14.1BEVIS.
XVI- A constituição dos penhores alicerçou-se no interesse da eficácia e da cobrança em virtude de no sistema de informação da Autoridade Tributária inexistir qualquer bem móvel e imóvel titulado pela Reclamante. Para além de que a titularidade de títulos mobiliários alegadamente detidos pela reclamante apresentam um carácter flutuante e inconstante, ou seja, a sua alegada propriedade ou eventual oneração são factos a que a Autoridade Tributária não acede no seu sistema informático.
XVII- Por último, o Tribunal “ a quo” conclui a sua douta sentença abordando a questão da substituibilidade do penhor constituído pela Autoridade Tributária, todavia, a Autoridade Tributária defende que a questão da insubstituibilidade não constitui questão controvertida nos presentes autos, estes advieram do insurgimento da Reclamante face à constituição do penhor proferida no Despacho do Órgão de Execução Fiscal datado de 14 de fevereiro de 2014, e é este Despacho que merece ser apreciado no caso sub Júdice. A questão da substituição de prestação de garantia não foi sequer requerida pela Reclamante nos presentes autos, motivo pelo qual, salvo o devido respeito, não se percebe o porquê de na sentença proferida nos presentes autos se decretar oficiosamente a substituibilidade do penhor constituído pela Autoridade Tributária.
Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida em primeira instância, nos termos acima alegados e concluídos, fazendo-se sã e serena JUSTIÇA.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 675º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
a) Nulidade por omissão de pronúncia quanto legalidade da constituição de penhores (conclusões XIV a XVI) e decisão sobre matéria não controvertida (conclusões XVII).
b) Erro de julgamento na apreciação da subida imediata da reclamação (conclusões VI); e na apreciação da violação do direito de audição prévia (conclusões VII a XIII)

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. Pelo ofício n.º 9132, de 2013.11.04, foi a reclamante notificada do Relatório de Inspeção Tributária, no qual são propostas correções meramente aritméticas à matéria tributável da reclamante em IRC e IVA respeitante ao ano de 2009 e 2010, Cfr. fls. 43 a 175 dos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidos, o mesmo se dizendo em relação aos demais que seguem no presente probatório.
2. Com data de 11/11/2013, a AT emitiu a liquidação de IRC n.º 20138310014039, referente ao período de 2010, no montante de € 79.597,21, cuja destinatária é a reclamante – cfr. documentos de fls. 176 e 177 dos autos.
3. Em 18/12/2013, a reclamante procedeu ao pagamento de IRC, por conta, a quantia de € 61.915,44 - cfr. documento de fls. 178 a 179 dos presentes autos.
4. Com data de 11/11/2013, a AT emitiu a liquidação de IVA n.º 20138310014001, referente ao período de 2009, no montante de € 323.124,69, cuja destinatária é a reclamante cfr. documento de fls. 180 a 181 dos presentes autos.
5. Em 18/12/2013, a reclamante procedeu ao pagamento de IVA, por conta, a quantia de € 35.071,12 – cfr. documento de fls. 182 a 183 dos autos.
6. Por Despacho de 14 de Fevereiro de 2014, o Chefe do Serviço de Finanças, ordenou a constituição de penhor sobre direitos da reclamante nos seguintes termos:
“…Do que antecede, resulta inequívoco que, considerando a dimensão dos valores em presença e a inexistência de património conhecido na esfera jurídica da executada que se repute suficiente para salvaguardar os direitos de que a AT é titular, afigura –se recomendável acautelar desde já os interesses da Fazenda Pública, cujos créditos de tributos em fase de cobrança coerciva contra a executada totalizam, nos presentes autos, o montante de € 10.856,66.
Assim, sendo recomendável para o interesse e eficácia da cobrança de tais dívidas, determino que se proceda, nos termos do artigo 195.º do Código do procedimento e de Processo tributário (CPPT), à constituição de penhores, até ao montante da dívida exigível nos presentes autos, sobre quaisquer acções, títulos, e saldos de depósitos à ordem e a prazo, ainda que constitutivos de quaisquer cauções e/ou garantias, de que seja titular, co-titular ou autorizada a sociedade executada, existentes nas seguintes instituições bancárias: Banco Espirito Santo, SA; Banco BIC Português, SA; Banco Popular de Portugal, SA…” – cfr. fls. 218 dos autos.
7. Com data de 14 de Fevereiro de 2014, o Serviço de Finanças de Tondela emitiu Atos de Penhor, que foram recebidos na mesma data pelo Banco Popular de Portugal, SA, Banco BIC Português, SA e Banco Espírito Santo, SA, com visa à constituição de penhor sobre quaisquer ações, títulos e saldos de depósitos à ordem ou a prazo detidos pela reclamante naquelas instituições bancárias – cfr. fls. 219 a 220 dos autos.
8. Por requerimento apresentado pela reclamante em 17/02/2014, no Serviço de Finanças de Tondela, a reclamante, por não dispor de meios económicos ou disponibilidade financeira que lhe permita ser concedida por instituição bancária uma garantia, ofereceu em penhor, para garantia do pagamento das quantias em dívida, 5000 ações (tituladas ao portador e não depositadas) detidas pelo Senhor J…, na sociedade J…, SGPS, S.A., uma vez que o mesmo Serviço de Finanças havia aceite como garantia idónea, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º 2704201201017276, ações detidas na referida sociedade J…, SGPS, S.A., sendo que os títulos oferecidos, por este requerimento teriam valor global muito superior à garantia a prestar no âmbito dos processos de execução n.ºs 2704201401008528 e 2704201401008501 – cfr. fls. 221 a 241.
9. Por ofício datado de 27/02/2014, n.º 319, foi a reclamante notificada do Despacho de constituição de penhor a que alude o ponto 6 deste probatório – cfr. fls. 237 dos autos.
10. Em 05/03/2014, a reclamante foi citada para o processo de execução fiscal n.ºs 2704201401008528, no montante de € 10.724,33 e acrescido de € 132.33 - cfr. documentos de fls. 239 e 239 verso dos autos.
11. A reclamante apresentou a petição dos presentes autos, no dia 18 ed Março de 2014, cfr. documento de fls. 2 dos autos.

No que respeita aos factos não provados, consta da sentença que

Não há outros factos a considerar com interesse para a decisão.


Na motivação da decisão de facto, refere-se que

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame do teor dos documentos, não impugnados, que dos presentes autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


Ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:
12) Consta do relatório de inspecção referente aos exercícios de 2009 e 2010, efectuado à reclamante além do mais, que
«…A N... detém diversos investimentos em partes de capital, efectuados tanto em empresas do grupo (participação superior a 50%) como em empresas associadas (participação entre 20% e 50%) ou outras empresas (participação inferior a 20%)….» (fls. 52 do processo e 10 do relatório)

13) Das diversas participações destacam-se:
a. N... detém uma participação directa de 51% no capital da I…, Lda, (…);
b. N... detém uma participação directa de 31% no capital da E… SA (…) [passou para 1% conforme mencionado no ponto seguinte] e uma participação indirecta, via I…, Lda [que detém uma participação directa no capital da E… de 51%] de 26% [0,51*0,51];
c. N... detém uma participação directa de 20% no capital da E… Energias, SA (…) [passou para 1%, conforme mencionado no ponto seguinte] e uma participação indirecta via I…, Lda. [que detém uma participação directa no capital da E… de 51%] de 26% [0,51*0,51] (fls. 53 do processo e 11 do relatório)

14) Dos autos de penhor lavrados pela AT a fls. 195 e 196, consta, além do mais, o seguinte:
«4. O penhor constituído através do presente auto manter-se-á até ao integral pagamento ou outra forma de extinção da dívida, não podendo, em virtude de não ter sido prestado pelo executado, mas antes constituído pela AT, ser substituído por outra garantia, seja real, seja pessoal»


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões XIV a XVI).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615º/1,d) CPC e 125º/1 CPPT) é mencionada pela Exma. Representante da Fazenda Pública, ora recorrente, não directa e expressamente nas conclusões, mas sim nas alegações onde, a fls. 9 das alegações e fls. 311 do processo, diz expressamente que «…Relativamente à ilegalidade da constituição de penhores em momento anterior à citação para o processo de execução fiscal e da violação do princípio da boa fé, o tribunal “a quo” não abordou em concreto esta questão. Questão que se torna essencial apreciar!»

De facto, lendo a sentença encontra-se a fls. 12 da sentença (e fls. 293 do processo) o propósito de «...em face do quadro normativo antes descrito, verificar da legalidade da constituição do penhor».
Só que no desenvolvimento desse anunciado propósito, o MMº juiz «a quo» repete a argumentação respeitante à qualificação do acto como «acto administrativo tributário» e acaba por enveredar pela necessidade de fundamentação do acto, concluindo que «… não se vê que da fundamentação do ato em causa se possa concluir que a AT considerou e ponderou a existência de qualquer perigo sério de que sem a constituição do dito penhor se perfile uma impossibilidade de cobrança da dívida exequenda: o invocado interesse da eficácia da cobrança derivado da inexistência de bens conhecidos à reclamante que permitissem assegurar o pagamento da dívida exequenda ou o montante da divida em causa, nada adiantam sobre aqueles requisitos, porquanto, a própria AT ao ter aceite como garantia pagamento de dívidas em outros processos de execução fiscal (que não nega), ações detidas pela mesma pessoa e na mesma sociedade das que foram oferecidas pela impugnante, agora para garantia da divida exequenda, bem sabia da existência desse património e que, por esse efeito, sempre o risco de não cobrança da quantia exequenda haveria de ser analisado não só pelo prisma da inexistência de bens imóveis, ou em face do valor da dívida, devendo, em tais circunstâncias, dizer a razão pela qual a inexistência de imóveis conhecidos constituiria um sério risco na cobrança da dívida…».

Mas já anteriormente – fls.. 8 e segs. da sentença, fls. 289 dos autos - o MMº juiz «a quo» se debruçara sobre a falta de fundamentação do despacho tecendo as considerações jurídicas (normativas) que julgou pertinentes sobre a sua necessidade.

Assim, o que parece resultar da sentença é uma ordenação que não separa a apreciação dos vícios, englobando na mesma apreciação quer a falta de fundamentação, quer a falta de requisitos para determinar a realização do penhor, aparentemente reconduzindo estes àquela (falta de fundamentação).

Ora a questão da fundamentação do despacho é diferente da verificação dos requisitos para lançar mão da medida de garantia. No primeiro caso a sua falta conduz a um vício formal, no segundo gera violação de lei (desconformidade entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que o prevêm).

Embora se não acompanhe a metodologia seguida pelo MMº juiz «a quo», não se pode dizer que foi cometida uma nulidade por omissão de pronúncia. Não houve, em rigor, omissão de pronúncia, mas sim uma indevida sobreposição entre o vício de falta de fundamentação e o vício de violação de lei. Ou seja, o MMº juiz apreciou como falta de fundamentação o que em rigor constituiria falta de pressupostos para determinar a realização de penhores, mas não deixou de apreciar a questão da falta dos requisitos para a constituição do penhor.
Nesse sentido, veja-se o que a propósito consta de fls. 14 da sentença: «não se vê (…) que a AT considerou e ponderou a existência de qualquer perigo sério de que sem a constituição do dito penhor se perfile uma impossibilidade de cobrança da dívida exequenda: o invocado interesse da eficácia da cobrança derivado da inexistência de bens conhecidos à reclamante que permitissem assegurar o pagamento da dívida exequenda ou o montante da dívida em causa, nada adiantam sobre aqueles requisitos, porquanto, a própria AT ao ter aceite como garantia pagamento de dívidas em outros processos de execução fiscal (que não nega), ações detidas pela mesma pessoa e na mesma sociedade das que foram oferecidas pela impugnante, agora para garantia da divida exequenda, bem sabia da existência desse património e que, por esse efeito, sempre o risco de não cobrança da quantia exequenda haveria de ser analisado não só pelo prisma da inexistência de bens imóveis, ou em face do valor da dívida, devendo, em tais circunstâncias, dizer a razão pela qual a inexistência de imóveis conhecidos constituiria um sério risco na cobrança da dívida.»
Donde resulta que a questão dos requisitos para a constituição do penhor foi apreciada e decidida (negativamente) na sentença.
Não houve omissão de pronúncia.

Acresce que tendo o MMº decidido que o acto não estava fundamentado, daí sempre decorreria a sua anulação (art.º 135 do CPA).

Por conseguinte, a apreciação, e verificação, dos requisitos legais subjacentes ao acto sempre ficaria prejudicada em resultado que dispõe o art.º 608º/2 do CPC. Como refere Jorge Lopes de Sousa, (CPPT anotado, II, 2011, pp. 340) «…O juiz não tem que se pronunciar sobre questões que ficaram prejudicadas pela solução dada a outas. Não é assim no domínio do CPTA, o qual determina que o tribunal se pronuncie sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito (art.º 95º/2 do CPTA).
Mas sabe-se que este regime não foi transposto para o processo de impugnação judicial, que manteve inalterado o art.º 124º do CPPT»

Da nulidade por excesso de pronúncia (conclusões XVII)
Como acima se referiu, a sentença debruçou-se sobre a (falta de) fundamentação do despacho, concluindo pela sua inexistência e consequente anulação do mesmo.

A ERFP não questiona a decidida falta de fundamentação nos seus fundamentos, mas parece defender que a sentença não se deveria ter pronunciado sobre essa matéria, antes devia cingir-se, diz, «… tão só às questões suscitadas pela Reclamante e que consistem no seguinte:
a) Subida imediata da reclamação;
b) Violação do direito de audição prévia à constituição dos penhores;
c) Ilegalidade da constituição de penhores em momento anterior à citação para o processo de execução fiscal e violação do princípio da boa fé;
d) Falta de verificação de requisitos legais para a constituição de penhores e violação do princípio da proporcionalidade;
e) Ilegalidade da impossibilidade de substituição de penhores constituídos por outras garantias» (conclusão V).

Embora não invoque expressamente o vício de nulidade da sentença (art.º 615º/1,d) CPC e 125º/1 do CPPT), tal seria a conclusão lógica do argumento invocado pela ERFP.

Mas esse vício não existe. A leitura da petição inicial revela que a reclamante aludiu à falta de fundamentação do despacho como resulta desde logo do conteúdo do artigo 188º da petição inicial, embora o tenha feito de forma não aprofundada.

Ora, devendo o juiz pronunciar-se sobre todas as questões submetidas à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – art.º 608º/2 do CPC), e sendo a falta de fundamentação uma delas, não podia o MMº juiz «a quo» deixar de sobre ela se pronunciar, sob pena de nulidade.

Como a Exma. Representante da Fazenda Pública não atacou a sentença na parte onde se decide pela falta de fundamentação do despacho reclamado, deve considerar-se que se conformou com o decidido nesta parte (nos termos do art.º 635º/4 CPC).
E com isso, transitou em julgado a decisão de anulação do despacho por falta de fundamentação.

Erro de julgamento por se ter admitido a subida imediata da reclamação (Conclusão VI).
Nos artigos 215 e segs.. da petição inicial, a reclamante requereu a subida imediata da reclamação alegando, para além do mais, que o penhor sobre os saldos das contas bancárias e títulos de ações afeta gravemente a sua própria subsistência.

O MMº juiz «a quo» admitiu a subida imediata louvando-se na doutrina de Jorge Lopes de Sousa constante de fls. 305 a 309, do volume IV do CPPT anotado, 6ª edição, concluindo a final que «a apreciação a final da legalidade do penhor efetuado pela AT, bem assim, da recusa da garantia proposta pela reclamante, independentemente de a sua pretensão se dirigir à substituição daquele, não tem o mesmo efeito da sua apreciação de imediato, pelo que deve ser admitida a subida imediata da presente reclamação».

Discorda ERFP da subida imediata porque entende que o prejuízo irreparável não foi provado.

Apreciando.
Nos termos do art.º 278º/1 do CPPT, O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.

Todavia, é permitida a subida imediata quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida. (art.º 278º/3 CPPT).

Mas para além do prejuízo irreparável a que aludem as alíneas a) a d) do art.º 278º CPPT, deve admitir-se a subida imediata da reclamação sempre que a sua retenção a torne inútil.

Na esteira do que defende Jorge Lopes de Sousa, (CPPT anotado, IV, Áreas Editora, 2011, pp. 307) «Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações mesmo que a subida diferida não provoque uma lesão irreparável, sempre que, sem a subia imediata, elas percam toda utilidade, à semelhança do que se prevê para os recursos jurisdicionais, no n.º 2 do art. 285º do CPPT e no n.º 2 do art. 734.° do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e na alínea m) do n.º 2 do art. 691º deste último Código, na nova redacção (…) Se não se assegurasse a subida imediata das reclamações que, com subida diferida, perdem toda a sua utilidade, estar-se-ia a admitir situações em que, ao fim e ao cabo, não haveria possibilidade de reclamação de actos lesivos praticados no processo de execução fiscal, pois ela também não poderia ser admitida a final, quando já estivesse irremediavelmente comprometida a sua utilidade, atento o princípio geral do nosso direito processual da proibição da prática de actos processuais inúteis (art. 137.° do CPC). Por outro lado, a proibição de subida imediata em situações em que, com a subida diferida, a reclamação perderia todo o efeito útil, reconduzir-se-ia à impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, que seria materialmente inconstitucional, por violação do preceituado nos arts. 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da CRP. ».

Facilmente se reconhece que a reclamação em apreço tornar-se-ia absolutamente inútil se o tribunal dela conhecesse depois de realizada a penhora e a venda. Nessa altura aquilo que se pretende evitar – a manutenção do penhor – estaria definitiva e irremediavelmente consolidado na ordem jurídica e a decisão judicial de nada adiantaria.

Nestas circunstâncias, a subida imediata da reclamação não merece censura.

Quanto ao conhecimento da «insubstituibilidade» fixada pela AT para os penhores (conclusão XVII).
A reclamante insurge-se contra a insubstituibilidade dos penhores determinada pela AT (constante dos autos de penhor) nos artigos 190 e segs.. da petição inicial, pedindo, a final e subsidiariamente, «…na hipótese de este Douto Tribunal não ordenar a anulação dos penhores constituídos em virtude da sua manifesta ilegalidade, o que apenas se admite à cautela e sem prescindir, que é ilegal a condição de insubstituibilidade fixada pela Autoridade Tributária para os penhores, pelo que essa garantia pode ser substituída por outra garantia oferecida pela Reclamante, desde que se demonstre um interesse legítimo e daí não resulte prejuízo para a Fazenda Pública».

O MMº juiz «a quo» julgou procedentes o pedido de anulação do acto reclamado (pedido principal), bem como o pedido de declaração de substituibilidade do penhor constituído nos termos do Despacho referido no ponto anterior» .

A Exma. Representante da Fazenda Pública alega que a questão da insubstituibilidade não constitui questão controvertida nos presentes autos (…) pelo que não se percebe o porquê da douta decisão de que se recorre decretar a substituibilidade do penhor constituído pela Autoridade Tributária.

A questão da substituibilidade do penhor é decididamente controvertida, não só pelo que consta dos autos de penhor (o penhor constituído através do presente auto manter-se-á até ao integral pagamento ou outra forma de extinção da dívida, não podendo, em virtude de não ter sido prestado pelo executado, mas antes constituído pela AT, ser substituído por outra garantia, seja real, seja pessoal), mas também por a reclamante não se ter conformado com tal manifestação de vontade.

Porém, a reclamante apenas pediu a apreciação dessa questão a título subsidiário. Ora, sabendo-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (art.º 554º/1 do CPC), uma vez procedente o pedido anterior, como foi, o pedido subsidiário não tem que ser apreciado.

Por conseguinte, a sentença não pode manter-se, nesta parte.

Erro de julgamento por se ter considerado ilegal a omissão do direito de audição (conclusões VII a XIII)
O despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que determinou a constituição de penhor não foi precedida da audição da reclamante, ora recorrida e foi proferida antes da citação da reclamante para a execução.

O MMº juiz «a quo» considerou que o direito de audição não poderia ter sido dispensado. Para assim decidir, o MMº juiz «a quo» defendeu que o acto em causa não constitui um mero acto de trâmite, mas sim um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária, e assim sendo, estaria sujeito à obrigatoriedade de audiência prévia, em conformidade com o disposto nos art.ºs. 60º da LGT, 45º do CPPT e 100º a 103º do CPA.

Contra esta interpretação se insurge a recorrente, abonando-se na doutrina do ac. do STA n.º 01054, de 12/4/2012.

Porém, a apreciação desta questão torna-se inútil, uma vez que não tendo a AT atacado a sentença na parte em que decide a anulação do despacho reclamado com base na sua falta de fundamentação, a respectiva decisão transitou em julgado, nesta parte, não podendo a mesma ser agora alterada nesta instância (artº 628º; 635/4,5 do CPC).


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela ERFP nos seguintes termos:
a) Revogar a sentença na parte em que julgou procedente «o pedido de declaração de substituibilidade do penhor constituído nos termos do despacho referido no ponto anterior»;
b) Improceder o recurso quanto ao restante.

Custas pela AT.


Porto, 30 de Setembro de 2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes