Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00153/22.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE ILEGITIMIDADE PASSIVA;
PRINCÍPIOS ANTIFORMALISTA, "PRO ACTIONE" E " IN DUBIO PRO FAVORITATE INSTANCIAE";
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
P..., S.A. instaurou acção administrativa contra o IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I.P., ambos melhor identificados nos autos.
Pediu a declaração de nulidade ou anulação da Decisão de Encerramento do Projeto, aprovada em reunião da Comissão Diretiva do PO Norte, em 10.01.2019, notificada à Autora em 20.10.2021, que junta como doc. ... da p.i..
Por saneador sentença proferido pelo TAF do Porto foi julgada verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e absolvido da instância o Réu.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

I.Vem a Autora (ora Recorrente) interpor recurso do saneador sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, através do qual aquela douta Instância julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu (ora Recorrido), nos termos do disposto na alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA e, em consequência, absolveu o Réu (ora Recorrido) da instância, à luz do preceituado no n.° 2 do mesmo artigo;

II. Em termos sintéticos, julgou o douto Tribunal a quo que, no caso em apreço, uma vez que o objeto dos presentes autos se reconduz à impugnação de uma decisão da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do PO NORTE que configura um ato praticado por uma entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, deveria a presente ação ter sido intentada contra a pessoa coletiva Estado, nos termos do n.° 3 do artigo 10.° do CPTA, pelo facto de a entidade autora do ato impugnado não pertencer a mais nenhuma pessoa coletiva de Direito Público;

III. A 20.01.2022, a aqui Recorrente intentou, ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do artigo 37.° do CPTA, uma ação administrativa com vista à impugnação de atos administrativos, concretamente da Decisão de Encerramento do Projeto, aprovada em reunião da Comissão Diretiva do PO Norte, em 10.01.2019, e notificado à Recorrente em 20.10.2021;

IV. Citado da entrada em juízo da ação vinda de aludir, o Recorrido apresentou, a 18.03.2022, a sua contestação face a tudo quanto foi alegado na petição inicial que deu origem aos presentes autos;

V. Nesse sentido, o Recorrido apresentou defesa por exceção e por impugnação, tendo invocado, desde logo, no que tange com o primeiro tipo de defesa, (i) a sua ilegitimidade passiva para a presente ação, porquanto o autor do ato administrativo impugnado é a Comissão Diretiva do PO Norte, entidade distinta daquela que foi demandada nos presentes autos; e (ii) a intempestividade da prática do ato processual de impugnação por estar em causa uma decisão datada de 10.01.2019, e desse modo, há muito ter decorrido o prazo de três meses para impugnar o ato, nos termos do artigo 58.°, n.°1, alínea b), do CPTA;

VI. Por sua vez, a Recorrente, uma vez notificada da contestação apresentada pelo Recorrido a 07.03.2022, veio, ao abrigo do disposto no artigo 85.°-A do CPTA, apresentar a sua competente réplica, através da qual se pronunciou sobre as exceções invocadas pelo Recorrido, pugnando pela sua manifesta improcedência;

VII. Sem prejuízo de tudo quanto ficou demonstrado pela Recorrente em sede de réplica, encerrada a fase dos articulados, e em sede de saneador sentença, prolatado ao abrigo do disposto na alínea a) do n. ° 1 do artigo 88.° do CPTA, foi o Réu absolvido da instância por ter sido julgada procedente, pelo douto Tribunal, a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, nos termos do disposto no n.° 2 e na alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA;

VIII. Sucede que, tal como se irá demonstrar abaixo com suficiente e esclarecedora clareza, a sentença recorrida padece de flagrantes erros de julgamento de Direito, motivo pelo qual deverá ser revogada com todas as legais consequências;

IX. Tal como acima se referiu amiúde, e de forma detalhada, a Autora, confrontada com a alegação proferida pelo Réu no que diz respeito à sua própria ilegitimidade passiva, apresentou um conjunto de fundamentos que, devidamente analisados, conduziriam à constatação óbvia e indelével de que o erro da Recorrente na conformação subjetiva passiva da presente lide apresentava uma natureza iminentemente desculpável, algo que, como é lógico, não é de somenos importância;

X. Tal como abaixo se demonstrará, não só os fundamentos sobre o qual o douto Tribunal a quo se pronunciou no sentido de aferir sobre a desculpabilidade ou não do erro cometido pelo Recorrente não correspondem à totalidade daqueles que foram aduzidos por este último em sede de réplica, como a análise que faz sobre aqueles sobre os quais se pronuncia se encontra eivada de manifesta ilegalidade;

XI. Com efeito, começa o douto Tribunal a quo por afirmar que o facto de o ato referir expressamente que a sua autoria “(...) é da autoria da autoridade de gestão” afasta qualquer possibilidade de o erro na indicação da entidade demandada nos presentes autos se dever ter como desculpável;

XII. Acontece que, com o devido respeito, tal análise é profundamente lacónica e sumária, uma vez que não aborda o impacto que na análise de tal questão deve ter o facto de o ato administrativo praticado violar, de forma ostensiva, o disposto no artigo 144.° do CPA no que diz respeito ao conteúdo obrigatório das notificações dos atos administrativos e as consequências que tal inadimplemento tem na identificação da entidade autora do ato ora em crise;

XIII. Assim sendo, tendo em conta o disposto naquela norma, pela circunstância de estarmos perante um ato administrativo de conteúdo desfavorável à aqui Recorrente, a exceção subsumida no n.° 3 do artigo 114.° do CPA não encontra, no caso concreto, os seus pressupostos cumpridos para a sua aplicação, pelo que, diga-se, o ato deveria ser notificado na sua totalidade e não apenas parte da sua fundamentação, tal como aconteceu no caso vertente;

XIV. Com efeito, caso a notificação do ato administrativo ora em causa tivesse ocorrido em estrito cumprimento da disciplina prevista no n.° 3 do artigo 114.° do CPA, isto é, acompanhada da deliberação propriamente dita da Autoridade de Gestão em que se deliberou no sentido espelhado no ato administrativo impugnado, aí sim ficariam dissipadas todas e quaisquer dúvidas que a Recorrente pudesse eventualmente ter quanto à entidade a demandar nos presentes autos;

XV. Não tendo assim sido, pese embora do ato conste a indicação da sua autoria como pertencendo à Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão, a verdade é que tal referência não é de molde a, só por si, tornar indesculpável o erro cometido pela Recorrente na conformação subjetiva passiva da presente lide, uma vez que a mesma não apaga o facto de o ato administrativo estar notificado ao arrepio das regras que disciplinam esta última operação material, designadamente o n.° 3 do artigo 114.° do CPA;

XVI. Em bom rigor, tal incumprimento até potencia o erro que a Recorrente acabou por cometer na estrita e indelével medida em que, sendo a notificação realizada num documento ao qual se encontrava aposto o papel timbrado do aqui Réu e não tendo a mesma sido acompanhada da efetiva deliberação adotada pela Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão ora em causa, tais circunstâncias apenas levaram a Recorrente (como levariam qualquer destinatário na mesma posição) a crer que o autor do ato administrativo ora em crise seria o Réu, razão pela qual deveria ser aquele a entidade demandada nos presentes autos;

XVII. Ademais, se tal erro de julgamento de Direito é evidente tendo por base o incumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 114.° do CPA, a verdade é que o mesmo não perde essa mesma qualidade quando em causa esteja a simultânea violação, pelo ato impugnado nos presentes autos, da disciplina ínsita no artigo 151.° do CPA;

XVIII. Note-se, desde logo, que o ato administrativo impugnado nos presentes autos não se encontra devidamente assinado por qualquer entidade, o que torna (no mínimo) pouco claro quem foi o seu autor;

XIX. Em boa verdade, pese embora a relação incindível entre o disposto no artigo 151.° do CPA e a circunstância de o ato administrativo impugnado nos presentes autos se encontrar espelhado num documento com o papel timbrado do Réu, relação essa que é inequivocamente sindicada pela mais conceituada Doutrina, a verdade é que o douto Tribunal a quo ignorou olimpicamente essa evidência, cometendo o evidente erro de julgamento de Direito de considerar que poderia analisar o impacto que tal facto teria na conformação subjetiva da presente lide sem analisar devidamente o incumprimento in casu da disciplina prevista no normativo vindo de analisar;

XX. A este respeito convém não perder de vista que tendo a Recorrente configurado o Réu como autor do ato por expressa falha na sua elaboração - atendendo à violação conjunta da disciplina prevista no n.° 3 do artigo 114.° e no artigo 151.° do CPA - essa falha não pode, como nunca poderia, ser encarada como imputável a si enquanto destinatária do ato;

XXI. Nessa medida, e atendendo às repercussões jurídicas que resultam de tal conduta, não pode se não a douta sentença recorrida ser revogada por este douto Tribunal ad quem e, nessa medida, ser a mesma substituída por uma outra que, sopesando as alegações da Recorrente em toda a sua extensão e efeitos, determine a desculpabilidade do erro da Recorrente na conformação da presente lide e determine o prosseguimento desta última contra o Estado, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 10.° do CPTA;

XXII. Para além de julgar, a nosso ver mal, a existência nos presentes autos de uma situação de ilegitimidade passiva do Recorrido apta a determinar, sem mais, a absolvição da instância do Recorrido, a douta sentença ora recorrida incorreu num novo julgamento de Direito corporizado na circunstância de ter considerado que a exceção de ilegitimidade passiva singular apresenta uma natureza insuprível e, como tal, tem que inexoravelmente conduzir àquele desfecho;

XXIII. Acontece que, não corresponde, de todo em todo à verdade, que exista tal impossibilidade de substituição por inadmissibilidade legal e, por conseguinte, que a sanação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva verificada nos presentes autos não seja suscetível de sanação;

XXIV. Assim sendo, tendo em conta as previsões normativas ínsitas na alínea a) do n.° 1 e no n.° 7 do artigo 87.° do CPTA, aquilo que se exigia ao douto Tribunal a quo era que, uma vez verificada a existência de uma situação potencialmente reconduzível à constatação da existência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, convidasse a aqui a Recorrente a proceder ao suprimento daquela exceção, ao abrigo da prerrogativa conferida pela alínea a) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA;

XXV. Assim, só após o decurso do prazo fixado pelo douto Tribunal a quo para a realização de tal operação sem que a mesma tenha sido levada a cabo é que estariam criadas as condições para que o Recorrido fosse efetivamente absolvido da instância à luz do preceituado no n.° 7 do artigo 87.° do CPTA;

XXVI. Assim sendo, como é, resulta do excerto doutrinário acima reproduzido que, independentemente da discussão sobre se a exceção dilatória de ilegitimidade passiva é ou não suscetível de suprimento, sempre impenderia sobre o Tribunal a quo a obrigação jurídico-processual de convidar a Recorrente a suprir a irregularidade processual identificada, designadamente através da substituição do Requerido pela entidade que deveria ter sido indicada como Ré ab initio;

XXVII. Ora, em clara contravenção ao regime constante da aplicação conjugada, o douto Tribunal a quo gizou um entendimento sem qualquer tipo de estribo legal, defendendo a ideia de que, ao contrário das restantes, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva não seria suscetível de sanação, motivo pelo qual a sua verificação teria que necessariamente conduzir à absolvição do Réu da instância;
XXVIII. Acontece que, tal como se julga ter demonstrado supra, tal entendimento não respeita, de forma alguma, o regime de suprimento das exceções dilatórias resultantes do disposto nos artigos 7.°-A e 87.° do CPTA, uma vez que nenhum deles exclui a ilegitimidade passiva do rol de exceções dilatórias que são suscetíveis de suprimento;

XXIX. Ora, não existindo tal norma, não se compreende (até porque o douto Tribunal a quo pura e simplesmente se demite de o explicar) porque motivo é que a verificação de tal exceção dilatória foi por si considerada como insuprível e, nessa medida, porque é que não conferiu à Recorrente a possibilidade de a suprir, evitando assim o termo do processo com uma decisão formal de absolvição da instância do Recorrido;

XXX. Em bom rigor, a teoria que fez vencimento no seio da sentença recorrida é carente de qualquer tipo de valia jurídica, sendo por demais evidente que, tal como acima já se referiu, aquilo que se exigia ao douto Tribunal a quo era que, sem qualquer tipo de discriminação aleatória e arbitrária entre exceções dilatórias, convidasse a Recorrente a suprir a exceção verificada nos presentes autos;

XXXI. Não o tendo feito, o douto Tribunal a quo incorreu num manifesto e clamoroso erro de julgamento de Direito, corporizado na violação do regime plasmado nos artigos 7.°-A e 87.° do CPTA, tendo, sem qualquer tipo de explicação, optado por proferir uma decisão de forma (absolvição do Recorrido da instância) quando tinha todas as condições para, não fora a natureza obtusa da sua abordagem, proferir um despacho interlocutório que lhe permitiria, posteriormente, fazer terminar a presente lide através de uma decisão de mérito;

XXXII. Assim, só uma decisão se impunha ao douto Tribunal a quo: mesmo prevendo a existência de uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva nos presentes autos, deveria ter procedido ao seu suprimento, à luz do disposto nos artigos 7.°-A e 87.° do CPTA, através da absolvição da instância do Recorrido, mas convidando a Recorrente a indicar a nova conformação subjetiva passiva da presente lide, desta feita respeitando o regime do artigo 10.° do CPTA e ordenando o prosseguimento dos autos contra a parte chamada na sequência da tal substituição processual;

XXXIII. Não o tendo feito nos termos vindos de explicitar, a douta sentença recorrida incorreu num manifesto e claro erro de julgamento de Direito, corporizado não apenas na violação do regime legal aplicável à situação que se destina a regular, mas também das mais distintas posições jurisprudenciais e doutrinárias existentes sobre essa matéria, sendo, por isso, imperativa a sua revogação e substituição por uma outra que, absolvendo o Recorrido da instância, proceda ao convite à Recorrente a desencadear os necessários mecanismos tendentes à substituição processual devida, determinando o prosseguimento dos presentes autos até à prolação de uma decisão de mérito;

XXXIV. Estabelece o artigo 7.º CPTA que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”;

XXXV. O citado preceito vem consagrar o princípio do pro actione, o qual favorece a prolação de uma decisão de mérito em preterição da absolvição da instância com fundamento em questões de índole meramente formal;

XXXVI. Este princípio, também denominado como prevalência da decisão de mérito, encontra igualmente consagração no n.° 3 do artigo 278.° do Código do Processo Civil (doravante CPC), preceito que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por subsistir uma exceção dilatória, fosse possível a absolvição da instância;

XXXVII. Ante o exposto, bem se compreende que o presente princípio surge como um corolário do imperativo constitucional do acesso efetivo à justiça, o qual justifica a preterição das formalidades em prol da prolação de uma decisão de mérito;

XXXVIII. Como é bom de ver, no caso em apreço, aceitar-se a absolvição da instância propugnada pelo douto Tribunal a quo significará preterir um dos mais elementares princípios do Direito Processual português, mais denegando à Recorrente um direito constitucionalmente consagrado – o seu direito à tutela jurisdicional efetiva;

XXXIX. Nestes termos, e por tudo quanto até aqui se expendeu, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, conhecendo do mérito do pedido, assegure à Recorrente a tutela jurisdicional que reclama.
Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogada a decisão recorrida e, em consequência, proferida uma outra que, convidando a Requerente a suprir a (alegada) ilegitimidade passiva do Recorrido, culmine com a prolação de uma decisão de mérito.
Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Atente-se no discurso fundamentador da decisão:
A legitimidade da parte é o pressuposto processual - isto é, um daqueles requisitos de que depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência requerida pelo demandante -, através do qual se afere a posição que as partes devem ter perante a pretensão deduzida em juízo.
A ilegitimidade de alguma das partes constitui excepção dilatória – cfr. artigo 89.º, n.º 4, alínea e), do CPTA – e, como tal, é de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – cfr. artigo 89.º, n.º 2.
Sobre a legitimidade passiva, com relevância para a decisão da questão em apreço, dispõe o artigo 10.º, nos seus n.ºs 1 a 4, o seguinte: “1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. 2 - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos. 3 - Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença. 4 - O disposto nos n.ºs 2 e 3 não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados. (...)” A regra do n.º 3 deve ser também aplicada aos órgãos ad hoc, como é o caso das “equipas de missão constituídas para o exercício temporário de tarefas, que, mantendo a sua autonomia, são equiparadas às autoridades administrativas independentes para os efeitos previstos neste preceito.” – neste sentido, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição revista, 2017, p. 111.
Vejamos.
A autora instaurou a presente acção administrativa pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da Decisão de Encerramento do Projeto, aprovada em reunião da Comissão Directiva do PO Norte, em 10.01.2019, no âmbito do Operação NO...82. Para o efeito, demandou o IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I. P..
O Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de Setembro, que estabelece o modelo de governação dos fundos europeus estruturais e de investimento para o período de 2014­2020, dispõe, no seu artigo 19.º, que a autoridade de gestão é a entidade responsável pela gestão, acompanhamento e execução do respectivo plano operacional, tendo a natureza de estrutura de missão e sendo criada por resolução do Conselho de Ministros, nos termos do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro – cfr. n.ºs 1 e 8.
O objecto dos presentes autos reconduz-se a decisão da autoria da Comissão Directiva da Autoridade de Gestão, como resulta expressamente do seu teor – cfr. doc. ... junto com a pá. Assim, tratando-se de processo que tem por objecto acto de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, deveria o mesmo ter sido intentado contra o Estado porque não pertencente a qualquer outra pessoa colectiva de direito público, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º.
Acontece que foi, antes, demandada o IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I. P., pessoa colectiva diferente do Estado que juridicamente se qualifica como instituto público, pelo que é o mesmo parte ilegítima nos presentes autos.
O CPTA não prevê a possibilidade de sanação da excepção de ilegitimidade passiva singular, como é o caso, quando é indicada como entidade demandada uma pessoa colectiva pública diferente daquela que deveria ter sido demandada. Neste sentido, cfr. o voto de vencido exarado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.05.2018, proferido no processo n.º 1491/16.3BESNT (in www.dgsi.pt), no qual se escreve que “(...) tendo o legislador do CPTA introduzido situações de sanação ope legis, à semelhança do que se verifica no CPC, em relação a várias exceções dilatórias, não é possível extrair de qualquer disposição legal, de qualquer dos Códigos, a possibilidade de suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular, como a do caso vertente, em que foi demandado um instituto público, que é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e judiciária, quando devia ter sido demandado um Ministério, no âmbito do qual se integra o órgão autor do ato impugnado.”
No caso, a autora intentou a acção contra o IAPMEI, I.P., quando deveria ter instaurado a acção contra o Estado, por estar em causa acto da autoria da autoridade de gestão, autoridade administrativa independente, não sendo, por isso, aplicável o disposto na norma do n.º 4 do artigo 10.º, precisamente porque a autora não indicou como entidade demandada a autoridade de gestão. Se assim o tivesse feito, ao abrigo de tal normativo, a acção considerar-se-ia regularmente proposta. Acontece que o que a autora fez foi diferente, e não tem enquadramento normativo em tal preceito legal pois que, repete-se, demandou pessoa colectiva diferente. Ou seja, não está em causa um mero erro na identificação da entidade demandada; antes foi demandada entidade distinta e independente da que deveria estar nos autos.
Não sendo possível – porque legalmente não prevista – a possibilidade de fazer substituir uma entidade demandada por outra, não é possível suprir a ilegitimidade passiva do IAPMEI, I.P., fazendo intervir, no seu lugar, a entidade com legitimidade passiva para ser demandada em acção de impugnação do acto em causa nos presentes autos, como pretende a autora na sua pronúncia à excepção em análise, constante da réplica, impondo-se, ao invés, a absolvição do réu da instância.
Note-se que as circunstâncias invocadas pela autora na réplica não relevam para o desfecho que se anuncia. Por um lado, o facto de o acto impugnado ser notificado por uma entidade diferente da que o praticou, não só não faz da entidade que o notifica a autora ou “responsável” pelo acto, como também não é apto a desculpar o erro da autora ao demandar entidade diferente da que deveria estar em juízo, desde logo porque o próprio acto refere expressamente que a autoria do acto é da autoridade de gestão, o que afasta indubitavelmente que o erro se mostre desculpável por o documento do qual consta o acto conter o logotipo da entidade que o notificou e/ou por o acto não se mostrar assinado.
Atentos os motivos acima expostos, impõe-se concluir que o IAPMEI, I.P., carece de legitimidade para ser demandado nos presentes autos, verificando-se, por conseguinte, a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da entidade demandada da instância.
X

É objecto de recurso este Despacho Saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, através do qual se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu, ora Recorrido, e, em consequência, se absolveu o mesmo da instância.

Como se vê da transcrição feita, julgou o Tribunal a quo, em síntese, que, no caso em apreço, uma vez que o objeto dos presentes autos se reconduz à impugnação de uma decisão da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do PO NORTE que configura um ato praticado por uma entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, deveria a presente ação ter sido intentada contra a pessoa coletiva Estado, nos termos do n.° 3 do artigo 10.° do CPTA, pelo facto de a entidade autora do ato impugnado não pertencer a mais nenhuma pessoa coletiva de Direito Público.
Tal julgamento, aliado às circunstâncias de a Recorrente ter (i) demandado o IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., pessoa coletiva diferente do Estado que juridicamente se qualifica como instituto público; e (ii) o CPTA não prever a possibilidade de sanação de exceção de ilegitimidade passiva singular, como aparenta ser o caso, quando é indicada como entidade demandada uma pessoa coletiva pública diferente daquela que deveria ter sido demandada, criou, no Tribunal, a convicção de que o normativo suprarreferido era aplicável ao caso concreto, tendo aquele retirado, de tal juízo de aplicabilidade e do seu consequente incumprimento pela Recorrente, a conclusão de que o IAPMEI carece de legitimidade para ser demandado nos presentes autos, verificando-se, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade passiva prevista na alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA, que obsta ao conhecimento pelo Tribunal do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Entidade Demandada da instância, nos termos do n.° 2 do mesmo normativo.
A Recorrente discorda, e bem, do sentido da decisão ora em crise, aventando que a mesma incorre em manifesto erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames jurídico-legais.
Vejamos,
Da factualidade relevante -
-A 20.01.2022, a aqui Recorrente intentou, ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do artigo 37.° do CPTA, uma ação administrativa com vista à impugnação de atos administrativos, concretamente da Decisão de Encerramento do Projeto, aprovada em reunião da Comissão Diretiva do PO Norte, em 10.01.2019, e notificado à Recorrente em 20.10.2021.
-Através da apresentação em juízo da petição inicial que deu origem aos presentes autos, a Recorrente pretendeu demonstrar que o ato administrativo impugnado padecia dos vícios de preterição do direito de audição prévia, falta de fundamentação, erro nos pressupostos de direito e violação do princípio da proporcionalidade, concluindo pela sua ilegalidade, e assim, pelo pedido de declaração de nulidade ou anulação da referida Decisão.
-Citado da entrada em juízo da ação vinda de aludir, o Recorrido apresentou, a 18.03.2022, a sua contestação face a tudo quanto foi alegado na petição inicial que deu origem aos presentes autos.
-Nesse sentido, o Recorrido apresentou defesa por exceção e por impugnação, tendo invocado, desde logo, no que tange com o primeiro tipo de defesa, (i) a sua ilegitimidade passiva para a presente ação, porquanto o autor do ato administrativo impugnado é a Comissão Diretiva do PO Norte, entidade distinta daquela que foi demandada nos presentes autos.
-Uma vez notificada da contestação apresentada pelo Recorrido a 07.03.2022, veio a aqui Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 85.°-A do CPTA, apresentar a sua réplica, através da qual se pronunciou sobre as exceções invocadas pelo Recorrido, pugnando pela sua improcedência.
-Relativamente à invocação pelo Réu da sua ilegitimidade passiva para a presente ação, a Autora/Recorrente fez notar, desde logo, que:
i. Todas as notificações relacionadas com o projeto realizado no âmbito da candidatura ...10 apresentada ao Programa Operacional Regional do Norte, foram efetuadas pelo Recorrido e não pela Comissão Diretiva do Programa Operacional Norte, entre elas a notificação referente ao ato ora impugnado, designadamente a “Decisão de Encerramento do Projeto”, que versa sobre o encerramento do Projeto com o n.º...72 e que exigiu o reembolso da totalidade do incentivo pago no montante de €142.928,49;
ii. Por regra, quem notifica os atos administrativos, não é uma entidade terceira, mas sim a entidade que os pratica;
iii. O ato impugnado não cumpre as formalidades exigidas no n. ° 3 e na alínea b) do n. ° 2 do artigo 114.° do CPA relativo à notificação dos atos administrativos, o que se revelou como um dos motivos essenciais pelos quais a Autora entendeu, de boa-fé, ser o Réu o autor do ato e o ter demandado como tal na ação que intentou;
iv. O ato impugnado, para além de ter o logótipo do IAPMEI no seu cabeçalho, não se encontra, ao abrigo do artigo 151.° do CPA, devidamente assinado por qualquer entidade, o que torna ainda menos claro quem foi o seu autor;
-Em sede de saneador sentença, prolatado ao abrigo do disposto na alínea a) do n. ° 1 do artigo 88.° do CPTA, foi o Réu absolvido da instância por ter sido julgada procedente, pelo Tribunal, a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, nos termos do disposto no n.° 2 e na alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA.
Sustentou o Tribunal a quo que o objeto dos presentes autos se reconduz a uma decisão da autoria da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão que, ao abrigo do disposto no artigo 19.° do Decreto-Lei n. °137/2014, de 12 de setembro, é, efetivamente, a entidade responsável pela gestão, acompanhamento e execução do respetivo plano operacional, tendo a natureza da estrutura de missão e sendo criada por resolução do Conselho de Ministros, nos termos do disposto no artigo 28.° da Lei n.°4/2004, de 15 de janeiro.
Tal criou, pois, no Tribunal recorrido a certeza de que, tratando-se, no processo ora sob escrutínio, de um ato decisório de uma entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, como parte demandada na presente ação administrativa que visa a sua impugnação, deveria figurar o Estado, uma vez que, aquela não pertence a qualquer outra pessoa coletiva de direito público, nos termos do n. ° 3 do artigo 10.° do CPTA.
Uma vez feito o referido julgamento, o facto de a Autora (ora Recorrente) ter demandado, ao invés, o IAPMEI, pessoa coletiva diferente do Estado, que juridicamente se qualifica como instituto público, e que não consta, no caso em apreço, como sendo autora do ato que serve de objeto ao presente processo, aliado à circunstância de o CPTA não prever a possibilidade de sanação de exceção de ilegitimidade passiva singular, como aparenta ser o caso, quando é indicada como entidade demandada uma pessoa coletiva pública diferente daquela que deveria ter sido demandada, criou, no Tribunal, a convicção de que o IAPMEI, Réu e ora Recorrido carece de legitimidade para ser demandado nos presentes autos, verificando-se, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade passiva, que obsta ao conhecimento pelo Tribunal do mérito da causa, dando lugar à absolvição da entidade demandada da instância, nos termos do disposto nos números 2.° e 4.°, alínea e) do artigo 89.° do CPTA.
Adicionalmente, entendeu o Tribunal a quo que a situação ora em causa não era reconduzível à disposição ínsita no n.° 4 do artigo 10.° do CPTA, uma vez que, para que tal acontecesse, e a ação pudesse considerar-se como regularmente proposta, a Recorrente teria de ter indicado como parte demandada a autoridade de gestão, coisa que manifestamente não fez nos presentes autos.
Além disso, e na parte final da sua decisão, o Tribunal a quo sustenta ainda a ideia de que as circunstâncias invocadas pela Recorrente em sede de réplica não determinam que tenha de ser praticada outra decisão que não aquela de que ora se recorre.
Para sustentar tal entendimento, defende-se na sentença recorrida que “Por um lado, o facto de o acto impugnado ser notificado por uma entidade diferente da que o praticou, não só não faz da entidade que o notifica a autora ou «responsável» pelo acto, como também não é apto a desculpar o erro da autora ao demandar entidade diferente da que deveria estar em juízo, desde logo porque o próprio acto refere expressamente que a autoria do acto é da autoridade de gestão, o que afasta indubitavelmente que o erro se mostre desculpável por o documento do qual consta o acto conter o logotipo da entidade que o notificou e/ou por o acto não se mostrar assinado”.
Não se secunda esta leitura.
Tal como acima se referiu, a Autora, confrontada com a alegação proferida pelo Réu no que diz respeito à sua própria ilegitimidade passiva, apresentou um conjunto de fundamentos que, devidamente analisados, conduziriam à constatação óbvia e indelével de que o erro da Recorrente na conformação subjetiva passiva da presente lide apresentava uma natureza iminentemente desculpável.
Sobre tais fundamentos, o Tribunal limita-se a, laconicamente, a afirmar que “Nota-se que as circunstâncias invocadas pela autora na réplica não relevam para o desfecho que se anuncia. Por um lado, o facto de o acto impugnado ser notificado por uma entidade diferente da que o praticou, não só não faz da entidade que o notifica a autora ou «responsável» pelo acto, como também não é apto a desculpar o erro da autora ao demandar entidade diferente da que deveria estar em juízo, desde logo porque o próprio acto refere expressamente que a autoria do acto é da autoridade de gestão, o que afasta indubitavelmente que o erro se mostre desculpável por o documento do qual consta o acto conter o logotipo da entidade que o notificou e/ou por o acto não se mostrar assinado”.
Começa o Tribunal a quo por afirmar que o facto de o ato referir expressamente que a sua autoria “(...) é da autoria da autoridade de gestão” afasta qualquer possibilidade de o erro na indicação da entidade demandada nos presentes autos se dever ter como desculpável.
Ora, como alegado, caso a notificação do ato administrativo em causa tivesse ocorrido em estrito cumprimento da disciplina prevista no n.° 3 do artigo 114.° do CPA, isto é, acompanhada da deliberação propriamente dita da Autoridade de Gestão em que se deliberou no sentido espelhado no ato administrativo impugnado, aí sim ficariam dissipadas todas e quaisquer dúvidas que a Recorrente pudesse eventualmente ter quanto à entidade a demandar nos presentes autos.
Não tendo assim sido, pese embora do ato conste a indicação da sua autoria como pertencendo à Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão, a verdade é que tal referência não é de molde a, só por si, tornar indesculpável o erro cometido pela Recorrente na conformação subjetiva passiva da presente lide, uma vez que a mesma não apaga o facto de o ato administrativo estar notificado ao arrepio das regras que disciplinam esta última operação material, designadamente o n.° 3 do artigo 114.° do CPA.
Em bom rigor, tal incumprimento até potencia o erro que a Recorrente acabou por cometer na estrita e indelével medida em que, sendo a notificação realizada num documento ao qual se encontrava aposto o papel timbrado do aqui Réu e não tendo a mesma sido acompanhada da efetiva deliberação adotada pela Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão ora em causa, tais circunstâncias apenas levaram a Recorrente a crer que o autor do ato administrativo ora em crise seria o Réu.
Ao assim decidir, o Tribunal a quo, além do mais, acabou por incorrer em erro de julgamento de Direito na forma como analisou o facto de constar do ato o seu autor, bem como de o mesmo se encontrar espelhado num documento com o papel timbrado do Recorrente.
Ademais, se tal erro de julgamento de Direito é evidente tendo por base o incumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 114.° do CPA, a verdade é que o mesmo não perde essa mesma qualidade quando em causa esteja a simultânea violação, pelo ato impugnado nos presentes autos, da disciplina ínsita no artigo 151.° do CPA.
Em boa verdade, o artigo 151.° do CPA estipula que “1 – Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato: a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista; b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários; c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes; d) A fundamentação, quando exigível; e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto; f) A data em que é praticado; g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana. 2 – As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo”.
Ora, assim sendo, note-se, desde logo, que o ato administrativo impugnado nos presentes autos não se encontra devidamente assinado por qualquer entidade, o que torna (no mínimo) pouco claro quem foi o seu autor.
Pese embora a relação incindível entre o disposto no artigo 151.º do CPA e a circunstância de o ato administrativo impugnado nos presentes autos se encontrar espelhado num documento com o papel timbrado do Réu, a verdade é que o Tribunal a quo ignorou olimpicamente essa evidência, cometendo o evidente erro de julgamento de Direito de considerar que poderia analisar o impacto que tal facto teria na conformação subjetiva da presente lide sem analisar devidamente o incumprimento in casu da disciplina prevista no normativo vindo de citar.
Não contendo o ato impugnado qualquer assinatura e, bem assim, tendo sido utilizado o logotipo do Recorrido, entendeu a Recorrente, de forma quanto a nós desculpável, que o ato apenas poderia ser da autoria material do primeiro, tendo, nessa sequência, conferindo-lhe a qualidade de entidade demandada nos presentes autos.
Da suposta insusceptibilidade de sanação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva -
Para além de julgar a existência nos presentes autos de uma situação de ilegitimidade passiva do Recorrido apta a determinar, sem mais, a absolvição da instância do Recorrido, a decisão ora recorrida incorreu num novo julgamento de Direito corporizado na circunstância de ter considerado que a exceção de ilegitimidade passiva singular apresenta uma natureza insuprível e, como tal, tem que inexoravelmente conduzir àquele desfecho.
Sucede que é possível a sanação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva verificada nos presentes autos.
Com efeito, dispõe a alínea a) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA que “Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias”.
Por seu turno, o n.° 7 do mesmo artigo preceitua que “A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância”.
Assim sendo, tendo em conta as previsões normativas vindas de aludir, aquilo que se exigia ao Tribunal a quo era que, uma vez verificada a existência de uma situação potencialmente reconduzível à constatação da existência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, convidasse a aqui Recorrente a proceder ao suprimento daquela exceção, ao abrigo da prerrogativa conferida pela alínea a) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA.
Assim, só após o decurso do prazo fixado pelo Tribunal a quo para a realização de tal operação sem que a mesma tenha sido levada a cabo é que estariam criadas as condições para que o Recorrido fosse efetivamente absolvido da instância à luz do preceituado no n.° 7 do artigo 87.° do CPTA.
Independentemente da discussão sobre se a exceção dilatória de ilegitimidade passiva é ou não suscetível de suprimento, sempre impenderia sobre o Tribunal a quo a obrigação jurídico-processual de convidar a Recorrente a suprir a irregularidade processual identificada, designadamente através da substituição do Requerido pela entidade que deveria ter sido indicada como Ré ab initio - neste sentido, para além da Doutrina trazida pela Recorrente, veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 10.05.2018, proferido no âmbito do processo n.° 1491/16.3BESNT, onde se afirma que: I - No âmbito da nova ação administrativa a exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva é sanável mediante convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. II - Feita a constatação de que o demandado …. era parte ilegítima, por a legitimidade processual pertencer ao …., ao invés de ter avançado logo para a absolvição da instância o juiz devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 87.º n.º 1 alínea a) do CPTA, no sentido de identificar como ré esta última entidade.
Assim, só na eventualidade de tal labor não ser realizado pela Recorrente durante prazo conferido para o efeito, é que existiria fundamento legal para a absolvição do Réu da instância, sem possibilidade de renovação desta última, como bem advoga a Apelante.
Feito o convite para suprimento das exceções dilatórias ou para correção dos articulados, sem que a parte em causa o tenha feito no prazo para o efeito indicado pelo Juiz, essa omissão determinará igualmente a absolvição da instância, aqui sem possibilidade de renovação da instância, o que resulta da conjugação do n.° 7 com o n.° 8.
No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, dando lugar à aplicação do regime dos artigos 87.º, 88.º e 89.º do CPTA.
Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar. De acordo com o disposto no artigo 87.º, n.º 7, do CPTA, apenas deverá determinar-se a absolvição da instância no caso de falta de suprimento de excepções dilatórias ou de correcção, dentro do prazo que for estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial, o que impõe ao juiz, sob pena de incorrer em nulidade processual, a prolação de prévio despacho com essa finalidade - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 06.12.2017, proferido no âmbito do processo n.º 247/163.8BECTB.
Impunha-se, assim, ao Tribunal a quo que convidasse a Recorrente a suprir a exceção verificada nos presentes autos.
Não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento de Direito, corporizado na violação do regime plasmado nos artigos 7.°-A e 87.° do CPTA, tendo, proferido uma decisão de forma (absolvição do Recorrido da instância) quando podia/devia ter proferido um despacho interlocutório que lhe permitiria, posteriormente, fazer terminar a presente lide através de uma decisão de mérito.
Assim, só uma decisão se impunha ao Tribunal recorrido: mesmo prevendo a existência de uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva nos presentes autos, deveria ter procedido ao seu suprimento, à luz do disposto nos artigos 7.°-A e 87.° do CPTA, convidando a Recorrente a indicar a nova conformação subjetiva passiva da presente lide, desta feita respeitando o regime do artigo 10.° do CPTA e ordenando o prosseguimento dos autos contra a parte chamada na sequência da tal substituição processual.
Não o tendo feito violou, além do mais, o regime legal aplicável à situação que se destina a regular.
De referir ainda que estabelece o artigo 7.º do CPTA que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
O citado preceito veio consagrar o princípio do pro actione, o qual favorece a prolação de uma decisão de mérito em preterição da absolvição da instância com fundamento em questões de índole meramente formal.
Como ensina a Doutrina decorre deste princípio que, em caso de dúvida, os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais no sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Almedina, ..., 2010, pp. 63-64.).
A par disso, o disposto no artº 87.°, n.° 1, al. b) do CPTA sempre deverá ser interpretado como uma decorrência do dever de gestão processual consagrado no artº 7.°-A do CPTA, o qual, entre o demais, determina que o Tribunal “providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo”.
Nesta senda, o princípio pro actione estabelece que se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Sobre os princípios antiformalista, "pro actione" e " in dubio pro favoritate instanciae" e a sua aplicação no âmbito do contencioso administrativo, vejam-se, entre outros, os Acórdãos STA de 9.4.02, no recurso 48200, de 11.5.00, no recurso 45903 e de 10.7.97, no recurso 35738, que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae" impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo autor.
Este princípio, também denominado como prevalência da decisão de mérito, encontra igualmente consagração no n.º 3 do artigo 278.º do NCPC (art.º 288.º CPC 1961), preceito que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por subsistir uma exceção dilatória, fosse possível a absolvição da instância.
Ante o exposto, bem se compreende que o presente princípio surge como um corolário do imperativo constitucional do acesso efetivo à justiça, o qual justifica a preterição das formalidades em prol da prolação de uma decisão de mérito.
Em suma, é imperativa a revogação da decisão proferida e a substituição por uma outra que proceda ao convite à Recorrente a desencadear os necessários mecanismos tendentes à substituição processual devida, determinando o prosseguimento dos presentes autos até à prolação de uma decisão de mérito, caso a tal nada mais obste.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que, regressando os autos ao TAF a quo aí se proceda nos termos atrás explanados.
Sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 10/03/2023
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro