Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01307/10.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
CULPA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Resultando da factualidade assente que o final do prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data contemporânea ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (e não a alínea a) do mesmo preceito).
2. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária, mas nos termos da alínea b) do mesmo preceito existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
3. Operada a reversão nos termos da referida alínea b), desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora recorrente apresenta-se como parte legítima na execução.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:H...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

H…, Contribuinte Fiscal n.º 1…, com domicílio fiscal na…, em Escapães, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro proferida em 13/03/2012, que julgou improcedente a oposição ao Processo de Execução Fiscal n.º 0094200201008749 e apensos instaurados pela Fazenda Pública contra “P…, Lda.”, Contribuinte Fiscal n.º 5…, para cobrança de IRC, referente a 2000, 2001 e 2002, IVA relativo a 2001 a 2003, e legais acréscimos, no montante de € 11.071,24, e contra si revertidos.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1) A Decisão recorrida viola o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, designadamente, porque compete à Administração Fiscal, e não ao contribuinte ou a qualquer outra entidade, a prova da culpabilidade consagrada na referida alínea, uma vez que todas as dívidas ocorreram no exercício do cargo de gerência do oponente, ora recorrente, que ninguém pôs em causa.
2) A correcta análise e valoração da prova constante do Despacho de Reversão não faz qualquer referência a actos praticados pelo oponente, ora recorrente e, em que medida as mesmas podiam ser susceptíveis de serem considerados de uma actuação culposa, mas não o faz, nem o poderia fazer, porque, de facto, eles não ocorreram.
3) O que afasta em definitivo a possibilidade de considerar o oponente, ora recorrente “responsável subsidiário”, pelas dívidas exequendas, através da reversão contra si decidida, prefigurando a sua ilegitimidade no processo executivo em causa, Processo Nº 0094200201008749, cujas dívidas com a citação efectuada em 15-11-2010, já se encontravam prescritas (artigo 48º, nº 3 da L.G.T.).
4) Deste modo, há que concluir que, independentemente da existência de dívidas já prescritas à data da citação no processo de execução fiscal principal, o regime no qual se poderia ter fundado a responsabilidade pelas dívidas exequendas era e é o previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária.
5) Assim sendo, e para ser efectivado, pressupunha que a Administração Tributária (incluindo a Representação da Fazenda Pública) demonstrasse, e não o fez, a culpabilidade do oponente, ora recorrente, consagrada na alínea a) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária.
6) A Douta Sentença ao considerar a culpabilidade do oponente, ora recorrente, sem que haja qualquer prova da culpabilidade e clara falta de fundamentação no Despacho de Reversão, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação do normativo legal consagrado na alínea a) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, havendo ainda violação do artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário no que diz respeito à prescrição das dívidas exequendas.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, que sempre serão supridos no provimento do presente recurso, deverá revogar-se a Decisão recorrida, determinando-se que a execução seja extinta, com fundamento na inexigibilidade das dívidas exequendas, a bem da Justiça.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se, a fls. 151 e 151 verso dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar o mencionado erro de julgamento, por alegada violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, e apreciar a prescrição das dívidas exequendas.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
“1. Com vista à cobrança de IRC, referente a 2000, 2001 e 2002, e IVA relativo a 2001 a 2003, e legais acréscimos, no montante global de € 11.071,24, foram instaurados contra “P…, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 0094200201008749 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças da Feira - 1.
2. Em 4/12/2006, no Processo de Execução Fiscal nº 0094200201008749, foi penhorado o veículo XT, vendido em 29/6/2010 por € 300,00.
3. Em 15/10/2010, no Processo de Execução Fiscal nº 0094200201008749, foi lavrada a informação e despacho que constam a fls. 70/71 do apenso que se dão por reproduzidos, com vista ao exercício do direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão da execução contra o oponente.
4. A Administração Tributária remeteu ao oponente o ofício nº 11671, datado de 15/10/2010, que consta a fls. 72 do apenso, e se dá por reproduzido.
5. S…, em 29/10/2010, apresentou o requerimento que consta a fls. 76/80 do apenso e se dá por reproduzido, donde consta que nunca exerceu a gerência da “P…, Lda.” e que esta se obrigava exclusivamente com a assinatura de H….
6. Em 10/11/2010, no Processo de Execução Fiscal nº 0094200201008749, foi lavrada a informação e despacho que constam a fls. 81/82 do apenso que se dão por reproduzidos.
7. A Administração Tributária remeteu ao oponente o ofício nº 12274, datado de 10/11/2010, que consta a fls. 83 do apenso, e se dá por reproduzido.
8. O aviso de recepção relativo ao ofício identificado em 7 foi assinado em 13/11/2010.
9. No 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, em 30/5/1997, foi outorgado o contrato de constituição da sociedade comercial “P…, Lda.”, CF nº 5…, e nele figuram como sócios e gerentes H… e S…, conforme documento de fls. 46/49 que se dá por reproduzido.
10. Na Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira, pela Ap.04/19980127 foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “P…, Lda.”, CF nº 5…, nela figurando como sócios H… e S…, respectivamente com quotas sociais no valor de € 4.375,00 e € 625,00, ambos designados gerentes, e como forma de obrigar a sociedade: pela intervenção do gerente H....
11. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 43/45, datado de 25/8/1997, que consubstancia a declaração de inscrição no registo e início de actividade da sociedade comercial “P..., Lda.”, CF nº 5..., que ostenta no campo destinado à identificação dos administradores e gerentes “H..., S…”,e a assinatura do legal representante “S…”.
12. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 51/53, datado de 27/3/2003, que consubstancia a declaração de alterações da sociedade comercial “P..., Lda.”, CF nº 5..., que ostenta no campo destinado à assinatura do legal representante “H…”.
13. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 54/56, datado de 7/3/2006, que consubstancia a declaração de IVA relativa à sociedade comercial “P..., Lda.”, CF nº 5..., que ostenta no campo destinado à assinatura do legal representante “H…”.
14. Dá-se por reproduzido o “print” de fls. 65 dos autos, relativo aos rendimentos declarados pelo oponente.
15. A presente oposição foi remetida sob registo postal de 13/12/2010.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, nomeadamente não se provou a alegada “modificação do mercado e crise no sector da restauração”, alegação conclusiva que importava concretizar, nem o alegado encerramento de empresas da zona, contrariado pelas declarações prestadas pela testemunha Inês Almeida que declarou que abriram outros restaurantes na zona.
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A convicção do Tribunal alicerçou-se na prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas.
A testemunha Carlos Daniel Fernandez Oliveira, filho do oponente, declarou que este exerceu funções de gerente da devedora originária, e que abertura da A29 lhe reduziu a clientela pois os camionistas, clientes do restaurante, desviaram-se para outros itinerários, e “à noite não tinham clientes”.
Acrescentou ainda que o seu pai andou doente, com problemas numa anca.
A testemunha Ana Alexandra Santos Almeida, irmã da nora do oponente, declarou que a abertura da A29 retirou clientela ao restaurante, e que o oponente andou doente de uma anca. Esclareceu que no restaurante do oponente, além da sua família, trabalhava uma cozinheira e mais um trabalhador.
A testemunha Inês Catarina Santos Almeida, nora do oponente, declarou que entre 2000 e 2003 ocorreu uma quebra da clientela ao restaurante, e que o oponente teve problemas de saúde. Esclareceu que naquela zona abriram outros restaurantes, e declarou não saber se o oponente pediu a insolvência da sociedade ou se cessou actividade.

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), importa aditar a seguinte factualidade à matéria de facto dada como assente, por se mostrar pertinente e essencial para a apreciação do presente recurso:

16. A dívida exequenda de IRC, e respectivos juros, referente ao período de 01/01/2000 a 31/12/2000, tinha como data limite de pagamento voluntário 01/10/2001 – cfr. certidão de dívida n.º 2001/01511081 a fls 2 do processo de execução fiscal apenso.
17. A dívida exequenda de IVA, referente ao período de 01/04/2001 a 30/06/2001, tinha como data limite de pagamento voluntário 16/08/2001 – cfr. certidão de dívida n.º 2002/0026687 a fls 90 do processo de execução fiscal apenso.
18. A dívida exequenda de IRC, e respectivos juros, referente ao período de 01/01/2001 a 31/12/2001, tinha como data limite de pagamento voluntário 30/09/2002 e 18/03/2003, respectivamente – cfr. certidão de dívida n.º 2002/0139920 a fls 92 do processo de execução fiscal apenso.
19. A dívida exequenda de IVA, referente ao período de 01/04/2002 a 30/06/2002, tinha como data limite de pagamento voluntário 16/08/2002 – cfr. certidão de dívida n.º 2003/0096974 a fls 94 do processo de execução fiscal apenso.
20. A dívida exequenda de IVA, referente ao período de 01/10/2003 a 31/12/2003, tinha como data limite de pagamento voluntário 18/02/2004 – cfr. certidão de dívida n.º 2004/0134055 a fls 97 do processo de execução fiscal apenso.
21. A dívida exequenda de IRC, e respectivos juros compensatórios e de mora, referente ao período de 01/01/2002 a 31/12/2002, tinha como data limite de pagamento voluntário 04/02/2004 – cfr. certidão de dívida n.º 2004/0027861 a fls 99 do processo de execução fiscal apenso.
23. Em 09/10/2008, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira a transmissão da quota de S… a favor de H…– cfr. certidão permanente ínsita a fls. 68 e 69 do processo de execução fiscal.
24. Em 13/03/2009, foi registada na mesma Conservatória a cessação de funções de S…, por renúncia à gerência em 15/04/1998 – cfr. a mesma certidão.

Corrige-se, ainda, o ponto 13, por enfermar de lapso de escrita, passando a ter a seguinte redacção:
13. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 54/56, datado de 7/3/2006, que consubstancia uma declaração de alterações, em sede de IVA e de Imposto sobre o Rendimento, relativa à sociedade comercial “P..., Lda.”, CF nº 5..., somente apresentando preenchido o campo 19., tendo em vista a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC, que ostenta no campo destinado à assinatura do legal representante “H…”.

2. O Direito

O recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida, com o fundamento de que a situação presente deveria ser subsumida na previsão da alínea a) do n.º 1, do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), e não da alínea b) do mesmo dispositivo legal, uma vez que todas as dívidas ocorreram no exercício do cargo de gerência do oponente, ora recorrente, que ninguém pôs em causa. Sendo o regime no qual se poderia ter fundado a responsabilidade pelas dívidas exequendas o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, para ser efectivado, pressupunha que a Administração Tributária (incluindo a Representação da Fazenda Pública) demonstrasse, e não o fez, a culpabilidade do oponente, ora recorrente, consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC, referentes a 2000, 2001 e 2002 e de IVA, relativas aos anos de 2001 a 2003.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo a dívida exequenda referente aos anos de 2000 a 2003, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício (alínea a)) ou vencidas no período do seu mandato (alínea b)).
Como se relatou no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 10.10.2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: “Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN, de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.”
Ou seja, no que se refere à alínea a) deste preceito legal, “para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (...) De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. )” – cfr. acórdãos deste TCAN, de 29.10.2009, proc. n.º 228/07.2BEBRG e de 11.01.2013, proc. n.º 630/06.7BEPNF.
Portanto, na reversão efectuada com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT opera a regra geral do ónus da prova do artigo 342.º do Código Civil, recaindo sobre a Administração Tributária o encargo de provar a culpa dos administradores ou gerentes pela insuficiência do património.
No caso dos autos, a Administração Tributária fundamentou a reversão no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT – cfr. fundamentação constante do despacho de reversão e fundamentos que acompanharam a citação.
A matéria de facto apurada e fixada na sentença recorrida, como vimos, não se apresentava suficiente para decisão da questão colocada de saber se ao caso é aplicável a alínea a) ou a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT. Na medida em que não constava o prazo para pagamento voluntário dos tributos em causa na factualidade assente, não permitindo apreciar o presente recurso e concluir se o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias terminou no período do exercício do cargo de gerente do ora recorrente.
Com o aditamento efectuado, ficou estabilizada a matéria de facto, não se apresentando como controvertido que o oponente, ora recorrente, sempre exerceu a administração da sociedade devedora originária. Aliás, como refere nas suas alegações de recurso, ninguém pôs em causa que todas as dívidas ocorreram no exercício do cargo de gerência do oponente, ora recorrente. Saliente-se que tal não é apenas válido para os anos de 2000 a 2003, mas também para os seguintes, dado que a única outra sócia renunciou à gerência em 15/04/1998, conforme registo publicitado. Acresce que, tendo este tribunal ouvido os registos dos depoimentos prestados pelas testemunhas, apesar de o terem efectuado de forma conclusiva, foram unânimes em reconduzir a gerência de facto da devedora originária ao ora recorrente.
Nesta conformidade, tendo as dívidas exequendas como data limite de pagamento voluntário 01/10/2001, 16/08/2001, 30/09/2002, 16/08/2002, 18/03/2003, 04/02/2004 e 18/02/2004, não residem dúvidas que o prazo legal de pagamento terminou no período do exercício do cargo de gerente do ora recorrente.
Deste modo, à reversão em causa aplica-se o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, uma vez que resulta assente dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias ocorreu no período do exercício do cargo de gerente pelo oponente e ora recorrente. E, assim, o gerente, ora recorrente, é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
Reitera-se que à reversão em causa se aplica a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e não a invocada alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito, como defende o recorrente; pelo que o enquadramento efectuado pela Administração Tributária e na decisão recorrida se mostra legal. Assim sendo, o ónus da prova da culpabilidade que o recorrente imputa à Administração Tributária não é aqui aplicável, aplicando-se antes o pressuposto da reversão e a presunção de culpa que funciona a favor da Administração Tributária. Donde, toda a argumentação que envolve a pretensão de aplicar ao caso concreto o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT se apresenta inócua.
Assim sendo, e sem necessidade de ulteriores considerações, há que concluir pela improcedência destas conclusões da alegação de recurso, dado que o recorrente não logrou ilidir a presunção de culpa. Tanto mais, conforme consta da sentença recorrida, que, estando também em causa dívidas de IVA, atendendo ao mecanismo a que obedece este imposto - uma vez que o IVA arrecadado e entregue por terceiros não é receita própria da sociedade, havendo a obrigação de ser entregue ao Estado, não se vislumbra como pudesse o gerente, ora recorrente, ilidir a presunção de culpa e demonstrar não lhe ser imputável a falta de pagamento do imposto somente com fundamento na profunda crise no sector da restauração e na modificação das condições do mercado em que a sociedade actuava. Tratam-se de facturas emitidas, em que foi liquidado o IVA, entregue por terceiros; logo, estas quantias referentes a IVA tinham que existir disponíveis na sociedade.
Nestes termos, havendo presunção legal de culpa do gerente de facto, ora recorrente, por falta de pagamento das dívidas no período da sua gerência, o despacho de reversão não enferma de insuficiência de fundamentação, dado que o recorrente somente colocou a tónica na “culpa”. Note-se que o despacho de reversão expressamente refere o normativo legal ao abrigo do qual vai operar a reversão – artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT – e o ora recorrente não logrou alegar e provar factos susceptíveis de ilidir a sua presunção de culpa.
Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea b), impõe-se esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi, como nem sequer apresentou quaisquer meios de prova capazes de ilidir tal presunção de culpa.
Na alínea b) do referido artigo 24.º, ao responsabilizar-se os gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios, que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, o Acórdão deste TCAN, de 23/11/11, proferido no âmbito do processo n.º 00972/09.0 BEVIS.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Neste domínio, cabe ter presente que a culpa traduz-se na falta do cumprimento diligente das obrigações a que o ora recorrente estava adstrito por força das suas funções de gerente da devedora originária, sendo que se a executada foi objecto de penhora de bens pela Administração Tributária, foi exactamente porque as obrigações em relação ao fisco não foram cumpridas atempadamente, além de que se os bens da devedora originária são entretanto insuficientes para o pagamento das respectivas dívidas é porque o seu património foi dissipado em prejuízo dos credores.
Sendo assim, como é, estando demonstrado que a situação de insuficiência patrimonial foi antecedida do incumprimento de obrigação em relação ao fisco, afirma-se o apontado nexo de causalidade entre a actuação negligente do gerente e a insuficiência do património social, de modo que, tem de acompanhar-se a decisão recorrida quando conclui estar demonstrada a culpa do ora recorrente na insuficiência do património da executada originária para a satisfação das dívidas tributárias revertidas, sendo que, por outro lado, na presente oposição, o oponente não conseguiu pôr em causa tal presunção, pelo que improcede a alegação da ilegitimidade do recorrente para a execução fiscal.
Daí que, na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

O recorrente suscita, ainda, a questão da prescrição das dívidas exequendas respeitantes a IRC, dos anos de 2000 e 2001, e a IVA, períodos 0106T e 0206T, uma vez que a citação do responsável subsidiário foi efectuada em 15/11/2010, ou seja, ocorreu após o 5.º ano posterior ao das liquidações.
Ora, como é sabido, os recursos jurisdicionais, salvo o dever de conhecimento oficioso, que é o caso, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação. Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01/06/2005, proferido no âmbito do processo n.º 28/05.
Na verdade, a prescrição é do conhecimento oficioso – artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - pelo que pode ser conhecida por este Tribunal de recurso, apesar de não ter sido arguida perante o Tribunal recorrido na oposição deduzida contra a execução fiscal, que sobre ela não se pronunciou.
No entanto, o dever de conhecimento oficioso desta questão em fase de recurso pelo Tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., página 26).
Diga-se, desde já, que junto aos autos apenas existe uma cópia do processo de execução fiscal e apensos, encontrando-se o respectivo original no serviço de finanças competente. Por um lado, não se vislumbra a data em que se terá procedido à citação da responsável originária. Por outro lado, desconhece-se a existência de outros factos interruptivos, além da citação do responsável subsidiário (relevante no regime previsto na LGT a partir de Julho de 1999), ou seja, não existe qualquer informação nos autos quanto ao facto de estar, eventualmente, a ser discutida a legalidade das dívidas, seja em meios graciosos, seja judiciais, maxime por via de impugnação judicial. Desconhece-se, igualmente, se existe algum processo de regularização tributária ou causas suspensivas da prescrição.
Manifestamente, este tribunal não se encontra em condições plenas e com informação integral para decidir com a segurança e certezas exigíveis a verificação de eventual prescrição de parte das dívidas, conforme solicitado.
De todo o modo, o recorrente não fica desacautelado quanto a esta questão, dado que pode sempre suscitá-la junto do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 175.º do CPPT, e, em caso de indeferimento, poderá então recorrer judicialmente.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

Conclusão/Sumário

1. Resultando da factualidade assente que o final do prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data contemporânea ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (e não a alínea a) do mesmo preceito).
2. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária, mas nos termos da alínea b) do mesmo preceito existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
3. Operada a reversão nos termos da referida alínea b), desacompanhada da ilisão da presunção da culpa por parte do oponente, pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, o ora recorrente apresenta-se como parte legítima na execução.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 29 de Janeiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves