Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01590/16.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/01/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA; NULIDADE PROCESSUAL; ATO ADMINISTRATIVO SOB CONDIÇÃO; INIMPUGNABILIDADE; CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO.
Sumário:
I- A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia [art. 668º nº 1 d) do CPC], traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 607º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só ocorre quando o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
II- A prescrição do procedimento administrativo enquanto causa de pedir eleita pelo Autor no âmbito de ação administrativa com vista à invalidação do ato impugnado não consubstancia a invocação de qualquer matéria excetiva em sede contenciosa, mas apenas eventual vício assacado ao ato impugnado, que, a verificar-se, importará a sanção de invalidade do mesmo.
III- As nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível.
IV- A lei não prescreve a prolação de despacho, quer a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes, quer a fundamentar a não realização de audiência prévia por se afigurar clara a procedência de exceção dilatória, pelo que a omissão da prática destes não faz incorrer o processo em nulidade processual.
V- Estando o ato administrativo sujeito a condição suspensiva, e não se verificando o preenchimento dessa condição, o mesmo não se converte em definitivo, não produzindo os seus efeitos, sendo, por isso, inimpugnável, não começando o prazo de 3 meses para interpor a ação administrativa a contar a partir da prática deste ato. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AASCMS
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
AASCMS, devidamente identificada nos autos, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 16.05.2017, proferido no âmbito da ação administrativa que a Recorrente intentou contra o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P, que julgou procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato sindicado e de caducidade do direito de ação, e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Em alegações, a Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:
“(…)
A. É nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art.º 615°, nº. 1 al. d) do C.P.C.), devendo a mesma decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (art. 95° do CPTA).
B. A douta sentença proferida entendeu qua cumpria apreciar apenas duas questões: a inimpugnabilidade deste "acto" e a caducidade do direito de agir.
C. A sentença recorrida olvida que a A./recorrente alegou questões sobre as quais o Tribunal não se pronunciou, tendentes a afastar a julgada inimpugnabilidade do acto e a caducidade do direto de agir, bem como sobre a exceção da prescrição e a preterição de formalidades essenciais do acto que o inquinam de forma irremediável.
D. A exceção de prescrição é uma exceção perentória (art. 89º CPTA), que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que o Tribunal devia ter conhecido, porque invocada pela A./recorrente na sua p.i. (art. 579° do C.P.C., aplicável por remissão do art. 1° do C.P.T.A e art. 303° do C.C.).
E. A procedência da questão da prescrição obstava ao conhecimento de todas as outras questões levantadas, daí que deveria ter sido conhecida em primeiro lugar.
F. Não podia o Tribunal recorrido deixar de conhecer a exceção de prescrição expressamente invocada pela A./recorrente, verificando-se por isso uma omissão de pronuncia de que resulta necessariamente a nulidade da sentença recorrida.
G. O subsídio de desemprego reclamado pela recorrida e constante do ofício recorrido reporta-se ao período compreendido entre 01.09.2001 e 15.04.2002, e o direito à restituição do valor dos prestações indevidamente pagos prescreve no prazo de 10 anos a contar da data da interpelação para restituir (art. 13º do DL 133/88 de 20/CM.)
H. A recorrente foi interpelada para restituir a quantia de 6.770,25 (pelo oficio n° 103325 de 2002.JUN.12. e ate à presente data não ocorreu qualquer facto suscetível de provocar a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrito dos art. 318 ss e do art. 323° do C.C.
I. Não se verificou nenhuma das causas de suspensão do prescrito (art. 318 do C.C.), nem a recorrente foi citada ou notificada judicialmente de qualquer acto que pudesse exprimir direta ou indiretamente a intenção do Réu de exercer o seu direito.
J. Não tendo ocorrido qualquer facto suspensivo ou interruptivo da prescrição desde a data da interpelação da A. para restituir o valor de 6770,25, (em 2002.JUN.12), a prescrição do direito do Réu ocorreu 10 anos após esta data (em 2012.JUN.13).
K. É ainda nosso entendimento prazo de prescrição é de 5 anos e não 10 anos.
L. Com a entrada em vigor da Lei 17/2000 de 8/8 (Bases do Sistema de Segurança Social) em 08/02/2001, o prazo de prescrição foi reduzido para 5 anos (art. 63, n° 2) prazo esse que se manteve com Lei de Bases do Sistema de Segurança Social instituído pela Lei 32/2002 de 20/12, que prescreve igual prazo de 5 anos no seu art. 49º e que continua a vigorar por força da actual Lei de bases aprovada pela Lei 4/2007 de 16/07, e mais recentemente pelas Leis 110/2009 de 16.09, alterada pela Lei 119 /2009 de 30. 12, pelos DL n.ºs. 140-8/2010 de 30.12, Lei 55-A/2010 de 31.12, Lei 64-B/2011 de 30.12, Lei 22 e a recentemente Lei nº. 83-A/2013, de 30.12, que continuou a manter o prazo de prescrição das contribuições para a segurança social em 5 anos.
M. A lei em vigor à data em que as prestações eram alegadamente devidas (2001 a 2002) estabelecia, tal como a lei atual, um prazo de prescrição de 5 anos (art. 63°), sendo que as prestações prescrevem no mesmo prazo para os contribuintes (art. 69º).
N. Não pode ainda recorrida invocar o Dec. Lei 133/88 de 20.04 para sustentar que, embora a obrigação de pagamento da prestação social já tenha prescrito, a obrigação de restituição não.
O. Tal interpretação seria absolutamente inconstitucional porque violadora de direitos, liberdades e garantias, no suo vertente de criação de Segurança Jurídica.
P. A interpelação para restituir as prestações de subsídio de desemprego foi notificada à A. pelo ofício 103325 de 2002/06/12, há mais de 14 anos, pelo que, não pode considerar-se que o prazo de prescrição de restituição seja de 10 anos, quando a obrigação em si já prescreveu ao final de 5 anos.
Q. Tal entendimento e absolutamente inconstitucional e deixa o cidadão à mercê da entidade administrativa que, apesar da obrigação já se encontrar prescrita, deixa o contribuinte numa situação de incerteza e insegurança Jurídica.
R. O DL n°. 133/88 de 20.04, só pode ser entendido em conjugação com a lei vigente àquela data e em 1988 (data do referido DL 133/88) e ate 2000, as contribuições, quotizações, prestações ou obrigações à segurança Social estavam sujeitas ao prazo prescricional de 10 anos, (art. 14° do Dec. Lei n°. 103/80, de 9 de Maio, e no Lei n°. 28/84, de 14 de Agosto), mas, com a entrada em vigor do Lei n°. 17/2000, de 08.01, esse prazo foi reduzido para 5 anos (art. 63°, n°. 2), prazo esse que se manteve com as alterações legislativas seguintes.
S. Não pode o Dec. Lei 133/88 de 20.04, ate pelo princípio da prevalência de lei, dispor em sentido contrário o Lei de Bases da Segurança Social. nem pode, alento o princípio da legalidade e prevalência de lei, o Regime Jurídico da Proteção no Desemprego ou qualquer outra lei reguladora da matéria como o DL nº.. 133/88 de 20.04, estar em contradição com o disposto na C.R.P.
T. A aplicação do DL nº. 133/88 de 20.04 a situação sub judice e violadora dos direitos e garantas constitucionalmente consagrados a recorrente, criando no ordenamento uma situação de insegurança e incerteza jurídica.
U. Violou igualmente o ato administrativo recorrido o princípio da prossecução do interesse publico e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, (art. 4º. do C.P.A).
V. A sentença padece ainda de nulidade por preterição de formalidades processuais essenciais, já não foi realizada qualquer audiência prévia nos termos do art. 87°-A do CPTA, nem proferido despacho saneado pronunciando-se sobre as exceções invocadas.
W. Não houve qualquer despacho no sentido de dispensar a realização de diligências de prova, por as considerar desnecessárias, ou então, notificadas as partes para deduzirem alegações finais. (art. 91° CPTA), o que constitui um atropelo pelos trâmites processuais que só poderão culminar no nulidade da sentença final.
X. Considerou a sentença recorrida que o ato administrativo impugnado (ofício 032363 01.JUN.2016) era inimpugnável, tendo caducado por isso o direto de ação do recorrente e pugnou que o único ato que serio impugnável era a "decisão" que remontava a 2002, sendo certo que, nenhuma decisão e muito menos definitiva e executória foi tomada em 2002.
Y. Em Junho de 2002 a A./recorrente foi notificada do ofício 0998302002. JUN.06. para no prazo de 10 dias a contar da sua receção, responder por escrito. com elementos que pudessem obstar a decisão de cessação, sob peno de cessação do direito a prestação de subsídio de desemprego.
I. Este ofício consubstancia uma proposta de decisão, e não uma decisão, sendo que a recorrente por carta registada com A/R enviada em 7.06.2002 elaborou a sua defesa.
AA. Em Junho de 2002. a A./recorrente recebeu a guia de reposição nº. 103325, datada de 2002.JUN.12, para a restituição do subsídio de desemprego compreendido entre 01 de Setembro de 2001 e 15 de Abril de 2002, do montante de 6.770.25, sem existir uma decisão ou ato administrativo definitivo em resposta ao requerimento apresentado em sede de audiência prévia.
BB. A recorrente não obteve resposta aos seus requerimentos ato que, através do ofício 154061 de 2011-05,26, foi informada de que a sua conta corrente apresentava um saldo devedor acumulado de 6.770,25€.
CC. A recorrente expos a situação ocorrida e invocou o instituto da prescrição, conforme requerimento remetido por carta registada em 14.11.2011.
DD. Não recebeu qualquer dicção administrava definitiva relativa a sua situação e que tenha ordenado o cancelamento ou cessação da prestação de subsídio de desemprego com efeitos a partir de 01.09.2001.
EE. O ato administrativo (ofício 099830, de 2002JUN06) - que o Tribunal recorrido considerou impugnável - contem apenas um ato sob condição, ato este de eficácia diferida (art. 129°, al. b) do C.P.A. (atual art. 157 CPA), porque sujeito a uma condição ou termo suspensivo.
FF. Tenda a recorrida notificado a recorrente de que haveria lugar a cessação do direito da prestação se no prazo de dez dias uteis a contar da data da recepção do ofício não desse entrada de resposta escrita com elementos qua pudessem obstar a referida cessação, juntando meios de prova e tendo a recorrente respondido aquele ofício, pugnando pelo seu indeferimento, nunca o ato poderia ser contenciosamente impugnável.
GG. O início dos efeitos daquele ato só se desencadeariam após a verificação da condição, que correspondia a falta de apresentação de resposta escrita par parte da beneficiária, condição esta que não se verificou, par a recorrente ter apresentado efetivamente a sua resposta escrita.
HH. Partiu erradamente o Tribunal recorrido do pressuposto que aquele ato se converteu em definitivo e que produziu os seus efeitos na esfera jurídica da recorrente (eficácia externa) e seria sindicável ou impugnável contenciosamente, o que não sucedeu, nem podia.
II. Ao não se converter em definitivo, nem revestir eficácia externa, produzindo os seus efeitos na esfera Jurídica do recorrente, o que se verifica é que não caducou o direito de ação ou decorreu o prazo de impugnação do ato, já que este prazo para exercício do direito de ação nunca chegou a ter inicio.
JJ. O ato administrativo (ofício 032363 O1.JUN.2016), o único que produz efeitos imediatos na esfera Jurídica do recorrente e a afecta de forma grave, sendo efetivamente impugnável.
KK. Contando-se o prazo para exercício do direito de ação (90 dias) a partir da notificação a recorrente desse mesmo ato, o que se verifica e que na data em que a presente ação foi intentada, não havia caducado o direto de ação, sendo o ato perfeitamente impugnável.
LL. Do próprio ato administrativo recorrido consta que "a partir do dia útil seguinte ao da recepção deste oficiou se inicia a contagem dos prazos de 3 meses para recorrer hierarquicamente da decisão tomada e 3 meses para recorrer contenciosamente, prazo que se suspende caso tenha recorrido hierarquicamente, daí o mesmo ser absolutamente impugnável.
MM. Mostrando-se o ato administrativo datado de 01.JUN.2016, tendo sido recebido pela recorrente em 06/06/2016, e a presente ação apresentada em juízo em 02.09.2016, não se verifica qualquer caducidade do direto de agora, (art. 58°, nº. 2 al. b) do CPTA).
NN. Não se pronunciou ainda o Tribunal recorrido sabre o facto de a recorrida ter ignorado o contraditório exercido pelo recorrente, nos seus requerimentos, nem a ter notificado de qualquer decisão em que tenho determinado a revogação ou cessação das prestações de subsidio de desemprego.
OO. Ao não tomar qualquer decisão definitiva acercado cessação ou revogação dos prestações, limitando-se a pedir a restituição da quantia de 6.770,25€, violou a recorrida o art. 93° do C.P.A.
PP. A Segurança Social não só não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo recorrente nos seus requerimentos, assim como não tomou uma decisão concreto quanto a questão da cessação ou revogação das prestações de subsídio de desemprego, limitando-se a interpelar a A. para o restituição.
QQ. A falta de análise e consideração da defesa equivale necessariamente a sua falta de audição, que invalida e torna manifestamente ilegal e irreparável o ato administrativo.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ser julgado procedente nos termos dos conclusões referidas supra e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida.
com o que se fará inteira JUSTIÇA.
(…)”
*
Notificada que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, a negar a existência de qualquer nulidade da decisão recorrida.
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, cumpre conhecer as questões suscitadas: (i) nulidade da sentença sub judice por omissão de pronúncia, em violação dos artigos 615º, n.º 1, alínea d) do CPC; (ii) nulidade de sentença, por preterição de formalidades processuais essenciais; e (iii) erro de julgamento de direito quanto à decidida inimpugnabilidade do ato e caducidade do direito de agir.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Em junho de 2002, a A. foi notificada do ofício 099830 2002.JUN.06, para no prazo de 10 dias a contar da sua receção, responder por escrito, com elementos que pudessem obstar à decisão de cessação, sob pena de cessação do direito à prestação de subsídio de desemprego, com fundamento de “Não se ter apresentada ou não ter aceite a colocação no 1ª fase de concurso distrital para o ano letivo de 01/02”;
2. A A., não concordando com o teor da fundamentação, por carta registada com AR enviada em 7 de junho de 2002 e recebida pelo Réu em 11/06/2002, elaborou a sua defesa e explicou que não correspondia à verdade que havia recusado a colocação, mas sim que, por inexperiência sua, estava o aguardar um contacto da DREN para a notificação sobre a sua colocação quando foi avisada por uma Colega de que afinal tinha sido colocada numa escola e que não recebia qualquer notificação da DREN.
3. Perante o sucedido, a A. requereu junto do Réu que fosse reavaliada a sua situação por forma a que não lhe fosse retirado o subsídio – cfr. doc. nº 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Sucede que, no mesmo mês de junho de 2002, a A. recebeu a guia de reposição n° 103325, datada de 2002.JUN.12, para a restituição do subsídio de desemprego compreendido entre 01 de setembro de 2001 e 15 de abril de 2002, do montante de 6.770,25€ constando da mesma que: “No prazo de 30 dias o contar desta guia deve repor na Tesouraria deste Centro Distrital a quantia referente ao benefício indevidamente pago (…) sob pena de cobrança coercivo nos termos do Art° 11 do Dec. Lei n° 133/88 de 20 de abril”. – cfr. doc. nº 4 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Em 14 de junho de 2002, para apresentar junto do Réu, a A. requereu ao Instituto de Emprego e Formação Profissional uma declaração onde constasse que nunca tinha recusado qualquer proposta de emprego ou faltado a qualquer convocatória do IEFP – cfr. doc. nº 5 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. A A. nunca obteve qualquer resposta aos seus requerimentos por parte do Réu até que, através do ofício 154061 de 2011-05-26, o Réu informou a A. que a sua conta corrente apresentava um saldo devedor acumulado de 6.770,25€ – cfr. doc. nº 6 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Em resposta, por intermédio do seu mandatário, a A. um vez mais explicou a situação ocorrida e invocou o instituto da prescrição, conforme requerimento remetido por carta registado em 14-11-2011 – cfr. doc. nº 7, junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. No passado dia 06.06.2016, a A. foi notificada do oficio “032363 0l.JUN.2016” do qual expressamente consta que: “Na sequência da Reclamação apresentado por V° Exa, relativamente à Nota de Reposição acima indicada no valor de 6770,25€ que não foi atendida a fundamentação invocada pelo motivo o seguir indicado(s): Recebeu subsídio de desemprego no período de 01.09.2001 a 15.04.2002. quando a prestação foi cessado por recuso de emprego pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional a partir de 01.09.2001”, conforme cópia de documento que se junta. cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. A presente ação administrativa especial deu entrada neste tribunal no dia 02.09.2016;
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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
I- Da nulidade imputada à decisão recorrida, por omissão de pronúncia
A Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea d) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Sustenta, para tanto, brevitatis causae, que o Tribunal não se pronunciou sobre a suscitada questão de prescrição da dívida constante da nota de reposição visada nos autos, que é uma exceção perentória, que, a verificar-se, obsta ao conhecimento do mérito, verificando-se, por isso, nulidade de sentença.
Quid iuris?
De acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT: cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) “As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com excepção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.
Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que o tribunal recorrido não deixou de conhecer de qualquer questão de que devesse conhecer.
Mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação da questão.
A petição inicial é a peça processual pela qual o autor propõe a ação, para tanto cabendo-lhe alegar os fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada, ou seja, “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, e concretizar quais os efeitos jurídicos que pretende fazer valer através da ação, deduzindo o respetivo pedido, ou pedidos, contra o réu [art.º 552.º 1/al. d) e e), do CPC].
Por sua vez, entende-se por causa de pedir o acto, ou facto jurídico, em que o autor se baseia para formular o seu pedido ou, noutras palavras, o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar [Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código do Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, pp. 369/375; e, Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 245].
No caso concreto, a Autora vem peticionar a invalidação “(…) do ato administrativo contido no ofício 032363, de 01.JUN.2016, da autoria da Chefe da Secção do Desemprego, Dra. Sónia Costa, do Instituto de Segurança Social (…)” do seguinte teor:” Na sequência da Reclamação apresentado por V° Exa, relativamente à Nota de Reposição acima indicada no valor de 6770,25€ que não foi atendida a fundamentação invocada pelo motivo o seguir indicado(s): Recebeu subsídio de desemprego no período de 01.09.2001 a 15.04.2002. quando a prestação foi cessado por recuso de emprego pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional a partir de 01.09.2001”,
Arrima tal pretensão impugnatória, de entre a invocação de outros vícios formais e materiais, que elencou, com base no entendimento que a dívida constante da nota de reposição visada nos autos encontra-se prescrita.
Assente o que se vem de expor, assoma como evidente que a alegada prescrição constitui apenas uma das causas de pedir invocadas pelo Autor no âmbito da ação administrativa com vista à invalidação do ato impugnado, não consubstanciando a invocação de qualquer matéria excetiva em sede contenciosa, mas apenas eventual vício assacado ao ato impugnado, que, a verificar-se, importará a sanção de invalidade do mesmo.
O que serve para concluir que não se está em presença de omissão de pronúncia, porque não se acha em causa o conhecimento de matéria excetiva de que o tribunal devesse conhecer no momento processual em que foi prolatada a sentença recorrida.
Concludentemente, a sentença recorrida não padece da assacada nulidade por omissão de pronúncia [fundada na violação dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e artigos 95.º e 71.º n.º 1 do CPTA], a qual improcede.
Uma nota final apenas para referir o óbvio, ou seja, que, em face deste julgamento, fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento da invocada prescrição da nota de reposição visada nos autos.
II- Da nulidade imputada à decisão recorrida, por preterição de formalidades processuais essenciais
Invoca ainda a Recorrente que a sentença recorrida sofre de nulidade, pois (i) não foi realizada qualquer audiência prévia; (ii) não foi proferido despacho saneador pronunciando-se sobre as exceções invocadas; (iii) não houve qualquer despacho a dispensar a realização de prova, por as considerar desnecessárias; (iv), nem sequer foram notificadas as partes para deduzirem alegações finais.
Vejamos.
Examinando a constelação argumentativa da Recorrente, resulta cristalino que não nos movemos no domínio do disposto no artigo 615º e seguintes do CPC, mas antes do ali preceituado sob os artigos 195º e seguintes, ou seja, no âmbito de nulidades processuais.
A propósito da possibilidade de arguição de nulidades processuais no âmbito do recurso jurisdicional, pode ler-se no sumário do Acórdão prolatado pelo TCAS nº 12356/1, 31.07.2015, consultável em www.dgsi.pt, “(…) É entendimento jurisprudencial corrente dos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal que as nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. n.ºs 2 e 4 do art. 615º, do CPC de 2013) e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 9.4.1997, proc. n.º 021070, 30.1.2002, proc. n.º 026653, 7.7.2004, proc. n.º 0701/04, 27.9.2005, proc. n.º 0402/05, e 6.7.2011 (Pleno), proc. n.º 0786/10, Ac. do TCA Sul de 7.5.2013, proc. n.º 06393/13, e Ac. do TCA Norte de 14.7.2014, proc. n.º 0875/10.5 BEBRG.(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nada obsta, portanto, que, em sede do presente recurso jurisdicional, se proceda ao conhecimento e decisão das arguidas nulidades processuais.
Por conseguinte, vejamos se ocorrem as invocadas nulidades processuais, consistentes, como se viu supra, na (i) falta de realização de audiência prévia nos termos da artigo 87º-A do CPTA; (ii) na falta de prolação de despacho saneador a pronunciar sobre as exceções invocadas; (iii) na falta de prolação de despacho a dispensar a realização de prova, por a considerar desnecessária; (iv), ou então, na falta de notificação das partes para deduzirem alegações finais.
Neste domínio, dir-se-á ser verificável que, no processo em análise, o Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, após resposta da Autora à matéria excetiva formulada pelo Réu, passou de imediato a apreciar e decidir as suscitadas questões prévias de inimpugnabilidade do ato sindicado e caducidade do direito de agir [tendo julgado as mesmas procedentes, consequentemente, absolvido o Réu da instância], sem que tenha dispensado, quer a (i) produção de prova testemunhal, quer a (ii) realização da audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do CPTA.
Ora, a marcha da ação administrativa encontra-se regulada nos artigos 78º e a 96º do CPTA.
Nos termos destas disposições, e para o que ora nos interessa, mais concretamente do artigo 87º do referido diploma legal, uma vez concluídas as diligências de aperfeiçoamento previstas no nº.1 do citado preceito legal, ou não sendo estas necessárias, tem lugar a realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do C.P.T.A.
Esta audiência prévia, porém, não se realiza quando seja claro que o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória [cfr. nº.1 do artigo 87-B do CPTA].
Ora, também foi isso que sucedeu no caso versado, pelo que não se impunha a realização de qualquer audiência prévia.
E, ainda que se pudesse considerar que o tribunal a quo devia ter proferido despacho a fundamentar a não realização de audiência prévia por se afigurar claro a procedência de matéria excetiva, a verdade é que lei não prescreve tal formalidade, sendo certo que, ainda que assim não fosse, a omissão de tal formalidade corresponderia, in casu, a uma mera irregularidade insuscetível de invalidar a decisão tomada, até porque foi assegurado, previamente à prolação do saneador-sentença, o contraditório sobre a matéria excetiva nele julgada, mostrando-se cumpridas, por essa via, as finalidades da audiência prévia em causa.
Sendo assim, do acabado de expor, ressuma com evidência que o presente processo não padece da invocada nulidade processual.
Idêntica conclusão é atingível no que tange ao apelo da Recorrente à nulidade processual por falta de prolação de despacho a dispensar a produção de prova.
Na verdade, compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova.
Assim, quando, após a resposta à matéria excetiva suscitada na contestação ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz, sem mais, profere decisão, é porque entendeu decidir sem que haja lugar à produção da prova.
Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela Autora não é um problema de omissão de formalidade imposta pela lei, mas sim de suficiência ou veracidade da matéria de facto considerada na sentença.
Competindo ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
Ora, como tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, «(…) a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido. Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo «se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (art. 99.º, n.º 1, da LGT)» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 8 g) ao art. 278.º, págs. 312/313.). Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos.» [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2014, proferido no processo n.º 01869/13, por mais recente, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/].
Se, por qualquer motivo, a Recorrente discorda da matéria de facto que a sentença deu por assente, então tem ao seu dispor meio processual da apelação para manifestar tal desconformidade.
Em todo o caso, a lei não prevê a prolação de decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes.
Ora, se a lei não prescreve tal despacho, não se compreende como sustentar que a falta de contraditório no que tange ao exercício de uma faculdade constitui um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade.
Recorde-se que a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido nos autos.
Por tudo isto, entende-se que a hipotética falta de despacho a dispensar a inquirição das testemunhas não constitui nulidade processual [no mesmo sentido, vd. Acórdãos do TCAN de 11 de Fevereiro de 2015, Pº 01517/07.1, de 16/12/2016, Pº n.º 00181/16.1BEMDL, do STA de 17/02/2016, pº 081/16].
Resta-nos, pois, a questão de saber se se verificam as nulidades processuais decorrentes, quer da falta de prolação de despacho saneador a pronunciar sobre as exceções invocadas, quer da falta de notificação das partes para deduzirem alegações finais.
A resposta é, também ela, manifestamente desfavorável às pretensões da Recorrente.
Na verdade, tendo sido julgada procedente a matéria excetiva suscitada nos autos, e, consequentemente, o Réu sido absolvido da instância, não há, naturalmente, lugar ao prosseguimento do processo, mormente, à produção de alegações finais pelas partes.
Acresce que mostra-se perfeitamente adquirido que a decisão judicial recorrida revestiu a forma de despacho saneador sentença.
Por conseguinte, falece a arguição da Recorrente da existência de nulidade processual por falta de verificação das ocorrências processuais em análise.
Assim sendo, por tudo o quanto ficou exposto, conclui-se ser de improceder as questões trazidas a recurso nos itens V) e W) da Recorrente.
Do imputado erro de julgamento quanto à inimpugnabilidade do ato e à caducidade do direito de agir
A decisão judicial recorrida absolveu o R. da instância por verificação das exceções dilatórias previstas nas alíneas c) e h) do artigo 89º do CPTA, ou seja, por inimpugnabilidade do ato administrativo e caducidade do direito de ação.
Fê-lo, no tocante à invocada inimpugnabilidade do ato posto em crise nos autos, sobretudo, por considerar, que “(…) O ato impugnado limitou-se a exigir a restituição de verbas, na sequência da decisão datada de 2002, essa sim, potencialmente, impugnável. No fundo, este “acto” só extrai consequências praticas do anterior, mas não inova, por si só, na produção de efeitos na esfera jurídica da Autora (…) Sem mais considerações, porque desnecessárias, cumpre considerar que o acto sindicado se mostra inimpugnável, devendo ser o Réu absolvido da instância (…).
Já no que concerne à suscitada caducidade do direito de ação, fê-lo por entender, essencialmente, que: (…) Nos termos que acima se deram como provados, retira-se que a Autora já em 2002 havia tido conhecimento do acto em crise, optando por fazer exposição aos serviços do Réu na esperança de ver a solução resolvida por essa via. Apenas em 2011, quando constata existir um salvo devedor em seu nome, resolve, através do seu mandatário, fazer exposição, insistindo na alegada prescrição dos créditos. Novamente, volta a não ter qualquer resposta. Até que em 2016 recebe ofício informando-a de que deverá liquidar a quantia em dívida. A Autora em 2002 teve conhecimento do sentido da decisão proferida e que definiu a sua situação. Apresentou, no entanto, algo que se assemelha a uma reclamação. A qual não teve resposta. Quando muito, poder-se-ia dizer que com a interposição desta reclamação se suspenderam os prazos para impugnar contenciosamente a decisão proferida (art° 59º, n.º 4, do CPTA), para voltar a correr volvidos 30 (trinta) dias úteis (art.º 72° e 165° do CPA), data em que ocorreu o termo do prazo legal para ser proferida decisão uma vez que o citado art° 59, n° 4, do CPTA, apenas suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal (ou seja, com a verificação de qualquer destes factos que ocorrer em primeiro lugar, acrescido dos 8 dias referidos no art° 69 do CPA, no caso do último) (…) Ora: Como estamos a lidar com dois prazos, um contado em meses (3 meses) e outro em dias (30 dias) (e por força da necessidade de contabilização da suspensão dos prazos na s férias judiciais), ter-se-á de transformar o de meses em dias (90 dias) para que tudo se possa compatibilizar. Fora a sobredita “reclamação” (e o decurso das férias judiciais), não se verificou qualquer outro facto com virtualidades suspensivas. Assim sendo, teremos de concluir que esta acção, ao ser interposta mais de 14 (quatro) anos depois, foi muito para além do prazo de 3 (três) meses em que os vícios geradores de anulabilidade podiam ser suscitados. Atento o supra referido e os normativos citados, será de julgar procedente, também, a exceção de caducidade do direito de agir, absolvendo-se o Réu da instância em conformidade (…)”.
Discordando desta decisão judicial, a ora Recorrente imputa-lhe erro de julgamento, pois entende, no mais essencial, que o ato contido no ofício “099830 2002.JUN.06” [cfr. ponto 1. do probatório] - que o tribunal a quo considerou impugnável - contém apenas um ato sob condição suspensiva, que não se verificou no caso concreto, pelo que não se converteu em definitivo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica da Recorrente, de forma que não caducou o direito de ação ou decorreu o prazo de impugnação já que este prazo nunca se iniciou.
Ora, diga-se, desde já, que assiste inteira razão à Recorrente nos fundamentos de impugnação que aduz.
Na verdade, cabe notar que dimana do probatório, para o que ora nos interessa, que, em junho de 2002, a Recorrente foi notificada do ofício “099830 2002.JUN.06”, para no prazo de 10 dias a contar da sua receção, responder por escrito com elementos que pudessem obstar à decisão de cessação, sob pena de cessação do direito à prestação de subsídio de desemprego, com fundamento de “Não se ter apresentada ou não ter aceite a colocação no 1ª fase de concurso distrital para o ano letivo de 01/02”.
Ora, do circunstancialismo fáctico ora evidenciado destaca-se a “certeza férrea” que a falta de resposta por parte da Recorrente com elementos que pudessem obstar à projetada tomada de decisão era uma pré-condição à prolação da decisão de cessação do direito à prestação de subsídio de desemprego.
Quer isto tanto significar que o ato contido no ofício “099830 2002.JUN.06” integrava um ato administrativo sujeito a condição suspensiva.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo editado em 14.12.2005, no processo n.º 0940/04, consultável em www.dgsi.pt:” (…) o acto sob condição suspensiva não produz efeitos jurídicos antes da ocorrência dessa condição, podendo, no entanto, ser impugnado, nas circunstâncias do artigo 54.º do CPTA (…)”.
Posição que se desenvolveu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 23.09.2016, no processo nº. 2733/13.2BEPRT:”(…) Sintomaticamente, é o próprio artigo 54.º, n.º 1, do CPTA, que refere que “os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos”. Como se decidiu no Acórdão do Colendo STA, nº 0968/06 de 22.03.2007 “Simplesmente, quando assim prescreve está obviamente a referir-se à notificação de um ato normalmente dotado de plena eficácia, como acontece, por via de regra, com todos os atos (art. 127.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPA). Não podia, neste sentido, estar a comprometer um ato que ainda não era plenamente eficaz devido à falta de um fator ligado à existência de uma condição suspensiva”. A eficácia de um ato só se alcança com a verificação da condição, sendo que, só a partir desse momento se poderá considerar tal ato como plenamente eficaz, designadamente para efeitos de consideração do termo inicial do prazo de caducidade. Como lapidarmente se sumariou no Acórdão do Colendo STA nº 025686, de 28-05-1991, aqui necessariamente aplicado mutatis mutandis, “Estando o ato recorrido sujeito a condição suspensiva, o prazo para a interposição do recurso contencioso conta-se a partir do momento da notificação em que opera o evento condicionante” (…)”.
Munidos destes ensinamentos jurisprudenciais, há que olhar para o caso concreto e indagar se operou [ou não] plenamente a condição suspensiva aposta no ato contido no ofício de 2002.
A resposta é, inelutavelmente, negativa, pois o probatório mostra-nos que, na sequência da notificação do visado oficio de 2002, a Recorrente, não concordando com o teor da fundamentação, por carta registada com AR enviada em 7 de junho de 2002 e recebida pelo Réu em 11.06.2002, elaborou a sua defesa, explicando que não correspondia à verdade que havia recusado a colocação, mas sim que, por inexperiência sua, estava o aguardar um contacto da DREN para a notificação sobre a sua colocação quando foi avisada por uma Colega de que afinal tinha sido colocada numa escola e que não recebia qualquer notificação da DREN, requerendo, por isso, que o Réu se dignasse avaliar e alterar o estado de incumprimento do seu processo.
Deste modo, e à luz da jurisprudência enunciada, haverá que se entender que, não se tendo verificado o preenchimento daquela condição, o ato contido no ofício “099830 2002.JUN.06” não se converteu em definitivo, não produzindo os seus efeitos na esfera jurídica da Recorrente, sendo, por isso, inimpugnável.
Acontece que, não obstante a manifesta ausência de decisão plenamente eficaz de cessação do subsidio de desemprego, os serviços operativos do Réu agiram como se assim fosse, tendo, designadamente, no mês de junho de 2002, remetido à Recorrente a guia de reposição n° 103325, datada de 2002.JUN.12, para a restituição do subsídio de desemprego compreendido entre 01 de setembro de 2001 e 15 de abril de 2002, do montante de 6.770,25€, mais tendo informado a Recorrente, por ofício datado de 26.05.2011, que a sua conta apresentava um saldo devedor acumulado de 6.770,25 €.
Sendo essa a certeza resultante dos autos, não se poderá deixar de entender que esta atuação, por se basear em ato inexistente, é plenamente ineficaz quanto à esfera jurídica da recorrente.
O que nos direciona para o único ato administrativo “verdadeiramente digno” dessa definição, devidamente identificado no ponto 8. do probatório coligido no presente aresto, que consubstancia uma tomada de posição da Administração no que tange a uma reclamação apresentada pela Recorrente da guia de reposição n° 103325, datada de 2002.JUN.12.
Produzindo este ato os seus efeitos jurídicos na esfera de interesses da Recorrente, o mesmo era passível de impugnação contenciosa - como o foi nos presentes autos – estando, todavia, sujeito à disciplina jurídica constante do artigo 58º do C.P.T.A., nos termos da qual a presente ação teria que ser proposta no prazo de 3 meses contados da respetiva notificação do mesmo.
Neste domínio, cumpre salientar que a Recorrente foi notificada deste ato no dia 06.06.2016, pelo que, começando naquela data a contagem do aludido do prazo de 3 meses para a Recorrente propor a presente ação, este prazo terminou no dia 06.09.2016.
Assim sendo, à data de 02.09.2016, data em que se considera interposta a ação administrativa, ainda não havia caducado o correspondente direito da Autora, aqui Recorrente, de interpor a referida ação, por não se mostrar esgotado o prazo para o seu exercício.
É tempo, pois, de concluir, perante a evidência da (i) inimpugnabilidade do ato contido no ofício de 2002, da (ii) impugnabilidade do ato administrativa posto em crise nos autos, e da (iii) manifesta tempestividade da interposição da ação em juízo, pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, que, assim, se não pode manter.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento integral ao presente recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e determinada a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.
Custas a cargo do Recorrido, ficando este, porém, exonerada do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
Notifique-se.
Porto, 01 de fevereiro de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco