Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02526/09.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:FACTO CONCLUSIVO;
IVA; INCIDÊNCIA;
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FORNECEDORES
Sumário:I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito.
II. Ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artigo 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito) o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, devendo hoje continuar a entender-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam, desprovidos de juízos conclusivos e/ou matéria de direito.
III. Não tendo sido provadas concretas e individuais prestações de serviços a título oneroso aos fornecedores do grande retalhista, não estão reunidos os elementos do conceito de prestação de serviços onerosa apara efeitos de tributação em IVA segundo os artigos 1º nº 1 alª a) e 4º do CIVA.
IV. A AT não pode tributar com IVA, de modo generalizado e in bloco, o valor dos descontos de fornecedores que, segundo um contrato de condições gerais de fornecimento, teriam contrapartidas em serviços diversos de promoção e distribuição e outros, junto dos clientes, relativamente aos produtos fornecidos.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A..., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou procedente a impugnação judicial intentada por "A..., SA" (Recorrida) contra as liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2005, no valor global de € 391.857,27, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2005 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 391.857,27.
B. A Douta sentença objeto do presente recurso elegeu como questão a decidir a de saber se os valores debitados aos fornecedores da Impugnante, a título de “cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade preço”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente”, são qualificados como descontos de quantidade, tese defendida pela Impugnante ou, em contrapartida, devem ser qualificados como contrapartida de prestação de serviços, tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
C. Na fundamentação da decisão, o Tribunal a quo, depois de fixar a matéria dada como provada, deu como factos não provados que os valores debitados pela "A..., SA" e "D" correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras, sustentando a sua defesa no julgamento/apreciação que fez do depoimento testemunhal que, tal como é referido na sentença, foi fundamental para elucidar, clarificar e valorar o conteúdo dos documentos juntos aos autos, concluindo, na fundamentação de direito, que os valores debitados pela Impugnante aos fornecedores constituem descontos sobre compras e não, como defende a AT, prestações de serviços, considerando, nessa conformidade, ilegais as liquidações efetuadas.
D. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública (FP) conformar-se com o doutamente decidido, porquanto discorda das conclusões e respetiva fundamentação quanto à qualificação das rubricas “cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade preço”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente” como descontos de quantidade, discordando, também, dos factos dados como não provados, o que conduz a erro de julgamento de facto e de direito determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere a impugnação judicial improcedente. Improcedendo a impugnação judicial, improcede, também, a peticionada indemnização por prestação de garantia indevida, o que ora se requer para todos os efeitos legais.
E. No caso sub judice, foi com base no depoimento testemunhal e com as explicações dadas nesse depoimento, que o Tribunal a quo formou a sua convicção de que o descritivo nos Contratos Gerais de Fornecimento (CGF) não são, propriamente, serviços prestados mas antes, designações genéricas que consubstanciam descontos de quantidade, sendo essas designações meras fórmulas que permitem, internamente, gerir os descontos atribuídos a cada fornecedor e permitir aos comerciais justificar o acréscimo de rappel concedido pelos fornecedores.
F. De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do Código do IVA, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens. O conceito de prestação de serviços ali estabelecido, não corresponde, à semelhança com o que sucede a nível de transmissão de bens, à definição civil de prestação de serviços, segundo a qual se trata do contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – art.º 1154.º do Código Civil (CC)
G. Tendo em conta a natureza do IVA como um imposto geral sobre o consumo, o conceito de prestação de serviços aparece com um conteúdo residual ou negativo. A incidência do IVA ganha, assim, uma vocação de universalidade. A vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa atividade económica, deverá existir um consumo (Celorico Clotilde Palma, in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª Edição, julho de 2011, pags. 71 a 73).
H. Por outro lado, tendo o conceito de prestação de serviços um caráter residual, a prestação tem que ser efetuada a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. E relativamente ao valor tributável, o art.º 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
I. Entende-se por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço; a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa (Patrícia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do IVA e ao Regime do IVA na Transções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pags. 255 e 256).
J. A mesma Autora, na obra citada, a pags. 256 e 257, refere que a contraprestação foi definida pelo TJ (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conforme alusão às siglas utilizadas na obra, a pags. 22) no acórdão batatas holandesas como devendo ser real e efetiva, suscetível de avaliação pecuniária e de apreciação subjetiva. Mais refere que o conceito pode configurar-se com recurso a quatro elementos:
a) Em primeiro lugar, é necessária a efetiva obtenção de um bem ou direito, mediante um intercâmbio real de prestações;
b) Em segundo lugar, a contraprestação deve ser suscetível de determinação pecuniária, ainda que a contraprestação seja em espécie, caso em que o valor deve ser convertível em unidades monetárias;
c) Em terceiro lugar, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo direto que vincule a prestação e a contraprestação efetuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve igualmente ser direto (a contraprestação deve inserir-se num acordo de vontades – acórdão Tolsma), e;
d) Em quarto lugar, a apreciação da contraprestação tem um cariz subjetivo, na medida em que é necessário partir dos dados reais da operação em causa, analisando o valor efetivamente recebido em cada operação individualmente considerada.2o segundo requisito foi cumprido na medida em que a Impugnante juntou os documentos (faturas) respeitantes aos serviços de publicidade do “"Grupo Desportivo ..." e “Clube de Ténis .....”, tendo sido com base nestas condições formais que a Douta sentença julgou procedente esta parte da impugnação.
K. Por outro lado, é conveniente dizer que a contraprestação não coincide exatamente com o preço dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, elencando o art.º 16.º, n.º 6 do CIVA determinadas situações que estão excluídas do valor tributável, onde se incluem os descontos, os abatimentos e os bónus concedidos.
L. Assim, os descontos, abatimentos e bónus devem ser excluídos do valor tributável sempre que estejam numa relação direta com o bem que se transmite ou o serviço que se presta.
M. Volvendo ao caso sub judice, o Tribunal a quo, valorando o depoimento das testemunhas em detrimento do conteúdo da prova documental existente nos autos, designadamente o conteúdo dos CGF e da fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), concluíu que “(...) todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao volume de compras; os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transaccionar com a Impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; inexistia correspondência direta dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transacções independentes e autonomamente facturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial”.
N. Sucede, porém, que tais conclusões mostram uma perceção errónea do conteúdo dos CGF. Na verdade, os serviços prestados (designação que entendemos ser a mais consonante com o teor dos CGF) de “cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade preço”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente” consistem em “proporcionar o acesso ao programa promocional, proporcionar o acesso à participação nas Feiras Nacionais ou Regionais, conceder condições preferenciais na Contratação de Espaço, proporcionar o acesso ao Lançamento de Novos Produtos, proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos Programas de Eficiência Administrativa e proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR”.
O. O débito destes serviços por parte da Impugnante insere-se no âmbito das obrigações de cooperação e desenvolvimento, sendo que a Impugnante, através da redução do preço a pagar pelos fornecimentos, estabelece a contrapartida financeira atribuída a tais serviços, contrapartida financeira que está perfeitamente individualizada na contabilidade e cujos montantes estão especificados no RIT.
P. Ora, tendo em conta o caráter residual do conceito de prestação de serviços, verifica-se no caso sub judice, a existência de uma prestação por parte da Impugnante aos seus fornncedores, e que consiste em proporcionar aos seus fornecedores (condições negociadas individualizadamente) o acesso a programas promocionais, o acesso a condições preferenciais na contratação de espaço bem como, à utilização de programas de eficiência administrativa e gestão conjunta de categorias.
Q. Ou seja, por um lado, a Impugnante proporciona aos seus fornecedores o acesso a condições preferenciais na negociação dos espaços nas lojas e proporciona-lhes, também, o acesso a programas de “eficiência administrativa” e “gestão conjunta de categorias/...”, ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante e que coloca ao dispor dos seus fornecedores, conforme condições contratuais negociadas com cada um deles.
R. Em função dessas prestações, os fornecedores dão uma contrapartida financeira que se materializam, de forma direta, no não recebimento de parte valores a que tinham direito pelo fornecimento dos seus produtos, contrapartidas financeiras que estão perfeitamente identificadas na contabilidade e que a AT deu expressão no RIT.
S. Recorrendo aos quatro elementos acima enunciados e que caracterizam o conceito de contraprestação (onerosa, acrescentamos nós), verificamos que:
a) Existe uma efetiva obtenção de um direito por parte dos fornecedores, mediante intercâmbio real de prestações materializada nas condições preferenciais de acesso a espaço de loja e programas promocionais bem como, ao acesso de ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante, mais propriamente programas de “eficiência administrativa” e “gestão conjunta de categorias/...”;
b) A contraprestação é suscetível de determinação pecuniária, valores estes que constam especificadamente na contabilidade e que estão devidamente enunciados no RIT;
c) A “contrapartida” a que já acima nos referimos, tem subjacente um nexo direto que vincula a prestação e a contraprestação efetuada, e que traduz um benefício direto – os fornecedores usufruem das condições que a Impugnante lhes dá e, por outro lado, a Impugnante consegue colocar os bens a preços mais atrativos; os fornecedores conseguem escoar os seus produtos de forma mais célere e profícua; a Impugnante consegue maiores vendas por via da diminuição dos preços dos produtos colocados à venda, conseguindo ganhos concorrenciais;
d) Por último, a contraprestação tem um cariz subjetivo na medida em que se consegue estabelecer uma relação direta entre o serviço prestado e os valores efetivamente recebidos em cada operação individualmente considerada – veja-se, a este propósito, cada nota de débito emitida e a sua correspetiva relevação contabilística.
T. Neste mesmo sentido, há que referir que os próprios fornecedores consideram tais verbas – os apelidados “descontos de quantidade” por parte da Impugnante – como “descontos atípicos”, considerando os mesmos como aquisição de serviços e não como descontos (vide pag. 6 do RIT). Daí a divergência detetada pela Inspeção Tributária na confrontação dos valores inscritos nos anexos O e P das Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal.
U. Em suma, os débitos aos fornecedores mais não são do que contrapartidas dadas pela Impugnante na participação em programas promocionais que alavancam as vendas, acesso facilitado a pontos de venda, acesso a estudos de mercado, apoio no lançamento de novos produtos, contratação de espaço para divulgação dos produtos dos seus fornecedores, etc., etc.
V. Assim, conclui-se que não estamos perante descontos comerciais, mas sim, serviços prestados, individualizados em rubricas específicas, contabilizados pela Impugnante em subcontas específicas da contabilidade geral, consoante a contrapartida, independentemente do seu valor poder ser calculado em função das compras ou de qualquer outro critério estabelecido livremente pelas partes.
W. A sentença objeto do presente recurso fez errada aplicação dos factos ao direito, errando ao dar como factos não provados que os valores debitados pela "A..., SA" e "D" aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras, assentando a sua convicção no depoimento testemunhal em detrimento do conteúdo dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o conteúdo dos CGF.
X. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legais as correções efetuadas e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legais as correções efetuadas e julgue improcedente a presente impugnação judicial.
Por não ter sido requerido anteriormente, mais requer a dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada € 25.000,000 ou fração acima dos € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).»

1.2. A Recorrida "A..., SA", notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«i. Analisada a motivação do recurso14, verifica-se que a Recorrente não indicou os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado, nem a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem, na sua perspectiva, para uma correcta decisão – limitando-se a formular juízos conclusivos, sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveriam ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que, por si só, impunham um diferente decisão sobre a matéria de facto.
ii. A Recorrente insiste em infirmar o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo precisamente com base no argumento que, na perspectiva do Julgador, foi determinante para a procedência da impugnação – o de que o simples teor formal de um clausulado contratual não revela os elementos materiais de uma operação de prestação de serviços.
iii. Sem colocar em causa o julgamento da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, com necessária referência ao depoimento das testemunhas inquiridas, pretende a Recorrente, precisamente, concluir que os pressupostos materiais de uma operação económica de prestação de serviços resultam unicamente do teor formal de um contrato de fornecimento.
iv. O Tribunal a quo deixou perfeitamente claro que considerou e analisou, não só os documentos que a Recorrente agora invoca não terem sido devidamente considerados – vgr. o teor dos contratos de fornecimento – como muitos outros documentos constantes dos autos, sendo também evidente que o Tribunal a quo não apenas remeteu para esses documentos, como também efectuou a necessária e devida confrontação com os demais meios de prova – em relação aos quais procedeu uma análise criteriosa, daí destacando o que entendeu mais relevante para a decisão proferida.
v. Face ao teor da sentença recorrida, o Tribunal a quo assumiu o labor que sempre implica a análise crítica de cada um dos depoimentos prestados, concatenando-os com o que consta dos documentos juntos aos autos, e confrontando os depoimentos das testemunhas entre si, assim esclarecendo, também claramente, quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção formada.
vi. Depois de levar a cabo esse exigente labor, o Tribunal a quo foi levado a concluir que:
- “a Autoridade Tributária não demonstrou que, ao invés do declarado, estivéssemos perante prestações de serviços, sujeitas a IVA.”.
- “a Autoridade Tributária limitou-se (...) a constatar o teor dos contratos gerais de fornecimento e das notas de débito emitidas, sem tratar da constatação da realidade de facto que lhes subiazia.”.
vii. No que diz respeito à reapreciação do julgamento da matéria de facto, o Tribunal ad quem terá de verificar se, perante os meios de prova indicados pela Recorrente, ocorreu um erro de apreciação do respectivo valor probatório por parte do Tribunal a quo – sendo que, para o efeito, será necessário que tais meios de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pela Recorrente, pois só desse modo se justifica a referida alteração da valoração probatória e consequente (diferente) decisão sobre a matéria de facto.
viii. Não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos, e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do Julgador e baseada na livre apreciação das provas documental e testemunhal que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão, pela instância de recurso, não pode deixar de respeitar a liberdade do Julgador na apreciação dessas provas.
ix. Tal não significa, naturalmente, que o Tribunal de recurso não possa, nem deva, proceder à alteração da decisão da matéria de facto, nos termos que lhe permite a lei, ou seja:
(i) quando os autos não contenham todos os elementos probatórios que serviram de suporte à decisão e;
(ii) quando se verifique um erro manifesto na apreciação da prova.
x. O erro no julgamento da matéria de facto apenas se pode materializar nos casos em que o Tribunal deu como provado ou não provado determinado facto em circunstâncias em que a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária – e isto, seja por força de uma incongruência lógica, seja por contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, seja também quando a valoração e apreciação das provas produzidas aponte num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial.
xi. Para decidir pela inexistência de prestações de serviços, o Tribunal a quo refere-se especificada e individualmente ao contributo que o depoimento de cada testemunha conferiu para o julgamento da matéria de facto, remetendo para o concreto teor de cada depoimento, e referindo-se a segurança, coerência e credibilidade das testemunhas inquiridas.
xii. Mais do que isso, refere o Tribunal a quo que:
- “o conteúdo daqueles depoimentos, por se terem afigurado credíveis e consistentes, foi decisivo para a valoração do conteúdo dos documentos aos autos e em particular para a valoração relativa de uns em face de outros”, e que
- “O teor dos depoimentos testemunhais referidos foi, assim, particularmente para a prova dos factos enunciados 14 a 21, os quais seriam insusceptíveis de se provar unicamente com recurso à prova documental.».
xiii. Assim, e como resulta expresso do próprio teor das alegações de recurso, não existe qualquer erro, e muito menos manifesto, na apreciação da prova, pois a globalidade dos depoimentos prestados, concatenada com os elementos documentais juntos aos autos, não só consentiam, como impunham a decisão que foi proferida (e bem) pelo Tribunal a quo.
xiv. Sem prescindir, caso assim não se entenda – o que não se concede – deverá o Tribunal ad quem conhecer dos demais vícios da liquidação, cujo conhecimento o Tribunal a quo considerou prejudicado.
xv. A AF não faz qualquer destrinça entre o valor de desconto ao preço e a contraprestação dos alegados serviços prestados – e, portanto, não fundamenta a determinação da base tributável efectuada no RIT – limitando-se a tributar todo o valor dos descontos obtidos, sem identificar, concretamente, quais os serviços prestados aos fornecedores, e sem descortinar, sequer, se aqueles valores de descontos efectivamente se reflectiram, e em que medida, nos preços finais dos produtos a público.
xvi. Como provado, os descontos em causa são calculados, sem excepção, com base numa percentagem aplicada ao volume total das compras, pelo que, ainda que a AF pretendesse tributar as alegadas prestações de serviços, teria de: i) determinar a parte desses descontos que se relaciona com o volume de compras; e ii) aqueloutro que se relaciona com a contrapartida dos alegados serviços.
xvii. Como resultou da instrução, mormente da inquirição da testemunha "DD", e como admitido pela própria Fazenda Pública, os valores considerados no quadro constante a páginas 3 do RIT, sobre os quais foi efectuado o acto tributário em causa, estão empolados e, portanto, errados (Cfr. depoimento reproduzido no CD da sessão de 03.11.2015, Minuto 00:00:01 a 00:46:58).
xviii. Ou seja, ao efectuar o apuramento dos valores dos débitos aos fornecedores directos, considerou os valores totais de débitos acumulados até à data da emissão da nota de débito – e não, portanto, o valor efectivo de cada nota de débito, como deveria – pelo que inflaccionou indevida e erroneamente os valores das ditas rubricas de descontos debitadas aos fornecedores directos, com a consequente maximização errónea da base tributável de IVA que serviu de base à liquidação adicional de IVA.
xix. Ao assim proceder, incorreu a AF em errada quantificação da matéria tributável – que, como ilegalidade que é, conduz à anulação da liquidação adicional de imposto[15].
xx. Como resulta dos autos, mormente do teor do RIT, a AF não identificou quaisquer prestações de serviços da Recorrida aos seus fornecedores; nem efectuou a necessária destrinça entre o que considerava ser um desconto e aquilo que constitui a contraprestação pela alegada prestação de serviços – pelo que, nos termos do artigo 100.º n.º 1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo
JUSTIÇA!»


1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1017 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, no qual conclui:
«(...) In casu, o julgador teve em conta o depoimento das testemunhas e explicou bem em que medida é que lhes deu ou não credibilidade, o que se depreende pela leitura dos factos provados e não provados e do exame crítico da prova. A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1a instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo tribunal.
Através da leitura dessa factualidade e do seu exame crítico, não vislumbramos a existência de qualquer erro de lógica, de ciência ou regra de experiência, na decisão ora em recurso.
A sentença cumpre com os requisitos já atrás mencionados, pelo que, não merece censura nesse particular.
*
Assente a matéria de facto dada como provada não merece censura, em nosso entender, as razões de direito e a respectiva fundamentação em que a decisão assentou.
O recurso não merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de facto ao conduzir aos factos não provados que “Os valores debitados pela "A..., SA" e "D" aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras.” assente na prova testemunhal, como decorre da motivação, em detrimento do que uma apreciação critica dos documentos levariam a concluir;
Se a sentença recorrida incorreu em julgamento de direito, ao julgar procedente a impugnação quanto às liquidações oficiosas de IVA relativas aos serviços promocionais e outros, de que os fornecedores da Impugnante beneficiaram em conformidade com o contrato das condições gerais de fornecimento, violando o disposto nos artigos 1º nº 1 alª a) do CIVA (estão sujeitas a IVA as prestações de serviços a título oneroso) e 4º do mesmo diploma (são tributáveis como prestações de serviços todas as operações onerosas que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens);
Da dispensa do remanescente.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos Provados:
1. A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção externa, parcial em IVA, incidente sobre o exercício de 2005, iniciada em 17.10.2008 e concluída em 17.03.2009, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI...650, de onde resultou o respectivo Relatório de Inspecção Tributária (RIT) – cfr. fls. 89 e ss. do PA.
2. Em resultado da acção inspectiva referida em “1.”, foram efectuadas liquidações adicionais de IVA no valor de € 343.643,84 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 48.222,43, perfazendo o montante global de € 391.857,27 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a PI, a fls. 166 e ss. dos autos físicos, relatório de inspecção, a fls. 89 e ss. do PA e registos do sistema informático da DGCI, a fls. 157 e ss. do PA.
3. Do relatório de inspecção consta, na parte dedicada à fundamentação das correcções à matéria colectável, o seguinte:
“III-1. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROPOCIONAIS SEM LIQUIDAÇÃO DE IVA
III.1.1. Tratamento contabilístico-fiscal das operações.
A empresa "D" recebeu dos seus fornecedores, durante o ano de 2005, considerando como descontos obtidos, entre outras, as seguintes verbas:

DescriçãoForn. DirectosRepassagensSoma
Acordo cooperação comercial261 732,00439 761,89701 493,89
Animação promocional214 781,18277 185,52491 966,70
Competitividade de Preço143 557,48270 369,41413 926,89
Reforço de Competitividade38 001,9012 049,1650 051,06
Promoção Permanente7 085,4731 061,9038 147,37
Totais665 158,031 030 427,881 695 585,91

Estes valores incluem os créditos emitidos a corrigir débitos anteriores
A maioria das aquisições da "D" era efectuada através da "A..., SA", que funcionava como Central de Compras, ou seja, adquiria aos fornecedores e “repassava” para as empresas do grupo as mercadorias que lhes eram destinadas, assim como os correspondentes débitos aos fornecedores.
Assim, os montantes que constam da coluna “Repassagens” do quadro anterior correspondem a notas de crédito da "A..., SA" para a "D" relativos às verbas debitadas aos fornecedores, correspondentes às compras repassadas.
Os descontos referidos como “Fornecedores Directos” referem-se a débitos às empresas contratadas directamente com a "D".
Estas operações não foram objecto de liquidação de IVA, constando dos documentos a indicação “sem IVA – n.º 2 do artigo 71º do Código do IVA” (que corresponde actualmente ao mesmo n.º 2 do artigo 78º).
Os documentos externos foram relevados contabilisticamente a crédito de diversas subcontas de “318-Descontos e Abatimentos em Compras” ou de “271-Acréscrimos de Proveitos”, como por exemplo:

ContaDenominação
31891101Rapp-Merc-Exer -Externos
31891102Rapp-Merc-Exer-Internos
31891121Rapp-Merc-Exer-APL-Ext.
31891122Rapp-Merc-Exer-APL-Int.
31891131Rapp-Merc-Exer-CP-Ext.
31891132Rapp-Merc-Exer-CP-lnt.
31891141CCC-Merc-Ex-Externos
31891142CCC-Merc- Ex-Internos
27101171D.Dif-RF-lnterface
27102101Rappel-Exer-Externos
27102121Rappel-Exer-APL-Extemos
27102131Rappel-Exer-CP-Extemos
27103101CCC-Exerc-Externos

III.1.2. Caracterização das operações
A "A..., SA" e diversas empresas por si representadas, onde estava incluída a "D", celebraram com os seus diversos fornecedores contratos gerais de fornecimento no âmbito dos quais são estabelecidas obrigações das partes, que são classificadas como “Gerais” e de “Cooperação e Desenvolvimento”, conforme cláusulas 2.2. dos mesmos contratos, as quais são idênticas para todos os fornecedores.
A título meramente exemplificativo juntamos a este relatório cópia do contrato celebrado com o fornecedor "C..., SA", contribuinte n.º 50...07, que passa a constituir o Anexo I (folhas 1 a 20).
No âmbito do referido contrato geral de fornecimento, são debitados aos fornecedores (nota de débito mensal) determinadas verbas correspondentes às condições de “Cooperação Comercial”, “Animação Promocional”, “Competitividade de Preços”, “Reforço de Competitividade”, “Promoção Permanente”, etc..
Os débitos aos fornecedores da "A..., SA", relacionados com as compras repassadas para a "D", são creditados, também mensalmente, por aquela a esta.
Trata-se de verbas debitadas tendo por contrapartida o incentivo para aumento de vendas calculado com base nas compras anuais (ano civil) e cujo débito é efectuado mensalmente, procedendo a "A..., SA" e as empresas representadas à compensação desses débitos no pagamento das facturas.
À luz do clausulado do contrato geral de fornecimento, no âmbito das obrigações gerais, compete às clientes "A..., SA" e representadas
- identificar, no momento da encomenda, o produto a fornecer, o preço por referência à tabela em vigor, a quantidade, a cadência de fornecimento e o desconto, se for o caso, bem como o local e prazo de entrega;
- efectuar o pagamento do preço acordado, nos prazos e condições definidas, sem prejuízo do direito à compensação total ou parcial com créditos de que seja titular, ainda que derivados de outros contratos celebrados com a segunda contraente.
Já no âmbito das obrigações de cooperação e desenvolvimento, compete à "A..., SA" e empresas relacionadas
- proporcionar o acesso ao programa promocional (...);
- proporcionar o acesso à participação nas “Feiras Nacionais ou Regionais” (...);
- conceder condições preferenciais na “Contratação de Espaço” (...);
- proporcionar o acesso ao “Lançamento de Novos Produtos” (...);
- proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Eficiência Administrativa” (...);
- proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Gestão Conjunta de Categorias /...” (...);
Ou seja, com base nestas cláusulas a "A..., SA" e as suas representadas debitam os fornecedores (Cláusula 2.2.2. do contrato geral de fornecimento), deduzindo ao preço a pagar determinadas verbas resultantes de “serviços prestados” a título de cooperação e desenvolvimento (cláusula 2.2.3. a 2.2.8.).
Face ao descritivo genérico das notas de débito emitidas aos seus fornecedores, solicitámos a informação quanto à natureza desses mesmos débitos.
A empresa "A..., SA", em representação da extinta "D", apresenta-nos os seguintes esclarecimentos:
a)- Em 2009-03-04, em resposta ao nosso pedido de 2009-02-25, é referido que as contrapartidas dadas aos fornecedores relacionadas com os débitos correspondentes a “acordo de cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade de preços”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente”, são o incremento das suas vendas;
b)- Em 2009-03-04, informa que as verbas “rappel”, “posição prod. linear”, “apoio a research”, “desenvolvimento e merchandising” e “investimento marketing”, debitadas aos fornecedores, tratam-se de descontos concedidos, calculados através de percentagem negociada, aplicada ao volume de compras, não existindo contrapartidas para as empresas fornecedoras;
c)- Em 2009-03-09, tendo solicitado a caracterização das verbas referidas na alínea a), é dada idêntica resposta à da alínea b), ou seja, todos os itens se tratam de descontos:
d)- Tendo solicitado melhor caracterização de cada uma das verbas, quais as particularidades, as contrapartidas, ou seja, o que as distingue, foi-nos referido, em 2009-03-10, em resumo, que apenas se procede à sua discriminação com as diversas designações para efeitos de controlo interno e por motivos de ordem comercial, uma vez que, em bom rigor, todos os sobreditos descontos são descontos de quantidade. A referida separação visa permitir a diferenciação entre a actuação dos vários departamentos encarregados do aprovisionamento.
(...)
Neste contexto, as dúvidas que se nos colocaram surgiram após a constatação de divergência materialmente relevantes no que respeita ao cruzamento da informação constante dos Anexos O e P à Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal. A análise efectuada leva-nos a concluir que as principais divergências detectadas se explicam pelo facto de diversos fornecedores tratarem o que designam por “descontos atípicos”, concedidos fora das facturas, não como descontos ao “cliente”, mas sim como serviços prestados pelo “fornecedor” ("D").
A título de exemplo, duas empresas fornecedoras da "D", caracterizam alguns dos itens debitados, as quais definem,
a)- a sociedade "F... Unipessoal, Ldª, contribuinte n.º 50...45,
Rappel: como desconto concedido calculado em função dos valores facturados ao cliente, tendo em conta o grupo da companhia a que pertence ("X");
Cooperação Comercial: como desconto de quantidade operado com base no volume de compras que visa o acesso a eventos realizados pela "X", tais com “Feiras Nacionais ou Regionais”;
Animação Promocional: como desconto complementar que visa proporcionar o acesso ao programa promocional, através de participação no calendário promocional, com a gama de produtos a acordar durante um determinado período de tempo fixado;
Competitividade de Preço: como desconto promocional que tem por objectivo permitir a possibilidade de actuação no mercado, sem deixar de cumprir o previsto na lei sobre venda com prejuízo;
b)- e a "C..., SA",, contribuinte n.º 50...07,
Rappel: como desconto de quantidade;
Cooperação Comercial: tem como objectivo promover o desenvolvimento das capacidades dos intervenientes para assegurar um aumento da sua competitividade, que lhes permita uma maior participação no mercado nacional;
Animação promocional: ferramenta de marketing simples, que visa promover de um modo eficaz uma marca (a "C").
III.1.3. Enquadramento e Incidência para efeitos de IVA
Os débitos aos fornecedores, referenciados como “acordo de cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade de preços”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente”, apesar de terem sido calculados com base em percentagens sobre as compras, mais não são do que contrapartidas dadas às empresas fornecedoras pelo incremento das vendas,
- à custa de preços mais competitivos,
- participação em programas de actividades promocionais que alavancam as vendas,
- acesso facilitado aos pontos de venda, etc, etc...
Tais montantes correspondem, de facto, a prestações de serviços da empresa aos fornecedores, para efeitos de promoção dos seus produtos, não correspondendo a qualquer anulação ou redução do valor da compra (n.º 2 do actual artigo 78º do Código do IVA), como acontece, por exemplo, com “rappel” ou “descontos”, também debitados aos fornecedores.
Tais prestações de serviços, conforme é definido expressamente no artigo 4º do referido Código, encontram-se sujeitas a tributação neste imposto nos termos do artigo 1º, n.º 1. alinea a), sendo localizadas em território nacional, de acordo com n.º 4 do artigo 6º, do mesmo diploma legal.
Não foi, assim, liquidado o correspondente imposto, nem entregue nos cofres do Estado, em transgressão ao disposto no artigo 27º ainda do Código do IVA (correspondia, ao tempo, ao artigo 26º), no valor total de € 343 634,84, correspondente à base tributável de € 1 695 585,91, discriminado conforme mapa que se junta a esta relatório, passando a constituir o seu Anexo III, com 30 folhas.
São discriminados mensalmente, neste mapa, os débitos efectuados aos fornecedores, deduzidos dos créditos correspondentes a anulações. De referir que são creditados valores em notas de débito, com sinal negativo, e também efectuados alguns débitos em notas de créditos.
No que respeita às repassagens, a "D" não emite qualquer documento, sendo utilizadas as notas de crédito da "A..., SA".
De acordo com o artigo 18º do mesmo diploma, tais operações encontram-se sujeitas à taxa normal, que foi de 19% até 30 de Junho de 2005 e de 21% a partir do dia seguinte, de acordo com a redacção dada pela Lei n.º 39/2005, de 24 de Junho.”
4. No exercício objecto da inspecção referida em “1.” a “"D"” encontrava-se enquadrada no regime normal de IVA e dedicava-se, na sua actividade, ao comércio a retalho em supermercados e hipermercados – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 93 do PA.
5. A "D" integrava-se num grupo de empresas encabeçado pela "A..., SA" – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 95 do PA.
6. A maioria das aquisições de bens da "D" era efectuada através da "A..., SA", que funcionava como central de compras, a qual adquiria os bens aos fornecedores e os “repassava” para as diversas empresas do grupo – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 94 do PA.
7. As aquisições de bens aos fornecedores pela "A..., SA", identificadas em “6.”, eram realizadas a coberto de contratos gerais de fornecimento, celebrados pela "A..., SA" e cada uma das empresas do grupo (entre as quais a "D"), estas representadas pela primeira, com cada um dos fornecedores e nos quais se estabeleciam as obrigações a impender sobre cada uma das partes – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 95 do PA e, exemplificativamente, contrato geral de fornecimento anexo ao RIT, a fls. 101 e ss. do PA.
8. As obrigações previstas nos contratos gerais de fornecimento dividiam-se em obrigações gerais e obrigações relativas a cooperação e desenvolvimento e eram comuns aos contratos celebrados com todos e quaisquer fornecedores – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 95 e ss. do PA.
9. À luz do teor do contrato geral de fornecimento, no âmbito das obrigações gerais, competia à "A..., SA" e suas representadas:
- identificar, no momento da encomenda, o produto a fornecer, o preço por referência à tabela em vigor, a quantidade, a cadência de fornecimento e o desconto, se for o caso, bem como o local e prazo de entrega;
- efectuar o pagamento do preço acordado, nos prazos e condições definidas, sem prejuízo do direito à compensação total ou parcial com créditos de que seja titular, ainda que derivados de outros contratos celebrados com a segunda contraente. – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 96 do PA e, exemplificativamente, contrato geral de fornecimento anexo ao RIT, a fls. 101 e ss. do PA.
10. Já no âmbito das obrigações de cooperação e desenvolvimento, competia à "A..., SA" e empresas representadas:
- proporcionar o acesso ao programa promocional (...);
- proporcionar o acesso à participação nas “Feiras Nacionais ou Regionais” (...);
- conceder condições preferenciais na “Contratação de Espaço” (...);
- proporcionar o acesso ao “Lançamento de Novos Produtos” (...);
- proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Eficiência Administrativa” (...);
- proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Gestão Conjunta de Categorias /...” (...);
– cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 96 do PA e, exemplificativamente, contrato geral de fornecimento anexo ao RIT, a fls. 101 e ss. do PA.
11. No âmbito do contrato geral de fornecimento, a "A..., SA" emitia mensalmente notas de débito sobre os fornecedores, pelo valor dos descontos obtidos nos bens transaccionados e resultantes desse mesmo contrato ou de outros acordos ou documentos complementares – cfr. contrato geral de fornecimento anexo ao RIT, a fls. 101 do PA.
12. A "A..., SA" repassava às empresas do grupo os bens adquiridos, assim como os valores dos descontos debitados aos fornecedores, através de notas de crédito mensalmente emitidas a favor daquelas – cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 94 e 95 do PA.
13. Os valores debitados eram discriminados por referência às seguintes rubricas, constantes do descritivo genérico das notas de débito: “rappel”, “posição prod. linear”, “apoio a research”, “desenvolvimento e merchandising”, “inesvtimento marketing”, “acordo de cooperação comercial”, “animação promocional”, “competitividade de preços”, “reforço de competitividade” e “promoção permanente” – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
14. Em função da natureza do seu negócio, a "A..., SA" e a "D" contratavam com um número muito vasto de fornecedores – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
15. A "A..., SA" e a "D" contratualizavam anualmente com os respectivos fornecedores descontos de quantidade nas aquisições de bens, o que lhes permitia praticar preços mais competitivos junto do consumidor final e assim angariar mais clientela – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
16. Os contratos gerais de fornecimento acordados destinavam-se a fixar as condições objectivas e concretas a observar nesses mesmos fornecimentos, assegurando a previsibilidade dos descontos de que a "A..., SA" e a "D" beneficiariam junto dos fornecedores, em virtude das aquisições realizadas – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
17. Os fornecedores beneficiavam igualmente da atribuição desses descontos, uma vez que os mesmos consubstanciavam a possibilidade de transaccionar com a "A..., SA" e a "D", as quais, por sua vez, representavam uma cadência regular e um largo volume de aquisições e, por conseguinte, o escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
18. Aos descontos efectuados não correspondia, além do mencionado em “17”, qualquer outra contrapartida, designadamente relativa a publicidade, exposição ou marketing – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
19. Todos os descontos discriminados da forma descrita em “13.” eram calculados através de uma percentagem negociada com todos e cada um dos fornecedores, aplicada ao volume de compras – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
20. A discriminação dos descontos por referência a diferentes rubricas, conforme descrito em “13.”, era justificada por razões de controlo interno e por motivos de ordem comercial e tinha como finalidade permitir a diferenciação entre a actuação dos vários departamentos encarregados do aprovisionamento – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
21. Os serviços prestados pela "A..., SA" e "D" relativos a publicidade, exposições eventos de marketing, etc., eram objecto de tratamento autónomo – cfr. resposta da "A..., SA" a pedido de elementos formulado pela Direcção de Finanças do ..., constante de fls. 127 e 128 do PA.
22. Em 16.10.2009, a impugnante prestou garantia, pelo valor de € 509.718,96, em ordem à suspensão do processo de execução fiscal nº 1...97, que corre termos no Serviço de Finanças da ..., relativo a IVA de 200 – cfr. doc. de fls. 416, do processo físico.
Factos não Provados:
A) Os valores debitados pela "A..., SA" e "D" aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras.
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nas posições assumidas pelas partes nos articulados, nos documentos constantes dos autos, bem como na prova testemunhal produzida, analisados criticamente à luz das regras da experiência.
O teor dos documentos que suportam os factos dados como provados, enquanto tais, foi corroborado pelos depoimentos das três testemunhas arroladas pela impugnante, prestados em sede de diligência de inquirição de testemunhas e documentados em acta constante de fls. 590 dos autos físicos.
Com efeito, o conteúdo daqueles depoimentos, por se terem afigurado credíveis e consistentes, foi decisivo para a valoração do conteúdo dos documentos juntos aos autos e em particular para a valoração relativa do de uns em face do de outros.
Na verdade, em face daqueles depoimentos, impôs-se relevar a parte do RIT que concluía pela correspondência dos valores debitados pela impugnante aos fornecedores com a contrapartida de serviços prestados e, ao invés, valorizar o teor das respostas e esclarecimentos prestados pela impugnante à Ré, em sede procedimental, que apontava no sentido de aqueles valores respeitarem a verdadeiros descontos de quantidade.
Concretizando, as três testemunhas depoentes foram seguras e convincentes no que respeita aos procedimentos adoptados entre a impugnante e os fornecedores, quanto à tradução prática e concreta das condições contratualizadas e designadamente das relativas à facturação e relações creditórias e debitórias entre a "A..., SA", as empresas do grupo e os respectivos fornecedores.
Assim, "DD", a exercer as funções de contabilista na "A..., SA" desde 1990 e que acompanhou a acção inspectiva na origem das liquidações adicionais em causa nos presentes autos, depôs coerentemente e de modo seguro. Revelou conhecimento firme da factualidade em causa, em consonância com o desempenho das funções referidas junto da impugnante, explicitando detalhadamente as questões relativas à celebração dos contratos de fornecimento, ao modo de processamento das aquisições, das “repassagens” e dos descontos obtidos.
Foi esta testemunha particularmente explícita quanto ao tratamento contabilístico do desconto – o qual referiu ser levado à conta de compras, n.º 318 – e à sua repercussão no valor de compra do produto, assim como no respectivo preço de venda, referindo-se designadamente às acções inspectivas da ASAE e ao modo como, nesse âmbito, os descontos obtidos junto dos fornecedores são essenciais à justificação dos baixos valor de compra e preço de venda ao consumidor final.
Já o depoimento de "JJ", também contabilista da impugnante à data do exercício inspeccionado, revelou-se especialmente relevante quanto à distinção entre os descontos em causa nos presentes autos e as prestações de serviços pela "A..., SA" e "D" (referentes designadamente a reservas de pontos da loja para um dado fornecedor ou produto, a exposição de produtos em zonas da loja de maior visibilidade ou afixação de painéis, etc.). Explicou esta testemunha que estas prestações de serviços eram objecto de facturação autónoma, de acordo com a correspondente tabela de preços, a título de prestação de serviços ou aluguer de espaço ou ainda de aluguer de topo ou de folheto, fotografia de folheto, entre outras. Explicou ainda que estes valores eram registados em contas de proveitos, sendo liquidado o respectivo IVA, ao contrário dos valores dos descontos, que eram levados à conta de compras (sub-conta de descontos e abatimentos em compras, com o número 318).
O depoimento desta testemunha foi igualmente marcado pela segurança, coerência e credibilidade, tendo incidido ainda, relevantemente, sobre os motivos pelos quais competia à "A..., SA" ou à "D" emitir notas de débito pelo valor dos descontos, ao invés de aguardar a emissão, pelo fornecedor, das competentes notas de crédito. Explicou, com efeito, que este procedimento permitia que os pagamentos das facturas fossem efectuados por valores já deduzidos dos descontos auferidos, assim como um controlo prévio mais eficiente e um conhecimento exacto do valor do desconto a auferir, logo no momento da entrada da mercadoria no armazém. Era, com efeito, logo neste momento que conheciam o valor exacto das compras e automaticamente do respectivo desconto, o qual correspondia rigorosa e exclusivamente a percentagens do valor das mercadorias compradas.
"NN", por sua vez, depôs de forma igualmente credível, revelando aturado conhecimento da factualidade em causa, em virtude do exercício de funções como directora comercial da impugnante.
O respectivo depoimento foi especialmente relevante quanto à matéria das negociações inerentes à celebração dos contratos gerais de fornecimento. Referiu a testemunha que estas negociações decorrem com periodicidade anual e têm em vista a obtenção da mais larga margem de desconto possível, em contrapartida da aquisição de maiores volumes e, por conseguinte, da venda de maiores quantidades de produto, nos estabelecimentos da impugnante.
Explicou ainda, com pertinência para o tema em discussão nos autos, que a divisão dos descontos em várias rubricas permitia aos comerciais dos fornecedores justificar internamente o acréscimo do rappel concedido, mas que se tratava, sempre, de descontos sobre compras, fixados unicamente sobre o valor total das compras e sem outras variáveis ou qualquer correspectividade relativamente a (eventual) prestação de serviços pela impugnante.
Mais referiu, relevantemente, que o desconto, negociado sobre as aquisições do ano inteiro, e debitado mensalmente não tinha tradução efectiva na participação em eventos ou feiras: por um lado, qualquer produto que estivesse a ser comercializado na loja da impugnante seria apto a ter representação ou participação nos mesmos; por outro, o desconto seria concedido independentemente da existência de feira dedicada à promoção daquele tipo de produto ou da efectiva participação daquele fornecedor ou produto em concreto em feira ou evento.
O teor dos depoimentos testemunhais referido foi, assim, particularmente relevante para a prova dos factos enunciados sob os números 14 a 21, os quais seriam insusceptíveis de se provar unicamente com recurso à prova documental.
Por outro lado os mesmos depoimentos foram decisivos para que se infirmasse o facto atinente à correspectividade entre os valores debitados e a prestação de serviços pela impugnante, que, assim, se deixou elencado sob o título dos factos não provados.»

2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2005 e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 391.857,27.
O cerne da lide, conforme definido pelo tribunal a quo, passa por considerar se os valores debitados aos fornecedores da "A..., SA", são descontos sobre compras e como tal estão excluída de IVA nos termos do artigo 16º, nº 6, al. b) do CIVA, versão da recorrida, ou, se aqueles valores debitados são uma contrapartida de prestação de serviços, de acordo com os artigos 1º nº1 a) e 4º nº 1 do CIVA e como tal sujeitos a tributação em sede de IVA, posição sustentada no RIT que deu origem às liquidações adicionais e mantida em sede de recurso pela Fazenda Pública.
Em sede de recurso, o inconformismo da Fazenda Pública assenta no erro de julgamento de facto, imputado exclusivamente ao facto dado como não provado e, no mais, no erro de julgamento de direito.

2.2.1. Do erro de julgamento de facto
No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 640º, do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT, vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181, em anotação ao anterior artigo 685º-B do CPC).
Importa, ainda, ter presente que o poder de cognição deste tribunal ad quem sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do Código de Processo Civil, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640º do CPC.
Concretizando, as três alíneas do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Decorre ainda do n.º 2 deste artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Ora, como decorre das alegações e conclusões a impugnação da matéria de facto não foi correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que seja possível a este tribunal ad quem alterá-la. Senão vejamos, a Fazenda Pública entende que ocorreu um erro de julgamento por parte do tribunal a quo ao dar como não provado que “Os valores debitados pela "A..., SA" e "D" correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras”, julgamento esse que aquele tribunal sustenta na apreciação que fez do depoimento testemunhal que, tal como é referido, foi fundamental para elucidar, clarificar e valorar o conteúdo dos documentos juntos aos autos, concluindo, na fundamentação de direito, que os valores debitados pela Impugnante aos fornecedores constituem descontos sobre compras e não, como defende a AT, prestações de serviços, considerando, nessa conformidade, ilegais as liquidações efetuadas (conclusão C. e E.), para após dissertar juridicamente sobre a noção de prestações em sede de IVA, imputar erro ao julgamento assente na valoração do depoimento das testemunhas “(...) em detrimento do conteúdo da prova documental existente nos autos, designadamente o conteúdo dos CGF e da fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária (RIT” (conclusão M.), arguindo erro de apreciação critica dos mesmos ao concluir a sentença que “(...) todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao volume de compras; os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transaccionar com a Impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; inexistia correspondência direta dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transacções independentes e autonomamente facturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial”, para volver ao erro de julgamento na conclusão W. afirmando que “A sentença objeto do presente recurso fez errada aplicação dos factos ao direito, errando ao dar como factos não provados que os valores debitados pela "A..., SA" e "D" aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras, assentando a sua convicção no depoimento testemunhal em detrimento do conteúdo dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o conteúdo dos CGF.”.
Ou seja, em momento algum a Recorrente concretiza quais os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado (prova testemunhal), a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem, na sua perspectiva, para uma correcta decisão (especificação dos documentos), limitando-se a formular juízos conclusivos e a imputar erro na condução do facto em questão (único diga-se) aos “factos não provados” sem indicar, repise-se, os elementos constantes dos autos que, por si só, impunham uma diferente decisão.
Em síntese, e em jeito de conclusão, temos que por um lado não aceita o facto conduzido ao probatório pela negativa - não cumpre o ónus de impugnação que lhe era exigido, por outro lado, podemos afirmar que não aceita o resultado jurídico a que chegou a sentença.
Assim sendo, e em sede de impugnação da matéria de facto não cumpre proceder a qualquer alteração ao (não) probatório consignado na sentença, e cumpriria o tão só a este tribunal ad quem, aferir do eventual erro na apreciação e valoração da matéria de facto e consequentemente, no julgamento de direito e na solução jurídica preconizada na sentença.
No entanto, tal não será assim. É que se revisitarmos a contenda em discussão, temos que importa tão só (porque só esse foi objecto de conhecimento pela sentença recorrida) aferir se os valores debitados pela impugnante aos fornecedores justificam o tratamento de desconto sobre compras ou, ao invés, devem ser caracterizados como preço de prestação de serviços, o que nos leva a questionar se o teor do facto posto em questão pela Recorrente não contém em sim mesmo a resolução do pleito.
Vejamos. Como é sabido, independentemente da arguição da Recorrente, compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, nomeadamente dos tidos como matéria de facto e se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos vagos ou conclusivos.
Trata-se de uma apreciação em sede de direito que se impõe operar oficiosamente e que não é alcançada pelo preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
A questão que se nos coloca ex officio, é a de saber se, no caso concreto, a redacção dada ao ponto conduzido à matéria de facto não provada é destituída de qualquer substrato factual, “o que deve ser aferido não em termos absolutos, mas no respectivo contexto alegatório e de prova” – cf. ac. do STJ de 20.55.2020, in proc. 17084.17.5YIPRT.
Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insusceptíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção.
Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa” [Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111].
É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao vetusto artigo 646º, n.º 4 do CPC que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
E, como se retirava interpretativamente daquele preceito ("têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes") o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos.
Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil.
No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam.
Veja-se, nesse sentido, o artigo 607º, nº 4 do CPC que continua a referir que "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos.
Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – cf. acórdão da Relação do Porto de 07.10.2013, proferido nos autos 488/08.1TBVPA.
No mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Guimarães de 11.10.2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica”.
Aqui chegados, e sem necessidade de citações doutrinais sobre a temática, podemos ter por assente que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver o caso, preencha, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Volvendo aos autos, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se a redacção que foi dada ao facto negativo contem expressões conclusivas ou que possam ser consideradas como sendo matéria de direito, o que a ocorrer impede a sua valoração em sede de julgamento.
Como discorre da sentença sob recurso, a questão dos autos e a responder pelo tribunal reconduz-se a saber se “... os vícios alegados traduzem-se materialmente ou dependem da questão de saber se os valores debitados pela impugnante aos fornecedores justificam o tratamento de desconto sobre compras ou, ao invés, devem ser caracterizados como preço de prestação de serviços.” e, prosseguindo na delimitação do objecto refere “É, com efeito, daquele pressuposto que decorre, no essencial, a (i)legalidade das liquidações adicionais, pois que é do tratamento daqueles valores como contrapartida de prestação de serviços que decorre o seu enquadramento nas normas do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) definidoras da incidência objectiva da tributação nesta sede e, portanto, a própria existência de facto tributário”
Assim sendo, apenas o tribunal teria que considerar ou não verificável na presente situação se os valores colocados em questão correspondiam a prestações de serviços. Questão essa a ser aferida do respectivo contexto alegatório e de prova.
Ora, o tribunal a quo reconduz aos factos não provados sob o item A.Os valores debitados pela "A..., SA" e "D" aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras.”, estamos perante factualidade que assume natureza conclusiva e constitui matéria de direito, cujas afirmação pela negativa por si dá resposta à uma das questões de direito cuja resolução lhe era solicitada, estarmos ou não perante prestações de serviços, o que por si determina o regime de IVA aplicável.
Nesta conformidade, na sequência do exposto, deverá, o item A. da matéria de facto não provada ser desconsiderado para efeitos de subsunção jurídica da factualidade, o que importará levar em linha de conta na reapreciação que cumpre a este tribunal ad quem levar a efeito em sede de erro de julgamento de direito, dando-se por estabilizada a matéria de facto contida nos itens 1. a 22. dos factos provados e a motivação que lhe subjaz.

2.2.2. Do erro de julgamento de direito
Cumpre reapreciar a questão sobre a qual se debruçou o tribunal a quo, a saber, se os valores debitados aos fornecedores da "A..., SA", na versão da recorrida e que logrou vencimento, são descontos sobre compras e como tal estão excluída de IVA nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA ou, se pelo contrário, são uma contrapartida de prestação de serviços, de acordo com os artigos 1º nº1 a) e 4º nº 1 do CIVA, como defende a Fazenda Pública e como tal sujeitos a tributação em sede de IVA.
Recuperemos aqui, o dissertado na sentença sob recurso:
«(...) o art. 1.º, n.º 1, al. b) do CIVA estabelece como sendo sujeitas a IVA “as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo enquanto tal”.
Mais se impondo no regime legal regulador do imposto um conceito residual de prestação de serviços, onde cabem, de acordo com o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do CIVA, “as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
De acordo com Casalta Nabais, o conceito abrange todas as operações decorrentes da actividade económica que não sejam definidas como transmissões de bens, como importação de bens ou como aquisição intracomunitária, incluindo transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (como a de não praticar determinado acto) e mesmo a prestação de serviços coactivos determinado por requisição de autoridade administrativa (autor citado in Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 552).
Constata-se, desde logo, a discrepância relativamente ao conceito civilístico, em que o contrato de prestação de serviços é definido como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154.º do Código Civil).
É a vocação à universalidade da tributação do valor acrescentado que chama o legislador a fixar um conceito amplíssimo e residual de prestação de serviços. Com efeito, no dizer de Clotilde Celorico Palma, “[tendencialmente], a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável.”
Neste seguimento, salvaguarda, porém a mesma Autora o seguinte:
“Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica, deverá existir um consumo. (...) Ou seja, para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA, é necessário que haja efectivamente o exercício de uma actividade económica. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto, invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços. Em suma, a operação em causa tem que ter substância económica para que possamos tributá-la em IVA” (ibidem, p. 74).
O cerne da questão decidenda reconduz-se, assim, a averiguar se estamos perante verdadeira prestação de serviços, não só em face do disposto na legislação nacional a este respeito (CIVA), mas ainda à vista do que estabelecem a respeito as normas do Direito da União reguladoras da matéria.
Na verdade, como reiteradamente vem salientando o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o Código do IVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados Membros, devendo assim a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária (assim, v.g., o acórdão do STA de 03.07.2013, proc. n.º 01148/11).
Ora, dispõe a este respeito o art.º 2.º, n.º 1, al. c) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006) o seguinte:
“1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:
c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;”.
A redacção ampla da norma vem dando azo ao mesmo tipo de dúvidas que se colocam no caso sub judice, motivo por que vem ela sendo objecto de concretização pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, na qual convém atentar, em vista da mencionada interpretação convergente.
Assim, no Acórdão Tolsma (de 03.03.1994, proc. C-16/93), escreveu-se a propósito:
“12 Convém verificar, em segundo lugar, que o Tribunal de Justiça decidiu já, a propósito do conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, utilizada pelo artigo 2.º, alínea a), da Segunda Directiva, cuja redacção é semelhante à do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, que as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transacção entre as partes com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Daí o Tribunal de Justiça deduziu que, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (...).
13 Nos acórdãos de 5 de Fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats (154/80, Recueil, p. 445, n.º 12), e de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics (230/87, Colect., p. 6365, n.º 11), o Tribunal de Justiça esclareceu a este respeito que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que, deste modo, uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (...).
14 Do que precede resulta que uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.” [acórdão disponível em http://curia.europa.eu/ – sublinhados e negritos nossos].
Mais tarde, no Acórdão Fillibeck (de 16.10.1997, proc. C-258/95), o Tribunal de Justiça afirmou, avançando ainda em relação à própria linha jurisprudencial anterior:
12 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a noção de prestação de serviços a título oneroso na acepção do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Directiva pressupõe a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (...).
13 Constitui também jurisprudência assente que a matéria colectável na entrega de um produto ou na prestação de um serviço é constituída pela contrapartida realmente recebida para esse efeito. Esta contrapartida constitui, portanto, o valor subjectivo, isto é, realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objectivos (...).
14 Além disso, segundo essa mesma jurisprudência, essa contrapartida deve poder ser expressa em dinheiro (...).” [acórdão disponível em http://curia.europa.eu/ – sublinhados e negritos nossos].
Em face do exposto, e considerando a factualidade reunida e assente nos presentes autos, a solução da questão decidenda parece surgir com clareza.
Com efeito, apurou-se, por um lado, que todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao volume de compras; que os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transaccionar com a impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; que inexistia correspondência directa dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transacções independentes e autonomamente facturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial.
E resultou indemonstrado, por outro lado, que os valores debitados pela impugnante aos fornecedores correspondessem à contrapartida de serviços prestado pela primeira.
Ora, em face da jurisprudência citada do tribunal europeu, e ainda do que se deixou transcrito da doutrina nacional, ressalta que não só a Autoridade Tributária não demonstrou os pressupostos de que dependeria a liquidação adicional de IVA, como ainda logrou a impugnante fazer a prova dos factos que atestam que a mesma liquidação adicional não é devida.
Dito por outras palavras, a Autoridade Tributária não demonstrou que, ao invés do declarado, estivéssemos perante prestações de serviços, sujeitas a tributação em sede de IVA.
Tanto sobre si impenderia, de acordo com jurisprudência firme, de que se cita, exemplificativamente, o acórdão do TCA Sul, proferido em 10.04.2014 no âmbito do processo n.º 04444/11, em que se escreveu:
“Na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.art. 74, nº.1, da L.G.T.). (...)
Dito isto, é de concluir que a Administração Fiscal não cumpriu com o ónus que sobre si recaía, o que vale por dizer que não logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade das declarações da sociedade impugnante, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável da mesma.” [acórdão disponível em www.dgsi.pt].
É de assinalar, de resto, que a AT não só não demonstrou como sequer carreou para os autos indícios sérios dos factos constitutivos do direito de que se arrogou. Com efeito, a Autoridade Tributária limitou-se, no âmbito da acção inspectiva na origem das liquidações adicionais impugnadas, a constatar o teor dos contratos gerais de fornecimento e das notas de débito emitidas, sem tratar da constatação da realidade de facto que lhes subjazia.
Não individualizou, com efeito, como lhe competia, os serviços cuja prestação teria sido compensada pelos valores debitados; como não individualizou os preços supostamente pagos, por referência aos serviços que houvessem sido prestados nem sequer que lhes correspondesse, em abstracto, os valores debitados pela impugnante.
Por outro lado, não explicou a AT em que medida o aumento do valor debitado, por efeito do aumento das quantias adquiridas, conheceria o seu reverso em termos de prestação de serviços, como é próprio de qualquer transacção onerosa.
Nem demonstrou, por outro lado ainda, em que medida o maior ou menor desconto concedido, em função do fornecedor em causa ou do produto adquirido conheceria a proporcionalidade em termos da prestação de serviço que também é própria das transacções onerosas.
Em suma, não alegou nem demonstrou a existência entre prestador (impugnante) e beneficiário (fornecedor) duma relação jurídica no âmbito da qual houvessem sido transaccionadas prestações recíprocas; não alegou nem demonstrou a existência de um nexo directo entre o valor debitado e o serviço prestado; não alegou nem demonstrou, por fim, que a dita contrapartida constituísse o valor subjectivo (isto é, realmente recebido) da prestação.
Fica, assim, por demonstrar o direito da Autoridade Tributária de proceder às liquidações adicionais de IVA impugnadas.
Mais fica demonstrada, por outro lado, a inexistência de prestação de serviços para efeitos de enquadramento nas normas de incidência real de IVA.
A Autoridade Tributária procedeu, assim, a errada qualificação dos factos na origem da tributação, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto.
Verificam-se, pelo exposto, os vícios identificados como erro na qualificação do facto tributário e erro nos pressupostos de facto (os quais se confundem, no caso), cuja procedência conduz à mais estável ou eficaz tutela dos interesses da impugnante, e ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.
Procede, por conseguinte, a acção, pelo que devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA impugnadas, assim como os respectivos juros compensatórios.» (fim de transcrição)

Não vemos em que erre o entendimento exposto, pelo que a ele aderimos.
Apenas acrescentamos, no mesmo sentido, a constatação de que na fundamentação das correcções efectuadas a este pretexto a AT não individualiza, no seu objecto material, nos seus sujeitos activo passivo, no seu preço e na cronologia da ocorrência, quaisquer operações de promoção de produtos e outras susceptíveis de serem individualmente consideradas e quantificadas. Assenta, a posição da AT, tão só da mera leitura do contrato em causa assimilando que do mesmo resulta a previsão contratual da prestação de serviços por parte da impugnante no âmbito do designado “contrato geral de fornecimento”. Efectivamente, ali se prevêem autênticos serviços promocionais a favor do outro contraente. Porém, a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da recorrida; é necessário ir mais longe, e concretizar algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços. Por outras palavras, se é certo que as mesmas estão contratualmente previstas daí a às mesmas se terem concretizado vai uma diferença fulcral, que importava sedimentar in casu. Não podemos olvidar que a incidência de imposto se reporta a operações concretas, e não a operações previstas e sem existência material, devendo ‘‘atender-se à substância económica dos factos tributários”. Ora a AT “munida” do valor dos descontos considera tout court ser esse o preço de uma global prestação de serviços – ou o total dos preços de uma pluralidade difusa e indefinida de prestações de serviços das várias “espécies” constantes do contrato geral de fornecimento – para concluir pela tributação dessa extrapolação, em sede de IVA.
Ora, não são extrapolações, mas factos concretos, o que o IVA tributa.
A questão que ora nos ocupa, já foi objecto de apreciação, relativamente a factos essencialmente sobreponíveis aos aqui provados, no sentido da ilegalidade das liquidações, por dois colectivos deste Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 9 de junho de 2021 proferido no processo nº 837/04.1BEPRT e, mais recentemente em acórdão de 19 de maio de 2022, proferido no processo n.º 358710.3BEPRT, do qual passamos a transcrever daquele outro o relevante, com recurso à jurisprudência do TJUE no sentido da demais já citada pelo tribunal a quo, e que consolida o ali referido:
«(...) Aliás, decorre do art.2.º, n. º1, da sexta directiva que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Por esse motivo importa procurar encontrar as características da operação em causa e determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor - entendido como consumidor médio - diversas prestações principais distintas ou uma prestação única, ainda que composta por vários elementos.
Ora, a autora citada refere que a jurisprudência comunitária defende que os elementos essenciais da transacção devem ser identificados de forma a determinar se o sujeito passivo está a fornecer ao consumidor várias prestações de serviços principais ou uma prestação de serviço única. A jurisprudência considera que se está perante uma prestação única (ainda que composta), no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados prestação principal ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal, numa aplicação da regra accessorium sequitur principale. Os elementos que compõem uma prestação podem ser parte integrante da mesma ou serem-lhe meramente acessórios.
Do que vem sendo dito, poderá, e no caso tem, ter aplicação em situações como nos autos, em que acoplado a uma transmissão de bens está também, a título acessório ou dependente, um serviço que beneficia, em boa medida, ambas as partes, proveniente de uma acção que promove ou potencia, o negócio, vender mais e mais barato e quem fornece aumenta exponencialmente as suas vendas ou fornecimento de bens, afastando, outros concorrentes com produtos similares, por sua vez, o adquirente dos bens, vai vender mais barato no quadro da concorrência, sem que se destaque uma prestação de serviço, em sentido autónomo, pois, não se figura entre a concreta prestação de serviço e o contravalor recebido (no caso o aumento das vendas na esfera do fornecedor) qualquer nexo directo entre o serviço prestado e o beneficio auferido pela contraparte.
A este respeito da conexão entre prestação de serviço e contravalor veja-se o Ac. do TJUE de 11-03-2020, no processo C-94/19, caso San Domenico Vetraria SpA, no qual se afirma que:
A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transacção entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de Junho de 2016, Èeský Rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.º 20 e jurisprudência referida). 21. Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo de um serviço prestado ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de Junho de 2016, Èeský rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.ºs 21 e 22 e jurisprudência referida; de 22 de Novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C 295/17, EU:C:2018:942, n.º 39; e de 3 de Julho de 2019, Uni Credit Leasing, C 242/18, EU:C:2019:558, n.º 69). (…) Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe um nexo directo quando duas prestações estão reciprocamente condicionadas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de Março de 1994, Tolsma, C 16/93, EU:C:1994:80, n.ºs 13 a 20, e de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck, C 258/95, EU:C:1997:491, n.ºs 15 a 17), ou seja, uma prestação só é efectuada na condição de a outra também o ser, e reciprocamente (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, EU:C:1988:508, n.º 14, e de 2 de Junho de 1994, Empire Stores, C 33/93, EU:C:1994:225, n.º 16).
Concluindo que: O artigo 2.º , ponto 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em virtude da qual não são considerados relevantes para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado os empréstimos ou destacamentos de pessoal de uma sociedade mãe para a sua filial, realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respectivos, quando os montantes pagos pela filial à sociedade mãe, por um lado, e esses empréstimos ou destacamentos, por outro, estiverem reciprocamente condicionados.
O art. 16., n.º 1, do CIVA estatui que, o valor tributável das transmissões e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo adquirente, do destinatário ou de terceiro.
Não sendo possível estabelecer essa relação entre prestação de serviço e o contravalor recebido, apenas resta concluir que o que subjaz a toda a operação é um abatimento ao preço ou um desconto comercial, deste modo estando excluído da incidência do IVA, como decorre do n.º 6, al. b) do art. 16.º do CIVA, do valor tributável, referido no número anterior, serão excluídos: os descontos, abatimentos e bónus concedidos.
Como se refere no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, a que a recorrente faz expressa menção nas suas conclusões, a contraprestação deve ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo directo que vincule a prestação e a contraprestação efectuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente directo e a expressão subjectiva, tem o significado de é necessário partir dos dados reais da operação em causa.
A mesma autora supracitada, refere que a concessão de descontos, abatimentos e bónus é uma prática frequente para incentivar as vendas, que tem como consequência a redução do preço de aquisição dos correspondentes bens ou serviços. A razão da exclusão do valor tributável dos descontos deve ao facto de implicarem ausência de contravalor, susceptível de determinação pecuniária, proporcionado pelo comprador do bem ou pelo destinatário do serviço.
Em sentido similar, veja-se, o acórdão do TJUE de 19-12-2012 no caso GRATTAN plc, o art. 8.º al, a) da Segunda directiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes a impostos sobre o volume de negócios: Para determinar se o artigo 8.°, alínea a), da Segunda directiva impunha aos Estados Membros que permitissem a modificação do respectivo contravalor e, portanto, a correcção da matéria colectável após o momento em que ocorreu o facto gerador do imposto, há que analisar igualmente as disposições dessa directiva em matéria de cálculo, declaração e pagamento do IVA. Com efeito, a determinação da matéria colectável pressupõe um contravalor e um facto gerador. Cumpre salientar, a este respeito, que o artigo 5. °, n.º 5, da Segunda directiva previa que «o facto gerador do imposto ocorre no momento em que [é efectuada] a entrega». A expressão «facto gerador do imposto» constante desta disposição era definida no ponto 8 do anexo A da mesma directiva como «nascimento da dívida fiscal». Há que constatar que nenhuma disposição da Segunda Directiva previa a fixação da ocorrência do facto gerador do imposto num momento posterior, ou o seu adiamento por qualquer outra forma. Esta directiva também não contém nenhuma disposição que previsse a modificação da dívida fiscal já constituída. Nestas condições, tem de se considerar que, nos termos do artigo 5. °, n.º 5, da Segunda Directiva, a dívida fiscal do sujeito passivo se constituía com base no montante resultante da matéria colectável determinada à data da entrega. Há pois que referir que nem o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva nem nenhuma outro artigo da Segunda Directiva podia ser interpretado no sentido de que era obrigatório permitir a regularização da matéria colectável, ou do imposto pago a jusante, depois da entrega, que constitui o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, com o que declara que: O artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não confere ao sujeito passivo o direito de considerar reduzida a posteriori a matéria coletável de uma entrega de bens quando, após a conclusão dessa entrega de bens, um agente venha a receber do fornecedor um crédito que pode optar por receber sob a forma de um pagamento em dinheiro ou sob a forma de um crédito compensável com os montantes em dívida ao fornecedor por entregas de bens já realizadas.
Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento e de aplicação das normas do IVA em matéria de descontos promocionais, comercias ou de quantidade, acordados contratualmente entre ela e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estando ao abrigo do art. 16.º, n.º 6, al. b) sujeita a IVA, sendo de confirmar a sentença recorrida.» (fim de citação)
Munidos destes considerandos, e do todo exposto, improcede a pretensão da Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

2.2.3. Da dispensa do remanescente
O valor do processo ascende a € 391.857,27 (valor inscrito) e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, e conforme requerido pela Recorrente, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual da Recorrente não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

2.3. Conclusões
I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito.
II. Ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artigo 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito) o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, devendo hoje continuar a entender-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam, desprovidos de juízos conclusivos e/ou matéria de direito.
III. Não tendo sido provadas concretas e individuais prestações de serviços a título oneroso aos fornecedores do grande retalhista, não estão reunidos os elementos do conceito de prestação de serviços onerosa apara efeitos de tributação em IVA segundo os artigos 1º nº 1 alª a) e 4º do CIVA.
IV. A AT não pode tributar com IVA, de modo generalizado e in bloco, o valor dos descontos de fornecedores que, segundo um contrato de condições gerais de fornecimento, teriam contrapartidas em serviços diversos de promoção e distribuição e outros, junto dos clientes, relativamente aos produtos fornecidos.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa total do remanescente da taxa de justiça.
Porto, 02 de fevereiro de 2023
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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[14] Cfr. Art. 639.º do CPC, ex vi art. 2.º e) do CPPT.
[15] Arts. 99.ª, 124.ª CPPT e 135.ª CPA.