Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00379/09.9BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:SANEADOR-SENTENÇA ; NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE FORMALIDADE PREVISTA NA LEI
Sumário:I-Findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial do ou dos pedidos deduzidos, ou de alguma excepção peremptória.
II-Trata-se de uma faculdade que visa promover a economia, a celeridade e a simplificação processuais, permitindo antecipar o conhecimento do mérito da causa, na fase de saneamento, relativamente a questões que aí possam ser desde logo decididas.
III-O juiz poderá usar esta faculdade quando para dar resposta ao pedido formulado não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo,
III.1-significa isto que, sempre que as partes tenham alegado factos que não se devam considerar provados por algum destes meios - existindo, portanto, matéria de facto controvertida -, o Tribunal está impossibilitado de conhecer do mérito da causa no despacho saneador, tendo obrigatoriamente de determinar a abertura da fase de instrução, para que as partes tenham oportunidade de demonstrar a veracidade desses factos;
III.2-no caso sub judice a necessidade de produção de prova relativamente a alguns dos factos alegados pela Recorrente e Recorridas era evidente, tendo sido reconhecida pelo próprio Tribunal, que elaborou mesmo uma base instrutória onde incluiu os pontos de facto controvertidos necessitados de prova;
III.3-neste quadro, nunca poderia o Tribunal a quo, decidir conhecer de imediato do mérito da causa, proferindo, como fez, um despacho saneador sentença.
IV-Ao proceder desta forma, o despacho sob censura incorreu num vício que determina a nulidade da decisão “por oposição entre os fundamentos e a decisão”, isto é, por contradição entre a decisão de índole processual de conhecer antecipadamente o mérito da causa e os respectivos fundamentos (artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA e Outro(s)...
Recorrido 1:TCGL – TERMINAL DE CARGA GERAL E DE GRANÉIS DE L..., SA e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos autos acima referenciados, em que são Autoras TCGL – TERMINAL DE CARGA GERAL E DE GRANÉIS DE L..., SA, com sede na Av. … e AVP... – SOCIEDADE OPERADORA PORTUÁRIA DE A..., LDA, com sede no…, e Rés APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, com sede no … e SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA, com sede na Av. …, foi proferido Saneador-Sentença que julgou a acção procedente, anulando-se o contrato celebrado entre as 1ª e 2ª Rés APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA e SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA, com todos os efeitos legais.

Deste vem interposto recurso pela Ré APA-ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., S.A., que, nas alegações, formulou as seguintes conclusões:
I - No saneador/ sentença recorrido não surgem discriminados os factos que, integrando a Base Instrutória por si seleccionada, o Tribunal o quo considerou provados.
II - Ao não estabelecer qual a matéria de facto controvertida que considerou provada, omitindo resposta a cada um dos artigos insertos na Base Instrutória, o Tribunal a quo postergou o principio da legalidade material a que se encontra vinculado nos termos do preceituado no artigo 659º, nº 2 do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º do C.P.T.A. .

III - Enferma, pois, o saneador/ sentença recorrido da nulidade estabelecida na primeira parte da al. b) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º do C.P.T.A..
IV - A selecção da matéria de facto controvertida para a apreciação do contrato dos autos levada a cabo pelo Tribunal a quo e a final determinar a sua anulação revela-se deficiente.

V - É patente nos autos que a Recorrente e os demais sujeitos processuais não intervieram na selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa nem puderam até agora reclamar daquela que foi incluída pelo Tribunal a quo na Base Instrutória, com fundamento na sua obscuridade e deficiência.

VI - A factualidade que no saneador/sentença a quo foi levada à Base Instrutória, atenta aquela que foi alegada pelas partes nos seus articulados, mormente pela aqui Recorrente, mostra-se insuficiente para a boa decisão da causa e correcta aplicação do direito.
VII- Tendo o Tribunal a quo elegido como questão jurídica nuclear para a decisão a proferir a de saber se para além da concessão de uso privativo de parcela dominial o contrato dos autos também contempla a concessão de serviço público de movimentação de cargas em área portuária, deveria ter inserido na Base Instrutória artigos nos quais fosse quesitada a factualidade alegada pelas partes nos artigos 34º a 42º da contestação da Recorrente e artigos 1º e 4º a 8º da contestação da Ré “Scp...”, com a redacção sugerida na alegação supra pontos 1) a 10).

VIII- Ao desconsiderar tal factualidade alegada pela Recorrente e pela 2ª Ré nas suas peças de contestação o Tribunal a quo obnubilou que a organização da base instrutória deve ter em conta toda a matéria de facto articulada, relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, pelo que deveria ter sido adaptada às necessidades de todas elas, em vez de a ter restringido de molde a consentir uma só e pré-determinada solução, como in casu ocorreu.

IX – Justifica-se, pois, que o Tribunal ad quem use a prerrogativa conferida pelo nº 4 do artigo 712º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA para anular o julgamento de molde a ampliar a matéria de facto e a formulação de novos quesitos, com a redacção sugerida nos pontos 1) a 10) da alegação supra, por se revelarem indispensáveis à discussão e boa decisão da causa, nos termos do disposto na al. f) do artigo 650º do C.P.Civil.

X - Ao inserir tal matéria de facto na Base Instrutória, o Tribunal estaria a contribuir a boa decisão da causa em presença do direito aplicável, apurando desde logo, qual o título que consente à Ré “Scp...” a movimentação de cargas no TGS do Porto de A... ao invés de concluir, precipitada e erroneamente, como fez o douto saneador / sentença recorrida que “…quando a 2ª Ré Scp... presta ao público a atividade de movimentação de cargas, age ao abrigo do contrato que celebrou com a 1º Ré APA…” .

XI - Ao ter arredado da base instrutória as questões fácticas enunciadas nos pontos 1) a 10) da alegação, o Tribunal a quo coarctou a possibilidade do Tribunal de recurso se encontrar habilitado com a matéria de facto que lhe permita aplicar o direito nos termos que julgue os mais adequados, violando o disposto nos artigos 511º, nº 1 e 664º ambos do C.P.C. aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA.

XII – O título pelo qual a Ré”Scp...” movimenta cargas no TGS e noutros terminais do Porto de A... não é o contrato em apreço nos autos, mas sim a licença de estiva de que é titular.

XIII - Tal asserção teria sido alcançada pelo Tribunal a quo se não tivesse omitido, como fez, a pronúncia sobre tal questão nuclear suscitada pelas partes, em particular pela aqui Recorrente nos artigos 34º a 42º da sua contestação, em flagrante desvio do preceituado no nº 2 do artigo 660º do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º do C.P.T.A. .

XIV - Ao omitir resposta à matéria de facto por si inserta no artigo 7º da Base Instrutória e desconsiderar a formulação dos quesitos correspondentes a essa matéria de facto alegada pela Recorrente e vertidos nos pontos 1) a 7) da alegação supra, o saneador/sentença a quo padece da nulidade prevista na al. d) do artigo 668º do C.P.Civil aplicável ex vi do artigo 1º do C.P.T.A..

XV- Ao não apreciar tal matéria de facto o Tribunal a quo fez errada e interpretação e qualificação do contrato em apreço nos autos qual seja a de que o mesmo “ configura um ato jurídico que atribui ao concessionário um direito, autorizando-o a fazer algo que até então lhe estava vedado” e materializa “….o direito da concessionária Scp... gerir o serviço de movimentação de carga portuária legalmente qualificado como serviço público”.

XVI - O Tribunal a quo nem sequer apreciou, como devia, postergando o preceituado no nº 2 do artigo 660º do C.P.C. e inquinando de nulidade a decisão recorrida nos termos do consagrado na primeira parte da al. d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., ex vi do artigo 1º do CPTA, que o contrato dos autos prevê expressamente que a Recorrente possa atribuir no TGS do porto de A... uma concessão de exploração do serviço público de movimentação de cargas (cfr. Cláusula Quinta, nº 2) abrangendo a parcela concedida à Ré “Scp...”, e ainda que o mesmo estabelece que, nessa hipótese, ocorrerá então a sua extinção, mediante o pagamento de indemnização nos termos legais.

XVII – Mau grado o contrato conter cláusulas que se referem à movimentação de cargas pela Ré “Scp...” esta procede à movimentação das referidas cargas no TGS do Porto de A..., não ao abrigo do contrato dos autos, mas enquanto empresa de estiva licenciada para o efeito pela Recorrente.

XVIII- Outras empresas de estiva podem movimentar cargas livremente no TGS do Porto de A..., nos mesmos termos que a Ré “Scp...”, pelo que inexiste o exclusivo da exploração comercial que é característica típica do contrato de concessão de serviço público de movimentação de cargas;

XIX- O saneador/sentença recorrido faz errada aplicação do regime legal da movimentação de cargas estabelecido no Decreto-Lei 298/93, desconsiderando que uma empresa de estiva licenciada para actuar numa dada zona portuária tem direito a movimentar cargas em qualquer área de prestação de serviço público que não esteja compreendida numa área abrangida por uma concessão de serviço público, como ocorre no caso dos autos quer com a Autora “Avp..., Lda” quer com a Ré “Scp..., S.A.”.

XX – O saneador/sentença recorrido cingiu-se à apreciação e interpretação fragmentária de cláusulas do contrato dos autos, fazendo tábua rasa de factualidade relevante para a boa aplicação do direito, qual seja a de que o mesmo prevê expressamente a possibilidade de a Recorrente atribuir uma concessão de serviço público de movimentação de cargas sobre o TGS do Porto de A..., o que determinará a extinção do contrato e afasta a qualificação deste como concessão de serviço público;

XXI - Da celebração do contrato dos autos não resulta para a Recorrente qualquer restrição quanto à possibilidade de atribuir outros usos privativos sobre outras parcelas do TGS do Porto de A....

XXII - Os direitos da Ré “Scp...” enquanto concessionária de uso privativo de uma parcela do TGS apenas a protegem quanto a eventuais ofensas do uso privativo na área afecta à concessão e delimitada através do contrato dos autos, não lhe conferindo o poder de se opor à atribuição de outros usos privativos pela Recorrente.

XXIII - Sendo o contrato dos autos um mero contrato de concessão de uso privativo de uma parcela dominial, estava sujeito ao regime do DL 468/17, de 5/11, e a sua celebração não teria de ser precedida de concurso público, inexistindo qualquer vício que afecte a sua validade.

XXIV – O saneador/sentença recorrido ao sustentar que ao contrato dos autos são aplicáveis as normas constantes dos DL 298/93, de 28/08, mormente o seu artigo 27º, o preceituado no DL 324/94, de 30/12, e nos artigos 182º, nº 1 e 183º, ambos do C.P.A., faz errada interpretação e aplicação do direito aos factos, violando o disposto no artigo 685º-A, nº 2, al. a) e c) do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA..

Nestes termos e nos melhores de Direito que serão supridos, deverá a Sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências, pois que, assim se fará inteira, cabal e plena
JUSTIÇA
A co-Ré Scp... – Sociedade de Cargas Portuárias (A...), S.A. também recorreu, tendo concluído, nas alegações, que:
1.ª Ao tomar a decisão processual de, findos os articulados, e “não obstante a existência de matéria de facto controvertida”, conhecer imediatamente do mérito da causa, ao abrigo do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o Tribunal a quo incorreu num vício que gera a nulidade do despacho saneador sentença então proferido, por contradição entre fundamentos da decisão e decisão (cfr. artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC);

2.ª Com efeito, após reconhecer que, entre “a matéria de facto alegada pelas partes que se mostra relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis de direito”, existia um conjunto de factos que não tinham sido provados pelas partes – os quais integrou numa base instrutória –, a única decisão processual admissível, do ponto de vista lógico-jurídico, era a de determinar a abertura da instrução;
3.ª Tendo o TAF de A..., ao invés, concluído que este “estado do processo permitia, sem necessidade de produção de prova, conhecer do mérito da acção”, ele incorreu numa manifesta e inegável contradição entre a decisão processual tomada e os fundamentos invocados para a justificar, a qual vicia a sentença recorrida de nulidade, impondo a sua anulação;
4.ª No caso de não se reconhecer que a situação descrita configura uma nulidade de sentença – hipótese que se admite por mera cautela de patrocínio –, então sempre terá de se concluir que ela corresponde, pelo menos, a uma nulidade processual;
5.ª Com efeito, a lei impõe, como momento imprescindível da estrutura processual da acção administrativa comum, que, sempre que existam factos relevantes para o exame e decisão da causa que devem considerar-se controvertidos, se determine a realização de uma fase de instrução, que permita às partes demonstrar a veracidade da alegação por elas feita relativamente a tais factos - cfr. artigo 35.º, n.º 1, do CPTA e artigo 513.º do CPC;
6.ª Assim, ao ter reconhecido que existe matéria de facto controvertida e que essa matéria é relevante para a decisão da causa e, em seguida, não ter dado início à fase de produção de prova, o Tribunal a quo incumpriu o formalismo processual exigido pela lei, incorrendo numa nulidade processual, que justifica a anulação da sentença recorrida;
7.ª A sentença recorrida, ao decidir-se pela anulação do contrato de 11 de Agosto de 2006, assentou no pressuposto fundamental de que, “quando a Ré Scp... presta ao público a actividade de movimentação de cargas, age ao abrigo do contrato que celebrou com a Ré APA”;
8.ª Com efeito, é com base neste entendimento – segundo o qual teria sido o referido contrato a atribuir à Recorrente o direito de realizar operações portuárias no Terminal de Granéis Sólidos – que o TAF de A... conclui que, na formação daquele acordo, foi violado quer o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto (que determina que a atribuição de tal direito, por contrato de concessão de serviço público portuário, seja necessariamente precedida da realização de um concurso público), quer o artigo 183.º do CPA (que erige o concurso público em procedimento-regra a adoptar pelas administrações públicas na selecção dos respectivos co-contratantes);
9.ª Sucede que o referido entendimento – pressuposto fundamental em que assenta toda a ratio decidendi da sentença recorrida – é, na realidade, juridicamente incorrecto: com efeito, ao considerar que o direito da Recorrente de prestar um serviço público de movimentação de cargas tem como fonte jurídica constitutiva o contrato de 11 de Agosto de 2006, o Tribunal a quo caiu num manifesto erro de julgamento, que afecta a decisão proferida, em toda a sua extensão;
10.ª Com efeito, analisando o conteúdo daquele contrato, verifica-se, sem margem para dúvidas, que nenhuma das cláusulas que o integram tem por efeito a atribuição à Recorrente desse direito – na verdade, apenas se vislumbram no seu clausulado preceitos que se referem a essa actividade, pressupondo que a concessionária Scp... era já titular da capacidade para a exercer, razão pela qual a ela aludem numa perspectiva exclusivamente obrigacional;
11.ª Na verdade, o contrato impugnado, a este respeito, apenas impõe à Recorrente obrigações, ou seja, situações jurídicas de cariz passivo – estabelecendo, por exemplo, na cláusula 8.ª, n.º 1, que a concessionária “se obriga a movimentar um mínimo anual de carga no terminal onde a área concessionada se localiza” –, não contendo qualquer facto jurídico constitutivo que seja apto a alargar a esfera jurídica activa da Recorrente, atribuindo-lhe uma faculdade – a de gerir um serviço público portuário – que ela, à partida, não dispusesse;
12.ª Tal contrato, não só não materializa a transferência para a Recorrente da responsabilidade pela tarefa administrativa de garantir a utilidade pública de circulação, por via da operacionalização de uma infra-estrutura portuária para a movimentação de fluxos de mercadorias, como tão pouco define minimamente as condições em que tal actividade deve ser exercida (prevendo obrigações de serviço público, a respeitar pelo operador, que são imprescindíveis em qualquer contrato concessório deste tipo) ou fixa a remuneração devida à autoridade portuária pelo desenvolvimento da actividade concessionada, razão pela qual se revela por demais evidente que aquele acordo nunca poderia assumir a configuração de um contrato de concessão de serviço público portuário porque não reúne nenhum dos elementos essenciais deste tipo contratual;

13.ª Assim, a mera circunstância de se concluir que, ao contrário do que sustenta o tribunal a quo, o contrato de 11 de Agosto de 2006 não habilita a Recorrente a exercer a actividade pública de movimentação de cargas, é por si só suficiente para se perceber que a sentença recorrida incorre num erro de julgamento que vicia todo o seu conteúdo decisório, pois da ausência de tal dimensão concessória – como direito cuja fonte seja o contrato – resulta, por conseguinte, a desnecessidade de preceder a formação de tal acordo de um procedimento concursal, quer ao abrigo do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 298/93, quer em face do disposto no artigo 183.º do CPA;
14.ª Adicionalmente, tal erro de julgamento advém ainda da circunstância de o Tribunal a quo não ter reconhecido que, como alegara a Recorrente na sua contestação, a verdadeira fonte do direito da Scp... a exercer a actividade de movimentação de cargas no Terminal de Granéis Sólidos consiste num acto administrativo autorizativo;
15.ª Com efeito, quando esta entidade realiza operações portuárias de embarque e desembarque de granéis agro-alimentares nesse Terminal, está a actuar enquanto empresa de estiva autorizada pela APA a exercer essa actividade nos termos das “Normas transitórias para utilização do terminal de granéis sólidos do porto de A... (aprovadas por esta entidade, em 2006, para definir as condições em que, na área portuária abrangida por este terminal e até ao momento em que a sua exploração seja atribuída a um privado em regime de concessão de serviço público, se podem realizar operações portuárias de embarque e desembarque de cargas);
16.ª Esse acto administrativo autorizativo é, no caso, um acto implícito, que se depreende de um conjunto de actuações materiais e decisões jurídicas da responsabilidade da APA que, tendo directamente um outro objecto e conteúdo, revelam, com toda a probabilidade, uma manifestação de vontade implícita dessa autoridade portuária no sentido de habilitar a Recorrente a exercer temporariamente a actividade de movimentação de cargas ao abrigo das Normas transitórias;
17.ª Entre estes comportamentos destacam-se os actos de liquidação de taxas, através dos quais, desde 2006, a APA tem vindo a cobrar à Recorrente, sempre que esta presta a terceiro um serviço de operação portuária, a taxa que considera devida por essa operação nos exactos termos fixados no artigo 3.º das Normas transitórias: com efeito, é manifesto que tais actos pressupõem necessariamente a existência de uma vontade dirigida a um conteúdo que não vem expresso na declaração – o de habilitar o destinatário a exercer a actividade portuária que justifica o pagamento de tais taxas;

18.ª O correcto enquadramento jurídico da situação sub judice revela-nos, pois, que a Recorrente é titular de duas posições jurídicas subjectivas distintas provenientes de fontes também diferenciadas: por um lado, integra a sua esfera jurídica (i) o direito de uso privativo de uma parcela dominial situada no Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A..., que lhe foi conferido pelo contrato de 11 de Agosto de 2006; por outro, ela, enquanto empresa de estiva, é titular (ii) do direito de gerir a actividade de movimentação de cargas no cais público localizado no mesmo Terminal, tendo esse direito lhe sido atribuído, temporariamente, por uma autorização emitida pela APA ao abrigo das Normas transitórias (autorização que, ainda que não tenha sido formalmente titulada, decorre implicitamente da prática de um conjunto de actos jurídicos que traduzem concludentemente essa vontade);
19.ª Só pode, pois, concluir-se que o Tribunal a quo errou ao anular tal contrato com fundamento no facto de ele não ter sido precedido de um concurso público, pois as normas legais de onde retira tal exigência procedimental – o artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 298/93 e o artigo 183.º do CPA – pressupõem, de acordo com o seu próprio entendimento, que tivesse sido o referido acordo a conferir à Recorrente a posição de concessionária de um serviço público portuário – o que, na realidade, não sucedeu;
20.ª De facto, aquele contrato apenas atribui à Recorrente o direito de uso privativo de uma parcela do domínio público marítimo, o qual, sublinhe-se, nos termos da legislação vigente no momento da sua celebração, poderia ser concedido sem que previamente fosse respeitado um procedimento pré-contratual concorrencial (não resultando tal exigência nem do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro – diploma que definia, em Agosto de 2006, o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico –, nem do artigo 183.º do CPA – que disciplinava o método de selecção dos co-contratantes da Administração, mas apenas relativamente aos contratos administrativos de colaboração);
21.ª Devendo entender-se que o contrato de 11 de Agosto de 2006 não é afectado por uma invalidade resultante da preterição de procedimento concursal prévio, conclui-se que a sentença recorrida, ao formular um juízo invalidante sobre aquele acordo com tal fundamento, incorreu num erro de julgamento que justifica a sua anulação;
22.ª Mesmo que se admitisse, porém, o bem fundado de tal juízo invalidante – hipótese que aqui se equaciona por mera cautela de patrocínio –, nem assim seria de justificar a manutenção da sentença recorrida, pois, a confirmar-se a pretensa invalidade do contrato de 11 de Agosto de 2006, esta deveria determinar a reforma de tal acordo e, nunca, a sua anulação total;
23.ª Com efeito, se o TAF de A... defende que esse contrato tem uma vertente de concessão de uso privativo e uma vertente de concessão de serviço público portuário e, ao mesmo tempo, reconhece que o concurso público apenas seria exigível para a formação de contratos de concessão de serviço público, então a consequência lógica deste raciocínio (a admitir-se, por cautela, a sua procedência) seria a de concluir que aquele contrato apenas estaria viciado de invalidade na parte em que regula o exercício dessa actividade portuária (e nunca na parte em que confere à Scp... o direito de uso privativo de uma parcela dominial);
24.ª Ora, nestas circunstâncias, quer o princípio geral da conservação dos negócios jurídicos, quer o princípio da proporcionalidade impunham que o TAF de A... tivesse feito uso do instrumento da reforma (cfr. artigo 137.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 185.º, n.º 3, alínea a), do CPA), restringindo o efeito anulatório decorrente do vício procedimental de preterição de procedimento concursal à parte do clausulado do contrato de 11 de Agosto de 2006 que respeita à regulação da actividade de movimentação de cargas;
25.ª Ao ter optado, antes, pela anulação total de tal acordo, o Tribunal “a quo” incorreu num manifesto erro de julgamento, que também justifica a revogação da sentença anulatória.

As Autoras juntaram contra-alegações, concluindo assim:
a) A sentença recorrida julgou, no saneador, a acção procedente e anulou o contrato celebrado entre as 1ª e 2ª Rés, ora Recorrentes, com o fundamento de que o mesmo violou o disposto nos artigos 27º e ss. do regime jurídico da operação portuária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/93, de 28 de Agosto e no artigo 183º do Código do Procedimento Administrativo, por preterição de prévio procedimento de concurso público nos termos ali previstos e regulados, conduzindo tal violação à anulabilidade do contrato – cfr. o artigo 135º do CPA – atento o princípio da identidade de desvalor jurídico entre o contrato e os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração, acolhido no artigo 185º, nºs 1 e 3 alínea a) do CPA;
b) no Despacho de 21 de Novembro de 2009 o Tribunal a quo decidiu que afigura-se não existir matéria de facto controvertida que importa à decisão da causa, pelo que o estado do processo permitirá o conhecimento do mérito da causa em sede despacho saneador ( artigo 510º nº1 alínea b) do CPC ), tornando-se, assim, desnecessária a convocação da Audiência Preliminar – sublinhado nosso -, sendo que a mesma afirmação e conclusão consta do saneador-sentença a quo;
c) A regra constante do artigo 510º, nº 1, alínea b) do CPC é clara ao afirmar que o juiz pode conhecer imediatamente do mérito da causa sempre que o Estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, pelo que tal é dizer que o juiz pode, independentemente da matéria de facto afirmada nos autos ser, ou não, considerada totalmente provada, decidir o mérito da causa no saneador, pelo que a lei não impõe, ao contrário do que é alegado pelas ora Recorrentes, que a decisão do processo no saneador apenas pode ocorrer se não existir nos autos matéria controvertida: o que se exige é que o juiz da causa entenda, da análise dos factos alegados e do Direito afirmado pelas partes, que está em condições de decidir;
d) Ora a Senhora Juíza entendeu que, apesar da existência de factos controvertidos, se encontrava em condições de decidir do mérito da causa, ao que estava habilitada pela lei nos termos do citado artigo 510º, nº 1, alínea b) do CPC, pelo que falece razão às ora Recorrentes quando invocam a nulidade da sentença recorrida com o alegado fundamento na inexistente contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão propriamente dita;
e) Não têm razão as ora recorrente quando alegam, subsidiariamente, a ocorrência de uma nulidade processual por inexistência de fase de instrução, visto que esta apenas é imposta, como referido, quando existam factos controvertidos relevantes para a decisão da causa;
f) Ora, uma vez que, como manifestamente cuidou o Tribunal a quo de afirmar sem margem para dúvidas, que os factos controvertidos não eram relevantes para a decisão da causa, encontrando-se, pelo contrário, o processo em condições de ser decidido no saneador, é óbvio que não se verifica qualquer nulidade processual por inexistência da fase de instrução;
g) Nem se diga, como pretende a ora Recorrente APA, que o Tribunal deveria ter inserido na base instrutória artigos nos quais seria quesitada a pretensa factualidade alegada pelas partes nos artigos 34º a 42º da contestação da Recorrente APA e nos artigos 1º e 4º a 8º da contestação da Ré Scp..., com a redacção sugerida na respectiva alegação, visto que em tais artigos é alegada matéria de Direito e não de facto, pelo que os mesmos não deveriam – como não foram – quesitados na Base Instrutória;
h) Com efeito nos preceitos 34º a 42º da Contestação a ora Recorrente APA afirma, genericamente, que a actividade da ora Recorrente Scp... no denominado Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A... é pretensamente regulada pelas normas transitórias por ela aprovadas e não ao abrigo do contrato de concessão em crise nos autos: assim é, de facto, com o referido nos artigos 34º, 35º, 36º, 37º, 40º, 41º e 43º, enquanto que nos artigos 38º e 39º a ora Recorrente limita-se a afirmar que tanto a ora Recorrente Scp..., como a ora Recorrida Avp... são empresas de estiva licenciadas para actuar no porto de A...;
i) O mesmo se passa com a matéria afirmada nos citados artigos da contestação da ora Recorrente Scp...: no artigo 1º da contestação da Scp... refere-se que a empresa é uma empresa de estiva, sendo que nos artigos 4º e 5º menciona-se que a empresa celebrou um contrato de concessão de uso privativo e nos artigos 6º, 7º e 8º a Scp... afirma que no Terminal de Granéis Sólidos do porto de A... realiza operações portuárias ao abrigo das alegadas normas transitórias de utilização desse terminal;
j) Ora, a questão de saber se a ora Recorrente Scp... exerce a sua actividade no Terminal de Granéis Sólidos do porto de A... ao abrigo das citadas normas provisórias para os efeitos de, alegadamente, saber se o contrato em crise nos autos e que outorgou com a APA é, ou não, um contrato de concessão da actividade de movimentação de cargas portuárias, é claramente matéria de Direito e não de facto, pelo que não tinha, nem devia ter sido inserida na base instrutória constante do despacho saneador;
k) Em qualquer caso certo não tem razão quanto invocam as ora Recorrentes sobre as regras que disciplinariam a actividade da ora recorrente Scp... na parcela concessionada, visto que as normas transitórias invocadas pelas ora Recorrentes se aplicam apenas à actividade das empresas de estiva nas áreas de uso comum do Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A..., enquanto que o contrato de concessão da parcela concessionada à ora Recorrente Scp... se aplica, sim, à actividade desta enquanto empresa de estiva exercida nessa parcela que lhe foi concessionada nesse mesmo Terminal;
l) Pelo que é errado dizer, como fazem as ora Recorrentes, que a actividade da Scp..., enquanto empresa de estiva, exercida na concessão atribuída pelo contrato em crise nos autos seria disciplinada por essas normas transitórias e não pelo contrato de concessão;
m) Questão diferente é o regime jurídico das empresas de estiva, que é aplicável independentemente do local onde estas exerçam a sua actividade – seja nas áreas de uso comum dos portos, seja nas áreas de uso privativo, seja nas áreas de concessão da operação portuária – consagrado principalmente no Decreto-lei nº 298/93 e nos regulamentos portuários, que determinam, v.g., os pressupostos exigidos para o licenciamento das empresas de estiva, os seus requisitos de actuação, os direitos e deveres dessas empresas, o regime da responsabilidade, etc.;
n) Assim, é imperioso distinguir as normas que regulam a actividade das empresas de estiva, das normas que estabelecem o regime jurídico das áreas portuárias em função do respectivo tipo de utilização – uso comum, uso privativo ou concessão do serviço público da operação portuária - onde essa actividade de movimentação de cargas é exercida;
o) Mal comparado, a licença de empresa de estiva corresponderia à licença de condução, que permitem o exercício de determinadas actividades em qualquer local em que podem ser exercidas; já o contrato em crise nos autos corresponderia a uma concessão viária, no âmbito das quais as entidades licenciadas para o exercício das respectivas actividades teriam ainda de se sujeitar às específicas regras de utilização dessas concessões;
p) Nestes termos, no Terminal de Granéis Sólidos do porto de A... existem áreas de uso comum por todas as empresas de estiva – como acontece com a ora Recorrente Scp... e a ora Recorrida Avp... que actuam em concorrência na áreas de uso comum do referido Terminal - e áreas de uso exclusivo – como acontece no caso do contrato em crise os autos -, sendo que as normas transitórias alegadas pelas ora Recorrentes apenas se aplicam à actividade das empresas de estiva exercida nessa área de uso comum –, enquanto que as regras decorrentes do contrato de uso exclusivo – rectius privativo – em crise nos autos se aplicam à actividade exercida nessa concessão pela ora Recorrente Scp... enquanto empresa de estiva;
q) Repare-se que no 2º considerando dessas normas se refere expressamente que existem ainda áreas portuárias não concessionadas nas quais, enquanto não for definido outro regime de exploração, podem ser movimentadas cargas por operadores licenciados, pelo que essas normas provisórias vieram, ao contrário do que pretendem as ora Recorrentes, exclusivamente regular a utilização dessas áreas de uso comum e não as áreas de uso exclusivo, cuja utilização é feita com base nos respectivos títulos – usos privativos ou contrato de concessão propriamente dito;
r) O Tribunal a quo considerou de forma correcta que o contrato celebrado entre as ora Recorrentes se subsumia, na sua natureza, a um contrato de concessão do serviço púbico de movimentação de cargas portuárias;
s) Das regras gerais da actividade de movimentação de cargas e das concessões portuárias resulta, sem margem para outra interpretação, que a actividade de movimentação de cargas a prestar ao público por empresas de estiva deve ser realizada, em primeira linha, em regime de concessão do serviço público de operação portuária;
t) Com efeito no artigo 2º, alínea e), do Decreto-Lei 298/93 refere-se que o serviço público de movimentação de cargas é aquele que é prestado a terceiros pelas empresas de estiva com fins comerciais na zona portuária, sendo que no artigo 3º, nº 2 alínea a) desse mesmo diploma se refere que a actividade de movimentação de cargas pode ser prestada, desde logo, ao público mediante concessão de serviço público a empresas de estiva, concessão a qual deve ser outorgada por contrato administrativo de concessão de serviço público nos termos do Decreto-Lei nº 324/94, e do artigo 26º ainda do mesmo Decreto-Lei nº 298/93 a qual pode integrar também uma concessão de obras públicas;
u) Já nos termos do nº 3 do artigo 3º do referido Decreto-Lei nº 298/93 a prestação ao público da actividade de empresa de estiva na zona portuária de uso comum apenas deve ter lugar em situações particulares nele enumeradas;
v) E também resulta desse regime que as concessões da actividade de movimentação de cargas nos portos têm de ser atribuída mediante concurso público que concretize os objectivos práticos que o legislador teve em vista aquando da elaboração do diploma – cfr. os artigos 27º do Decreto-Lei nº 298/93 e artigo 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 324/94;
w) Assim e em conclusão, a actividade de movimentação de cargas prestada ao público nos portos portugueses é realizada por empresas de estiva em terminais portuários mediante a concessão do serviço público, precedida de concurso público;
x) O contrato em crise nos autos é, claramente, um contrato que, apesar de qualificado com sendo de uso privativo, confere à ora Recorrente Scp... o direito de exercer, para fins comerciais, a actividade de movimentação de cargas portuárias para terceiros;
y) Com efeito, de acordo com a definição do conceito material de operação portuária constante do artigo 2º, alínea a) do Decreto-Lei nº 298/93 a operação portuária é a actividade de movimentação de cargas portuárias, compreendo, designadamente, a actividade de movimentação e arrumação de mercadorias em armazéns, bem como de armazenagem e expedição de mercadorias;
z) Ora de acordo com o § Único da Cláusula Primeira do contrato em crise nos autos, a ora Recorrente Scp... foi investida no direito de construir na parcela concessionada um armazém, o qual se destina a apoiar a sua actividade de movimentação de cargas agro-alimentares no terminal de granéis sólidos do porto de A..., o que significa, inter alia, proceder à actividade de movimentação e arrumação de mercadorias em armazéns, bem como de armazenagem e expedição de mercadorias, actividade a qual, como se viu no considerando anterior, é parte integrante do conceito de operação portuária;
aa) Não restam, pois, dúvidas de que, materialmente, o que o contrato em crise nos autos confere à ora Recorrente Scp... é a concessão da operação portuária na parcela concessionada e não apenas o seu uso privativo;
bb) Tal significa que esse contrato corresponde, materialmente, a um contrato de concessão da actividade de serviço público de movimentação de cargas portuárias – cfr. os citados artigos 2º, alíneas a) e e), 2º, nº 2 alínea a) e 26º, todos do Decreto-Lei nº 298/93 e ainda o artigo 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 324/94;
cc) Os preceitos que integram o contrato em crise nos autos versam, ademais e ao contrário do que pretendem os ora Recorrentes, os temas usuais regulados nos contratos de concessão da operação portuária tal como constam das respectivas Bases, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 324/94 – o que se afirma independentemente do juízo que se possa fazer sobre a adequação e a correcção do respectivo conteúdo e das soluções dele constantes;
dd) Assim acontece, por exemplo, relativamente i) ao âmbito da concessão – Base I versus nº 2 da Cláusula Primeira do contrato em crise nos autos, ii) regime jurídico das obras – Base V versus nºs 4, 5, 6 e 7 da Cláusula Primeira, iii) regime da conservação das obras e equipamentos – Base VI versus Cláusula Segunda -, iv) o prazo da concessão – Base XIII versus cláusula Terceira -, v) regime da rescisão do contrato e força maior – Base XVI versus Cláusula Quarta -, vi) regime da extinção do contrato por motivos de interesse público, incluindo o regime indemnizatório – Base XVII versus Clausula Quinta -, vii) regime da fiscalização da actividade concessionada – Base XXIII versus Cláusula Sétima -, viii) contra-partidas financeiras a pagar pelo concessionário à concedente – Base XXII versus Cláusulas Oitava e Nona -, ix) regime da responsabilidade da concessionária – Base XXVII versus Cláusula Décima -, x) regime da oneração dos bens da concessão – Base XXVIII versus Cláusula Décima Segunda, nº 2 -, xi) regime do destino dos bens no termo da concessão – Base XVI nº7 versus Cláusula Décima Terceira -, e, finalmente, o regime do contencioso do contrato – Base XXIX e Cláusulas Décima Quinta e Décima Sexta, pelo que não é certa a acusação feita à douta sentença a quo de que esta teria feito uma interpretação fragmentária de cláusulas do contrato dos autos;
ee) Sendo assim, o contrato em crise nos autos deveria ter sido precedido de concurso nos termos do disposto nos citados artigos 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 324/94 e 27º do Decreto-Lei nº 298/93 e nos termos do disposto no artigo 183º do CPA;
ff) Não tendo ocorrido o referido concurso, é manifesto que o contrato em crise nos autos é ilegal nos termos do disposto no artigo 135º do CPA, aplicável ex vi o artigo 185º, nº 3, alínea a) do CPA, por violação dos preceitos citados na conclusão anterior;
gg) E nem se diga que a circunstância de existirem mais espaços disponíveis no Terminal de Granéis Sólidos do porto de A... para quem quiser exercer a actividade concessionada à Scp... pelo contrato em crise nos autos, bastando-lhe, por isso, solicitar à ora Recorrente APA lhe seja atribuída uma concessão, justificaria o recurso ao ajuste directo com que foi brindada a ora Recorrente Scp..., como pretendem as ora Recorrentes;
hh) Com efeito, se do ponto de vista da Administração o concurso sempre será necessário para maximizar as condições da parceria a estabelecer com o concessionário em todas as suas vertentes – desde as contribuições a receber pela concessão, até às exigências do serviço público a prestar – independentemente do número de concessões que possam vir a estabelecer-se numa determinada área de actividade, também do ponto de vista dos particulares interessados no exercício dessa actividade é manifesto que a possibilidade de concorrem e de lhes ser eventualmente adjudicada a concessão em primeiro lugar lhes confere uma vantagem competitiva perante terceiros que apenas mais tarde acedam à actividade, em termos tais que podem mesmo consubstanciar-se na impossibilidade económica e financeira de qualquer outro concorrente vir a aceder, de facto, ao exercício dessa actividade, pelo que não é possível degradar a regra da obrigatoriedade do concurso público numa mera irregularidade quando existe a possibilidade de outros agentes poderem aceder à mesma actividade;
ii) Se assim não fosse, não se compreende, por exemplo, a regra do concurso para a atribuição do direito de exploração de canais de televisão ou de redes móveis de telecomunicações, bem como não teriam cabimento as regras acima citadas que impõem o concurso público para a atribuição das concessões de operação portuária, quando é certo que coexistem, em cada porto nacional, um sem número de concessões;
jj) E mesmo que assim não fosse – o que apenas se refere sem conceder – e se entendesse, por um momento, que, efectivamente o contrato em crise nos autos manteria a sua natureza de contrato de uso privativo e que, por essa razão, estaria dispensado de ser celebrado por concurso público, o mesmo continuaria a ser inválido por violação do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 298/93;
kk) Com efeito, de acordo com o regime previsto nesse preceito, os títulos de uso privativo, designadamente os contratos de concessão de uso privativo, apenas permitem aos seus titulares movimentarem cargas portuárias próprias, com destino ou proveniência dos seus estabeleCtos industriais, sendo que a ora Recorrente Scp... não possui cargas próprias uma vez que é exclusivamente uma empresa de prestação do serviço de movimentação de cargas portuárias a terceiros para fins comerciais, e as cargas que tem movimentado na parcela concessionada são, efectivamente, de terceiros clientes para os tais fins comerciais e não próprias, em violação do referido preceito, pelo que, também nesta leitura seria inválido por força do disposto nos mesmos artigo 135º aplicável ex vi o artigo 185º, nºs 1 e 3 alínea a), todos do CPA;
ll) Também não tem razão a ora Recorrente Scp... quando peticiona a reforma do acordo em crise nos autos nos termos em que o alega, dado que, como acabou de se demonstrar, a ora Recorrente Scp... é uma empresa de estiva, não tendo qualquer actividade industrial ou agrícola, pelo que as cargas que movimenta na parcela concessionada não provêem nem se destinam ao seu próprio estabelecimento industrial, que não possui, pelo que, nestes termos, não é possível reduzir o contrato para um contrato com uma natureza e objecto – a de uso privativo para movimentação de cargas próprias – que a ora Recorrente não pode prosseguir nem exercer por força do citado artigo 5º do Decreto-Lei nº 298/93.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

FACTOS ASSENTES:
A)
A 1ª Autora, TCGL – TERMINAL DE CARGA GERAL E DE GRANÉIS DE L..., SA, é concessionária do Direito de Exploração Comercial, em Regime de Serviço Público, da Atividade de Movimentação de Carga Geral Fracionada e Granéis no Cais Convencionais do Porto de L....
B)
A 2ª Autora, AVP... – SOCIEDADE OPERADORA PORTUÁRIA DE A..., LDA, é uma empresa de estiva licenciada para movimentação de cargas portuárias no Porto de A..., designadamente de graneis alimentares.

C)
A 1ª Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, instituída, por transformação da então Junta Autónoma do Porto de A..., pelo DL. nº 339/98, de 3 de novembro.
D)
A 2ª Ré SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA, é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na execução na área portuária de operações de carga e descarga de mercadorias a bordo de navios ou quaisquer outras embarcações, nacionais ou estrangeiras, bem como no cais, terraplenos, armazéns e terminais.
E)
A 1ª Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, celebrou em 10.08.2006 com a 2ª Ré SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA, o contrato designado por «Contrato de concessão à Scp... – sociedade de Cargas Portuárias (A...), SA, de uma parcela de área dominial com a área de vinte mil duzentos e cinquenta metros quadrados, no Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A..., freguesia da …, concelho de …, para construção de um armazém» (junto a fls. 93 ss. dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido).
F)
Antes da celebração daquele contrato a 1ª Ré SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA havia dirigido à 2ª Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, a carta datada de 06.02.2006 (junta a fls. 101-102 dos autos) com o seguinte teor:

(imagem omissa)

G)
A celebração daquele contrato não foi precedida de concurso público.
H)
Nos termos daquele contrato a concessão foi outorgada pelo prazo de 20 anos, prorrogável por mais 5 anos.
I)
A parcela dominial a que se refere o contrato tem a localização definida na planta do Terminal de Graneis Sólidos do Porto de A... junta a fls. 178 dos autos.

J)
Por deliberação tomada em 12.07.2006 o Conselho de Administração da APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, aprovou as «Normas Transitórias para Utilização do Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A...» (juntas a fls. 179-182 dos autos, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido).
K)
Em fevereiro de 2007 a 1ª Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA publicitou, através do Aviso nº 2722/2007, publicado no Diário da Republica, ª Série, nº 33, de 15-02-2007 (junto a fls. 146 dos autos), a existência de um interessado na concessão da utilização privativa de uma outra parcela do domínio público do Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A..., Aviso cujo teor é o seguinte:
(imagem omissa)



**

BASE INSTRUTÓRIA:

1º)
Noutros terminais do Porto de A..., para além do Terminal de Granéis Sólidos, várias empresas beneficiam do direito de usar privativamente certas parcelas dominiais?

2º)
No terminal Norte, são, entre outras, titulares de direito de uso privativo das parcelas aí situadas, as empresas CNE – CTOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS, CPR, SNE, COMPANHIA DE CELULOSE DO CMA, ENERPLETTS E PELLETS POWER?

3º)
Os espaços dominiais a conceder no Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A... eram, à data da celebração do contrato, claramente suficientes face à procura dos mesmos, subsistindo por atribuir, além da área atribuída à Ré 2ª Ré SCP... – SOCIEDADE DE CARGAS PORTUÁRIAS, SA, uma área de 23.000 m2, dividida por dois lotes, um de 13.000 m2 e outro de 10.000 m2?

4º)
Ainda hoje existem terrenos disponíveis para uso privativo no terminal de graneis sólidos no Porto de A..., não tendo a 2ª Ré SCP... ocupado a última parcela de terreno disponível naquele terminal de granéis sólidos?

5.º)
Existe no Porto de A... uma espécie de “bolsa de terrenos”, de acesso público, de modo que qualquer interessado pode apresentar à Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, uma pretensão quanto ao seu uso privativo e que será sujeita a concurso público se tiver por objeto a última parcela disponível?

6º)
As taxas de uso privativo aplicáveis estavam e estão publicitadas no sítio da internet da Ré APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA em «legislação e regulamentos/3.4RTE de ocupações na área de jurisdição da APA», e encontram-se também afixadas na sua sede em placar apropriado?

7º)
As diversas empresas de estiva licenciadas para o exercício da sua atividade no Porto de A... estão todas elas em condições de ao abrigo das «Normas Transitórias para Utilização do Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A...» assegurarem a movimentação de cargas no Terminal de Granéis Sólidos no Porto de A..., para tanto requerendo autorização à APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA, podendo utilizar os seus próprios equipamentos de movimentação vertical de cargas ficando obrigadas ao pagamento das taxas em função da quantidade de carga movimentada nos termos previstos naquelas «Normas Transitórias»?
8º)
A tipologia de usos dos vários terminais está delimitada em função do respetivo objeto, de modo a que no terminal de granéis líquidos só podem ser movimentados graneis líquidos, não podendo ser concessionado, nesse terminal, o uso de terrenos para outros fins?
9º)
E encontram-se definidos os mínimos de carga a movimentar para a atribuição das concessões, em função das áreas a ocupar, sendo tais índices comunicados a todos os interessados nos usos privativos?
10º)
A APA – ADMINISTRAÇÃO DO PORTO DE A..., SA dispõe, no que respeita às concessões de uso privativo, de minutas de contratos de concessão-tipo que são fornecidas a qualquer interessado?
X
O Tribunal a quo consignou o seguinte: “Não obstante a existência de matéria de facto controvertida, que supra foi levada à Base Instrutória, o estado do processo permite, sem necessidade de produção de prova, quanto a ela, conhecer do mérito da ação – artigo 510.º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.
O que se passa a fazer, nos seguintes termos.”
(…..)
DE DIREITO
O presente recurso vem interposto do Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que anulou o contrato designado por “Contrato de concessão à Scp... de uma parcela de área dominial com a área de vinte mil duzentos e cinquenta metros quadrados, no Terminal de Granéis Sólidos do Porto de A...”, celebrado, em 11 de Agosto de 2006, entre as 1ª e 2ª Rés, aqui Recorrentes.
Tal decisão, que deu provimento a um pedido formulado pelas sociedades TGCL – Terminal de Carga Geral e de Granéis de L..., S.A. e Avp... – Sociedade Operadora Portuária de A..., Lda., que solicitaram a declaração de nulidade ou a anulação de tal acordo, foi proferida na fase de saneamento do processo, repete-se, sob a forma de despacho Saneador Sentença”.
Entendeu o TAF que, findos os articulados, e “não obstante a existência de matéria de facto controvertida” - que levou o Tribunal, até, a fixar uma base instrutória - o “estado do processo permitia, de imediato, conhecer do mérito da causa”, ao abrigo do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Na óptica das Recorrentes ao tomar esta decisão processual, optando por, nestas circunstâncias, proferir de imediato uma decisão de mérito, o Tribunal a quo incorreu, além do mais, numa nulidade processual por omissão de formalidade prevista na lei.
Avança-se, já, que lhes assiste razão.
Na verdade, dispõe o artº 510º, nº 1, al. b), invocado pelo Tribunal para decidir que :
Findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial do ou dos pedidos deduzidos,… .
Ora, alguns dos factos alegados pelas Recorrentes, bem como outros invocados pelas ora Recorridas, na sua petição inicial, teriam de ser objecto de prova na subsequente fase de instrução do processo, não resultando a sua demonstração dos elementos documentais facultados ao Tribunal.
O próprio Tribunal reconheceu esta necessidade probatória, elaborando uma base instrutória na qual integrou, segundo a sua própria expressão textual, “matéria de facto alegada pelas partes que se mostra relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis de direito” (cfr. pág. 3 do Despacho recorrido).
Contudo, inexplicavelmente, o mesmo Tribunal decidiu, findos os articulados, não dar início à fase de produção de prova.
Entendeu o Tribunal que, “não obstante a existência de matéria de facto controvertida”, o “estado do processo permitia, de imediato, conhecer do mérito da causa”, estando reunidos os pressupostos para que o juiz conhecesse de imediato do mérito da causa, nos termos do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Ora, esta norma do CPC permite ao juiz, findos os articulados, “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória” (sublinhado nosso).

Trata-se de uma faculdade que visa promover a economia, a celeridade e a simplificação processuais, permitindo antecipar o conhecimento do mérito da causa, na fase de saneamento, relativamente a questões que aí possam ser desde logo decididas.

O juiz poderá usar esta faculdade “quando para dar resposta ao pedido formulado não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo” (cfr. Lebre de Freitas, em A acção declarativa comum, Coimbra, 2000, pág. 159), o que só poderá suceder em duas situações:
-quando dos factos alegados pelo autor não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido); e
-quando todos os factos em que se funda a causa de pedir ou uma excepção peremptória estão já provados, com força probatória plena, por confissão, admissão ou documento.
Significa isto, evidentemente, que, sempre que as partes tenham alegado factos que não se devam considerar provados por algum destes meios - existindo, portanto, matéria de facto controvertida -, o Tribunal está impossibilitado de conhecer do mérito da causa no despacho saneador, tendo obrigatoriamente de determinar a abertura da fase de instrução, para que as partes tenham oportunidade de demonstrar a veracidade desses factos.
No caso sub judice a necessidade de produção de prova relativamente a alguns dos factos alegados pela Recorrente e Recorridas era evidente, tendo sido reconhecida pelo próprio Tribunal, que elaborou mesmo uma base instrutória onde incluiu os pontos de facto controvertidos necessitados de prova.
Neste quadro, nunca poderia o Tribunal a quo, decidir conhecer de imediato do mérito da causa, proferindo, como fez, um despacho saneador sentença.
Ao proceder desta forma, o despacho sob censura incorreu num vício que determina a nulidade da decisão “por oposição entre os fundamentos e a decisão”, isto é, por contradição entre a decisão de índole processual de conhecer antecipadamente o mérito da causa e os respectivos fundamentos (cfr. artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC).
Verifica-se uma nulidade deste tipo “quando exista um vício lógico na sentença em termos de os fundamentos invocados conduzirem não à solução jurídica que nela vem indicada mas a uma solução oposta” (cfr. Carlos Fernandes Cadilha, em Dicionário do Contencioso Administrativo, Coimbra, 2006, pág. 398).
Foi exactamente isso que sucedeu na situação em apreço: com efeito, o tribunal a quo começou por reconhecer que, entre “a matéria de facto alegada pelas partes que se mostra relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis de direito”, existia um conjunto de factos que não tinham sido provados pelas partes - os quais integrou numa base instrutória (cfr. págs. 6-8 do Despacho recorrido) - e, perante este reconhecimento, a única decisão processual admissível, do ponto de vista lógico-jurídico, era determinar a abertura da instrução.
Não foi essa, contudo, a opção do Tribunal, que, repete-se, após aludir à “existência de matéria controvertida, que foi levada à base instrutória”, acaba por concluir que o “estado do processo permitia, sem necessidade de produção de prova, conhecer do mérito da acção” (cfr. pág. 8).
Ora, entre aquele fundamento e esta decisão processual existe uma manifesta e inegável contradição, que vicia a decisão recorrida de nulidade, nos termos do apontado artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, e que é passível de ser invocada como fundamento do recurso jurisdicional quando este seja admissível (artigo 668.º, n.º 4, do CPC).
Em suma:
-no Despacho Saneador/Sentença o Tribunal a quo não obstante ter reconhecido a existência de matéria de facto controvertida alegada pelas partes e relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, optou por conhecer do mérito da acção, sem necessidade de produção de prova;
-fê-lo tendo ali procedido à selecção de Factos Assentes sob as alíneas A) a K) e à fixação de Base Instrutória composta por 10 artigos;
-os demais sujeitos processuais não intervieram na selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa nem puderam até agora reclamar daquela que foi incluída pelo Tribunal a quo na Base Instrutória, com fundamento na sua obscuridade e deficiência;
-perscrutado o Saneador/Sentença recorrido não se vislumbra ter o Tribunal, em momento algum, discriminado os factos que, integrando a Base Instrutória por si seleccionada, considerou provados;
-ao não estabelecer qual a matéria de facto controvertida que considerou provada, omitindo resposta, afirmativa ou negativa, a cada um dos artigos da Base Instrutória, o Tribunal postergou o princípio da legalidade material a que se encontrava vinculado nos termos do preceituado no artigo 659º, nº 2 do CPC;
-enferma, pois, o Despacho Saneador/Sentença recorrido da nulidade estabelecida na al. c) do nº 1 do citado artigo 668º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA;
-tal equivale a dizer que mal andou o Tribunal a quo ao entrar desta forma no mérito/fundo da causa;
-terá, pois, de ser anulado o julgamento;
-por outro lado, as partes reputam de insuficiente a matéria contida nos quesitos;
-terá assim o Tribunal de ponderar, de entre a factualidade alegada pelas partes, a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, nos termos do artº 511º, nº 1 do CPC, e depois abrir a fase instrutória.

DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, consequentemente, anula-se o Despacho Saneador/Sentença e ordena-se a baixa dos autos ao TAF de Aveiro a fim de que proceda nos moldes atrás apontados, prosseguindo os ulteriores termos até final, caso a tal nada mais obste.
Custas pelas Recorridas.
Notifique e DN.

Porto, 20/05/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro