Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00983/14.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Mário Rebelo
Descritores:RECLAMAÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DETERMINAÇÃO DO VPT NOS PRÉDIOS RÚSTICOS
Sumário:1. Garantia idónea é aquela que se mostra adequada a assegurar o pagamento da dívida exequenda e acréscimos legais, e não apenas a que resulta dos bens referidos no artº 199º/,1,2 do CPPT.
2. Se assim não fosse, carecia de sentido o art. 199º/4 CPPT admitir como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7, pois que tal penhora poderá incidir sobre quaisquer bens, e não apenas sobre aqueles que o legislador enunciou expressamente.
3. O valor patrimonial dos prédios rústicos não é calculado com base na sua área ou localização, mas antes de acordo com o modo específico descriminado na lei previsto no art. 7º/1 do CIMI. Esse valor corresponde ao produto do seu rendimento fundiário pelo factor 20, arredondado para a dezena de euros imediatamente superior (definindo-se nos arts. 18º e segs.. do CIMI o conceito e modo de apuramento do rendimento fundiário).
4. Para além desta, a avaliação também poderá ser directa. Neste caso há lugar à medição da área dos prédios, observando-se os critérios enunciados nos artsº 21 a 30 do CIMI (art.º 34º/2,3 CIMI). Esta avaliação incide sobre os prédios omissos ou sobre aqueles em que se verificarem modificações nas culturas ou erro de área de que resulte alteração do valor patrimonial tributário (art. 34º do CIMI).
5. O critério da aplicação do coeficiente da desvalorização da moeda é um critério legal para determinar o valor dos prédios rústicos oferecidos em garantia (art. 199º CPPT), por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 250º do CPPT que remete para alínea c) do n.º 1 do art. 27º do Decreto - Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
6. Pois se o bem se destina a garantir o pagamento da dívida exequenda e poderá ter de ser vendido para esse fim, então o seu valor poderá ser encontrado nos mesmos moldes em que é determinado o valor base dos bens para venda, nos termos do disposto no art. 250º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Foi instaurada execução fiscal contra a sociedade I..., posteriormente revertida contra R....
A dívida foi revertida pelo valor de € 3.744,22, sendo o valor da garantia a prestar no montante de € 4.807,94.
O revertido requereu a prestação de garantia, oferecendo a constituição de hipoteca sobre o R-…/Mirandela.
O bem, que tinha o VPT de € 337,19, foi avaliado em € 492,30 por aplicação do coeficiente de desvalorização monetária.
Por despacho de 21 de Março de 2014 considerou-se que o valor do bem era insuficiente para garantir a dívida e acrescido, pelo que se procedeu à sua notificação para reforçar a garantia.
O contribuinte reclamou, alegando que o valor do prédio era superior, suficiente para garantia o pagamento da dívida exequenda. Juntou duas simulações efectuadas no Portal das Finanças, ambas relativas a prédios urbanos.
O MMº juiz «a quo» julgou procedente a reclamação e revogou a decisão reclamada.

O recurso.
Inconformada com a sentença proferida no TAF de Braga, a Exma. Representante da Fazenda Pública dela recorreu alegando e concluindo como segue:

A. Incorreu a sentença recorrida, por conter lapsos substanciais na apreciação da prova documental carreada para os autos, mormente no que concerne os valores patrimoniais reportados nas simulações efetuadas pelo Reclamante no Portal das Finanças, enferma o aresto recorrido de erro na apreciação da matéria de facto, conduzindo a conclusões a que falta o adequado suporte probatório.

B. Como acima se referiu na douta sentença ora recorrida o Tribunal “a quo”, sustentando-se na matéria factual dada por provada, entendeu que o despacho controvertido não deverá manter-se, atento o facto da Administração Tributária não ter efetuado outras diligências quanto à avaliação do imóvel.

C. Na ausência de facto jurídico passível de alterar a tipologia do prédio esta FP não antevê nem sequer vislumbra que o valor patrimonial tributário pudesse sofrer qualquer atualização, salvo a devida aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda.

D. De outro modo, a FP estaria a praticar um ato inútil, porquanto o valor patrimonial tributário foi determinado segundo as regras estabelecidas para a avaliação da propriedade rústica.

E. Também mal andou a sentença recorrida na interpretação e aplicação empreendidas do direito aplicável,
F. Como resulta da matéria dada por provada na decisão ora em crise, a aqui Reclamante constituiu hipoteca voluntária sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial e cujo valor patrimonial tributário é de € 337,19;

G. O valor patrimonial tributário dos prédios rústicos não é calculado com base na sua área ou localização mas sim com base no seu rendimento fundiário.

H. Nos termos do artigo 7.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (Código do IMI) o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do Código do IMI. Ora, o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos corresponde, conforme dispõe o artigo 17.º do Código do IMI, ao produto do seu rendimento fundiário pelo factor 20, arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

I. Por seu lado, o rendimento fundiário corresponde, nos termos do artigo 18.º, n.º1, do mesmo código, ao saldo de uma conta anual de cultura em que o crédito é representado pelo rendimento bruto e o débito dos encargos de exploração mencionados no artigo 25.º. Assim, dispõe o artigo 33.º do Código do IMI, quanto à avaliação direta, que a iniciativa da primeira avaliação de um prédio rústico pertence ao chefe de finanças, com base nas declarações apresentadas pelos sujeitos passivos ou em qualquer elementos de que disponha. Para tal, dispõe o artigo 34.º, n.º1, que a avaliação direta é efetuada aos prédios omissos ou àqueles em que se verificaram modificações nas culturas ou erro de área de que resulte alteração do seu valor patrimonial tributário.

J. Como se extrai da petição inicial dos presentes autos o ora Reclamante não alega nem sequer alude a qualquer modificação na cultura ou erro de área donde resulte alteração do seu valor patrimonial. Isto sim, o reclamante limita-se a elaborar cenários futuros ou de aproximação, insusceptíveis de provocar uma alteração do seu valor patrimonial.

K. Tudo motivos que suportam o pedido de revogação da sentença ora recorrida e, julgando em substituição, deverá esse Tribunal Central Administrativo confirmar a valia e validade do despacho controvertido.
Nestes termos e nos restantes, que doutamente se tenha por bem convocar, pugna a Fazenda Pública pela procedência do presente recurso jurisdicional, com revogação da sentença do Tribunal a quo e, julgando em substituição, decidir improcedente o pedido anulatório deduzido pelo recorrido, com o que farão V. Ex.as a costumada
JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu assim:
1.- As alegações da Recorrente, violam o disposto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, pois não indicam concretamente o que considera incorrectamente julgado, nem que meios probatórios existentes nos autos impunham decisão diferente da doutamente proferida, devendo ser o recurso ser rejeitado.
2.- As alegações apresentadas pela Fazenda Pública violam o disposto no art.º 282.º, n.sº 6 e 7, do C.P.P.T., bem como no art.º 639.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.C., pois não se indicam quais os preceitos legais que se consideram violados pela sentença em crise, devendo a Recorrente ser convidada a completar as suas alegações de acordo com tais preceitos legais;
3.- A Recorrente pretende neste recurso emendar aquilo que não fez na sua contestação à petição inicial de reclamação, pois vem agora invocar novos factos que segundo o seu entendimento deveriam ter sido tidos em conta na sentença, nomeadamente quanto ao rendimento fundiário, alegando apenas agora que o mesmo corresponde ao saldo de uma conta anual de cultura, bem como quanto à legitimidade e critérios para a avaliação dos prédios rústicos.
4.- E, invocando agora novos preceitos legais, nomeadamente os art.sº 7.º, 25.º, 33.º, 34.º, n.º 1 do Código do IMI.
5.- A recorrente altera os factos e o direito que no seu entendimento são aplicáveis àquela situação em concreto, violando o princípio da estabilidade objectiva da instância, preceituado no art.º 260.º CPC.
6.- Deverão assim ser consideradas não escritas as conclusões vertidas nas alíneas H, I e J, por violação a contrario do disposto no art.º 260.º do CPC, aplicável por força dos art.sº 2.º al e) e 281.º do CPPT.
7.- Os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
8.- Atentos os factos dados como provados na douta decisão em crise, nomeadamente os documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial e face à omissão da ora Recorrente, quanto ao valor obtido pelo RR nas simulações obtidas, a qual não depende de qualquer outra prova quanto à possibilidade de construção, não poderia ser outra a decisão do Tribunal a quo;
9.- O Tribunal a quo, em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, baseia a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida, conforme preceituado pelo art.º 607.º, n.º 5, do CPC.;
10.- Só ocorre erro de julgamento de facto “quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica.”, Acórdão do TCA Sul, de 02.07.2013, proferido no Pr. 06505/13, in www.dgsi.pt;
11.- É consensual o princípio de que o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca dos factos.
12.- Não há fundamento legal para que se possa alterar a matéria de facto dada como provada, sendo pacífica a jurisprudência quanto ao restrito condicionalismo de reapreciação da prova já produzida- que no caso não ocorre.
13.- Contrariamente ao postulado pela recorrente, os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas
14.- O Tribunal ad quem só pode modificar a decisão sobre a matéria de facto assim proferida nos casos restritos do art. 662° nº 1 CPC, ou seja, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
Deve assim ser negado provimento ao recurso confirmando-se a douta sentença recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) Foi instaurado do Serviço de Finanças (SF) de Famalicão 1, o processo de execução fiscal nº 0450201101064223, revertido contra o aqui reclamante (RR) – R..., NIF 1…, para cobrança coerciva de dívidas de IRS do ano de 2011, no montante de € 3.259,00;

B) O RR apresentou requerimento de prestação de garantia, pretendendo constituir hipoteca voluntária num prédio inscrito na matriz rústica sob o art. 1….º, com o VPT de € 337,19, determinado em 1992;

C) O requerimento mencionado em B. foi indeferido, com a seguinte argumentação:

“ (…) não suspender o processo de execução fiscal anteriormente identificado, por ter considerado que o valor da hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Mirandela, sob o artigo 1... com o VPT de € 337,19 não se demonstrava como garantia suficiente para aquele efeito (…)”
D) O prédio rústico identificado em B. tem um valor patrimonial tributável (VPT) de € 337,19, determinado em 1992;

E) O referido imóvel encontra-se livre de ónus e encargos;

F) O valor actual da dívida mencionada em A. é de € 3.744,22;

G) A garantia a prestar, calculada em Março de 2014, é de € 4.807,94 – calculada nos termos do art. 6.º do art. 199.º do CPPT;
H) No dia 14/04/2014, o RR procedeu a uma simulação do VPT de imóvel, no portal das finanças, com a classificação quanto ao tipo de prédio – Outros, Terreno sem capacidade construtiva, colocando a área do terreno identificado em B., com mesma localização geográfica, e obteve a seguinte avaliação, € 31.360,00, , cfr, doc. N.º 1 junto com a PI;

I) No dia 14/04/2014, o RR procedeu a uma simulação do VPT de imóvel, no portal das finanças, com a classificação quanto ao tipo de prédio – Terrenos para construção, colocando a área do terreno identificado em B., com mesma localização geográfica, e obteve a seguinte avaliação, € 680.440,00, com a classificação quanto ao tipo de prédio – Terrenos para construção, cfr. doc. N.º 2 junto com a PI;

J) O RR alegou na PI não possuir mais imóveis ou bens para oferecer de garantia.

Quanto aos Factos não provados, a sentença registou o seguinte:

Inexistem outros factos sobre os quais o Tribunal deva pronunciar-se, já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.

A motivação da decisão de facto foi referida assim:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O recorrido defende que as alegações da recorrente deviam ser completadas, uma vez que violam o disposto no art. 282º n.º 6 e 7 do CPPT, bem como o art. 639º/2, 3 do CPC, pois não indicam quais os preceitos violados pela sentença em crise.

Efectivamente, a lei impõe ao recorrente o ónus de alegar e concluir de forma sintética. E se o recurso versar sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. (art. alíneas a), b) e c) do n.º 2 do 639º/2 do CPC «ex vi» do art. 282º/7 do CPPT)

Embora estas indicações pudessem ter sido melhor explicitadas nas conclusões de recurso, não nos parece faltar a menção às normas jurídicas violadas (todas as respeitantes ao modo de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios rústicos), e o sentido em que devem ser aplicadas.
Além disso, como salienta Abrantes Geraldes «A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará de forma sintética, nas conclusões» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, pp. 121). Assim, estando em causa uma questão de determinação do valor patrimonial tributário de um prédio rústico, é neste contexto que se deve apreciar o cumprimento do ónus a cargo do recorrente.
E este afigura-se-nos ter sido razoavelmente cumprido, razão por que se não justifica qualquer convite ao aperfeiçoamento.

Para além deste vício, o recorrido defende também que a recorrente invoca factos novos, nomeadamente quanto ao rendimento fundiário alegando apenas agora que o mesmo corresponde ao saldo de uma conta anual de cultura, bem como quanto à legitimidade e critérios para a avaliação dos prédios rústicos, concluindo que devem ser consideradas não escritas as conclusões vertidas nas alíneas H, I, e J, por violação a contrario do disposto no art.º 260º do CPC, aplicável por força dos art.s 2º al e) e 281º do CPPT.

Como se sabe, o recurso visa a reapreciação da decisão proferida e não decisão sobre questões novas, como é pacificamente aceite (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 2ª ed., 1997, pp. 395 e Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil. Novo Regime”, Almedina, 2ª edição, pp. 25. Este último escreve que «Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de se apreciarem questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto», e mais à frente, continua o mesmo autor, «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis» (pp. 94).

Portanto, é ponto assente que fora as questões de conhecimento, o recurso não pode versar sobre questões não submetidas ao tribunal «a quo».

Mas será que a questão do modo de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios rústicos, e o recurso ao rendimento fundiário, não foram submetidas ao juízo da primeira instância?
Sem dúvida que foram.

Desde logo, o Exmo. Representante da Fazenda Pública remeteu no art. 3º da sua contestação para os factos descritos na informação prestada pelo órgão de execução fiscal e inserta nos presentes autos.

Essa informação consta de fls. 11 dos autos e nela se alude expressamente ao cálculo do VPT com base no rendimento fundiário do prédio, bem como à impossibilidade de o calcular com base em expectativas ou cenários futuros, até porque a alteração de classificação de prédio rústico em urbano, para além de outros procedimentos e no caso concreto de terrenos para construção, depende de licença ou autorização emitida pelas entidades competentes, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território – n.º 3 do art. 6º do CIMI.
A mesma argumentação foi exposta na contestação, especialmente nos artigos 9 e segs.

Os preceitos legais não foram todos invocados na contestação, nem na informação referida, mas todos eles se inserem no âmbito do modo de determinação do VPT dos prédios rústicos, dando-lhe agora, em recurso, um quadro jurídico mais completo. Porém, não podemos dizer que tal assunto seja matéria submetida «ex novo» a este TCA.

Posto isto, vejamos o alegado erro de julgamento de facto.
Neste recurso a Exma. Representante da Fazenda Pública imputa à sentença erros substanciais na apreciação da prova que se sustenta nas simulações levadas a cabo pelo reclamante no Portal das Finanças dando-lhes relevância probatória, quando na verdade, as simulações não têm qualquer cabimento legal nem tão pouco qualquer valor jurídico. Depois, acrescenta a Exma. Representante da Fazenda Pública, é por demais evidente que as simulações não deveriam ter sido valoradas pelo ilustre julgador, pois carecem de qualquer sustentação legal. Mais, considerando que não reflectem qualquer particularidade relacionada com a natureza do prédio penhorado nos autos, os valores contidos em tais documentos não permitem sequer indiciar qualquer aproximação ao valor do prédio.

Os factos aos quais a Exma. Representante da Fazenda Pública se refere são os factos provados constantes das alíneas H) e I) da sentença sob recurso.

De acordo com o disposto no art.º 640.º/1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a págs.132) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (…)».

Mas neste caso o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto no art.º640.º do CPC, por duas razões: Primeiro, porque a Exma. Representante da Fazenda Pública não indica quais os meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida, nem adianta qual a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640/1,b) c) do CPC.
E segundo, porque baseando-se os factos provados (alíneas H) e I) em documentos juntos aos autos, extraídos do Portal das Finanças, correspondem a informação que esta disponibiliza aos contribuintes proporcionando-lhe funcionalidades idênticas às dos serviços em instalações físicas (art. 60-A/2 LGT, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).
Ou seja, o contribuinte limitou-se a usar, neste caso, informação que a ATA disponibilizou e não mais do que isso.

Saber se os factos em questão têm relevância para a decisão, é matéria que abordaremos no segmento seguinte.

Quanto ao erro de julgamento de direito.
A recorrente considera também que a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, na medida em que não levou em linha de conta que o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos é calculado com base no seu rendimento fundiário e não com base em na sua área ou localização.

Com efeito, o MMº juiz «a quo» julgou procedente a reclamação por considerar que as simulações levadas a cabo pelo reclamante deram, num caso o valor (VPT) de € 31.360,00 (simulação que usou a classificação do prédio como «Outros, Terreno sem capacidade construtiva» e € 680.440,00, usando uma simulação de «terreno para construção».

Louvando-se nestas simulações juntas pela reclamante, realizadas no portal das Finanças, o MMº juiz concedeu provimento à reclamação. Fê-lo «por vários motivos, desde logo, a data da avaliação do imóvel, depois o critério utlizado pela AT para a avaliação do imóvel, que não é aceitável, por último o facto das avaliações terem sido obtidas através do mecanismo legal que a AT colocou à disposição dos contribuintes, no Portal das Finanças. Claro que, a isto, acresce o valor obtido na primeira simulação de € 31.360,00 e o valor da garantia a prestar de € 4.807,94, sendo que aquela avaliação teve como critério um prédio sem capacidade construtiva.
Além disso, importa evidenciar o referido pelo ilustre RFP na sua resposta, no ponto 9:
“A AT pronunciou-se quanto à questão decidenda aferindo no âmbito do artigo 277.º, n.º2, do CPPT, que prevê a possibilidade de ser revogada a decisão, alegando, em suma, que o valor patrimonial dos prédios rústicos é atribuído tendo por base o seu valor fundiário (nos termos do artigo 17.º do Código do IMI)”.
Por último, entende o ilustre RFP que:
“Atendo o valor da quantia exequenda, a garantia a prestar foi calculada em € 4.807,94;
O VPT do prédio rústico sobre o qual o executado pretende constituir hipoteca voluntária, depois de atualizado com o coeficiente de desvalorização da moeda, é de € 492,30;
Ora, atentos os valores acabados de expor verifica-se que a hipoteca a constituir sobre o prédio é insuficiente para garantir a melhor cobrança do quantum exequendo.
Outrossim, a ora RR “atribui” valor superior ao prédio tendo por base duas simulações de VPT as quais, com o devido respeito, em nada deverão relevar na apreciação desta questão controvertida.
Um de tais valores ascende mesmo a € 680.440,00,
Porém, tal valor é apenas sustentado por uma simulação do VPT com a expectativa que a tal prédio fosse atribuída licença para construção urbana.”
Ora, com o devido respeito, não podemos concordar com esta posição, porquanto a mesma é completamente omissa quanto ao outro valor obtido pelo RR nas simulações obtidas, a qual não depende de qualquer outra prova, quanto à possibilidade de construção.
Assim, não sendo admissível o valor apresentado em segundo lugar de € 680.000,00, só com base na avaliação obtida no site do Portal das Finanças, não vislumbra o Tribunal como pode a AT rejeitar logo à partida o primeiro valor, sendo que o critério que invoca – da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, não é válido para este fim.
Aqui chegados, entende o Tribunal que a AT não podia rejeitar o pretendido pelo reclamante sem ter efectuado outras diligências quanto à avaliação do imóvel, não podendo manter-se, assim, o despacho reclamado».

Vejamos.
A cobrança da prestação tributária visa satisfazer o interesse do credor, realizando-se esta no modo coercivo através do processo de execução fiscal (art. 148º do CPPT) que se inicia mediante despacho a lavrar no título executivo (art. 188º e 88º ambos do CPPT).

Na sua marcha corrente, sem incidentes, após citação do executado (art.º 189º do CPPT) será ordenada a penhora (art. 193º CPPT) à qual se segue a venda (art. 244º e 248º e segs.. do CPPT) com vista à arrecadação das importâncias suficientes para solver a dívida tributária e assim extinguir a execução (art. 261º/1 CPPT).

Mas esta marcha processual (muito) simplificada pode sofrer várias vicissitudes na sua tramitação, uma das quais é a sua suspensão em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ou oposição à execução (art. 212º e 169º/1,2,10, do CPPT), desde que seja prestada garantia idónea (art. 169º/2 e 199º/1 CPPT), ou tenha sido concedida a dispensa de prestação de garantia (art. 170º CPPT e 52º LGT).

Propondo-se o executado oferecer garantia idónea para obter a suspensão da execução, ela deverá consistir em garantia bancária, caução, seguro caução, ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente (art. 199º/1 CPT).

A questão de saber em que é que consiste a garantia idónea é muito simples: é idónea a garantia que se mostre adequada a assegurar o pagamento da dívida exequenda e seus acréscimos legais (cfr. ac. do STA n.º 059/13 de 06-02-2013: II – Para efeito do disposto nos arts. 169.º e 199.º do CPPT, garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos). Ou seja, fora dos casos em que se aplica o CAC, não são apenas aceitáveis as modalidades de garantia referidas no art. 199/1,2 do CPPT, mas também todas as que sejam idóneas para alcançar o fim visado.

É a própria lei que o diz (…qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente) e se assim não fosse, carecia de sentido o art. 199º/4 CPPT admitir como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7, pois que tal penhora poderá incidir sobre quaisquer bens, e não apenas sobre aqueles que o legislador referiu expressamente.

O executado, ora recorrente, requereu a prestação de garantia com vista à suspensão da execução oferecendo a constituição de hipoteca voluntária sobre um prédio rústico da sua propriedade inscrito na matriz sob o artigo 1.../Mirandela.

Este prédio tinha o VPT de € 337,19. E depois da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda previsto na Portaria n.º 1337/2003, de 5 de Dezembro) foi actualizado para o valor de € 492,30.

Este valor fica aquém quer da quantia fixada para efeitos de prestação de garantia (€ 4.807,94) quer da quantia exequenda (€ 3.744,22); razão por que o executado foi notificado para reforçar a garantia oferecida.

O recorrente entende não ter de «reforçar» a garantia, uma vez que o valor do prédio é suficiente para garantir a dívida, de acordo com a simulação por si levada a cabo no site das finanças e que juntou aos autos.

Antes do mais deve dizer-se que, conforme se provou na alínea H) dos factos provados, a simulação efectuada de que resultou o valor de € 31.360,00 teve como classificação «Outros – terreno sem capacidade construtiva». Ora esta classificação pertence à espécie dos prédios urbanos, tal como vem definida no art. 6º/1 (em especial alínea d) e n.º 4 do art. 6º do CIMI), e não um prédio rústico definido nos termos do art. 3º do CIMI, como é aquele que o executado oferece em garantia.

E para obter o VPT de € 680.440,00 a simulação baseou-se na classificação do prédio como «Terrenos para construção», o que também é considerado prédio urbano (art. 6º/c) n.º 3 do CIMI).

Ou seja, em nenhum caso o reclamante, ora recorrente, apresentou uma «avaliação/simulação» consentânea com classificação rústica do seu prédio.

Portanto, ao contrário do que defende o MMº juiz «a quo» e o recorrido, o valor de avaliação extraído do site do portal das Finanças não pode relevar para determinar o valor patrimonial do prédio rústico.

E tanto bastaria para improceder o pedido formulado.

Mas há mais.

Desde logo, o valor patrimonial dos prédios rústicos não é calculado com base na sua área ou localização, mas antes de acordo com o modo específico descriminado na lei conforme resulta do disposto no art. 7º/1 do CIMI. Esse valor corresponde ao produto do seu rendimento fundiário pelo factor 20, arredondado para a dezena de euros imediatamente superior (definindo-se no art. 18º e segs.. do CIMI o conceito e modo de apuramento do rendimento fundiário).

Para além desta, a avaliação também poderá ser directa. Neste caso há lugar à medição da área dos prédios, observando-se os critérios enunciados nos artsº 21 a 30 do CIMI (art.º 34º/2,3 CIMI). Esta avaliação incide sobre os prédios omissos ou sobre aqueles em que se verificarem modificações nas culturas ou erro de área de que resulte alteração do valor patrimonial tributário (art. 34º do CIMI). Pode ser realizada por iniciativa do chefe de finanças ou com base nas declarações apresentadas pelos sujeitos passivos (art. 33º/1 do CIMI).

Só que o sujeito passivo não apresentou qualquer declaração de modificação de culturas nem erro de área de que resulte alteração do valor patrimonial tributário do prédio (art. 34º/1 do CIMI) pelo que não havia fundamentos para proceder à avaliação directa do prédio, sendo certo também que a lei dispensa a avaliação directa dos prédios quando o seu VPT não exceda € 1210,00 (art. 33º/2 CIMI), como é o caso.

Portanto, também esta forma de determinação do VPT não é aplicável ao caso.

Poder-se-ia argumentar que para efeitos de prestação de garantia o modo de avaliação dos prédios rústicos seria diferente do usado para encontrar o VPT. E talvez seja a este raciocínio que o MMº «a quo» recorre quando diz que a ATA não podia rejeitar à partida o primeiro valor- de € 31.360,00 -e que o critério que invoca – da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, não é válido para este fim.
Sem adiantar qual seria o critério válido para este fim, o MMº juiz conclui que AT não podia rejeitar o pretendido pelo reclamante sem ter efectuado outras diligências quanto à avaliação do imóvel.

Não descortinamos a que outras «diligências» o MMº juiz se refere, mas o critério da aplicação do coeficiente da desvalorização da moeda é mesmo um critério legal para determinar o valor dos prédios rústicos oferecidos em garantia (art. 199º CPPT).

Pois se o bem se destina a garantir o pagamento da dívida exequenda e poderá ter de ser vendido para esse fim, então o seu valor poderá ser encontrado nos mesmos moldes em que é determinado o valor base dos bens para venda, nos termos do disposto no art. 250º do CPPT. Ora também nos termos da alínea b) do n.º 1 deste preceito, o valor base para venda dos prédios rústicos é o valor patrimonial tributário actualizado com base em factores de correção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27º do Decreto - Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (cfr. ac. do STA n.º 01688/13 de 04-12-2013 (Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA) II – Embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.)

Devemos portanto, concluir que a ATA determinou corrrectamente o VPT do prédio rústico oferecido em garantia, pelo que a sentença não poderá manter-se na ordem jurídica.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar improcedente a reclamação.

Custas pelo recorrido.

Porto, 18 de Dezembro de 2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Paula Teixeira