Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01503/07.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PROVA DO PREÇO EFECTIVO, ÓNUS DA PROVA, PROCEDIMENTO DO ARTIGO 129.º DO CIRC.
Sumário:I - O procedimento previsto no Capítulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes, tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis, permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artigo 58.º-A, n.º 2 do mesmo diploma legal - correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis.

II - O direito à prova do preço efectivo, inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, através de qualquer meio de prova idóneo. Ora, era sobre a Recorrida que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e impunha-se que providenciasse a junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.

III - Não tendo a Recorrida feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão terá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova, nomeadamente, do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e do artigo 74.º, n.º 1 da LGT. Em consequência, e nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º-A do CIRC, terá de acrescer ao lucro tributável do exercício em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Construções (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 13/01/2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Construções (...), Lda., NIPC (…), com sede no lugar do (…), anulando a liquidação impugnada de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no valor total de €25.125,04, na medida em que a mesma se mostra afectada pela consideração, na determinação do lucro tributável relativo ao exercício de 2004, do valor de €652.640,00 como preço da alienação pela Impugnante do prédio identificado infra na alínea a) da decisão da matéria de facto.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

1. “Demonstra a Escritura Pública celebrada em 12 de Março de 2004 que a recorrida não alienou um prédio misto [identificado na alínea a), dos factos provados, conforme consta da decisão do Tribunal a quo] mas uma parcela de terreno destinada a construção civil (artigo urbano 1636, provisório) e as benfeitorias nele implantadas (obra de construção civil), sendo este o bem cujo valor efectivo e real de transmissão se discute, para efeito de determinação do lucro tributável, do exercício de 2004, da recorrida.
2. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (item 2.3.), o Tribunal a quo não podia considerar, como considerou, para qualquer efeito, "a circunstância específica em que a sociedade se encontrava no momento em que ocorreu a venda e, bem assim, o contexto de recessão que afecta o mercado imobiliário."
3. "O contexto de recessão que afecta o mercado imobiliário", só por si, sem qualquer informação sobre preços de venda praticados, de bens iguais ou equivalentes ao bem alienado pela recorrida (parcela de terreno para construção e benfeitorias), nada nos diz de útil ou pertinente.
4. "A circunstância específica em que a sociedade se encontrava no momento em que ocorreu a venda" corresponde a mera alegação vertida na petição inicial pois a recorrida não provou, por qualquer meio (prova documental, testemunhal ou outra), em síntese, que negociou a venda do bem em condições de inferioridade negocial relativamente aos normais operadores do mercado, em virtude
(a) do óbito do sócio e único gerente da recorrida;
(b) da indisponibilidade dos herdeiros daquele para prosseguir o negócio;
(c) da consequente paragem da actividade da recorrida;
(d) do endividamento da recorrida junto da banca;
(e) dos prazos de entrega de fracções do prédio em construção, aos interessados e promitentes compradores dessas fracções.
5. Não pode o Tribunal a quem ordenar a repetição da prova porquanto notificada a recorrida do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, em 14.07.2008, (dispensa de produção de prova testemunhal), ela conformou-se com esse despacho, tendo o mesmo transitado em julgado.
6. Excluídos o contexto de recessão do mercado imobiliário e o circunstancialismo específico em que a recorrida alegadamente se encontrava para fundamentar e motivar a decisão sobre a matéria de facto, restam os documentos que se encontram junto aos autos e estes demonstram que o Tribunal a quo decidiu incorrectamente os pontos b), d) e e) dos factos provados.
7. A Escritura Pública celebrada em 12 de Março de 2004 tem por objecto uma parcela de terreno para construção civil (artigo 1636, provisório) e benfeitorias nele implantadas (obra de construção civil) pelo que o ponto d), da matéria de facto provada, na parte que refere o bem alienada, foi incorrectamente julgado.
8. Aquando da celebração do contrato promessa o prédio misto [isto é, o prédio identificado na alínea a), dos factos provados] não existia por já ter sido demolida a casa de habitação e por já se encontrar em execução uma obra de construção civil, conforme consta da cláusula primeira daquele contrato promessa pelo que o ponto b) dos factos provados foi incorrectamente julgado quanto ao objecto.
9. O ponto b) dos factos provados também foi incorrectamente julgado quanto ao valor dos sinais entregues à recorrida, pela sua promessa de venda de fracções da obra em construção pois sem contratos promessas celebrados com os interessados na compra das fracções, sem meios de pagamento (cheque por exemplo) e sem documento a comprovar a boa cobrança daquele cheque (extracto bancário a demonstrar o deposito na conta da recorrida de certo e determinado valor referido em contrato celebrado com interessado na compra de fracção), não é possível dar como provado que os sinais ascenderam, tão só e apenas, a 76.000,00 euros.
10. O Tribunal a quo julgou incorrectamente o ponto d) dos factos provados porquanto não existe nos autos prova certa e inelutável de que a recorrida recebeu pela alienação do bem em causa (parcela de terreno para construção e benfeitorias) os 450.000,00 euros, acrescidos, tão só, de 76 000,00 euros.
11. Relativamente aos 450.000,00 euros não se encontra junto aos autos qualquer documento emitido pela competente instituição de crédito a comprovar a assunção ou a liquidação integral do empréstimo bancário [cfr. ponto c) dos factos provados], a recorrida declarou ter recebido 450.000,00 na data de celebração da Escritura Pública (12 de Março de 2004) e em 4 de Outubro de 2004 foi liquidado antecipadamente um empréstimo pelo valor de 451.976,00 euros (extractos bancários).
12. Relativamente aos 76.000,00 euros não se encontra junto aos autos qualquer contrato promessa celebrado com interessados na compra de fracções do prédio em construção, respectivos meios de pagamento (cheques ou outro) e o extracto da conta bancária da recorrida não evidencia o depósito dessas pagamentos, num total de 76 000,00 euros.
13. As presunções legais podem ser ilididas mediante prova bastante do contrário e não por meio de mera contra prova que se destina a colocar em dúvida o facto presumido.
14. Perante os elementos de prova que se encontram junto aos autos, a recorrida não ilidiu a presunção de que o valor de transmissão da parcela de terreno para construção e benfeitorias nela executadas corresponde ao VPT (valor patrimonial tributário) fixado em 2ª avaliação (652.640,00 euros), demonstrando, como lhe competia - por força da conjugação do artigo 58° A, n.º 1 com o artigo 129°, n.º 1, ambos do CIRC - o valor real e efectivo que, de facto, recebeu pela transmissão desse bem.
15. Por último, de harmonia com as regras da experiência comum, numa situação de transmissão da propriedade de bem (móvel elou imóvel), transmite-se por forma a receber, pelo menos, tudo quanto se gastou e a transferir todos os compromissos assumidos, ficando com os ganhos entretanto obtidos pelo que a recorrida transmitiu o bem em causa por valor, nunca inferior, ao VPT (652.640,00 euros).
16. A recorrida recebeu o preço do prédio misto (pelo menos 119.519,16 euros declarados na Escritura Pública), recebeu o que gastou com a demolição da casa de habitação e a construção de outro prédio, recebeu os juros que pagou para amortizar o empréstimo bancário, transferiu a responsabilidade pela remanescente amortização desse empréstimo (450.000,00 euros só capital) e ficou com os sinais que recebeu pela promessa de venda de fracções do prédio que construiu (pelo menos 76.000,00 euros), o que computa, quanto a valores mínimos conhecidos, em 645.519,16 euros.
17. Atenta a diferença entre o VPT e aquele valor mínimo conhecido (652.640,00 euros – 645.519,16 euros) restam 7.120,84 euros para reembolso dos encargos com a demolição da casa de habitação, execução do prédio e amortização mensal do empréstimo bancário (juros) pelo que, atenta as regras da experiência comum, a recorrida transmitiu o bem em causa por valor, nunca inferior, ao VPT.
18. O Tribunal a quo não ponderou devidamente os elementos de prova que se encontram junto aos autos, considerou como provados factos que esses elementos probatórios não evidenciam de forma inequívoca e violou o artigo 58° A, n°2, artigo 129°, n°1, ambos do CIRC e o artigo 350°, n°2, do CC (Código Civil) por remissão do artigo 2°, aliena d), da LGT (Lei Geral Tributária).
Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve ser dado provimento ao recurso interposto e, em consequência, o valor de transmissão do bem (parcela de terreno para construção e benfeitoria nela executada) ser o que corresponde ao VPT resultante da 2a avaliação, para efeito de determinação do lucro tributável, do exercício de 2004, da recorrida.”
****
A Recorrida não contra-alegou.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao considerar que a Recorrida ilidiu a presunção prevista no artigo 58.º-A, n.º 2 do Código de IRC, no âmbito do procedimento previsto no artigo 129.º do mesmo Código, provando o valor que efectivamente recebeu pela transmissão do imóvel em apreço.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
2.1. Matéria de facto provada
a) Em 6 de Fevereiro de 2002, através de escritura pública, J. declarou vender à Impugnante que, por sua vez, declarou aceitar a venda pelo preço de 199.519,17 cêntimos, um prédio misto, sito no lugar do (…), inscrito na matriz urbana sob o artigo 11 e na rústica sob o artigo 373, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 688.
b) Por documento particular designado de "Contrato-Promessa de Compra e Venda", datado de 3 de Fevereiro de 2004, a Impugnante prometeu vender à sociedade comercial "Construções (...), Lda", o prédio referido na alínea anterior, pelo preço de 450.000,00 euros acrescido do valor dos sinais recebidos pela ora impugnante na sequência da celebração de contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas a construir na dita parcela de terreno, os quais perfazem 76.000,00 euros.
c) Nos termos desse contrato, o preço de 450.000,00 euros seria pago mediante a assunção ou liquidação integral pela promitente compradora de uma dívida da ora Impugnante junto da Caixa de Crédito Agrícola de (...);
d) Em 12 de Março de 2004, através de escritura pública, a Impugnante declarou vender à sociedade comercial "Construções (...), Lda", que por sua vez declarou aceitar a venda, o prédio referido na alínea a), pelo preço de 450.000,00 euros.
e) A Impugnante, além do preço declarado referido na alínea anterior, recebeu a quantia de 76.090,00 euros.
f) A administração tributária levou a cabo a avaliação do prédio mencionado, tendo-lhe sido atribuído, em 2ª avaliação, o valor patrimonial tributário de 652.640,00 euros.
g) Em 30 de Novembro de 2006, a Impugnante dirigiu ao Director de Finanças de Braga, um "pedido de demonstração de preço de venda de imóvel com vista ao afastamento da aplicação do n° 2 do art. 589°-A do CIRC", em que pedia que se considerasse prevalecente, para efeitos de determinação do lucro tributável, o valor da venda declarado na escritura e não o valor patrimonial tributário.
h) Na sequência desse pedido, o senhor Director de Finanças Adjunto (por delegação) veio a proferir a decisão que consta de fls. 2 e 3 do processo administrativo apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
i) Nos termos dessa decisão, foi a petição da ora Impugnante totalmente indeferida, mantendo-se como valor de transmissão do imóvel o valor patrimonial tributário resultante da segunda avaliação do mesmo, fixado em 652.640,00 euros, mantendo-se o valor fixado para efeitos de IRC, relativamente ao ano de 2004.
j) Na sequência, veio a ser efectuada a liquidação de IRC cuja demonstração consta de fls. 27 e aqui se dá por reproduzida no seu teor.
k) O prazo para pagamento voluntário do imposto liquidado, terminou em 20 de Agosto de 2007.
l) A presente impugnação foi apresentada em 12 de Novembro de 2007.
2.2. Matéria de facto não provada
Dos que eram relevantes para a discussão da causa não há factos que importe registar como não provados.
2.3. Motivação da decisão sobe a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental junta aos autos, em especial, quanto ao facto atinente ao preço efectivo da venda aqui em causa, nos documentos bancários.
Por outro lado, foi considerada, na análise crítica dos documentos, a circunstância específica em que a sociedade se encontrava (a sociedade) no momento em que ocorreu a venda e, bem assim, o contexto de recessão que afecta o mercado imobiliário.”
*
Acolhendo as críticas efectuadas pela Recorrente neste recurso à decisão da matéria de facto, procede-se à alteração da mesma, no que tange aos pontos b), d) e e) dos factos provados, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil, como segue:
b) Por documento particular designado de "Contrato-Promessa de Compra e Venda", datado de 3 de Fevereiro de 2004, a Impugnante prometeu vender à sociedade comercial "Construções (...), Lda", uma parcela de terreno para construção e benfeitorias nela implantadas, pelo preço de 450.000,00 euros acrescido do valor dos sinais recebidos pela ora impugnante na sequência da celebração de contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas a construir na dita parcela de terreno.
d) Em 12 de Março de 2004, através de escritura pública, a Impugnante declarou vender à sociedade comercial "Construções (...), Lda", que por sua vez declarou aceitar a venda, o prédio referido na alínea b), pelo preço de 450.000,00 euros.

Foi, ainda, eliminado da decisão da matéria de facto o ponto e), na medida em que a análise da prova documental junta aos autos, em especial os documentos bancários ínsitos no processo administrativo, não permite formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que a impugnante, além do preço declarado na escritura pública, tenha recebido a quantia de €76.000,00.

De facto, a escritura pública, celebrada em 12 de Março de 2004, demonstra que a recorrida não alienou um prédio misto [identificado na alínea a) dos factos provados], mas uma parcela de terreno destinada a construção civil (artigo urbano 1636, provisório) e as benfeitorias nele implantadas (obra de construção civil), sendo este o bem cujo valor efectivo e real de transmissão se discute, para efeito de determinação do lucro tributável, do exercício de 2004, da Recorrida. De igual forma, aquando da celebração do contrato promessa, o prédio misto [isto é, o prédio identificado na alínea a) dos factos provados] não existia, por já ter sido demolida a casa de habitação e por já se encontrar em execução uma obra de construção civil, conforme consta da cláusula primeira daquele contrato promessa. Daí as alterações realizadas nos pontos b) e d) da decisão da matéria de facto, no concernente ao bem prometido alienar/alienado.
O ponto e) do probatório não poderia permanecer na decisão da matéria de facto, enquanto facto apurado, uma vez que, relativamente aos €450.000,00 não se encontra junto aos autos qualquer documento emitido pela competente instituição de crédito a comprovar a assunção ou a liquidação integral do empréstimo bancário [cfr. ponto c) dos factos provados], por outro lado, a Recorrida declarou ter recebido €450.000,00 na data de celebração da escritura pública (12 de Março de 2004) e somente em 04 de Outubro de 2004 (data valor - 27/09/2004) foi liquidado antecipadamente um empréstimo pelo valor de €451.976,00 euros (cfr. extractos bancários de fls. 52 e 54 do processo administrativo). Relativamente aos €76.000,00, não se encontra junto aos autos qualquer contrato promessa celebrado com interessados na compra de fracções do prédio em construção, respectivos meios de pagamento (cheques ou outro) e o extracto da conta bancária da Recorrida não evidencia o depósito desses pagamentos, num total de €76 000,00. Nesta conformidade, não se poderá afirmar, com base nos documentos disponibilizados, que a Recorrida tenha, de facto, recebido as quantias que se mostravam indicadas no ponto e), daí a sua eliminação do probatório.
Quanto aos óbices apontados pela Recorrente à motivação da decisão da matéria de facto, os mesmos somente seriam pertinentes se destinados a impugnar algum ponto dessa matéria. Assim, a ponderação e análise crítica dos documentos que foi efectuada pelo tribunal recorrido, considerando a circunstância específica em que a sociedade Recorrida se encontrava no momento em que ocorreu a venda e o contexto de recessão que afectaria o mercado imobiliário, não assumem, neste âmbito, relevância autónoma, atendendo a que já procedemos a alteração da decisão da matéria de facto, com os fundamentos que deixámos vertidos supra.
*
2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença que julgou procedente a impugnação deduzida pela Recorrida, que visava a liquidação de IRC do ano de 2004. Insurge-se contra a decisão da matéria de facto, designadamente, defende que o Tribunal a quo decidiu incorrectamente os pontos b), d) e e) dos factos provados, pois os documentos que se encontram junto aos autos revelam essa incorrecção. Sobre este aspecto, já efectuámos supra os ajustamentos à decisão da matéria de facto que considerámos ajustados à prova produzida nos autos.
A sentença recorrida, perante a alienação pela Recorrida de um prédio urbano, considerou não dever ser considerado, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, o valor resultante de avaliação em €652.640,00.
Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo não ponderou devidamente os elementos de prova que se encontram junto aos autos, que considerou como provados factos que esses elementos probatórios não evidenciam de forma inequívoca e violou o artigo 58.° A, n.º 2, artigo 129.º, n.º 1, ambos do CIRC e o artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.
Em 30 de Novembro de 2006, a aqui Recorrida dirigiu ao Director de Finanças de Braga, um pedido de demonstração de preço de venda de imóvel com vista ao afastamento da aplicação do n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC, em que pedia que se considerasse prevalecente, para efeitos de determinação do lucro tributável, o valor da venda declarado na escritura e não o valor patrimonial tributário – cfr. alínea g) do probatório.
No âmbito do procedimento previsto no artigo 129.º, n.º 1 do CIRC, o Director de Finanças Adjunto (por delegação) indeferiu tal pedido, mantendo-se como valor de transmissão do imóvel o valor patrimonial tributário resultante da segunda avaliação do mesmo, fixado em €652.640,00, para efeitos de IRC, relativamente ao ano de 2004 – cfr. alíneas h) e i) do probatório.
O artigo 58.º-A do CIRC, vigente à data dos factos (actual artigo 64.º) tem a seguinte redacção:
“Artigo 58.º-A
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado”. (Redacção do DL 287/2003, de 12 de Novembro)

Decorre deste normativo que, em princípio, nos casos de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, o valor a considerar para determinação do lucro tributável deverá ser o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel quando o valor constante do contrato seja inferior ao mesmo.

No caso concreto, isso mesmo sucedeu.
Com efeito, a Impugnante, ora Recorrida, alienou um prédio urbano pelo preço declarado de €450.000,00 e o valor patrimonial tributário definitivo atribuído a esse prédio foi de €652.640,00.
Daí que a Administração Tributária tenha liquidado o IRC considerando, na determinação do lucro tributável, o valor patrimonial tributário e não o valor declarado na escritura pública.
Vejamos a ponderação realizada na decisão recorrida:
«(…) A Impugnante insurge-se contra a liquidação que assentou naquele pressuposto por considerar que o valor pelo qual a venda foi efectivamente realizada foi o valor declarado na escritura.
Pode dizer-se que a norma do art. 58º-A nº 2 do CIRC estabelece uma presunção: a de que o valor da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis é, no mínimo, o do respectivo valor patrimonial tributário.
No entanto, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário - art. 73º da Lei Geral Tributária.
A norma em causa é, materialmente, uma norma de incidência, pois que determina, afinal, qual o valor que há-de ser submetido a imposto e, como tal, a presunção que nela se estabelece é, nos termos que vimos decorrerem do art. 73° da LGT, ilidível.
Em consonância com este princípio geral, a norma do art. 129º do CIRC estabelece:
"1. O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário. (…)”.
Admite a lei, portanto, que, através de um procedimento administrativo tipificado, o sujeito passivo possa ilidir a presunção decorrente do art. 58º-A nº 2 do CIRC, demonstrando que o preço efectivamente praticado na alienação onerosa de imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário.
Essa prova pode ser feita, em princípio, por qualquer meio legalmente admissível não se encontrando fixada, neste particular, qualquer limitação.
Ora, no caso dos autos, da matéria de facto provada resulta que a venda do imóvel por parte da Impugnante à sociedade comercial "Construções (...), Lda", foi efectivamente efectuada por um preço inferior ao valor patrimonial tributária, uma vez que o preço efectivo foi o correspondente à soma do preço declarado na escritura pública de compra e venda com os valores dos sinais recebidos pela Impugnante na sequência de contratos-promessa de compra e venda que havia celebrado tendo por objecto as fracções autónomas do edifício a construir no terreno alienado, no montante de 76.000,00 euros.
Donde, o preço efectivamente praticado foi o de 526.000,00 euros e deverá ser esse, portanto, o valor a considerar na determinação do lucro tributável da Impugnante para efeitos de liquidação do IRS de 2004.
Ao ter efectuado a liquidação que aqui se impugna considerando para a determinação do lucro tributável, não o preço efectivo da alienação mas o valor patrimonial tributário, superior àquele, a administração tributária incorreu em ilegalidade que justifica a anulação da liquidação na exacta medida dessa consideração. (…)”

Para melhor apreciação, vejamos a redacção do artigo 129.º do CIRC, vigente à data dos factos (actual artigo 139.º):
“Artigo 129.º
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior.
7 - A impugnação judicial contra a liquidação do imposto relativo à transmissão de imóveis cujo lucro tributável tenha sido fixado nos termos do artigo 58.º-A, ou se não houver lugar a liquidação do lucro tributável previsto no mesmo preceito legal, depende de prévia apresentação do pedido previsto no presente artigo, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo”. (Redacção do DL.287/2003, de 12 de Novembro)

Está em causa nos presentes autos a apreciação da questão relativa ao preço de venda declarado do imóvel.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 58.º-A do CIRC, os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto (n.º 1). E sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (n.º 2).

A prova de que a transmissão foi feita por valor inferior ao valor patrimonial tributário cabe ao sujeito passivo. Trata-se de procedimento previsto no Capítulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis, permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artigo 58.º-A, n.º 2 do mesmo diploma legal.

O regime em presença tem em vista garantir o direito do contribuinte à demonstração do preço efectivo do bem alienado quando inferior ao valor de mercado. Por outras palavras, está em causa o apuramento do valor efectivo do bem alienado, tendo em vista garantir o carácter fidedigno dos registos contabilísticos do contribuinte. Seja pela possibilidade de demonstração, com recurso a qualquer meio de prova idóneo, seja através do apuramento colegial, o referido regime destina-se ao apuramento exacto do preço do bem alienado, tendo em vista a determinação correcta dos proveitos do contribuinte. Objectivo que está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real.

O acesso à informação bancária prevista no artigo 129.º, n.º 6 do CIRC tinha, pois, como única finalidade a comprovação a que alude aquele normativo. E, por isso mesmo, o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve «ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior».

O direito à prova do preço efectivo inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, o que postula a referida derrogação. Dada a massificação das relações tributárias, assentes no princípio declarativo e a concomitante massificação das relações bancárias, cujos registos servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, dir-se-á que o acesso aos dados bancários do contribuinte constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos. De forma que o cumprimento eficaz do ónus da demostração da efectividade de certa operação económica e do valor implicado depende muito mais dos registos bancários do que apenas dos registos contabilísticos. O acesso aos dados referidos coloca-se, pois, como medida idónea, necessária e proporcionada ao fim em vista, porquanto estando em causa demonstração de que o preço efectivo foi inferior ao preço de mercado, importa garantir o acesso aos dados bancários do impugnante e dos seus administradores, tendo em vista assegurar a veracidade do declarado.
Estando em causa uma disparidade entre os dois valores em presença (valor escriturado - valor da avaliação), o acesso às aludidas contas acaba por ser o único elemento susceptível de permitir à A. Fiscal um controlo da situação em presença – cfr. Acórdão do TCA Sul, 2.ª Secção, de 19/02/2013, processo n.º 6091/12, citado no Acórdão do TCA Sul, de 19/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 06599/13, que temos vindo a acompanhar na realização deste enquadramento prévio.

Ora, era sobre a Recorrida que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado.
Estava em causa o acesso aos dados bancários do contribuinte alienante de prédio cujo preço inscrito na contabilidade é inferior ao valor de mercado e que pretende fazer prova da efectividade do mencionado preço. Ora, correspondendo o VPT do prédio a uma aproximação ao valor de mercado do mesmo, a asserção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao VPT constitui uma presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (artigo 350.º do Código Civil). Prova cuja assertividade deve estar para além de qualquer dúvida e cujo ónus de demonstração recai sobre requerente, na medida em que fez inscrever na sua contabilidade preço inferior ao preço do mercado (artigo 74.º/1, da LGT). De referir também que sendo o preço a contrapartida monetária da venda, o qual origina fluxos financeiros entre pelo menos duas partes, então segue-se que os dados bancários da recorrida, enquanto alienante e contribuinte, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço. Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na contabilidade da recorrida.
Perante estes dados, resulta claro que esta exigência não coloca em causa a Lei Fundamental, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar o próprio requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço e estando devidamente balizada pela lei. E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve “ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior” - cfr. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 05/09/2012, recurso n.º 837/12.

A Recorrida deu início ao procedimento previsto no artigo 129.º do CIRC, invocando factos envoltos em certa inexactidão, tendo sido a leitura atenta dos documentos juntos, para prova do preço real da transmissão do imóvel, que alertou para a eventualidade de o montante declarado na escritura pública de compra e venda não corresponder à quantia, de facto, recebida por essa transacção.

Realmente, para prova da realidade do preço declarado, a Recorrida juntou à petição do procedimento de revisão os seguintes documentos:
- escritura de venda do terreno por €450.000,00 – cfr. doc. n.º 1;
- escritura de compra do prédio por €199.519,16 – cfr. doc. n.º 2;
- acta n.º 16, da Assembleia Geral dos sócios, que foi realizada em Paris, por aí os mesmos residirem – cfr. doc. n.º 5;
- contrato de financiamento do comprador – cfr. doc. n.º 6;
- contrato promessa de compra e venda do bem alienado – cfr. doc. n.º 7;
- cópias dos extractos de todas as contas bancárias de que a Recorrida era titular ao tempo da realização do negócio, bem como no exercício anterior e posterior – cfr. docs. n.º 9, 10, 11 e 12;
- relação de todas as contas bancárias de que o gerente da sociedade Recorrida e/ou todos os sócios eram titulares – cfr. doc. n.º 13.

Declarou, ainda, a aqui Recorrida na petição do procedimento de revisão que poderiam ser investigados todos os movimentos das referidas contas bancárias ou de quaisquer outras de que eventualmente se viesse a verificar a existência, de que fossem titulares a sociedade ou qualquer um dos seus sócios e/ou gerentes.

Foi, também, oferecida prova testemunhal, cujas testemunhas teriam, alegadamente, conhecimento de que a Recorrida não tinha possibilidade de conseguir melhor preço para o imóvel, em alguns casos porque essas pessoas foram contactadas pela sociedade com vista à realização do negócio, tendo-o rejeitado.

Na apreciação do pedido de revisão não foi possível encontrar um acordo entre os peritos, tendo sido decidido, como adiantámos, indeferir totalmente a petição da Recorrida, mantendo como valor da transmissão do imóvel o valor patrimonial tributário resultante da segunda avaliação do mesmo, fixado em €652.640,00, sendo, consequentemente, mantido esse valor para efeitos de IRC, relativamente ao exercício de 2004.

O perito indicado pelo contribuinte, no seu parecer, começou por referir ter tomado conhecimento de que o preço de venda declarado na escritura (e cuja relevância fiscal o contribuinte veio reivindicar) não corresponde ao real. Efectivamente, os dois peritos (da AT e do contribuinte), na sequência de uma leitura atenta, aperceberam-se de que o valor real de venda não foi o declarado na escritura pública (€450.000,00), pois o anterior contrato promessa é expresso no sentido de que os sinais que o contribuinte já tinha recebido dos seus clientes (obra em construção – futuras fracções autónomas) ficavam na sua propriedade (e não do promitente comprador).

Em face da incorrecção detectada, é o próprio perito do contribuinte a assumir, sem hesitação, que o pedido da ora Recorrida deveria ser corrigido pela diferença entre o preço declarado na escritura, que entende ter sido por lapso, e o que resulta do contrato-promessa, ou seja, ao valor declarado na escritura pública devem ser acrescidos os valores dos sinais que o contribuinte já tinha recebido – valores dos sinais que, como sustenta, a inspecção tributária já cuidou de averiguar.

Salientamos que o referido contrato promessa faz menção a dois anexos que não foram juntos com os documentos instrutores do pedido de prova do preço real da transmissão, tendo somente, a solicitação da Fazenda Pública, sido apresentados pela Recorrida nos presentes autos – cfr. fls. 42 a 44 do processo físico.

Como referimos, o perito do contribuinte (e o próprio contribuinte) consideram que se verifica um lapso na declaração, para justificar a divergência identificada no contrato promessa e na escritura de venda do imóvel. Aliás, a Recorrida, na sua petição de impugnação, explica este lapso por terem sido pessoas diferentes a outorgar cada um dos contratos. Vejamos o artigo 70.º da petição inicial: “Importa, todavia, salientar que a razão da diferença que os referidos pareceres e decisão apontam entre preço declarado na escritura e preço real (este resultante de uma leitura atenta do anterior contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes) decorre de mero lapso associado à circunstância de o contrato promessa ter sido outorgado pelo anterior sócio gerente (posteriormente falecido) e a escritura ter sido outorgada pelos posteriores representantes da impugnante.”
Ora, os respectivos documentos em causa infirmam, de forma categórica, tal afirmação, dado que, em ambos os contratos, a sociedade aqui Recorrida se mostra representada pelo gerente com poderes de vinculação A. – cfr. fls. 30 (escritura de compra e venda) e fls. 48 (contrato promessa de compra e venda). Aliás, o sócio-gerente da sociedade Recorrida (falecido em Dezembro de 2003) era Joaquim da Costa Correia, como se pode verificar dos documentos de fls. 33 (escritura de compra do prédio) e de fls. 38 (acta n.º 16, onde foi designado gerente da sociedade A.), todas folhas do processo administrativo.

Insistindo na ideia de lapso, a impugnante, ora Recorrida, afirma no artigo 71.º da petição inicial, que a diferença em causa (no valor de €76.000,00 relativo a sinais pagos a propósito do contrato promessa, ao que parece recebido pelo referido anterior sócio gerente) nunca deu entrada na empresa, sendo possível confirmar tal pela sua contabilidade e pela informação bancária disponibilizada pela impugnante.

Com efeito, pensamos que esta dificuldade em confirmar esses valores, relativos a sinais que terão sido pagos no âmbito de contratos promessa das futuras fracções a construir na parcela de terreno alienada, terá levado à decisão final de não considerar provado o preço real da transmissão, assente no parecer do perito da AT.

Efectivamente, neste parecer, fica claro que o preço efectivamente praticado na venda não foi o declarado na escritura (pelo menos, haverá que acrescer a este €76.000,00 relativos aos referidos sinais) – mas, quanto a este aspecto, como vimos, o perito do contribuinte havia condescendido.

Quanto à possibilidade de, então, o preço praticado ser, não os €450.000,00, mas €526.000,00 (€450.000,00+€76.000,00), como se acolheu na sentença recorrida, o perito da AT concluiu que i) não é verdade que o preço praticado seja o declarado na escritura, o qual omite a componente relativa aos sinais recebidos e assumidos pelo adquirente; ii) não existem elementos objectivos que permitam fixar o preço de venda em, apenas, €526.000,00 (…).

De facto, os valores meramente elencados, referentes aos ditos sinais, no anexo II ao contrato promessa de compra e venda não se mostram reflectidos em qualquer documento junto aos autos ou no âmbito do procedimento.

Ora, no seu próprio interesse, deveria a sociedade Recorrida ter juntado, ao requerimento inicial apresentado junto da AT, e que determinou a instauração do procedimento do artigo 129.º do CIRC, cópias desses contratos promessa celebrados com interessados na compra das futuras fracções em construção, documentos comprovativos dos meios de pagamento utilizados na entrega dos sinais, datas em que ocorreram, para mais facilmente se detectarem as respectivas entradas de capital na sociedade ou pagamentos a esta que tenham sido recebidos pelos sócios-gerentes, em 2003 e 2004, por exemplo.

Não podemos esquecer que o referido procedimento, regulado pelos artigos 91.º e 92.º da LGT, assenta num debate contraditório, entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da AT, e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Assim, importava que a Recorrida demonstrasse, de forma inequívoca, o preço real por que foi transmitido o imóvel, como vimos, de molde a ilidir a presunção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao valor patrimonial tributário, não bastando a mera contraprova, mas antes a prova em contrário – cfr. artigo 350.º do Código Civil.

Perante os elementos de prova que se encontram junto aos autos, a Recorrida não ilidiu a presunção de que o valor de transmissão da parcela de terreno para construção e benfeitorias nela executadas corresponde ao valor patrimonial tributário fixado em 2.ª avaliação (€652.640,00), não demonstrando, como lhe competia - por força da conjugação do artigo 58.º A, n.º 1 com o artigo 129.º, n.º 1, ambos do CIRC - o valor real e efectivo que, de facto, recebeu pela transmissão desse bem.

Neste momento, perante todo o circunstancialismo que vimos descrevendo, já não estará em causa a prova do preço declarado na escritura de €450.000,00. Apesar das discrepâncias de datas que mencionámos supra, na motivação da alteração à decisão da matéria de facto, damos de barato que a venda terá sido realizada com a intermediação bancária e que o banco possa ter transferido o débito correspondente ao preço então ajustado da impugnante vendedora (anterior devedora) para o comprador (novo devedor), sem qualquer pagamento directo entre as partes. Porém, naturalmente, haverá que levar em conta os valores que anteriormente teriam sido recebidos a título de sinais.

Por este motivo, a crítica que a Recorrida desfere na petição de impugnação perde pertinência no caso concreto, quanto ao facto de a AT não ter ouvido as testemunhas indicadas no procedimento. Diremos que não houve propriamente um desprezo pelas condições concretas do caso, seja quanto às condições de negociação, seja quanto aos elementos do negócio de facto resultante. A impugnante ofereceu e continua a oferecer testemunhas nesta impugnação, todavia, esclarece que as mesmas são potenciais compradores que recusaram a compra pelo preço que a Recorrida afinal veio a conseguir pela parcela de terreno com benfeitorias. Assim sendo, não vislumbramos que a audição dessas pessoas possa ter alguma utilidade relativamente à dilucidação e conhecimento específico dos vários contratos promessa que foram celebrados sobre as fracções em construção e dos sinais que terão sido pagos por esses clientes (ficando claro, ex ante, que nenhum desses interessados foi arrolado como testemunha).

A verdade é que, relativamente aos €76.000,00, não se encontra junto aos autos qualquer contrato promessa celebrado com interessados na compra de fracções do prédio em construção, respectivos meios de pagamento (cheques ou outros) e o extracto da conta bancária da Recorrida não evidencia o depósito desses pagamentos, num total de €76 000,00.

Nem a AT, nem o Tribunal, desprezaram os elementos de prova carreados pelo contribuinte, tanto mais que a AT analisou a informação bancária disponibilizada e, também, solicitou elementos bancários a várias instituições referentes ao antigo gerente (falecido) e ao actual gerente, sem que tivesse encontrado elementos que reflectissem qualquer entrada de capital relativa aos sinais pagos (nem o cômputo dos sinais que perfaz €76.000,00, nem outro montante que pudesse dizer respeito aos contratos promessa mencionados). Logo, não podemos concluir que a Recorrida tivesse realizado a prova que lhe cabia quanto à medida da diferença em relação ao valor declarado na escritura pública.

Alegou a impugnante na sua petição inicial que a Administração Fiscal analisou a informação bancária disponibilizada quanto à impugnante e a todos os seus gerentes e sócios e que não encontrou nada que desabonasse quanto à verdade da posição sustentada pela impugnante; mas o facto é que nenhum extracto bancário demonstra o depósito na conta da Recorrida, dos gerentes ou dos sócios, de determinado e certo valor referido em contrato celebrado com interessado na compra de futura fracção autónoma. Não sendo, por isso, possível considerar provado que os sinais ascenderam, tão-só e apenas, a €76.000,00. Como inexiste qualquer prova deste montante, ficará sempre a dúvida, se a quantia a somar aos €450.000,00 não seria outra ou superior a €76.000,00, tanto mais, que a discrepância encontrada entre o declarado na escritura e o clausulado no contrato promessa não parece ter tido origem em qualquer lapso, na medida em que foi o mesmo sócio gerente a formalizar os dois documentos – A..

O Tribunal a quo não ponderou devidamente os elementos de prova que se encontram junto aos autos, considerando como provados factos que esses elementos probatórios não evidenciam de forma inequívoca.
Deste modo, não tendo a Recorrida feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão terá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova supra referidas, nomeadamente, do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

Em consequência, e nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º-A do CIRC terá de acrescer ao lucro tributável do exercício em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.

Nesta conformidade, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.

Conclusões/sumário

I - O procedimento previsto no Capítulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes, tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis, permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artigo 58.º-A, n.º 2 do mesmo diploma legal - correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis.

II - O direito à prova do preço efectivo, inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, através de qualquer meio de prova idóneo. Ora, era sobre a Recorrida que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e impunha-se que providenciasse a junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.

III - Não tendo a Recorrida feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão terá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova, nomeadamente, do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e do artigo 74.º, n.º 1 da LGT. Em consequência, e nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º-A do CIRC, terá de acrescer ao lucro tributável do exercício em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial fixado em sede de avaliação ao imóvel em causa e o respectivo valor declarado de venda.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
*
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
*
Porto, 25 de Março de 2021

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira