Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02819/18.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/17/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; REJEIÇÃO LIMINAR; FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO; FUNDAMENTOS DE IMPUGNAÇÃO;
ERRO NA FORMA DE PROCESSO; IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO; PEDIDO; CUMULAÇÃO DE PEDIDOS INADMISSÍVEL);
PROC. 308/2
Sumário:Não há que fazer apelo a qualquer intervenção oficiosa pelo Tribunal no sentido da convolação prevista nos arts. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e 98.º, n.º 4, do CPPT – no caso, de oposição à execução em impugnação judicial – quando em causa está a própria seleção do meio processual adequado, e ainda, a superação da incorreta formulação do pedido numa circunstância em que tal formulação encontra como escolho uma incongruência formal insanável, a saber, a impossibilidade formal de cumulação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
M., Lda., com os demais sinais nos autos, inconformada com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 2018-11-18, através do qual foi liminarmente rejeitada a oposição à execução fiscal n.º 1821201201198564 e apensos que o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 move contra si por reversão de dívidas referentes a IVA, IMI e coimas, dos anos de 2010 a 2013, no valor total de EUR 6.352,24, vem dele interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
IV) Conclusões
1ª) Foram alegados fundamentos bastantes para que a oposição prossiga os seus termos – art. 204.º, nº 1, als. e), h) e i).
2ª) Sem prescindir, sempre seria de proceder-se à convolação da oposição em impugnação.
Termina pedindo:
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a decisão recorrida, com todas as consequências legais, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.
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A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, há que apurar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar que não foram invocados fundamentos de oposição, e ainda que a convolação no meio processual adequado era inviável.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na decisão prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
Com interesse para a apreciação desta questão, provou-se o seguinte:
A) Contra a Oponente foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal (cfr. fls. 92 a 94, 106 frente e verso, 132 a 134 e 136 a 155 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

B) Em 22/08/2018, a Oponente foi citada pessoalmente, após penhora, para o processo de execução fiscal n.º 1821201201198564 e apensos – cfr. fls. 15, 103 e 104 do processo físico.
C) A presente oposição foi deduzida em 20/09/2018 – cfr. fls. 7 a 13 e 87 do processo físico.
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito que é invocado pelo Recorrente, que argumenta que a oposição à execução não deveria ter sido rejeitada – no caso, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT – uma vez que, na sua tese, alegou os fundamentos admitidos nas alíneas e), h) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, e que ainda que assim não se entendesse, deveria ter sido ordenada a correspondente convolação no meio processual adequado.
Importará começar por recordar que os recursos ordinários se destinam a permitir que o Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas (cf. neste sentido, SOUSA, Miguel Teixeira de – Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 1997, pág. 373-375, e GERALDES, António Abrantes – Recursos em Processo Civil. 6.ª edição atualizada. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 29), sendo seu objeto a decisão recorrida.
Assim sendo, o âmbito do recurso encontra-se objetivamente delimitado pelas questões colocadas perante o tribunal recorrido (cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 2011-11-08, no proc. 39/10.8TBMDA.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), não servindo o mesmo, designadamente, “(…) para a parte ativa introduzir novas causas de pedir, nem novos factos de uma causa de pedir já deduzida (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 351).
Estava, por isso, vedado à aqui Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas na 1.ª instância (cf. nesse sentido os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2019-10-30, no proc. 0280/12.9BEBJA 0410/18; em 2012-06-27, no proc. n.º 218/12; em 2012-02-23, no proc. n.º 1153/11; em 2012-01-25, no proc. n.º 12/12; em 11/5/2011, no proc. n.º 4/11; em 2009-07-01, no proc. n.º 590/09; em 2008-12-04, no proc. n.º 840/08; em 2008-10-30, no proc. nº 112/07; em 2004-06-02, no proc. n.º 47978, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, e como foi já referido nos presentes autos pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, a Oponente só agora, em sede de recurso, vem invocar que “… já decorreram mais de 4 anos e as liquidações não foram até hoje validamente notificadas, [pelo que] sempre teria de entender-se que caducou o exercício do direito a praticar as liquidações em mérito …”, questão que enquadra na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (cf. pág. 6, das suas alegações de recurso).
De facto, tratando-se de questão nova, não suscitada e discutida perante o Tribunal de primeiro conhecimento da causa, a mesma não pode ser apreciada neste recurso.
Quanto ao demais, o que resulta claro é que na sua PI apenas invoca a inexistência de facto tributário, causa de pedir que, ao contrário do que pretende, não é enquadrável na alínea h) ou na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Efetivamente, e como foi corretamente dito na decisão sob recurso, nem a alínea h) nem a alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT acolhem como causa de pedir adequada à oposição à execução a ilegalidade concreta dos tributos em execução, sendo o meio processual adequado para o efeito a impugnação judicial, prevista e regulada na alínea a) do n.º 1 do art. 97.º e nos arts. 99.º e seguintes do CPPT.
Alega a Recorrente que deveria ter sido determinada a convolação em impugnação judicial.
Vejamos.
Em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1821201201198564 e apensos estão dívidas de IVA, IMI e coimas fiscais (cf. ponto A, da fundamentação de facto).
Donde, e como é referido na decisão sob recurso, o meio processual adequado para a apreciação da legalidade das liquidações de IVA e de IMI seria, efetivamente, a impugnação judicial.
Para afastar a convolação prevista nos arts. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e 98.º, n.º 4, do CPPT, entendeu o Tribunal a quo que “uma vez que o termo do prazo de pagamento das liquidações em apreço ocorreu durante os anos de 2012 e 2013, facilmente se conclui que em 20/09/2018, quando foi deduzida a presente oposição, já se encontrava esgotado o prazo para impugnar tais liquidações” (cf. pág. 3, da decisão sob recurso).
De facto, e como vem sendo afirmado unanimemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a convolação não deve ser determinada quando se verifique que, por manifesta improcedência, falta de um pressuposto processual ou requisito de procedência do meio processual adequado, a mesma se venha a revelar um ato inútil, e enquanto tal, proibido pela lei processual, tal como resulta do princípio da limitação dos atos, previsto no art. 130.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo STA em 24-03-2004, no proc. 01588/03, em 21-03-2007, no proc. 01165/06, em 11-04-2007, no proc. 0172/07, em 16-01-2008, no proc. 0885/07, em 16-01-2008, em 04-02-2009, no proc. 0925/08, em 25-03-2009, no proc. 074/09, em 26-05-2010, no proc. 0137/10, em 07-07-2012, no proc. 0328/12, em 26-09-2012, no proc. 0678/12, em 30-01-2013, no proc. 0707/12, em 14-02-2013, no proc. 014/13, em 26-03-2014, no proc. 01809/13, em 05-11-2014, no proc. 01000/13, em 04-03-2015, no proc. 01313/13, em 29-04-2015, no proc. 01110/14, em 20-01-2016, no proc. 01124/15, em 27-01-2016, no proc. 01353/15, em 15-02-2017, no proc. 01583/15, em 13-09-2017, no proc. 0161/17, em 20-06-2018, no proc. 0212/18, em 10-04-2019, no proc. 0103/11.6BEBJA, em 14-10-2020, no proc. 0148/12.9BESNT 0674/18, em 06-10-2021, no proc. 0429/10.6BEPRT, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Sendo a impugnação judicial o meio processual adequado para a apreciação da legalidade das liquidações de IVA e de IMI, o prazo para a respetiva interposição encontra-se regulado no art. 102.º do CPPT, como é corretamente dito na decisão sobre recurso.
Ora, embora a Oponente alegue na sua PI que “desconhece” os atos tributários de liquidação em causa (cf. arts. 5.º e 17.º da PI de Oposição), nunca concretiza essa alegação, não referido, em momento algum da mesma, que não foi notificada das liquidações em apreço, não adiantando qualquer facto concreto que substantifique a sua alegação, como lhe competia.
Refira-se ainda que sendo o pedido o elemento da ação fundamental para a determinação da correta forma do processo, o que se constata é que o pedido formulado pela Recorrente na respetiva PI – “Termos em que deve ser recebida a Oposição e ser a mesma julgada procedente, por provada, e consequentemente ser extinta a execução, com o fundamento da al. h), ou assim não se entendendo com o fundamento da al. i), ambas do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, tudo com as demais consequências legais.” - não é, claramente, adequado à impugnação judicial.
Com efeito, quanto a esta questão já Alberto dos Reis afirmava que “… o fim a que qualquer processo se destina é nos dado pela respectiva petição inicial. É aí que o autor marca a finalidade que se propõe atingir; e marca-a, formulando o pedido que pretende ver acolhido pelo órgão jurisdicional. Chegamos assim, natural e logicamente, a este resultado: O processo […] foi bem empregado quando o pedido formulado na petição inicial corresponde precisamente ao fim para o qual a lei estabeleceu esse processo.” (cf. REIS, Alberto dos - Processos Especiais, vol. I. Reimpressão, Coimbra: Coimbra editora, 1982, pág. 8).
Ademais, e como foi já referido, no processo de execução fiscal em causa encontram-se em cobrança coerciva quantias referentes a IVA, a IMI e a coimas, sendo que para o ataque contencioso destas últimas, a supracitada impugnação judicial não se afigura, manifestamente, o meio processual adequado, antes o sendo o recurso das decisões de aplicação das coimas previsto no art. 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), com pressupostos processuais diversos dos da impugnação judicial.
Ora, e desde logo, é manifesta a impossibilidade de cumulação entre os dois meios processuais, à luz do disposto no art. 104.º, n.º 1, do CPPT.
Não há, assim, neste caso, que fazer apelo a qualquer intervenção oficiosa pelo Tribunal, a quem não cabe substituir-se à parte na seleção do meio processual adequado, e menos ainda, na superação da incorreta formulação do pedido numa circunstância, como esta, em que a mesma encontra como escolho uma incongruência formal insanável, no caso, a impossibilidade de cumulação, por estarem em causa dois meios processuais distintos.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente.
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Quanto à responsabilidade por custas, em face da decisão de improcedência, o Recorrente decai no presente recurso, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Não há que fazer apelo a qualquer intervenção oficiosa pelo Tribunal no sentido da convolação prevista nos arts. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e 98.º, n.º 4, do CPPT – no caso, de oposição à execução em impugnação judicial – quando em causa está a própria seleção do meio processual adequado, e ainda, a superação da incorreta formulação do pedido numa circunstância em que tal formulação encontra como escolho uma incongruência formal insanável, a saber, a impossibilidade formal de cumulação.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e assim confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 17 de fevereiro de 2021 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.