Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02031/15.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR; DEMISSÃO; LEI 58/2008; PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:1 – Nas Providências Cautelares, por maioria de razão, cabe ao Requerente alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, impondo-se-lhe assim, o ónus geral de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, não podendo o tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão.
O que se acaba de dizer vem a propósito do disposto no artº 114º, nº3-g) do CPTA então aplicável, onde se estipula que “No requerimento, deve o requerente: (...) g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência.”
2 - Na providência cautelar, compete ao juiz, perante cada caso concreto e perante a solução que a situação concreta se lhe perspetiva, aferir da necessidade ou não de produzir prova, nomeadamente testemunhal - n.º 3 do art.º 118.º do CPTA.
3 - A mera alegação conclusiva de que “a manutenção da pena de demissão irá causar para a Requerente elevados e excessivos prejuízos, visto que deixará numa situação de desemprego…” é manifestamente insuficiente para que se pudessem mensurar os prejuízos reclamados.
4 - Mesmo que se entenda, o que não foi aqui o caso, aplicável a alínea b) do nº 1 do Artº 120º do CPTA, em face do estatuído no seu nº 2, sempre a sua aplicabilidade soçobrará, perante a ponderação dos interesses em presença, se a requerida suspensão do ato que determinou a aplicação da pena de demissão, puder transmitir uma imagem de impunidade permissiva no que concerne à gravidade dos factos de que o arguido foi acusado e condenado disciplinarmente, por poder gerar um clima de “contágio”, pernicioso para o interesse público.
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PACSC
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
PACSC, com os sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida no TAF do Porto, em 16 de Outubro de 2015, através da qual foi julgado “improcedente o pedido cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal do Porto de 28 de Julho de 2015 nos termos da qual se aplicou à Requerente a pena de demissão”, veio, em 6 de Novembro de 2015, recorrer da decisão proferida, na qual se conclui:

“1) A decisão presentemente impugnada foi tomada integralmente com base na prova documental já junta aos autos, optando a Mmª Juiz pela preterição da produção de prova testemunhal, ao abrigo do artigo 118.º, n.º 3, do CPTA.
2) Sem audição e inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, entendeu não estar verificado o primeiro requisito exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, al. b) daquele diploma – mais precisamente, dita-se na sentença recorrida que é manifesta a improcedência da eventual ação principal, na medida em que teria a Recorrente praticado os factos que lhe foram imputados no procedimento disciplinar e que seria portanto justa e adequada a pena de demissão que lhe foi aplicada, por violação do dever de isenção previsto no artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Lei 58/2008.
3) A tutela cautelar é caracterizada por uma ideia central de urgência e celeridade.
4) Perante o requerimento de interposição de procedimento cautelar, o tribunal, baseado numa prova sucinta e sumária, visa formular não uma convicção e uma motivação definitivas sobre os factos trazidos a juízo, mas apenas uma summario cognitio relativamente aos mesmos, que lhe permita verificar a aparência do direito alegado pelo requerente.
5) Assim surgem no ordenamento jurídico normas como aquela que resulta do artigo 118.º, n.º 3, perante a qual tem sido entendido que é permitido ao tribunal dispensar a produção de prova em julgamento, quando entenda que da prova documental junta pelas partes resultam elementos suficientes para formar a sua convicção.
6) Porém, tal faculdade do juiz não pode estender-se ao ponto de relegar direitos e garantias fundamentais de defesa do requerente ou do requerido, baseando a sua decisão em prova insuficiente e sem que complemente o que da documentação resulta com a produção de prova testemunhal, quando tal se revele necessário.
7) E revela-se necessário quando o requerente alega, no requerimento inicial de providência cautelar, factos que visem preencher os requisitos próprios da tutela cautelar.
8) No presente caso, a providência cautelar requerida revestia o carácter de conservatória, na medida em que visava manter, para a Requerente, a situação de facto existente previamente à atuação da Administração Pública mediante a aplicação da pena de demissão.
9) Assim, são requisitos da concessão destas providências aquelas que resultam do artigo 120.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPTA: o fumus non malum iuris, ou seja, a demonstração de que não é manifestamente improcedente a ação principal; o periculum in mora, ou o prejuízo grave e/ou irreparável que a demora na prolação de uma decisão definitiva sobre a causa venha a trazer para o requerente; e a ponderação entre o interesse público e o interesse do requerente na concessão da providência cautelar.
10) É ónus do requerente da providência cautelar que este alegue os factos necessários a concretizar estes três requisitos.
11) No requerimento inicial apresentado pela agora Recorrente, foram alegados tais factos, sendo que alguns deles não haviam sido objeto de análise no âmbito do processo disciplinar, desde logo:
- a existência de problemas ao nível do sistema informático UBS, utilizado pelos funcionários das Águas do Porto, denunciadas inclusivamente pela Recorrente à sua superior hierárquica (v. pontos 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, e 34.º do requerimento inicial);
- a regularização das contas e correção de lapsos operada mais tarde pela Recorrente, bem como as explicações dadas por esta no âmbito da sua defesa no processo disciplinar (v. pontos 11.º e 36.º do requerimento inicial);
- a ocorrência de irregularidades idênticas àquelas que sucederam no âmbito do exercício funções da Recorrente com outros colegas (v. ponto 19.º do requerimento inicial);
- a fase de stress e esgotamento em que se encontrava, em grande parte devido à dificuldade sentida no atendimento aos clientes por força da problemática resultante do número elevado dos mesmos e das próprias disfunções do sistema informático, cansaço sentido também pelos colegas da Recorrente (v. pontos 15.º e 17.º do requerimento inicial)
- a complexidade geral, resultado conjugado do excessivo número de clientes a atender e das constantes falhas do sistema informático, do serviço de atendimento, tal como resultou, inclusive, do parecer da Comissão de Trabalhadores junto aos autos (v. ponto 9.º do requerimento inicial.)
12) Factos que, no entender da Recorrente, careceriam de esclarecimento por parte das testemunhas arroladas em sede própria, e que visam demonstrar que a ação principal não será manifestamente improcedente.
13) Por outro lado, foi também alegado pela Recorrente a gravidade da sua situação financeira e os prejuízos que sofrerá quer com a demora da resolução da ação principal, quer com a aplicação imediata da pena de demissão, de forma tendente a preencher o requisito do periculum in mora – questão e factos que não foram sequer analisados pela douta sentença recorrida (v. pontos 37.º a 41.º do requerimento inicial).
14) Na verdade, a Mmª Juiz a quo limitou-se a considerar provado que a Recorrente vivia com duas filhas a seu cargo com base na declaração do IRS da mesma, sem avaliar da necessidade de mais prova para compreensão da verdadeira situação económica e psicológica da Recorrente, situação essa que apenas por meio de prova testemunhal seria possível aferir.
15) Por fim, não deixou a Recorrente de alegar a superioridade do seu interesse sobre o interesse público – aliás, aqui relevando o facto de, ao contrário do que vem o douto tribunal recorrido afirmar na sentença impugnada, não ter sido ela suspensa das suas funções e continuar atualmente a exercê-las (v. ponto 42.º do requerimento inicial).
16) Ora, se tais factos não foram completamente apreciados em sede de procedimento disciplinar, não se compreende como, sendo agora alegados para efeitos do preenchimento dos requisitos tendentes ao deferimento da presente providência cautelar, possa vir o douto tribunal a quo afastar a possibilidade de produção de prova testemunhal sobre os mesmos.
17) Assim, carecem tais factos de prova adequada e suficiente, ainda que meramente indiciária ou sumária, uma vez que a prova assim produzida sempre será mais eficaz do que prova nenhuma.
18) Na verdade, a decisão de preterir a produção de prova, por muito que tenha o fundamento legal do artigo 118.º, nº 3, do CPTA, não pode deixar de tomar em conta as regras básicas do contraditório nos termos do artigo 3.º do CPC (ex vi art. 1.º do CPTA), bem como o direito ao processo justo e equitativo que decorre em primeira linha do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
19) Em situações em que a prova documental se revele insuficiente ou demonstre necessitar de informações e diligências probatórias adicionais, o tribunal não pode tão simplesmente preterir a produção de prova, devendo fundamentar esta decisão com especial cuidado.
20) No caso concreto, as testemunhas PJG, ALFV e PCALM, arroladas pela Requerente para a produção de prova em sede de julgamento, detêm conhecimento de factos alegados no requerimento pela Recorrente apresentado, parte dos quais já haviam alegado em sede de procedimento disciplinar.
21) Uma vez que, em relação aos factos acima enunciados, não foi produzida qualquer prova, seria indispensável a audiência daquelas testemunhas, cientes dos problemas sentidos por todos os funcionários com o sistema informático UBS e “vítimas”, também, se assim se pode dizer, de situações semelhantes àquelas que aconteceram com a Recorrente.
22) Uma vez que a documentação junta aos autos se revela insuficiente, seria sempre necessário pelo menos fornecer à Recorrente a oportunidade de indiciar a provável procedência da ação principal, o que não sucedeu.
23) Por força do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC (ex vi art. 1.º do CPTA), é dever do juiz ordenar todas as diligências probatórias necessárias para o apuramento da verdade, dando resposta aos factos controvertidos que possam influir decisivamente na decisão final do tribunal.
24) Se é certo que a prova no campo dos procedimentos cautelares basta-se por ser simples e indicativa, de forma a que o tribunal formule a tal summario cognitio dos factos trazidos a juízo, também é certo que da mera análise atenta do requerimento inicial apresentado pela agora Recorrente, surgem indícios de que esta poderá não ter praticado os atos que lhe são imputados.
25) Tais indícios, causadores de alguma dúvida, só poderiam ser elucidados perante a inquirição das testemunhas em julgamento, conjugando-se o que daí resultasse com o que daquela prova documental já se retiraria.
26) Não pode ser permitido ao juiz, perante a alegação de factos tendentes a preencher os requisitos da tutela cautelar, prescindir da prova requerida e vir depois fazer cair por terra a pretensão do requerente com base na falta de prova de algum daqueles requisitos.
27) Sendo alegados tais factos, deverá sempre o tribunal a quo fornecer ao Requerente a oportunidade de sobre os mesmos produzir a devida prova; “isto porque, ao contrário do entendido na sentença sob recurso, a alegação da Requerente mostra-se suficiente concretizada, quer de facto, quer de Direito, no tocante aos requisitos do fumus bonis iuris, do periculum in mora e da ponderação de interesses. Assim, tal alegação é de molde ao preenchimento dos requisitos de adoção da providência cautelar, desde que a Requerente proceda à demonstração dos respetivos requisitos (...) donde, dever permitir-se que sobre os factos alegados possam recair meios de prova, destinados à comprovação do alegado. A decisão proferida mostra-se, pois, incorreta, já que no caso concreto, em face da alegação da Requerente não é possível concluir pela dispensabilidade ou pela desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida.” - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Outubro de 2013, no proc.
28) Entenda-se então que, quando o requerente vem alegar os factos tendentes ao preenchimento dos requisitos da providência cautelar que deseja ver adotada, alegando factos novos e arrolando as testemunhas que deseje ver inquiridas, não pode o tribunal recorrer ao dispositivo do artigo 118.º, n.º 3, do CPTA de tal forma abusiva, impedindo o requerente de produzir prova sobre factos essenciais à boa decisão da causa; o que releva é que a alegação do requerente, assente não em meros factos conclusivos ou simples ilações de Direito mas em factos concretos e passíveis de serem analisados em sede judicial e na mesma contraditados, coloque dúvidas ao tribunal quando este se confronta com a prova documental previamente junta aos autos.
29) Dúvidas que, necessariamente, só podem ser afastadas perante uma competente inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, agora não perante a entidade pública que praticou o ato, mas perante uma entidade imparcial e isenta, de forma a respeitar todas as garantias constitucionais do acesso ao Direito e à Justiça.
30) Não se compreende também como pode o tribunal recorrido considerar como não provado o facto que numera com a alínea a) dos factos não provados, a fls. 11 da sentença recorrida:
“a) Os factos imputados à Requerente ficaram-se a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial.”
31) Lê-se na sentença recorrida que a decisão relativa a esta factualidade dada como não provada assentou na prova documental e testemunhal que foi coligida no âmbito do processo disciplinar administrativo prévio à interposição do requerimento de procedimento cautelar.
32) Precise-se, porém, que o tribunal não toma em consideração toda a prova que deste documento resulta. Mais precisamente, não parece ter tido qualquer peso na decisão do tribunal em indeferir o pedido da Recorrente o depoimento da testemunha ALFV, quando esta refere os níveis elevados de stress da arguida e dos seus colegas, devido ao serviço caótico de atendimento ao cliente, nem quando esta afirma também ter tido quebras de caixa por motivos que não lhe eram imputáveis; ignora também o depoimento da testemunha PCALM, quando esta refere também já lhe ter faltado dinheiro em caixa e constata que o sistema informático por vezes dá erros, ou fica em baixo.
33) Estas testemunhas foram arroladas pela Recorrente para inquirição em sede de julgamento, onde teriam a oportunidade, agora perante o tribunal e não perante uma das partes do litígio em causa, de esclarecer e completar os depoimentos que haviam dado em sede do procedimento administrativo.
34) No tocante aos problemas sentidos ao nível do sistema informático, a Recorrente já havia informado os superiores hierárquicos do mesmo, ao nível da faturação, peticionando pela correção dos erros; assim resultou do documento junto como doc. 5 ao requerimento inicial, que a Mmª Juiz a quo não considerou em parte alguma na douta sentença recorrida.
35) Do mesmo modo, recorde-se o parecer da Comissão de Trabalhadores que, analisando os factos em causa, vem concluir, para além da seriedade e profissionalismo da Recorrente, que os factos que a esta são imputados se prenderiam mais com “a complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial, do que com a atuação da referida trabalhadora.”
36) Tais elementos resultantes da prova documental são, sem sombra de dúvida, mais do que suficientes para justificar a produção de prova testemunhal em sede de audiência de julgamento. Não podia o douto tribunal a quo fazer como fez, ao considerar automaticamente como não provada a inimputabilidade dos factos à atuação da Recorrente, impossibilitando uma prova precisa, se bem que sumária, da verificação do requisito do fumus non malum iuris.
37) Se a convicção do tribunal no âmbito das providências cautelares se pode ficar apenas pela verificação da mera aparência do direito, então não se compreende como, perante dúvidas e imprecisões resultantes da prova documental, trazidas também aos autos pelo requerimento inicial, possa aquele mesmo tribunal preterir a inquirição testemunhal e impedir a prova da existência aparente do direito.
38) A douta sentença recorrida parece estabelecer quase de modo definitivo a inexistência do direito da Recorrente a manter o seu posto de trabalho, baseando-se numa prova incompleta e sem que tenha da mesma feito a devida valoração, o que só poderia resultar numa sentença incipiente e indevidamente fundada, como foi a presente. A convicção do tribunal pode e deve ser apenas sumária e ficar-se pela verificação da aparência do direito, sim; mas isto não significa que o mesmo tribunal possa assentar a dita convicção sumária numa fundamentação incompleta e imprecisa!
39) A verdade é que tal decisão acaba também por dificultar à Recorrente a impugnação da matéria de facto, uma vez que nem existem elementos probatórios suficientes nos autos para a mesma, nem foram levados a juízo todos os factos relevantes para prolação da decisão final.
40) Afinal, foi precisamente para complementar e esclarecer o que da prova documental resultava que a mesma arrolou testemunhas no seu requerimento inicial, uma vez que desta resultavam dúvidas e contradições a que esperava que o tribunal desse resposta – o que não sucedeu, conforme tudo o que já supra expusemos.
41) Temos pois uma decisão judicial que viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, impedindo-a de obter a tutela jurisdicional cautelar efetiva relativa à sua pretensão, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do CPTA, bem como tendo o tribunal a quo violado o seu dever de promover a emissão de pronúncia sobre as questões que lhe são apresentadas, mediante uma fundamentação correta e completa, como resulta da conjugação do artigo 7.º daquele diploma com o artigo 205.º da CRP.
42) Deste modo, por todo o exposto, deve a decisão presentemente recorrida ser revogada, e substituída por outra que ordene a produção de prova relativamente aos factos vertidos nos pontos 9.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 19.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º e 42.º do requerimento inicial apresentado pela Recorrente, bem como do facto listado sob a al. a) da matéria de facto dada como não provada na sentença impugnada, sendo que só assim será possível à mesma produzir a prova necessária para aferir do preenchimento daquele requisito previsto no artigo 120.º, n.º 2, al. b) do CPTA (bem como de todos os pressupostos de que depende o deferimento do pedido de providência cautelar), sendo que a decisão tomada pelo tribunal a quo nos moldes acima expostos viola os dispositivos dos artigos 2º, n.º 1, 7.º, 118.º, n.º 3 e 120.º do CPTA, bem como dos artigos 3.º e 411.º do CPC (ex vi artigo 1.º CPTA) e 20.º e 205.º da CRP.
43) Também por todo o exposto, perante a insuficiência da prova documental, e apesar da dificuldade em impugnar a matéria de facto devido à inexistência de prova produzida em juízo, entende a Recorrente que o facto dado como não provado sob a al. a) dos factos não provados na sentença recorrida não teria recebido essa qualificação, perante uma análise cuidada dos depoimentos testemunhais tomados em sede do procedimento disciplinar e da documentação junta pela Recorrente, remetendo-se das presentes conclusões para o que nas alegações se expõe quanto à impugnação da matéria de facto.
44) Dá-se assim por realizada a referida impugnação da matéria de facto, nos moldes em que à Recorrente é possível, pedindo-se a alteração do facto dado como não provado na al. a) para provado, remetendo-se novamente para as alegações para tal impugnação, nos termos exigidos pelo artigo 640.º do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA.
45) Tendo sempre em conta que a convicção judicial num procedimento cautelar se deve bastar com a mera aparência do direito, considerar como não provado que os factos imputados à Requerente se ficaram a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial, quando da própria documentação resultam indícios em contrário e nem foi sequer permitido à Recorrente vir completar esses indícios em sede de julgamento, resulta numa fundamentação de facto insuficiente e incompleta, visto que a verosimilhança e a probabilidade de a Recorrente ver o seu direito reconhecido em juízo se vem a revelar, afinal, bastante elevada, assim se permitindo o preenchimento do pressuposto legal do fumus non malum iuris exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA.
46) Assim, sempre tendo em consideração que em primeira linha será necessária e indispensável a baixa dos autos à 1.ª Instância para a produção da prova testemunhal, não se deixa de impugnar a matéria de facto dada como não provada.
47) Por último, dispõe o artigo 119.º, n.º 1, al. a) do CPTA que a decisão final relativa a uma providência cautelar deve ser proferida pelo juiz no prazo de cinco dias após a produção de prova, quando a esta tenha havido lugar, ou, não havendo lugar à referida produção de prova, como foi o caso nos presentes autos, após a apresentação da última contestação.
48) Sucede que a contestação ao requerimento inicial foi apresentada a 31 de Agosto do presente ano, não tendo havido lugar a qualquer resposta da parte da Recorrente e ficando esta, desde essa data, a aguardar os ulteriores termos do processo.
49) A prolação de sentença deveria ter tido lugar no dia 5 de Setembro. Tratando-se este dia de um sábado, em que os tribunais se encontram encerrados, transfere-se para o dia útil seguinte (artigo 138.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA), que seria o dia 7 de Setembro, tendo em conta que se trata este de um processo urgente cujos prazos correm durante as férias judiciais (artigo 138.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA).
50) Para surpresa da Recorrente, no dia 22 de Setembro, é-lhe notificado um despacho que, vindo já bem para lá do prazo previsto naquela norma, não veio por termo ao processo, mas apenas requerer a junção aos autos da sua declaração de IRS, ordem judicial que não se compreende, na medida em que tal documento só seria relevante para a apreciação do requisito do periculum in mora, e mesmo assim nunca por si só suficiente; sempre seria necessária a inquirição de testemunhas com um conhecimento integral da situação pessoal da Recorrente e as dificuldades económicas que tem vindo a sentir desde a morte do seu marido.
51) De resto, o tribunal a quo nem veio analisar o requisito do periculum in mora, tendo de imediato absolvido o Recorrido do pedido com base apenas numa suposta manifesta improcedência da ação principal cujos termos já se contestaram.
52) Pior, é que a sentença que vem por fim dar por findo o processo em 1.ª Instância é proferida apenas um mês depois – a 20 de Outubro do presente ano!
53) Não se trata assim de um mero atraso de uma, duas, três semanas ou mesmo um mês, mas sim de um atraso de mais de dois meses, no âmbito de autos de procedimento cautelar, em que a lei vem exigir celeridade para evitar os prejuízos sofridos pela parte requerente; mesmo que a Recorrente discorde do sentido da orientação e das razões que fundamentam a mesma, o facto é que teria direito, nos termos do artigo 2.º do CPTA e 20.º da CRP, a obter a decisão respetiva em tempo útil, para evitar os prejuízos que necessariamente advirão de uma sentença proferida com tal atraso, mais precisamente, a insegurança e incerteza que a Recorrente viveu nos meses que antecederam a prolação da decisão final. Se é certo que não foi suspensa do exercício das suas funções, o facto é que a qualquer momento poderia sê-lo, ficando assim desempregada e sem fonte de rendimento que lhe permitisse sustentar-se a si própria e às suas filhas.
54) A sentença emitida nestes moldes, muito para além do prazo legalmente previsto, é violadora do princípio da economia processual, em especial na sua vertente da proibição da prática de atos inúteis, nos termos do artigo 130.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA, uma vez que em nada relevou para a decisão da causa a junção aos autos da declaração de IRS da Recorrente; revelou-se assim aquele despacho meramente dilatório, sem conteúdo útil, já que o tribunal não veio sequer analisar a questão do periculum in mora.
55) E perguntamo-nos nós se, sendo a causa de tal simplicidade que justificou a preterição da produção de prova testemunhal, bem como a ausência de análise das questões e factos alegados quanto ao periculum in mora e à ponderação entre os interesses públicos e privados, porque é que o tribunal veio exigir a junção aos autos daquele documento, e porque precisou também de dois meses para emitir uma decisão? Não se encontra qualquer justificação, nem a Mmª Juiz a quo a forneceu.
56) A providência cautelar, na sua caracterização geral, independentemente do tipo de processo que lhe subjaz (seja civil, laboral, administrativo, etc.) exige, pela sua própria natureza, uma resposta célere de modo a que a sua eficácia não venha a ser colocada em causa. Já por esse motivo os prazos neste tipo de processo correm em férias judiciais, sendo considerados urgentes.
57) Deste modo, vê a Recorrente não só violado o seu direito à obtenção de uma decisão eficaz em tempo útil, nos termos do artigo 2.º do CPTA e 20.º da CRP, como também viola o douto tribunal recorrido o princípio da economia processual e o dever de cooperação entre o tribunal e as partes, nos termos do artigo 7.º do CPC, ex vi art. 1.º CPTA, na medida em que colocou ao processo entraves e à Recorrente dificuldades completamente injustificáveis, não só nos termos já previamente arrazoados quanto à preterição da prova testemunhal, como também pelo atraso e demora na prolação da decisão definitiva.
58) Assim, o que por mera hipótese apenas se coloca, se não baixarem os autos à 1.ª Instância para a produção de prova, ou não for alterada a matéria de facto nos termos já requeridos, deverá sempre a sentença impugnada ser revogada nos termos dos artigos 2.º do CPTA, 7.º e 130.º do CPC e 20.º da CRP.
Nestes termos e em face do exposto requer:
a) a descida dos presentes autos à 1.ª Instância para produção de prova relativa aos factos vertidos nos pontos 9.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 19.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º e 42.º do requerimento inicial apresentado pela Recorrente, bem como do facto listado sob a al. a) da matéria de facto dada como não provada na sentença impugnada, com fundamento na violação, por parte do douto tribunal a quo, dos artigos 2º, n.º 1, 7.º e 118.º, n.º 3 do CPTA, bem como dos artigos 3.º e 411.º do CPC (ex vi artigo 1.º CPTA), 20.º e 205.º da CRP. Ou, subsidiariamente,
b) ser o facto dado como não provado sob a al. a) pela sentença impugnada (“Os factos imputados à Requerente ficaram-se a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial.”) ser considerado como provado.
Ou ainda, por fim, e também subsidiariamente:
c) ser a decisão presentemente impugnada revogada por força da violação dos artigos 2.º do CPTA, 7.º e 130.º do CPC e 20.º da CRP, assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 10 de Novembro de 2015, no qual se determinou a notificação da contraparte (Cfr. fls. 198 Procº físico).

O Recorrido/Muncipio veio a apresentar Contra-alegações de recurso em 30 de Novembro de 2015, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 205 a 236 Procº físico):

“A. A sentença proferida pelo Tribunal a quo foi injustamente posta em crise, uma vez que procedeu a uma correta e cuidadosa análise de toda a matéria de facto, sendo corretas e ajuizadas as considerações jurídicas que constam da mesma;
B. O prazo previsto no artigo 119.º, n.º 1 do CPTA é um prazo meramente ordenador, e que, por isso, a sua eventual inobservância não acarreta qualquer efeito processual, não consubstanciando qualquer vício da sentença, nem, consequentemente, qualquer fundamento de recurso, pelo que a inobservância de tal prazo não implica a revogação da douta sentença recorrida;
C. O artigo 118.º, n.º 3 do CPTA confere expressamente ao julgador a possibilidade de dispensar a produção de prova requerida pelas partes numa ação de processo cautelar, pelo que a não inquirição de testemunhas arroladas não consubstancia a omissão de qualquer ato processual obrigatoriamente imposto pela lei;
D. As três testemunhas arroladas pela Recorrente no seu requerimento inicial já foram inquiridas em sede de processo disciplinar, perante o instrutor do procedimento disciplinar, constando os autos de inquirição respetivos do procedimento administrativo junto aos presentes autos, sendo que tais depoimentos foram devidamente valorados no relatório final, bem como pelo Tribunal a quo;
E. Dada a enorme similitude da defesa da Recorrente no procedimento disciplinar e nos presentes autos, e dada também a coincidência das testemunhas arroladas numa e noutra sede, não se impunha ao Tribunal a quo a nova audição das mesmas, mais a mais quando as testemunhas revelaram, em sede disciplinar, nada conhecer acerca dos factos objeto do procedimento disciplinar, por não trabalharem no Atendimento Comercial no período em causa;
F. O que se revelava fundamental para aferir da existência do requisito do fumus non malus iuris (previsto no artigo 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA), nos presentes autos, era avaliar se, na ação principal a interpor, é manifestamente improvável a pretensão apresentar pela Recorrente – algo que o Tribunal a quo fez, através de uma análise atenta, ainda que naturalmente perfunctória, de toda a prova constante nos autos, tendo concluído que a pretensão da Recorrente era manifestamente, face à solidez da prova existente e produzida em sede disciplinar;
G. A reclamação da Recorrente quanto à matéria de facto dada como não provada não cumpre com o ónus alegatório que sobre aquela impendia, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), na medida em que aquela se limita a indicar que existe prova documental e testemunhal nos autos que sustentariam decisão distinta, mas sem localizar essa prova, forçando assim o Tribunal ad quem a proceder a essa localização dos elementos probatórios em causa – o que, salvo o devido respeito, constitui um incumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC e impõe a rejeição da Reclamação da matéria de facto, mantendo-se assim a mesma como não provada, por força do disposto no mesmo preceito legal referido; Sem prescindir,
H. De toda a prova recolhida no procedimento administrativo resulta indubitavelmente que a trabalhadora arguida praticou voluntariamente os factos de que vinha acusada, com o intuito de se apropriar de quantias monetárias que não lhe pertenciam, não tendo os mesmos sido originados por qualquer alegada complexidade do sistema;
I. A Recorrente, para se apropriar de certas quantias monetárias, simulou que pagou créditos a clientes, lançando informaticamente tal informação, apropriando-se das quantias monetárias relativas a tais créditos, sendo que tais clientes nem sequer se deslocaram ao posto de atendimento da Recorrente e não receberam qualquer crédito - tais operações/simulações foram supra expostas, de forma detalhada, nos capítulos 3.2 e seguintes (especialmente no capítulo 3.8) para os quais expressamente se remete, e que aqui se dão aqui por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos;
J. O facto de ter sido a Recorrente a lançar informaticamente o pagamento de créditos (que na verdade não estava a pagar a cliente nenhum) consta da documentação junta ao processo disciplinar – cfr. fls. 9 e ss. do processo disciplinar D703/14 e 10 e ss. e 39 e ss. do processo disciplinar D/12/14, nomeadamente as fls. 9 (verso), 14 (verso), 19 (verso), 26 (verso) e 31 (verso) do processo disciplinar D/03/14 e fls. 10 e 39, 14 e 17 do processo disciplinar D/12/14. De resto, trata-se de um facto que a própria Recorrente sempre admitiu;
K. Por seu turno, a prova de que as notas de crédito efetivamente não foram pagas resulta, desde logo, de nenhuma das mesmas ter preenchida ou assinada a “confirmação de recebimento” – cfr. fls. 9 (verso), 14 (verso), 19 (verso), 26 (verso) e 31 (verso) do processo disciplinar D/03/14 e fls. 14 e 17 do processo disciplinar D/12/14;
L. Para que dúvidas não restassem, foram ouvidos os clientes envolvidos, os quais negaram que alguma vez lhes tenha sido pago qualquer crédito, pago qualquer valor ou realizado qualquer desconto nas suas dívidas, com exceção, naturalmente, do cliente Samarfex, Lda., que se encontrava extinto desde 2008 e do cliente Alcides Oliveira, que se encontrava falecido;
M. Os fechos de caixa da colaboradora encontram-se a fls. 78 e ss. do processo disciplinar D/12/14, sendo que dos mesmos resulta que nunca houve nenhum valor em acréscimo no fecho de contas – o que aconteceria se a Recorrente não tivesse subtraído do seu caixa o excedente que criou sempre que lançou informaticamente um pagamento de crédito que, na verdade, não pagou. Além do mais, também o superior hierárquico da Recorrente à data da prática dos factos confirmou que esta última jamais reportou qualquer valor excedente no “fecho de caixa”;
N. Toda esta prova conjugada é mais do que bastante para demonstrar que a Recorrente efetivamente praticou os factos pelos quais foi disciplinarmente punida, impedindo que haja qualquer outra explicação para o facto de os créditos terem sido cobrados e não entregues aos clientes, nem entregues à AdP;
O. É falso que o comportamento da Recorrente se deva à complexidade do funcionamento do Serviço Comercial, desde logo porque estamos perante uma colaboradora que, à data, contava com mais de 20 anos de serviço no Setor Comercial (dos SMAS Porto e, posteriormente, AdP), e porque, como se demonstrou, foi precisamente pelos seus conhecimentos – nomeadamente do conhecimento que tinha das falhas do sistema informático e do controlo de pagamentos e cobranças – que a Recorrente conseguiu fazer o que fez;
P. As falhas dos sistemas informáticos só o são verdadeiramente porque os sistemas informáticos são suscetíveis de ser enganados pelo colaborador que com eles lida. Na verdade, se a Recorrente não tivesse lançado informaticamente, dia após dia, pagamentos de créditos que não estava a realizar, enganando assim o sistema informático, e apropriando-se das quantias relativas a esses créditos, nenhuma infração haveria;
Q. No presente caso nunca houve excedente de caixa, precisamente porque a Recorrente retirou esse excedente, apropriando-se do mesmo. Essa é, de facto, a infração disciplinar: lançar informaticamente um pagamento de um crédito (que não estava a pagar), disfarçá-lo ao enviá-lo para a Tesouraria com cobranças de débitos de outros clientes e no final do dia retirar o excedente gerado (desconformidade entre o que resulta do sistema informático e o dinheiro efetivamente em caixa), para seu enriquecimento pessoal;
R. Há um aspeto que a Recorrente continua sem conseguir contornar: qualquer erro informático que tivesse havido seria sempre detetado com o fecho de caixa, porque este detetaria excedentes – o que nunca aconteceu;
S. Na verdade, nenhum erro informático ou cansaço da Recorrente explicaria que a mesma detetasse no fecho de caixa dinheiro a mais (porque o valor real em caixa seria superior ao valor indicado pelo sistema informático, que deduziria os créditos indicados como pagos) e, em vez de reportar superiormente, fizesse seu esse “excedente” – que foi o que aconteceu;
T. O referido pela Recorrente quanto às falhas de caixa e abonos para falhas não faz qualquer sentido, porque não estão em causa falhas de caixa, mas sim a criação de excedentes de caixa através da simulação do pagamento de créditos durante a jornada de trabalho, para que o valor dos mesmos fosse subtraído do fecho de caixa, e para que este desse zero;
U. Uma colaboradora que, no exercício de funções, desvia o dinheiro de clientes da AdP para seu enriquecimento pessoal, comete uma infração disciplinar gravíssima, que quebra qualquer relação de confiança que pudesse existir;
V. É falacioso o argumento de a Recorrente não ter sido suspensa durante o procedimento disciplinar, desde logo, porque, quando o mesmo foi instaurado, a mesma já se encontrava noutro serviço, sem lidar com dinheiro;
W. Com o seu comportamento, a Recorrente traiu a confiança que a edilidade, a AdP e os seus superiores hierárquicos em si depositavam, pois não se poderia esperar que uma colaboradora com a antiguidade e experiência da Recorrente praticasse este tipo de infrações;
X. A Recorrente não demonstra que a retribuição que auferia na AdP era a sua única fonte de rendimento, sendo certo que, como vem sendo defendido pela nossa jurisprudência administrativa superior, não basta uma quebra do rendimento para que se possa considerar preenchido o requisito do periculum in mora, sendo necessário que essa quebra do rendimento ponha em causa a subsistência do mesmo. Face ao exposto, não pode, salvo o devido respeito por melhor opinião, considerar-se preenchido o requisito do periculum in mora no presente caso;
Y. O regresso da Recorrente ao serviço demonstraria uma complacência com o tipo de comportamentos em causa, que é insustentável com o normal funcionamento dos serviços. Por outro lado, o normal funcionamento dos serviços, o correto manuseamento de dinheiros públicos e o impedir de qualquer outro caso como os ora detetados suplantam, em muito, os interesses da Recorrente em suspender os efeitos do ato administrativo que a sancionou disciplinarmente, prevalecendo, nessa medida, o interesse público, e impedindo que seja decretada a providência cautelar requerida, nos termos do artigo 120.º, n.º 2 do CPTA;
Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão, deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, com o que V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”

Por Despacho de 2 de Dezembro de 2015 foi determinada a subida dos Autos a este TCAN (Cfr. fls. 241 e 242 Procº físico).

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 23 de Dezembro de 2015 (Cfr. fls. 255 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar, designadamente e em síntese, se deveria ter sido dispensada a produção de prova nos presentes autos, se terá fundamento a reclamação da matéria de facto, importando ainda verificar se se mostrarão preenchidos os pressupostos das providências cautelares.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz.
1) A Requerente integrou os quadros dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto (SMAS Porto) em 19 de abril de 1993.
2) A Requerente esteve ao serviço dos extintos SMAS Porto, pertencentes ao Município do Porto desde essa data até 24 de outubro de 2006 (fls. 149 do processo disciplinar D/12/14 - apenso ao processo disciplinar D/3/14).
3) Na sequência da transformação dos SMAS do Porto na AdP, foi celebrado, a 24 de outubro de 2006, um protocolo entre esta última entidade e a Câmara Municipal do Porto, tendo sido aí acordado que os funcionários dos SMAS transitariam para os quadros do Município do Porto, passando a exercer funções na AdP em regime de requisição (fls. 145-148 do p.a. 12/14).
4) Ficou ainda acordado no referido Protocolo que os colaboradores poderiam optar pela sua integração nos quadros da AdP, mediante proposta a apresentar por esta última (fls. 145-148 do p.a. 12/14).
5) A Requerente não optou por integrar os quadros da AdP, pelo que se manteve nos quadros do Município do Porto (fl. 149 do p.a. 12/14).
6) A Requerente esteve afeta ao Setor Comercial - dos SMAS Porto e, posteriormente, da AdP - desde a data da sua admissão até finais de fevereiro de 2014, desempenhando, durante esse período, e enquanto funcionária do Setor Comercial, entre outras, as funções de atendimento ao público.
7) No desempenho dessas funções, a Requerente tinha designadamente as seguintes funções:
(a) Celebração de contratos de fornecimento de água;
(b) Modificação dos termos contratados (sempre que o pudesse fazer imediatamente no atendimento);
(c) Término de contratos;
(d) Receção de reclamações (essencialmente relativas à faturação) e eventual resposta imediata às mesmas (se possível);
(e) Cobrança de débitos dos clientes (provenientes da faturação corrente ou de processos de execução fiscal);
(f) Pagamento de créditos dos clientes sobre a empresa (até ao limite de €60,00).
8) A Requerente tinha conhecimento da forma de funcionamento do sistema de faturação e de cobrança da AdP.
9) Por deliberação do Conselho de Administração da Águas do Porto de 20 de fevereiro de 2014 foi ordenada a instauração de procedimento disciplinar contra a Requerente (fls. 1 a 42 do p.a. 3/14).
10) Por deliberação do Conselho de Administração das Águas do Porto de 25 de julho de 2014 foi decidido instaurar novo procedimento disciplinar à Requerente (fls. 1 a 29 do p.a. 12/14).
11) Por despacho da Chefe de Divisão de Estudos e Assessoria Jurídica de 29 de julho de 2014 foi determinada a apensação do processo disciplinar referido em 10) ao processo disciplinar referido em 9) (fl. 1, v. do p.a. 12/14).
12) A cobrança de créditos de valor superior a €60,00 estava sujeita a prévia autorização (fls. 101, 104, 108, 110, 111 e 114 do p.a. 3/14).
13) No âmbito do procedimento disciplinar n.º 03/14 foram ouvidas as testemunhas MATC (fl. 45 a 51 e 56 a 62), FJMRC (fls. 102 a 107 e 114 a 121 do p.a. 3/14), ACPM (fls. 140 a 145 do p.a. 3/14), JMRP (fl. 146 a 147 do p.a. 3/14), SMRG (fls. 148 e 149), HDDS (fl. 150 do p.a. 3/14), TFCS (fl. 152 a 153 do p.a. 3/14), MECCAP (fl. 155 e 156 do p.a.).
14) Foram juntos os documentos que constam de fls. 9 a 42 desse processo.
15) No âmbito do processo disciplinar n.º 12/14 foram inquiridas as testemunhas BJAG (fl. 32 a 34), ECMMA (fl. 34 e 35) e SASS (fls. 62 e 63), cujas declarações se encontram documentadas nas folhas identificadas.
16) Foram juntos a esse processo os fechos de caixa da Requerente referentes aos dias 09.12.2013, 10.12.2013, 27.01.2014, 28.01.2014, 31.01.2014, 03.02.2014, 05.02.2014, 06.02.2014 e 08.02.2014 (fls. 78 a 106 do p.a. 12/14).
17) Foram juntos a esse processo cópia das faturas que o cliente BJAG pagou no dia 05.02.2014, nota de débito da cliente MJR (nesse mesmo dia) e cópia do documento enviado pela Requerente para a Tesouraria (fls. 39 a 46).
18) Foram ainda juntos a esses autos cópia da fatura n.º 61163193, 90078733 e 90081949 e dos documentos de cobrança de crédito de €161,41 de 08.02.2014 (fl. 47 a 56).
19) No âmbito do inquérito em processo criminal (NUIPC 4948714.7TDPRT) foram inquiridas as testemunhas MECCAP (fls.116 a 117 do p.a. 12/14, MAFA (fls. 87 e 88), AM (fls. 120 e 121), JMRP (fls. 122 e 123), JALMP (fl. 129 a 130), JMCP (fls. 131 e 132), MFDJG (fls. 133 e 135), DJSP (fls. 135 e 136), SMRG (fls. 137e 138), NMAG (fls. 139 a 140), AAC (fls. 141 a 142), CMVG (fls. 143 e 144), cujas declarações se encontram documentadas nas folhas referidas.
20) A Requerente, na qualidade de arguida, prestou as declarações que se encontram documentadas a fls. 68 a 71 e a fls. 72 a 74 do p.a. 3/14.
21) A Requerente não tem antecedentes disciplinares (fl. 65 do p.a. 3/14 e fl. 149 do p.a. 12/14).
22) O desempenho da Requerente foi avaliado em 2009 como “muito bom” (fl. 16 do suporte físico do processo) e em 2010, 2011 e 2012 como “adequado” (fl. 65 do p.a. 3/14).
23) Em 5 de novembro de 2012 a Requerente havia requerido a sua transferência para outro departamento da empresa nos termos que constam de fls. 67 do p.a. 3/14.
24) Em 24 de fevereiro de 2015 foi deduzida a acusação que consta de fls. 150 a 176 do p.a. 12/14 (que aqui se considera reproduzida), nos termos da qual se concluía que os factos aí descritos consubstanciavam violação do dever de isenção e que o comportamento da arguida inviabilizava a manutenção do vínculo funcional propondo-se a aplicação da pena de demissão.
25) A Comissão de Trabalhadores das Águas do Porto, EEM emitiu o parecer que consta de fl. 184 do p.a. 12/14 juntando os documentos que constam de fls. 185 a 199.
26) A Requerente (arguida) apresentou a defesa que consta de fls. 203 a 216 do p.a.
27) Foram inquiridas as testemunhas indicadas pela arguida: PJG (fls. 225 a 227 do p.a. 12/14), ALFV (fl. 228 a 241), PCALM (fl. 238 a 241) cujas declarações se encontram documentadas nas folhas referidas.
28) Em 27 de maio de 2015 foi proferido o relatório final que consta de fls. 242 a 293 do p.a. cujo teor se considera aqui por reproduzido, nos termos do qual foi considerado que a conduta da arguida consubstancia a violação do dever de isenção, punível com a pena de demissão
29) Por deliberação da Câmara Municipal do Porto de 28 de julho de 2015 foi decidido aplicar à Requerente a sanção disciplinar de demissão (fls. 248 do p.a.).
30) A Requerente foi notificada de tal deliberação no dia 31 de julho de 2015 (fl. 300 do p.a.).
31) A Requerente não devolveu à Águas do Porto os valores de que se apropriou à exceção dos relativos aos factos que praticou em 31.01.2014.
32) A Requerente encontra-se, atualmente, noutro serviço, não lidando com dinheiro.
33) A Requerente tem dois filhos (dependentes) e depende dos rendimentos provenientes da sua remuneração para a sua subsistência.
Factos Não Provados:
a) Os factos imputados à Requerente ficaram-se a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial.”

IV - Do Direito
Ao presente processo cautelar aplicam-se essencial e predominantemente, as regras gerais dos procedimentos cautelares, previstas nos Artigos 112º e seguintes do CPTA.

A concessão das providências cautelares assente numa ponderação que se encontra prevista no artigo 120.º, n.º 2, por forma a que possa ser ponderado e conjugado o periculum in mora com o fumus boni iuris, segundo os critérios definidos no artigo 120.º, n.º 1.

Nestes termos, as providências cautelares conservatórias, como é o caso da presente, são adotadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente – alínea a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA;
b) Quando, como no caso vertente, esteja em causa a adoção de uma providencia conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a inexistência de circunstancias que obstem ao seu conhecimento de mérito – alínea b) do nº 1 do Artº 120º CPTA.

O fumus boni iuris – alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA
Cabe ao tribunal avaliar, sumariamente, qual o grau de probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Se considerar que é evidente a procedência da ação principal, designadamente por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal, deve, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, decretar a providência solicitada independentemente da prova de qualquer outro pressuposto.

O processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal e caracteriza-se fundamentalmente pela sua provisoriedade, porque não resolve definitivamente o litígio em presença, e pela cognição sumária de facto e de direito.

Assim, não cabe no âmbito deste processo cautelar avaliar se o ato impugnando é ilegal, antecipando deste modo para um processo sumário e urgente, a decisão sobre a questão de mérito do processo principal, mas tão só avaliar se a alegada invalidade é tão manifesta que não deixe dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na ação principal.

Como refere Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa – 4ª edição, pag. 298 “o juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.”

O referido Artº 120º nº 1 alínea a) do CPTA tem um carácter meramente exemplificativo das situações elencadas, com referência a processos impugnatórios, e exige que, para o deferimento da pretensão, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal seja evidente.

Esta evidência tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato.

A evidência a que se refere a citada alínea, como se sumariou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Setembro de 2005, no proc. nº 1038/05 “tem de ser entendida no sentido de que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato”

O juízo sobre a evidência da pretensão principal em face da manifesta ilegalidade do ato impugnado é uma solução excecional perante situações excecionais, sendo que o invocado sempre carecerá de mais intensa e aprofundada verificação, insuscetível de ser realizada num processo como o presente, de natureza perfunctória.

Efetivamente, sempre se dirá pois e desde já que se não vislumbra que a situação trazida a juízo se mostre evidente do ponto de visa jurídico, sendo que, para a contraparte a evidência será a inversa.

Como se decidiu no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.2004, in Rec. 893/04, in www.dgsi.pt não ocorre a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato é controversa.

Diga-se assim e desde já, sem prejuízo do que se expenderá infra, que se entende que não merece censura o entendimento adotado pela 1ª Instância ao não considerar evidente a procedência da ação principal, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

O periculum in mora – alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA
Como se refere no Acórdão nº 166/04 do TCA-Sul de 17/06/2004 “São requisitos cumulativos para a concessão da providência cautelar conservatória a aparência do bom direito, a ameaça de lesão grave e dificilmente reparável deste direito e a ponderação de interesses (artº 120º, nº1- b) e nº2 do CPTA).

Atenta a urgência e celeridade que caracterizam as providências cautelares, impõe-se a observância, como regra, mais do que a alegação dos pressupostos normativos, que seja feita a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão.

O fundado receio há de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar "compreensível ou justificada" a cautela que é solicitada, não bastando ao Tribunal, para a formulação do tal juízo de prognose, a mera alegação vaga e abstrata dos prejuízos, devendo os autos conter razões, isto é, factos que fundamentem o pedido, para que se possa concluir pelo deferimento da pretensão.

A prova da existência do direito a acautelar basta-se com indícios de uma probabilidade séria da sua existência, ficando a certeza da sua existência para a ação principal; a prova da produção dos prejuízos de difícil reparação carece da demonstração de que estes são evidentes e reais, através de factos que mostrem ser tais prejuízos fundamentados.”

Na realidade, face à verificação deste requisito, nos presentes autos, importa dizer o seguinte:
O fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal é o chamado periculum in mora, requisito comum a todas as providências cautelares.

Só prejuízos de difícil reparação para o interessado, lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar.

O fundado receio a que a lei se refere é o receio “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões.” (António S.A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., 3ª ed., pag.103).

Ora, se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado se admite que o mesmo seja de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora, os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal periculum in mora, visto que a qualificação legal do receio como “fundado” visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar, com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais.

O que se acaba de dizer vem a propósito do disposto no artº 114º, nº3-g) do CPTA então aplicável, onde se estipula que “No requerimento, deve o requerente: (...) g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência.” (sublinhado nosso)

À semelhança da petição inicial de um processo comum, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamentam a sua pretensão.

O artº 5º, nº1 do CPC, estipulando que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”, impõe, ao requerente da providência, o ónus geral de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, não podendo o tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão.

Sendo a causa de pedir, em geral, integrada pelo facto ou factos jurídicos em que se funda o direito invocado (artº 581º, nº4 do CPC), numa providência cautelar, o requerente deve alegar factos que, a par da inclusão dos elementos integrantes do direito subjetivo, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida.

Atenta a urgência e celeridade que caracterizam os procedimentos cautelares, impõe-se a observância, como regra, mais do que a alegação dos pressupostos normativos, que seja feita a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão.

Ora, tal alegação prévia é um ónus do requerente exigido pelo ónus da prova imposto, nos termos do disposto no Artº 342º do CC, a quem alega um direito e segundo o qual, quem alega um direito deve fazer prova dos respetivos factos constitutivos.

O ónus de prova, como já ficou dito, não pode desligar-se do antecipado cumprimento do ónus de alegação, devendo o requerimento inicial conter todos os factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar.

Se, como se disse supra, relativamente ao direito da recorrente não é de exigir a prova da sua existência, nos termos em que deverá ser produzida no âmbito da ação, bastando que se indique uma probabilidade séria, suficientemente forte, entre a simples ou mera possibilidade e a certeza de tal direito, no que diz respeito à lesão do direito ou à produção dos prejuízos irreparáveis ao requerente, este já tem de demonstrar que estas são evidentes e reais, alegando factos concretos que, mesmo a provar de forma indiciária, demonstrem ser tal lesão, ou receio de lesão, ou produção de prejuízos irreparáveis fundamentados.

A título de exemplo, a mera alegação conclusiva (Artº 37º RI) de que “a manutenção da pena de demissão irá causar para a Requerente elevados e excessivos prejuízos, visto que deixará numa situação de desemprego…” é manifestamente insuficiente para que se pudessem mensurar os prejuízos reclamados.

O artº 120 do CPTA, estabelecendo o requisito da perigosidade - periculum in mora - resultante de o decurso do tempo na obtenção da decisão sobre o litígio a tornar inútil, total ou parcialmente, exige para o decretamento da providência cautelar que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

«O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, como se disse já, o fundado receio há de corresponder a uma prova de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificado” a cautela que é solicitada.» (José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 5ª ed., Almedina, pag. 308).

Refere o Prof. Mário Aroso, (in “O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” 1ª Ed. Fevereiro de 2003 – pag. 261) relativamente aos “…prejuízos de difícil reparação, o critério não pode ser o da insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar”.

Vejamos agora mais em concreto o suscitado.

Da violação do prazo para proferir sentença
A Recorrente alega que a decisão do Tribunal a quo deve ser revogada por a mesma não ter sido proferida no prazo de cinco dias previsto no artigo 119.º, n.º 1 do CPTA.
Sem necessidade de particulares desenvolvimentos, sublinha-se que o referido prazo tem natureza meramente instrumental e ordenador, em face do que o seu incumprimento não terá quaisquer consequências para a validade da decisão proferida.

Nesse sentido se pronunciaram, Mário Aroso e Carlos Cadilha, no seu CPTA anotado (Artº 119º), referindo:
“O prazo de cinco dias, fixado no n.º 1, é um prazo ordenador, à inobservância do qual o Código não associa nenhuma consequência direta que não sejam aquelas que, nos termos gerais, podem resultar, em situações mais graves, nos planos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos resultantes do (mau) funcionamento da justiça e da eventual responsabilidade disciplinar – e civil, em via de regresso, nos termos da lei substantiva – do responsável pela situação de incumprimento do prazo.”

Da dispensa da produção de prova nos presentes autos
Mais alega a Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter dispensado a audição das testemunhas por si arroladas, sendo que tal prerrogativa resulta desde logo do artigo 118.º, n.º 3 do CPTA, ao que acresce que a prova aqui relevante é predominantemente documental.

Neste sentido se pronunciou já este TCAN, designadamente no acórdão nº 02035/11.9BEBRG-A, no qual se refere que “Na providência cautelar, compete ao juiz, perante cada caso concreto e perante a solução que a situação concreta se lhe perspetiva, aferir da necessidade ou não de produzir prova, nomeadamente testemunhal - n.º 3 do art.º 118.º do CPTA”.

Assim, não se vislumbra que mereça censura o facto do tribunal a quo ter dispensado a prova testemunhal.
Aliás, mal se perceciona em que medida a Recorrente entende que o facto de ter sido dado como não provado que “os factos imputados à Requerente ficaram-se a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial” poderia ter sido contrariado pela inquirição das testemunhas arroladas, quando tendo as mesmas sido inquiridas no procedimento disciplinar nada de relevante aduziram face à referida questão.

Acresce ainda a circunstância de, vindo a Recorrente acusada, designadamente, de desviar intencionalmente diversos montantes, tal facto não deixaria de estar provado, independentemente de uma eventual complexidade do funcionamento do Serviço Comercial.

Da Reclamação quanto à matéria de facto
No mesmo sentido, invoca ainda a Recorrente o facto de não ter sido dado como provado que “os factos imputados à Recorrente ficaram-se a dever à complexidade do modo de funcionamento do Serviço Comercial”, deverá ser corrigido no sentido de ser dado como provado.

Em qualquer caso, e sem prejuízo do referido precedentemente, não se vislumbra que assim seja, pois que mesmo que se concluísse pela complexidade do referido sistema, tal não justificaria as infrações de que a Recorrente foi acusada, nem mitigaria a sua responsabilidade disciplinar.

Acresce ao referido que a Recorrente incumpriu ainda o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640.º do CPC, por se limitar a alegar que a prova produzida e a produzir imporia decisão diversa.

A este respeito, entre muitos outros, refere-se no Acórdão do TCAS, de 13 de fevereiro de 2014, no Procº n.º 07193/13, que “No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (…). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no atual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redação resultante da Lei 41/2013, de 26/6.”

Também em acórdão deste TCAN, de 31 de maio de 2012 proferido no Procº n.º 02324/04.9BEPRT, se afirmou que “Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto da sentença recorrida mas para tanto limita-se a dizer de forma genérica que dos elementos dos autos ou dos depoimento das testemunhas, sem qualquer concretização dos meios de prova, resultaria matéria de facto diferente, não cumpre um dos ónus impostos pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso nesta parte.”

Também pelas razões invocadas, e atenta até a natureza perfunctória do presente processo, improcede o suscitado.

Dos Restantes fundamentos do fumus non malus iuris
Alega ainda a Recorrente que o ato cuja suspensão vem requerida se mostrará desproporcional e incorreto, em função da prova produzida, sempre assentando o seu entendimento numa suposta complexidade do funcionamento do Serviço Comercial.

Mais uma vez se reitera, que se não vislumbra em que medida uma suposta e eventual complexidade do sistema, pudesse justificar os desvios de dinheiros dados como provados.

Com efeito, o sucessivo “pagamento de créditos”, com que se ia apropriando, não poderá ser imputado a falhas do sistema, uma vez que o facto de ter sido devolvido um dos valores retirados, só poderá ser entendido como resultando do facto da Recorrente ter entretanto tomado conhecimento de que estaria a ser investigada.
Por outro lado, se é certo que a então arguida poderia, e até deveria, dizemos nós, ter sido suspensa preventivamente, durante o procedimento disciplinar, o facto de o não ter sido, não minora a sua responsabilidade disciplinar entretanto apurada.

Em qualquer caso, e como a Entidade Recorrida sublinha, quando o procedimento disciplinar foi instaurado, já a qui Recorrente se encontrava a prestar serviço em sector no qual não lidava com dinheiro, o que justificará o facto de não ter a mesma sido entretanto suspensa preventivamente.

Por tudo quanto supra ficou expendido, não se vislumbra que seja manifesta a procedência da ação principal que venha a ser intentada, inexistindo assim fundamento para o preenchimento do requisito de fumus non malus iuris, tal como decidido em 1ª instância.

Da falta dos demais requisitos para o decretamento da providência
Em função de tudo quanto ficou dito, não se vislumbra igualmente o preenchimento dos requisitos constantes das alínea b) do nº 1 do Artº 120.º do CPTA que faz depender o decretamento da providência cautelar conservatória da verificação de periculum in mora.

Com efeito, não logrou a Recorrente demonstrar, como lhe competia, se fosse caso disso, que não tem quaisquer outras fontes de rendimento, sendo que não basta uma quebra do rendimento para que se possa considerar preenchido o requisito do periculum in mora, sendo necessário que essa quebra do rendimento ponha em causa a subsistência do mesmo, sendo que o ónus da prova do “periculum in mora” impende sobre a recorrente, mediante a alegação e prova de factos devidamente especificados.
Não se mostra pois preenchido o requisito do periculum in mora/facto consumado e a verificação de “prejuízos de difícil reparação” na presente providência.

Da ponderação de interesses
Importa agora, nos termos do nº 2 do Artº 120º CPTA, verificar se os danos que resultam da concessão da requerida providência cautelar para o interesse público, são superiores aos que poderiam resultar da sua recusa, para a aqui Recorrida.

A decisão sobre o decretamento da providência cautelar impõe a formulação de um juízo de valor, fundado na comparação da situação da aqui Recorrida com o interesse público.

Em qualquer caso, como refere Viera de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Até prova em contrário, está aqui em causa uma funcionária que terá desviado sucessivamente dinheiros públicos para enriquecimento pessoal.

A consequência da procedência da providência da presente providência cautelar seria o regresso da Recorrente ao serviço, o que daria certamente um sinal errado, designadamente aos restantes funcionários do serviço.

Com relevância para a solução a dar à presente questão retoma-se o referido no acórdão deste TCAN nº 0290/09BEPNF-A, em cujo sumário se pode ler, designadamente:
“A apreciação do requisito negativo enunciado no n.º 2 do art. 120.º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados.
Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia ou execução imediata do ato e danos daí derivados decorrentes da concessão da providência suspendenda têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos e nas razões invocadas.
(…)
Só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação, mercê dos prejuízos e danos que gera, deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido cautelar de suspensão.”

Mesmo que se entendesse, o que não foi o caso, aplicável a alínea b) do nº 1 do Artº 120º do CPTA, em face do estatuído no nº 2 do mesmo artigo, sempre a sua aplicabilidade soçobraria, perante a ponderação dos interesses em presença, uma vez que a concessão da requerida suspensão do ato que determinou a aplicação à Recorrente da pena de demissão, poderia transmitir uma imagem de impunidade permissiva no que concerne aos factos de que aquela foi acusada e condenada disciplinarmente, podendo gerar um clima de “contágio”, pernicioso para o interesse público.

* * *
Em jeito de conclusão e em face de tudo quanto ficou supra expendido, não se vislumbra qualquer vício de tal modo evidente que demonstre a aplicabilidade do Artº 120º nº 1 alínea a) do CPTA não se tendo assim provado a procedência da pretensão a formular no processo principal, como exige a referida norma.

Por outro lado, não se verificando uma situação de facto consumado e atenta a incipientemente demonstrada referência a prejuízos por parte da recorrente, não se mostra igualmente aplicável a alínea b) do mesmo nº 1 do Artº 120º do CPTA, sendo que o ónus de prova lhe caberia.

Nos termos do Acórdão do TCA – Sul nº 00796/05 de 16/06/2005 “De acordo com o preceituado no artigo 120º nº 1, alínea b), do CPTA, e tratando-se de providências conservatórias como a suspensão de eficácia do ato administrativo, as mesmas são adotadas quando se verifiquem, simultaneamente, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (requisito usualmente designado na doutrina pela expressão periculum in mora; e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo, ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (ou fumus boni juris).”

Na esteira do referido no Acórdão do TCA – Sul nº 00225/04 de 01/09/2004, com plena aplicação à questão aqui sub judice, refira-se que “não alegando o requerente factos que permitam ajuizar de qualquer prejuízo material ou moral imediato decorrente da execução da decisão, cuja suspensão de eficácia se requer e, por outro lado, não provando quaisquer factos suscetíveis de demonstrar que a suspensão do ato acarretaria danos manifestamente superiores aos danos que poderão advir da recusa da suspensão, tais omissões impossibilitam, na verdade, a apreciação do pedido formulado à luz do disposto, na alínea b), do nº 1 do artº 120º, do CPTA.”

Assim:
Por estar em causa a adoção de uma providência conservatória e não se vislumbrando o preenchimento de qualquer dos requisitos previstos no Artº 120º do CPTA para que a mesma pudesse ser concedida, não estão reunidos os pressupostos de facto e de direito para deferir o pedido de suspensão da pena de demissão aplicada ao aqui Requerente, não merecendo assim censura a decisão proferida em 1ª Instância.

DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente

Porto, 22 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia