Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00178/05.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Vital Lopes
Descritores:FATURAS FALSAS
IRC
PROVA
Sumário:1. As facturas não perdem a sua natureza fictícia pelo facto de a impugnante a elas ter recorrido para a cobertura de reais e efectivas operações com sujeitos passivos não emitentes, posto que os elementos caracterizadores das operações que descrevem não correspondem à realidade;
2. Desconsideradas tais facturas pela Administração tributária, pretendendo a impugnante deduzir como componente negativa do lucro tributável, os custos em que incorreu com as operações com não emitentes que tais facturas alegadamente se destinaram a justificar contabilisticamente, tem o ónus da prova desses custos, posto que não possui título válido de despesa, assumindo tais custos a natureza de «encargos não devidamente documentados» (art.º42.º, n.º1 al. g), do CIRC);
3. A demonstração desses custos admite qualquer meio de prova.
4. Não logra fazer tal prova a impugnante que se limita a alegar que suportou custos com a contratação de mão-de-obra (nisto consistindo as operações com não emitentes que refere) sem, no mínimo, concretizar exactamente de que montante e quem foram os beneficiários dos pagamentos que diz ter efectuado.
5. A desconsideração fiscal dos custos assentes em facturação falsa, mesmo nos casos em que comprometa os rácios de rentabilidade empresarial ou sectorial, não viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, nem o da tributação das empresas pelo seu rendimento real, precisamente porque ao contribuinte não está vedada a possibilidade de fazer, em liberdade probatória, a demonstração dos custos em que alegadamente incorreu «para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora» (art.23.º nº1, do CIRC). *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

S…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios e de mora, referenciada ao exercício de 2000, no montante global de 74.837,17€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.222).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

I- A presente acção foi interposta por a Administração Tributária, embora reconhecendo que a aqui Recorrente tivera custos com trabalhos que prestou, porque não logrou apurá-los através das facturas/recibos que os documentavam, desconsiderou-os na totalidade, criando assim uma injustiça.
II- A Sentença recorrida, num total antagonismo com a proferida em igual processo, que correu com o nº 21/06.0BECBR, já transitada - mas que se reportava aos anos de 2001 e 2002, cuja acção inspectiva originara a do ano 2000 aqui em causa – ponto 2 da matéria de facto dada como provada- deu razão à Administração Tributária.
III- Reconhecendo-se que efectivamente a Recorrente teve custos, quer com o referido Carlos…– ponto 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como provada na presente acção – quer com trabalhadores por este angariados, a Administração Tributária não podia concluir que os trabalhos facturados não foram prestados, mas tão só, eventualmente, alguns deles.
IV- Encontrando-se provado que a Recorrente teve custos efectivos, a desconsideração total dos mesmos altera substancialmente a relação proveitos/custos, matéria que exige um apuramento com certezas sob pena de afectar a verdade tributária em claro prejuízo do contribuinte.
V- É considerado provado pelo Tribunal “ a quo” que a Recorrente pagou às pessoas que para ela trabalharam nas fábricas Sop…, N… e P… em 2000, angariadas pelo Carlos…– ponto 4 da matéria provada - e que os valores pagos foram documentalmente assentes nas facturas emitidas por este e descriminadas no ponto 5 da matéria dada como provada, pelo que dúvidas não restaram ao Tribunal sobre tais contratações e pagamentos.
VI- Mais é considerado provado que: “Paralelamente, sócio da Impugnante pagou, através da conta bancária pessoal, aos trabalhadores aludidos nos pontos 3. – 4, o serviço que prestaram à impugnante.” – ponto 7 da matéria considerada provada.
VII- Não obstante a gritante contradição entre as respostas dadas em 5 e 7 no que tange a quem efectivamente procedeu aos pagamentos, crê-se a mesma irrelevante, pois mesmo que tenha sido o sócio a proceder a alguns deles, sempre o teria feito como adiantamento por conta da sociedade, pois da matéria provada é inquestionável que houve contratação de pessoal, que estiveram em obra e, consequentemente, custos para a sociedade.
VIII- E do ponto 5 da matéria considerada provada, retira-se que efectivamente os valores pagos foram assentes na facturação ali explanada.
IX- O facto de alguns pagamentos poderem ter sido feitos por sócio da Recorrente, não afasta terem estado a trabalhar por conta desta, nem tal ilação é retirada pelo Tribunal, pelo que os custos sempre teriam de ser a esta imputados, ainda que o sócio por questões de tesouraria ou outras, tivesse numa fase inicial adiantado tais quantias, as quais visando pagamento por trabalhos feitos para a Recorrente, nunca poderiam deixar de ser custos a esta imputados.
X- Ao assim o não julgar, a sentença enferma de erro de julgamento quanto à valoração da matéria de facto.
XI- Afirmar como o faz a Sentença recorrida, que a liquidação não reflecte os custos suportados em pagamento de mão de obra, mas que tal questão fica dissolvida por não estar demonstrado que a Impugnante os suportou, posto que os meios de pagamento não foram por si emitidos, mas pelo seu sócio, é renegar os princípios da experiência comum, tanto mais quando se considerou provado que houve efectivamente contratação e custos com mão de obra.
XII- Conforme estatuí o nº 1 do art.100º do CPPT: “ Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”, o que deveria ter sido Sentenciado e não aconteceu, atenta a matéria dada como provada, ou seja, que houve contratações e pagamentos.
Termos em que, e sempre com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença Recorrida, lavrando-se Acórdão em conformidade com as conclusões supra, vindo a sentenciar-se pela procedência da presente acção, assim se fazendo
JUSTIÇA!».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência da impugnação, como decidido pelo tribunal a quo.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), a questão central dos autos reconduz-se a indagar se as facturas contabilizadas do emitente Carlos…reflectem reais e efectivas operações económicas.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:

«Sobre tanto, é a seguinte a matéria que resulta provada, com interesse para a decisão da causa, com base na prova que se reúne:

1. O contribuinte Carlos…, com o número de identificação fiscal 1…, foi sujeito a uma ação inspetiva pela Administração Tributaria, incidente sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em suma, porque não obstante ter rendimentos da categoria B desse tributo nos anos de 2001 e 2002, de acordo com os dados comunicados através do anexo J pelas entidades pagadoras, nomeadamente pela Impugnante S…, L.da, não entregou as declarações de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, onde aqueles rendimentos correspondentemente constassem.
2. Pese embora essa ação inicialmente versasse sobre aqueles dois anos, foi depois extensiva ao ano de 2000, porque idêntica situação se verificou ocorrer também quanto a esse período temporal.
3. O referido contribuinte trabalhara para a Impugnante em finais de 1999, prestando-lhe trabalhos de serralharia mecânica e civil na fábrica C…, cm Estarreja, trabalhando sozinho, sem que tivesse trabalhadores por sua conta, se bem que a Impugnante lhe tivesse pedido angariasse outros trabalhadores, em épocas de maior serviço ali, ao que correspondeu, continuando a residir naquela localidade até meados do ano de 2000.
4. Tal pedido de angariação de trabalhadores também lhe seria feito depois, aquando das intervenções da Impugnante nas fábricas da Sop…, na Figueira da Foz, na da N…, em Avanca, e na da P…, em Cacia, no ano de 2000, ao que aquele igualmente correspondeu.
5. Contudo, os valores pagos pela Impugnante a essas pessoas, pelo trabalho que lhe prestaram, foram documentalmente assentes em faturas emitidas pelo referido contribuinte Carlos… à Impugnante, assim:
a. fatura n°3 de 31 de janeiro de 2000 «execução de trabalhos de serralharia sub. forma de empreitada» [Sop… PM2]: a. 1.622.000$00; b. I.V.A. a 17% 275.740$00; e c. total 1.897.740$00;
b. fatura n°4 de 29 de fevereiro de 2000 «execução de trabalhos de serralharia sub. forma de empreitada» [Sop… PM2]: a. 1.472.000$00; b. I.V.A. a 17% = 250.240$00; e c. total 1.722.240$00;
c. fatura n°11 de 30 de março de 2000 «trabalhos de sub. empreitada referente a memolidação da tiragem III da P… (Cacia)»: a. 2.280.000$00; b. I.V.A. a 17% 387.600$00; e c. total 2.667.600$00;
d. fatura n°12 de 30 de abril de 2000 «trabalhos de sub. empreitada referente a memolidação da tiragem 111 da P… (Cacia)»: a. 2.135.000$00; b. I.V.A. a 17% 362.950$00; e c. total 2.497.950$00;
e. fatura n°14 de 8 de maio de 2000 «execução de serviços sub. empreitada referente em P… em Cacia na secagem III»: a. 3.242.000$00; b. I.V.A. a 17% = 551.000$00; e c. total 3.793.000$00;
f. fatura n°15 de 30 de maio de 2000 «execução de serviços sub. empreitada na C… (Estarreja)»: a. 2.684.000$00; b. IVA, a 17% = 457.000$00; e c. total 3.141.000$00;
g. fatura n°20 de 20 de junho de 2000 «serviços prestados sub, o orçamento de fornecimento e aplicações de suporte e caminhos de cabos na empresa C… em Estarreja»: a. 120.000$00; b. I.V.A. a 17% = 212.500$00; e c. total 1.462.500$00;
h. fatura n°29 de 14 de agosto de 2000 «execução de trabalhos realizados na C… e Sop…, sub, empreitada de execução e aplicação de suportes e calhas e aplicação de equipamentos e pintura no valor de)»: a. 1.984.600$00; b. I.V.A. a 17% = 337.382$00; e c. total 2.421.982$00;
i. fatura n°30 de 31 de agosto de 2000 «execução de trabalhos diversos nos reatores na firma C… conforme o orçamento»: a. 1.635.000400; b. I.V.A. a 17% = 277.950$00; e c. total 1.912.950$00;
j. fatura n°41 de 29 de setembro de 2000 «execução de serviços prestados na firma Sop… no valor de»: a. 862.500$00; b. I.V.A. a 17% = 146.625$00; e c. total 1.009.125$00;
k. fàtura n°42 de 13 de outubro de 2000 «execução de serviços prestados de suportes, pinturas, aplicação de cabos na firma Sop… no valor de [§] sub. forma de empreitada»: a. 1.437.200$00; b. I.V.A. a 17% = 244.324$00; e c. total 1.681.524$00;
l. fatura n°43 de 31 de outubro de 2000 «execução de serviços prestados sub.
forma de empreitada na firma C...»: a. 1.892.600$00; bi. I.V.A. a 17% 321.742$00; e c. total 2.214.342$00;

m. fatura n°44 de 30 de novembro de 2000 «execução de serviços prestados nas firmas Sop… e C... no valor de sob a forma de subempreita de orçamentos iva 17%»: a. 2.893.000$00; b. I.V.A. a 17% = 491.810$00; e c. total 3.384.810$00;
n. fatura n°62 de 30 de dezembro de 2000 «execução de trabalhos sub. A forma de empreitada de electricidade e instrumentação pinturas na C..., Sop… e papéis e napas (Setúbal)»: a. 4.250.700$00; b. 1.V.A. a 17% 722.619$00; e c. total 4.973.319$00.
6. O referido contribuinte deu quitação de todas essas faturas e a Impugnante emitiu cheques a seu favor que titulam importâncias id6nticas - emitindo embora por cada uma delas um cheque com o correspondente valor do serviço e um outro com o valor do Imposto sobre o Valor Acrescentado liquidados.
7. Paralelamente, sócio da Impugnante pagou, através de conta bancária pessoal, aos trabalhadores aludidos nos pontos 3-4., o serviço que prestaram à Impugnante.
8. A Impugnante, detentora de mão de obra especializada para serviços de manutenção, montagem, etc., de equipamento fabril, atividade que desenvolve, também recorria, à época, à contratação de mão de obra menos qualificada para empregar nas obras com que se comprometia, quando não conseguia com o seu pessoal atender a essas necessidades de serviço, do mesmo modo que também contratava terceiros, que por sua vez traziam/contratavam mão de obra para o efeito.
9. Com base na deteção dos factos referidos nos pontos 5-7., a Administração Tributária, no relatório produzido em ação inspetiva realizado à Impugnante, de 30 de agosto de 2004, além de outras, propôs correções sobre o por si declarado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativamente ao exercício de 2000, em que, no que contende com este tributo, propôs que o valor das faturas, de €147.846,69, acrescesse à matéria coletável, correspondentemcnte diminuindo em igual montante os custos de exercício e, consequentemente, aumentando o resultado tributável de €185.845,69 [declaração da Impugnante] para ao €333.692,38, com fundamento em que os valores, insertos nas referidas faturas, não podiam ser aceites como custos por não lhes estar subjacente uma real prestação de serviços.
10. As propostas de tal relatório seriam aprovadas por despacho de 29 de setembro de
2004 e, elaborado mapa de apuramento, a Administração Tributária elaboraria depois, a 10 de novembro de 2004, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n°[2004] 8310022270.

11. Desta liquidação, sobre uma matéria coletável de €333.692,38 [coleta de
€106.781,56], resultou uma dívida de imposto de €74.837,17, sob a consideração de €19.740,82 anteriormente entregues como pagamentos por conta, e incluindo ainda derrama no montante de €10.678,16 e, ainda, €1.494,63 de tributações autónomas, €11.037,87 de juros compensatórios e €1.886,85 de juros de mora.

12. Aquela divida resultaria, ainda, na sua conjugação com o estorno do que a Impugnante havia pago em satisfação da liquidação originária, com o n°[2001] 2310210150, no montante de €10.055,26, conforme compensação n° [2004] 00012522699, de 12 de novembro de 2004, que a dívida tributária se quedasse em €64.781,91, com prazo de pagamento terminando a 22 de dezembro de 2004.
13. A 14 de março de 2005 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

Não há outra matéria provada, que relevante seja para a apreciação da causa E, com essa pertinência, não resultou provado que:

O contribuinte, pessoa singular mencionada na matéria de facto, haja sido o beneficiário último das quantias apostas nos cheques emitidos pela Impugnante, no que respeita aos montantes iguais ao preço dos serviços referidos nas faturas.
2. O valor dos pagamentos por conta tido presente na elaboração da liquidação referida nos pontos 10. ss. da matéria de facto provada fosse diverso do que a Impugnante havia prestado a esse titulo para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2000.
3. Que os valores da liquidação adicional referida na matéria de facto sejam outros que não os consignados nessa secção, nomeadamente a coleta, e os pagamentos por conta.
4. Que o valor dos pagamentos por conta na liquidação referida no ponto anterior tidos em conta seja diverso do valor corrigido utilizado na liquidação originária de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da Impugnante do mesmo exercício.
5. Que o valor da matéria coletável e da coleta da liquidação originária de Imposto do mesmo exercício sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da impugnante sejam os mesmos que os da liquidação adicional referida na matéria de facto.

No que a prova documental respeita, o Tribunal formou a sua convicção pela análise, desde logo, do teor da petição inicial, em conjugação com aquele do processo administrativo, que contém os elementos do procedimento inspetivo, nomeadamente o seu relatório, documentação pertinente e mapas de correção, seus termos e atos notificativos, incluindo o teor do procedimento inspetivo antes realizado ao contribuinte referido na matéria de facto, assumida motivação para a Administração Tributária levar depois a cabo a ação inspetiva à própria Impugnante; e baseou-se ainda na demais documentação que logo inicialmente foi por si junta. Assim, suporta-se a matéria de facto provada no teor daquele processo administrativo relativamente ao conteúdo elencado nos pontos 1. a 7., sendo os documentos aí referidos os de fls.40-82 do processo administrativo, e tanto em relação aos conteúdos advenientes da inspeção, como daqueles que foram oferecidos pela anterior. E, a respeito dos factos descritos no ponto 6. e 7. há que salientar a incapacidade probatória da documentação citada, no sentido de demonstrar, não obstante a quitação dada, que o seu autor fosse o beneficiário último das importâncias tituladas nos cheques a seu favor emitidos, dada neles ser omitida a reprodução do seu verso e, por outro — de acordo aliás com o teor da petição inicial e nessa sequência —, com suporte nos documentos juntos a fls,72-103 dos autos, concluiu-se que os pagamentos da mão de obra prestada por funcionários (permanentes) da Impugnante, contratados nos termos referidos na matéria de facto, foram feitos por conta bancária titulada por sócio da Impugnante, sem que se provasse que isso se repercutiu depois nela. Outrossim, o conteúdo do ponto 9. resulta do teor do processo administrativo já citado. E aquele dos pontos 10.-12. resulta do teor dos documentos oferecidos pela Impugnante de fls.12, 13, 14, 88-89 dos autos. O indicado no ponto 13. resulta, como é natural, dos próprios autos. Já os factos elencados no ponto 8. resultam sobremaneira dos depoimentos, embora também da documentação já citada, do processo administrativo; assim, do depoimento da segunda testemunha, funcionário durante anos da Impugnante, nomeadamente no período em causa, que mostrou razão de ciência e soube esclarecer com algum rigor o contexto da contratação de mais mão de obra, não especializada, quando aquela necessitava, bem como se processavam em regra as relações desses trabalhadores com a Impugnante. O seu depoimento foi coerente e serviu ainda para corroborar o depoimento da primeira testemunha, cuja presença numa das obras confirmou, embora referindo-o proveniente do «Norte», ou de um contratante dessa região, mas de todo modo corroborando conhecê-lo de uma das obras, e não, de facto, como funcionário permanente da Impugnante. O que foi útil, face ao teor inconsistente e hesitante do depoimento da primeira testemunha. No mais, pese embora esta haja referido que foi contratada pelo contribuinte referido na matéria de facto e que por ele deveria ser pago, como dito, o seu depoimento foi inseguro e impreciso e acabou por não saber explicar porquê, segundo disse, a dado passo lhe foi dado por, alguém (capataz/gerente?) pertencente à Impugnante, um adiantamento por conta do que o contribuinte lhe haveria de pagar a final, não podendo com base nele convencer-se o Tribunal de que na sua contratação, efetivamente, a “entidade patronal” fosse o contribuinte que vem sendo citado e não a Impugnante.
Na medida em que a fidedignidade da citada documentação não foi posta em causa, não suscita dúvidas acerca da sua correspondência com os originais, nem se mostra controvertida, mereceu ser suporte demonstrativo dos factos nela contidos, nos termos em que lho reconhecem os arts.373°n°1, 374° e 376° n°1 do Código Civil, quanto à documentação de origem privada e, a proveniente da própria Administração Tributária, a força probatória que se lhe reconhece in casu resulta do que dispõe o art.34°n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, sob aquela documentação e factos dela resultantes e, quanto ao mais, ainda na sua necessária concatenação com a prova testemunhal adrede recolhida, sobre a factualidade que concerne a relação entre a Impugnante e os trabalhadores eventuais, contratados nos termos referidos na matéria de facto, o Tribunal convenceu-se dos factos que ficaram elencados como provados, ao abrigo do disposto nas normas invocadas e do que dispõem os arts.396° do Código Civil e 655° n°1 do Código de Processo Civil, socorrendo-se ainda das regras da experiência comum e da inexplicada situação de separação dos pagamentos do Imposto sobre o Valor Acrescentado liquidado nas faturas e dos serviços nelas referidos como prestados (a par dos pagamentos feitos diretamente às pessoas que prestaram trabalho), índices concludentes, segundo tais regras, dc que cada um dos pagamentos tinha destino diverso, o que tudo se compagina com a também inexplicada omissão de indicação e demonstração de quem o beneficiário último dos cheques/quantias neles tituladas.

Os factos julgados não provados devem esse juízo negativo sobre a sua ocorrência à absoluta falta de prova sobre aqueles do ponto 1. e, quanto ao referido nos pontos 2.-3., atento o teor dos factos que resultaram provados, com eles incompatíveis. Por fim, o consignado nos pontos 4.-5. resulta do teor dos documentos de fls. l04-105, a nota demonstrativa da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas originária, emitido pela própria Administração Tributária, cujo valor probatório se acolhe nos termos da demais prova documental com a mesma origem que acima foi invocada».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente começa por apontar à sentença recorrida erro de julgamento de facto consubstanciado na contraditória resposta dada nos pontos 5 e 7 do probatório.

E de facto, refere-se no ponto 5, «Contudo, os valores pagos pela impugnante a essas pessoas [trabalhadores aludidos nos pontos 3 e 4], pelo trabalho que lhe prestaram, foram documentalmente assentes em facturas emitidas pelo referido contribuinte Carlos… à Impugnante», ao passo que no ponto 7 se refere: «Paralelamente, sócio da Impugnante pagou, através de conta bancária pessoal, aos trabalhadores aludidos nos pontos 3-4., o serviço que prestaram à Impugnante».

Impõe-se, pois, modificar a decisão de facto ao abrigo do disposto no n.º1 do art.º662.º, do CPC, passando a constar do ponto 5 dos factos assentes, o seguinte: «Contudo, os valores pagos a essas pessoas pelo trabalho que prestaram à impugnante, foram documentalmente assentes em facturas emitidas pelo referido contribuinte Carlos… à Impugnante», conforme se extrai do confronto dos depoimentos do emitente e do gerente da impugnante, reproduzidos no RIT (e que adiante analisaremos), conjugadamente com o ponto 1 dos factos «não provados».

Estabilizado o probatório, avancemos na apreciação das demais questões do recurso.

Como flui dos autos e do probatório, a Recorrente foi sujeita a uma acção inspectiva referenciada ao ano de 2000 de que resultaram correcções, de natureza técnica, à matéria tributável do IRC, consubstanciadas na desconsideração, para efeitos de dedutibilidade, dos custos titulados por facturas contabilizadas do emitente Carlos….

Como se extrai do RIT, concluiu a Administração tributária que as facturas desse emitente eram fictícias, não correspondendo à realidade as operações nelas descritas, tendo-se antes destinado, em grande parte, à cobertura de operações reais da impugnante com sujeitos passivos não emitentes, concretamente, trabalhadores angariados pelo emitente Carlos… para trabalharem em empreitadas da impugnante em vários pontos do país.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais os correspondentes custos foram desconsiderados não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante e o emitente Carlos….

Em caso afirmativo e só nesse, importa indagar se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, as operações reflectidas nas facturas desconsideradas são reais, ou seja, que os concretos sujeitos passivos realizaram efectivamente as operações económicas mencionadas naquelas facturas.

Como já se intui, a sentença recorrida considerou que a Administração fiscal tinha cumprido o ónus de prova que a lei lhe impõe neste caso em vista da factualidade vertida no relatório de inspecção tributária.

E não podia ser diferentemente, porquanto, como consta do RIT, o próprio sócio-gerente da impugnante, A…, em declarações prestadas no procedimento inspectivo reconheceu que o Carlos… à impugnante facturas para cobrir operações reais com sujeitos passivos não emitentes, no caso, trabalhadores que, ou recrutava directamente, ou eram angariados pelo Carlos… para trabalharem em obras da impugnante, justificando assim a emissão dos cheques em nome do emitente: «Relativamente aos cheques emitidos em nome de Carlos…, para pagamento da base tributável das facturas, estes eram levantados pelo mesmo ao balcão, algumas vezes na minha presença, sendo que ele ficava com a parte que era para ele (o IVA), com a parte para pagar ao pessoal que ele arranjava e o restante devolvia-mo para eu posteriormente pagar ao pessoal que tinha arranjado».

Estas declarações só em parte se mostram consistentes com as do emitente, também prestadas no procedimento inspectivo, pois este, assumindo embora ter trabalhado para a impugnante na C… e ter arranjado pessoal para trabalhar em obras da impugnante na Sop…, N… e P…, refere que depositava os cheques emitidos pela S… na conta particular do sócio (Sr. Pedro) e por cada depósito de 1.000.000$00 aquele lhe dava 50.000$00 ou 60.000$00.

Pese embora os depoimentos não sejam totalmente convergentes, suportam objectivamente o juízo normativo da Administração tributária quanto à falsidade das facturas, no sentido de que não correspondem à realidade as operações nelas descritas, antes tendo sido emitidas em parte para justificar contabilisticamente os custos associados à mão-de-obra contratada para empreitadas da impugnante (cf. RIT, fls.31 do apenso instrutor).

Se bem interpretamos a motivação do recurso, nem sequer a Recorrente põe isso em causa.

Com o que a Recorrente nuclearmente se não conforma é com a circunstância de a Administração tributária ter desconsiderado os custos titulados por tais facturas, porque a seu ver, se elas não correspondem nos seus elementos às operações que mencionam, reflectem reais e efectivas operações económicas com sujeitos passivos não emitentes.

Já se vê que coerentemente com o seu posicionamento nos autos, a Recorrente nem ensaiou a prova da materialidade das operações descritas nas facturas e isso está espelhado no probatório da sentença.

A ausência de prova quanto à materialidade das operações tituladas pelas facturas questionadas tem de ser valorado contra a Recorrente que, segundo o critério de repartição enunciado, era a parte onerada com a prova desse facto, levando consequentemente à desconsideração dos custos documentados por essas facturas e que a Recorrente se arroga o direito de deduzir como componente negativa do lucro tributável – artigos 74.º, n.º1, da LGT e 23.º, n.º1, do Código do IRC.

A partir daqui, é manifesto que a Recorrente não tem título válido para os custos que contabilizou e documentou com tais facturas falsas.

Como assim, alegando reiteradamente a Recorrente que teve custos reais e efectivos com a contratação de mão-de-obra (parte recrutada directamente por si, parte angariada pelo Carlos…), a situação enquadra-se no n.º1 do art.º42.º do Código do IRC (redacção vigente ao tempo dos factos), segundo o qual, «Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…)
g) Os encargos não devidamente documentados (…)».

Neste domínio, e para cabal enquadramento da realidade em apreço, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. de 05-07-2012, Proc.º0658/11, www.dgsi.pt, cuja linha doutrinária tem sido seguida neste TCAN (vd. Ac. de 14/07/2014, proferido no proc.º02390/05.0BEPRT):
“… O art. 23º do CIRC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelece, no seu nº 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente…”
Por sua vez, segundo o art. 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, “os encargos não devidamente documentados”.
São assim dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
No caso em apreço, está apenas em causa a verificação dos requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos e cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.
As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de “documentos justificativos”, que acompanham todo e qualquer gasto.
Segundo ANTÓNIO MOURA PORTUGAL (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 189.), “Na perspectiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efectivação do custo, a sua existência (…); por outro lado, para se aferir a natureza de despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à actividade do sujeito passivo …”
É possível recortar dois tipos essenciais de falhas formais. As primeiras resultam da ocorrência de erro ou vício no lançamento das operações na contabilidade, traduzidas na falta ou vício no registo ou na sua subsunção numa errada rubrica. Neste caso, o documento externo existe e é idóneo, mas verifica-se a incorrecção do respectivo suporte interno. Em relação às segundas, mais complexas, e mais correntes, o problema situa-se ao nível do documento externo que acompanha as transacções e que inexiste ou é insuficiente.
Nesta última situação, a resolução do problema pressupõe, desde logo, que se determine o que deva entender-se por «documento justificativo», uma vez que o CIRC não oferece qualquer noção operativa. Resulta linearmente da lei e do princípio da praticabilidade que informa o direito fiscal que os custos têm de estar devidamente documentados. O problema que a lei não resolve expressamente no âmbito do IRC é o de saber quais as exigências concretas que o conteúdo desse documento deve observar: bastará um simples documento interno ou será preciso uma factura completa?
Em relação ao IVA, a lei impõe a estrita obrigação de emissão de um documento que acompanhe a transacção – a factura - alínea b) do nº 1 do art. 29º do CIVA), incluindo com a concreta previsão dos seus requisitos e elementos integrativos (nº 5 do art. 36º do CIVA).
Assim as facturas são documentos que, nos termos do referido preceito “devem ser datados, numerados sequencialmente” e conter “os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ao prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto” e outros elementos sobre o objecto da transacção, além da taxa aplicável e dos motivos da isenção se for o caso.
Para alguns autores (Cfr. SALDANHA SANCHES, “Custos mal documentados e custos não-documentados: o seu regime de dedutibilidade”, Anotação ao Acórdão do STA de 16 de Fevereiro de 2000, recurso nº 24.133, Fiscalidade, nº 3, Julho de 2000, p. 86.) estas exigências formais embora criadas para o IVA devem aplicar-se «ao conjunto das relações tributárias por corresponderem às boas práticas contabilísticas» e, além do mais, tais «requisitos das facturas são os que permitem à escrita da empresa desempenhar todas as funções como instrumento de registo e de informação verificável que é chamada a desempenhar».
No entanto, segundo outros autores, a noção de «documento justificativo» é mais ampla do que a noção de factura, podendo abranger uma qualquer forma externa de representação da operação, sem as específicas solenidades da factura, “desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)“ (Cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss.).
TOMÁS CASTRO TAVARES aponta três argumentos que militam a favor desta tese: um literal, outro lógico-sistemático e um teleológico.
Em relação ao elemento literal, “o termo «documento justificativo» (nº 3 do art. 98º do CIRC) é conceitualmente mais lato do que a noção de «factura», cujo regime legal se encontra minuciosamente explicitado (al.b) do nº 1 do art. 28º e nº 5 do art. 35º, ambos do CIVA)”.
Quanto ao elemento sistemático, sendo o CIVA temporalmente anterior ao CIRC, afigura-se óbvio que o legislador do CIRC pretendeu instituir um diferente regime densidade das exigências formais, não tendo enveredado pela equiparação às exigências do CIVA. Por fim, no que respeita ao argumento teleológico, importa salientar que “as exigências formais em sede de IVA resultam das características e dos fins acautelados por esse imposto, quais sejam de uma intervenção poligonal, por incidência financeira do imposto sobre as diversas fases da transacção do bem, conferindo-se aos contribuintes o dever de arrecadação do tributo, por forma a facilitar o respectivo trabalho da Administração Fiscal.” (Ob. cit., p. 124.)
Segundo o mesmo Autor, já no que respeita ao imposto sobre o rendimento não se justificam exigências formais tão severas, pressupondo-se, em regra, para efeitos de dedutibilidade dos custos fiscais em IRC, “a feitura de um documento justificativo (suposto externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexactidão ou da inexistência (total ou parcial) da relação subjacente.
Em suma, apesar de menos exigente, o Autor conclui que a dedutibilidade fiscal dos custos pressupõe, por regra, um suporte formal com uma certa densidade.
Outra questão é a de saber se quando uma dada transacção não se suporta num documento externo, ou o mesmo for incompleto, se se deve concluir liminarmente pela preclusão da dedutibilidade do custo ou, pelo contrário, se deve ainda assim admitir prova da operação mercantil.
E aqui o mencionado Autor acaba por admitir que se por exigência do princípio da capacidade contributiva os custos ainda que não documentados contribuem para o apuramento do rendimento, desde que o contribuinte alegue e demonstre a existência e montante do gasto, “(…). Consequentemente, não se pode recusar a dedutibilidade de um gasto, quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros oportunos meios de prova devidamente aduzidos pelo contribuinte (a quem passa a caber o respectivo ónus)”.
Assim, refere o Autor que estamos a seguir, que ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção.
Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto”.
Também RUI DUARTE MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp.70-80.), sem deixar de afirmar que tem de existir sempre um documento, “ainda que “imperfeito” ou “outro” que não aquele que normalmente deveria existir (p. ex., uma “nota” de lançamento elaborada pelo próprio sujeito passivo)”, admite “que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”.
Por sua vez, FREITAS PEREIRA (Cfr. “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.) considera que a inexistência de documento externo exigido para determinada operação afecta o valor probatório da contabilidade e que tal falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. Justificando esta ilação pondera o referido Autor que “o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. (…) Dito de outro modo: a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.”
Em suma, resulta do exposto que, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação.
Em relação à jurisprudência deste Supremo Tribunal, ficou consignado no Acórdão de 8/7/1999, proc nº 23535, que “Os requisitos das facturas, constantes do artigo 35º, nº 5, do CIVA, não são exigências de validade formal das facturas para efeitos de IRC, mas apenas para efeitos de dedução do IVA, nos termos do artigo 19º, nº 2, do CIVA”.
Por outro lado, como vimos, na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, alguma doutrina vai no sentido de admitir a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção. A este propósito constitui também jurisprudência do STA (Cfr. o Acórdão de 27/9/2000, recurso nº 25033.) de que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. …”.

Todavia, mesmo tendo como pano de fundo esse entendimento extensivo quanto à prova dos custos «não devidamente documentados», a factualidade vertida no probatório não permite comprovar a realidade que se pretendia demonstrar.

Com efeito, não valendo as facturas, comprovadamente falsas, como documento de prova dos custos que se pretendem deduzir, não sobram adequados instrumentos de prova, tanto mais que no que respeita a alegados pagamentos de mão-de-obra, assumindo feitos pelo gerente da impugnante (cf. ponto 7 do probatório), não deixam qualquer rastro contabilístico, ou seja, não há nem foi junta documentação que reflicta os exactos movimentos financeiros de saída do dinheiro da empresa para aquele fim e que, no mínimo, cumpriria cruzar com o depoimento de quem beneficiou dos pagamentos justificados pelas questionadas facturas, cuja identidade também não foi revelada pela impugnante possibilitando ao tribunal exercer o inquisitório sobre tal problemática factual.

Como também não foi exibido qualquer documento de quitação, quando de acordo com regras básicas da experiência e dos usos comerciais, ninguém paga, mesmo a trabalhadores clandestinos, sem ficar para sua segurança, com uma qualquer prova de que o beneficiário recebeu o que lhe pagou.

Ou seja, a Recorrente não fez prova – e ela tinha de ser concludente – dos custos que diz ter suportado com as operações económicas que alegadamente as facturas reputadas falsas se destinaram a documentar.

Deste modo, ainda que, como se disse, se admita a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção nomeadamente quanto ao exacto montante envolvido, e na medida em que a ora Recorrente não fez prova de tais elementos, só podemos concluir que não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, posto que “encargos não devidamente documentados”, pois que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente (com documentos emitidos nos termos legais) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cf. art.º23.º nº 1 do Código do IRC.

Por último e porque a Recorrente no recurso e ao longo do processo refere que a AT aceitou que teve custos embora não os reflectidos nas facturas que desconsiderou, vejamos.

Quando, como no caso dos autos, estão apenas em causa correcções técnicas, a Administração fiscal tem de limitar-se a efectuar as correcções de acordo com as normas legais aplicáveis. E assim, estando unicamente em causa, nos autos, custos documentados em facturas consideradas falsas ou custos desnecessários à realização dos proveitos, apenas lhe cabia desconsiderar, corrigindo-os, tais valores no apuramento do lucro tributável.

É certo que este entendimento parece ir contra o princípio constitucional da tributação segundo o lucro real, sobretudo quando em presença de um significativo valor percentual dos custos desconsiderados no total dos custos contabilizados. No entanto, ele limita-se a seguir normas em vigor em matéria contabilística e fiscal, acima referidas, cumprindo salientar, agora na perspectiva da salvaguarda do princípio da justiça em matéria tributária, que o contribuinte não está impedido de fazer a prova, por qualquer meio, dos custos cuja dedutibilidade se arroga e que tenham sido fiscalmente desconsiderados por inverificados os requisitos de comprovação ou de indispensabilidade.

Como se concluiu no acórdão do STA, de 15/02/2007, proferido no proc.º01086/05, «Daí que, não consideração como custos dos valores constantes das citadas facturas, por estas não consubstanciarem operações reais e efectivas, não configure qualquer violação do artigo 23.º do CIRC, pois não provados determinados custos não poderiam os mesmos ser tidos em conta na fixação da matéria colectável. E muito menos o princípio constitucional da tributação das pessoas colectivas pelo seu lucro real, cuja consagração se verifica, pelo contrário, pela desconsideração de custos fictícios ou simulados».

E como se refere no acórdão deste TCA Norte de 05/05/2005, proferido no proc.º00452/04, «Sendo embora certo que a tributação deve corresponder ao lucro real e que havendo proveitos é de admitir em teoria a existência de custos para a sua obtenção, a verdade é que a Administração Tributária, se entender que a escrita do contribuinte merece crédito, não pode recorrer a métodos indirectos para apuramento da matéria tributável, procedendo apenas às correcções técnicas que a lei impõe. Deste modo, se o contribuinte não provou os custos declarados e sendo até admissível que alguns desses custos tenham existido, a Administração Tributária não podia legalmente presumir a existência desses custos por falta de base legal, sendo certo que o contribuinte tinha o ónus da prova da sua existência e montante».

Na mesma linha de entendimento, pode ainda ver-se o recente acórdão deste TCA Norte, de 26/02/2015, proferido no proc.º 00513/10.6BEPNF, com o mesmo relator deste.

Em suma, não tendo a Recorrente feito prova da materialidade das operações facturadas, nem dos custos incorridos com as operações económicas que alegadamente as facturas falsas se destinaram a justificar contabilisticamente, o recurso está votado ao insucesso, sendo de confirmar a sentença recorrida, assim se negando provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 30 de Março de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro