Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00518/18.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:QUESTÃO TRIBUTÁRIA; QUESTÃO ADMINISTRATIVA; DIREITO A PAGAR CONTRIBUIÇÕES PRESCRITAS À SEGURANÇA SOCIAL PARA CONTAGEM DE PERÍODO DE TEMPO NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE VEREADOR DE UMA CÂMARA MUNICIPAL.
Sumário:
1. Envolvendo a análise da validade do acto que negou ao autor o direito a pagar as contribuições prescritas à Segurança Social relativas a um determinado período de tempo em que exerceu a tempo parcial as funções de vereador de uma Câmara Municipal, de normas como a Lei nº 79/77, de 25.10 (“Atribuições das autarquias e competências dos respetivos órgãos”); a Lei nº 9/81, de 26.06 (“remunerações e abonos dos eleitos locais”); a Lei nº 29/87, de 30.06 (“Estatuto dos Eleitos Locais”); ou a Lei nº 86/2001, de 10.08 (que introduziu modificações à Lei nº 29/87, de 30.06), trata-se de uma questão administrativa, da competência dos tribunais administrativos, em concreto do Tribunal Administrativo de Círculo, face ao disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 e alínea c) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e no artigo 44º nº 1 do Estatuto dos Administrativos e Fiscais.
2. Apenas quando se concluir que estas normas concedem, como se invoca, o direito à contagem do tempo de serviço como vereador a meio tempo, surgirá a concomitante a liquidação e obrigação de pagar as contribuições prescritas relativas ao mesmo período de tempo, e só então se convocarão as normas contidas no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, mais concretamente aquelas que estão previstas nos seus artigos 254º e 255º, normas – de natureza previdencial – que são instrumentais em relação às demais, no sentido em que elas apenas dão execução ao direito que é concedido ao recorrente por forças das normas de natureza administrativa acima citadas. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ACRS
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser julgado o Tribunal Administrativo competente
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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ACRS veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 25.05.2018, pelo qual foi julgada procedente a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria do Tribunal Administrativo e declarada a competência do Tribunal Tributário, tendo sido o Réu, Instituto de Segurança Social, I.P., em consequência, absolvido da instância.
Invocou para tanto, em síntese, que a apreciação e decisão dos presentes autos competem aos Tribunais Administrativos, por implicarem a aplicação de normas constitucionais e a aplicação de legislação de natureza administrativa e só muito complementarmente a aplicação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser julgado o Tribunal Administrativo competente.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1 – Não pode o recorrente aceitar a sentença recorrida, nos termos da qual se considerou procedente, a título oficioso, a excepção dilatória de incompetência material dos tribunais administrativos para o conhecimento da ação intentada, e se considerou como materialmente competente o tribunal tributário.
2 – A sentença recorrida não se mostrou capaz de identificar os pedidos e a causa de pedir expostos pelo Recorrente na sua petição.
3 – A apreciação dos pedidos do Recorrente só pode ser realizada por recurso a normas contidas na Constituição da República Portuguesa (nº 1 do seu artigo 12º, no nº 1 do seu artigo 13º, nos nºs 1 e 4 do seu artigo 63º e seu artigo 235º) e em legislação de natureza administrativa.
4 – O acto administrativo impugnado nestes autos pelo recorrente é ilegal e anulável por vício de violação de lei administrativa, a saber: a Lei nº 79/77, de 25.10 (“Atribuições das autarquias e competências dos respetivos órgãos”); a Lei nº 9/81, de 26.06 (“remunerações e abonos dos eleitos locais”); a Lei nº 29/87, de 30.06(“Estatuto dos Eleitos Locais”); ou a Lei nº 86/2001, de 10.08 (que introduziu modificações à Lei nº 29/87, de 30.06).
5 – As normas contidas nos artigos 254º e 255º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social são instrumentais em relação à natureza jurídica das questões trazidas aos autos pelo Recorrente e limitam-se a prever formas de execução dos direitos do Recorrente que resultam, por sua vez, de outras normas de natureza administrativa.
6 – A causa de pedir da ação intentada pelo recorrente integra factos que reclamam uma solução de Direito de natureza administrativa, na medida em que só normas administrativas, como as acima referenciadas, realizam o enquadramento jurídico imprescindível ao acolhimento dos pedidos do Recorrente.
7 – A sentença recorrida, considerando que os tribunais tributários são materialmente competentes para a apreciação da presente acção, não foi capaz de subsumir os pedidos do recorrente a qualquer uma das hipóteses que constam do catálogo exaustivo do artigo 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
8 – A sentença recorrida violou as disposições constantes da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 e alínea c) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dos artigos 44º e 49º, também do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e do artigo 16º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e, nessa medida, deve ser revogada e substituída por outra decisão que defina a competência material dos tribunais administrativos para o conhecimento da acção intentada pelo Recorrente.
9 – O Recorrente, no momento da interposição da acção em juízo, cumpriu todas as regras processuais que lhe eram aplicáveis, pois que só está obrigado, na petição inicial, a designar o Tribunal (não tendo, porque se trata da jurisdição administrativa e fiscal, de indicar o juízo).
10 – Existe um único Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no qual, atenta a sua natureza agregada, as secretarias e as secções são comuns.
11 – O Recorrente, tendo indicado, como tribunal competente, o TAF de Braga, não fica responsável pela distribuição que, dentro da jurisdição, se faça da sua acção, a qual é realizada por meios informáticos e é matéria de interesse e ordem públicas.
12 – Ainda que se entendesse que a matéria em causa é da competência da unidade orgânica afecta à jurisdição fiscal, tal não põe em causa a competência material do TAF de Braga, na medida em que ambas as jurisdições integram o mesmo Tribunal.
13 – A declaração de incompetência material produzida pela sentença recorrida viola, nesta perspetiva, o disposto na alínea a) do artigo 210º e no nº 2 do artigo 576º, ambos do Código de Processo Civil, o que deve provocar a revogação, também por estas razões, da referida sentença.
14 – Subsidiariamente, e para o caso, que não se concede, mas que se admite, de se considerar que os tribunais tributários são materialmente competentes para o conhecimento da ação intentada pelo Recorrente, ainda assim a sentença recorrida deve ser revogada, porque violadora das normas constantes do nº 1 do artigo 14º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 576º do Código de Processo Civil, e substituída por outra, que determine seja realizada baixa do processo da unidade orgânica administrativa e remessa oficiosa da petição inicial à distribuição para prossecução dos autos junto da unidade orgânica materialmente competente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, assim se realizando a verdadeira Justiça.
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II –Matéria de facto.
Com interesse para a decisão da excepção da competência material fixam-se os seguintes factos:
1) Em 03.03.2016, o Autor requereu, nos serviços da Entidade Demandada, o pagamento das contribuições prescritas à Segurança Social.
2) Em 28.11.2017, o Director da Unidade de Prestações e Contribuições proferiu despacho de indeferimento do requerimento para pagamento voluntário de contribuições prescritas.
3) Na presente acção foram formulados os seguintes pedidos:
a) Declare anulado, por vício de violação de lei, o ato administrativo praticado pela entidade demandada em 28 de Novembro de 2017, por violação das normas legais supra melhor identificadas;
b) Condene a entidade demandada na emissão, em prazo não superior a 30 dias, de b administrativo que reconheça que o autor tem direito à contagem, inserido no sistema público de segurança social, do tempo de serviço prestado como vereador a meio tempo, entre 1 de Maio de 1984 e 31 de Dezembro de 1989;
c) Condene a entidade demandada na emissão, em prazo não superior a 30 dias, de ato administrativo que, realizando a contagem do tempo de serviço do autor enquanto eleito local, liquide as suas contribuições prescritas relativas ao período de tempo que decorreu entre 1 de Maio de 1984 e 31 de Dezembro de 1989;
d) Subsidiariamente, e para o caso de não ser atendido o pedido identificado em b), condene a entidade demandada na emissão, em prazo não superior a 30 dias, de ato administrativo que, realizando a contagem do tempo de serviço do autor, ao abrigo do regime geral da segurança social, liquide as suas contribuições prescritas relativas ao período de tempo que decorreu entre 1 de Maio de 1984 e 31 de Dezembro de 1989.”
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III - Enquadramento jurídico. A competência dos tribunais administrativos.
A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor – vd. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8.11.1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.1987, BMJ 364, p. 591, e de 9.5.1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10.3.1988, recurso 25.468, de 27.11.1997, recurso 34.366, e de 28.5.1998, recurso 41.012; e do Tribunal dos Conflitos, de 23.9.2004, processo n.º 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, p. 88.
Saber se a situação jurídica descrita na petição pelo autor está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado é questão que se prende com o mérito da acção e não com o pressuposto processual da competência – ver o acórdão do Tribunal de Conflitos de 9.7.2003, recurso 09/02.
Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (artigo 1º, n.º1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2015 e artigo 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).
Ora, determina o artigo 212.º, n.º 3 da constituição da República Portuguesa que compete “… aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais …”.
Prevendo-se no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que os “… tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ...”.
Resulta por sua vez, e no que releva, do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que compete “… aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;” sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo Estatuto, sob a epígrafe de “competência dos tribunais administrativos de círculo”, se dispõe que compete “… aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em 1.ª instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em 1.º grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que nestes processos sejam cumulados …”.
E, por fim, preceitua-se no artigo 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (…) que sem “… prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer:
a) Das acções de impugnação: i) Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos; ii) Dos actos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável susceptíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos: i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal; ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo nele pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário; iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais; iv) De providências cautelares relativas aos actos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea; v) De execução das suas decisões; vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei ...”.
Ora, da análise das hipóteses consideradas nos normativos enunciados, julga este Tribunal que a relação material controvertida, tal como configurada pelo Autor, de facto, não se consubstancia numa relação jurídica de natureza fiscal, mas antes de natureza administrativa.
Com efeito, em face do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios aí suscitados serem emergentes, respectivamente de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
Na verdade, deverá considerar-se que a “questão fiscal” abrange todas aquelas que façam apelo à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal atinentes ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos.
Assim, como bem refere Jorge Lopes de Sousa, é questão fiscal “(…) a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública,” - vd. Código de Procedimento e Processo Tributário — Anotado e Comentado, Vol. 1, 2006, pág. 221.
Realmente, no caso em apreço, o que pretende o Autor é que, à face das normas constitucionais e da legislação de natureza administrativa, se anule um despacho administrativo, que negou ao Autor o direito a pagar as contribuições prescritas à Segurança Social relativas a um determinado período de tempo em que exerceu a tempo parcial as funções de vereador duma Câmara Municipal.
A negação de tal direito envolve a interpretação e aplicação conforme já referido de direito constitucional e de direito administrativo.
O que quer significar que, indubitavelmente, a questão objecto do presente litígio assume natureza administrativa, competindo a sua resolução ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, onde a acção foi correctamente interposta.
Aliás, refira-se que este Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 25.11.2011, no processo 02750/10.4 PRT, debruçou-se sobre a questão da competência em razão da matéria, podendo nele ler-se:
“À face do ETAF na Jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes respectivamente de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais. Com efeito, por “questão fiscal” deverá entender-se, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, a que, de qualquer forma, imediata ou mediata faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. É “questão fiscal’ pois, aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in: “Direito Fiscal"’ 2.ª edição, pág. 366). Ou ainda, por outras palavras, “estamos perante questão daquela natureza quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas. (...)”.
Ora, no caso sub judicio, a questão em apreciação é administrativa e não fiscal, já que não diz respeito à interpretação e aplicação de normas legais tributárias nem a uma resolução autoritária que negue direito ao não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária.
Os pedidos acima expostos, e cuja repetição nos abstemos de reproduzir, envolvem, necessariamente, a apreciação de normas de natureza constitucional e administrativa e o despacho administrativo vai no sentido do indeferimento de uma vontade manifestada pelo Autor (enquanto vereador) e que o mesmo entende, não importa agora cuidar se bem se mal, ter guarida constitucional e legal.
Alega o Recorrente ainda que os pedidos que formula também encontram acolhimento jurídico em várias normas de natureza administrativa: a Lei nº 79/77, de 25.10 (“Atribuições das autarquias e competências dos respetivos órgãos”); a Lei nº 9/81, de 26.06 (“remunerações e abonos dos eleitos locais”); a Lei nº 29/87, de 30.06 (“Estatuto dos Eleitos Locais”); ou a Lei nº 86/2001, de 10.08 (que introduziu modificações à Lei nº 29/87, de 30.06).
Tais leis contêm normas de natureza administrativa e introduzem, no momento da sua aplicação ao caso concreto, relações jurídicas de natureza administrativa.
Estas relações jurídicas de natureza administrativa nascem quando entidades públicas, como é o caso da entidade recorrida, praticam actos administrativos, criando, modificando ou extinguindo direitos a favor dos seus destinatários, com fundamento jurídico em normas de natureza administrativa.
Ora, é precisamente este o caso que subjaz aos presentes autos: foi praticado um acto administrativo, por uma entidade pública de natureza administrativa, que não permitiu a criação de um direito peticionado pelo recorrente, recusa esta que teve por fundamento expresso normas de direito administrativo.
Neste sentido, a apreciação judicial dos pedidos do Recorrente, que decorrem, aliás, da impugnação de uma decisão administrativa, só pode ser realizada por recurso à apreciação das normas acima referidas, todas de natureza administrativa, à excepção do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
Se estas normas concederem, como se invoca, o direito do Recorrente à contagem do tempo de serviço como vereador a meio tempo e concomitante obrigação de liquidação das contribuições prescritas relativas ao mesmo período de tempo, só então, de seguida, se convocarão as normas contidas no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, mais concretamente aquelas que estão previstas nos seus artigos 254º e 255º.
Estas normas – as de natureza previdencial – são instrumentais em relação às demais, no sentido em que elas apenas dão execução ao direito que é concedido ao recorrente por forças das normas de natureza administrativa acima citadas.
Neste sentido, para apreciação dos pedidos tal como estes se encontram formulados pelo Recorrente, é materialmente competente a jurisdição administrativa (alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 e alínea c) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Sendo hierarquicamente competente para decidir em 1ª instância o tribunal administrativo de círculo (artigo 44º nº 1 do Estatuto dos Administrativos e Fiscais). E territorialmente competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (artigo 16º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
O mesmo raciocínio é válido quando se aprecia o segundo dos vícios da sentença em recurso, a saber, a errada compreensão da causa de pedir.
Alega o Recorrente:
Seguramente que os factos relevantes para a decisão da causa não são, somente, aqueles que se mostram especificados na decisão recorrida.
Porém, e para efeitos do objeto do presente recurso, a matéria de facto provada é suficiente para impor decisão judicial de sentido diverso àquele que consta da sentença em recurso.
Prevê o item b) do elenco da matéria de facto provada que “em 28 de Novembro de 2017, o Diretor da Unidade de Prestações e Contribuições proferiu despacho de indeferimento do requerimento para pagamento voluntário de contribuições prescritas”.
Ora, este despacho foi impugnado, expressamente, pelo recorrente.
Este despacho impugnado, expressamente, pelo recorrente, contém, em si mesmo, uma decisão administrativa ilegal.
Este despacho realiza uma errada aplicação do Direito ao caso concreto.
Este despacho, portanto, contém um ato administrativo cuja fundamentação jurídica não se pode aceitar, na justa medida em que a lei – se bem aplicada fosse pela entidade demandada – imporia decisão de sentido oposto.
Numa palavra: o ato administrativo contido no despacho impugnado enferma do vício de “violação de lei”.
Qual lei?
A lei que contém normas jurídicas de natureza administrativa, as quais, supra, já foram expressamente invocadas: a Lei nº 79/77, de 25 de Outubro (“Atribuições das autarquias e competências dos respetivos órgãos”); a Lei nº 9/81, de 26 de Junho (“remunerações e abonos dos eleitos locais”); a Lei nº 29/87, de 30 de Junho (“Estatuto dos Eleitos Locais”); ou a Lei nº 86/2001, de 10 de Agosto (que introduziu modificações à Lei nº 29/87, de 30 de Junho).
Não é admissível, sob forma alguma – tal como faz a sentença recorrida – que se considere provado, em sede de matéria de facto, que haja sido praticado um despacho (expressamente impugnado pelo recorrente) e que, para efeitos de apreciação da competência material do tribunal, se abstraia, totalmente, do teor material desse despacho.
O despacho identificado pela sentença recorrida contém um ato administrativo, que enferma do vício de violação de lei administrativa.
Neste seguimento, só os tribunais administrativos são competentes para a apreciação do pedido impugnatório realizado pelo recorrente,
Da mesma forma que só os tribunais administrativos são materialmente competentes para apreciar os pedidos de condenação à prática de ato devido que o recorrente deduziu e que decorrem do julgado anulatório por si peticionado.”
Postas as questões nos termos supra reproduzidos, para apreciação dos pedidos, tal como estes se encontram formulados pelo Recorrente, é materialmente competente a jurisdição administrativa (alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 e alínea c) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Por outro lado - ao contrário do teor normativo do artigo 44º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, que se consolida em forma de cláusula geral, fixando, apenas, a competência hierárquica dos tribunais administrativos de círculo, e que o faz desta forma porque, em momentos anteriores, a referida lei já especificou que tipo de pedidos devem correr, obrigatoriamente, no Supremo Tribunal Administrativo e nos Tribunais Centrais Administrativos - o artigo 49º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais contém, de forma exaustiva, todos os pedidos que podem determinar a competência material dos tribunais tributários.
Constata-se que, neste artigo 49º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, o legislador não utilizou o advérbio “designadamente” (ou outro de sentido idêntico).
Pelo que se deve considerar que o legislador do Estatuto dos Administrativos e Fiscais se considerou capaz de identificar todos os tipos de pedidos que, no momento histórico em que foi introduzido na ordem jurídica, correm, forçosamente, junto dos tribunais tributários.
Enumera taxativamente treze tipos de pedidos que fundamentam o recurso aos tribunais tributários.
Ora, não se enquadra em nenhuma das situações previstas no artigo 49º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais de 2015, a situação em apreciação, atentos os seus pedidos em concreto.
Pelos motivos supra expostos, a apreciação da ação intentada pelo Recorrente, observados os pedidos e a causa de pedir, só pode ser realizada pela jurisdição administrativa, porque só a jurisdição administrativa é materialmente competente para o efeito.
Pelo exposto, a decisão recorrida deve ser revogada, na medida em que viola o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 e alínea c) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos artigos 44º e 49º, também do Estatuto dos Administrativos e Fiscais, e artigo 16º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Impõe-se, pelo exposto, revogar a decisão recorrida e julgar a jurisdição administrativa materialmente competente para apreciação da presente acção, com o consequente prosseguimento dos autos.
Procedendo o pedido principal, fica prejudicada a apreciação e decisão do pedido subsidiário.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam improcedente a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria.
C) Ordenam que os autos baixem à 1ª Instância onde deverão seguir os seus ulteriores termos se nada mais a tal obstar.
Sem custas, na 1ª e na 2ª Instâncias, por não serem devidas.
Porto, 15.03.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Luís Garcia, vencido conforme declaração que se segue: “Manteria, confirmando a decisão recorrida