Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00163/11.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
ACUMULAÇÃO ÁGUA VIA PÚBLICA.
Sumário:1. Tendo sido dado como provado que, no local do acidente/sinistro, a acumulação de água no pavimento terá atingido apenas 3 a 4 centímetros de altura - deixa de ter qualquer relevância argumentativa verificar se as sarjetas estavam limpas, se as entidades demandadas agiram ou não adequadamente, em termos de assegurarem um adequado escoamento das águas pluviais.
2. Atentos os factos provados - altura da água no pavimento no local do sinistro - é manifesta a falta de nexo de causalidade entre o acidente, consequentes danos e a alegada acumulação de água na via, houvesse ou não negligência ilícita e culposa por parte dos agentes dos RR./Recorridos, uma vez que os 3 ou 4 cms. de água existente na estrada naquela hora e local, nunca seriam suficientes para causar os danos alegados e dados como provados.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I..., Promoção e Construção Imobiliária, Lda.
Recorrido 1:Município de S.João da Madeira e Águas de S. João, Empresa Municipal, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. "I..., Promoção e Construção Imobiliária, L. da", com sede na Rua …, Oliveira de Azeméis, inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 21 de Fevereiro de 2013, que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob forma sumária, interposta contra o MUNICÍPIO DE S. JOÃO da MADEIRA e ÁGUAS de S. JOÃO, Empresa Municipal, SA", onde peticionava - como consta do final da p.i. - a condenação solidária dos RR./Recorridos no pagamento da quantia de € 6.363,92, valor referente à reparação do seu veículo.,de matrícula 00-00-PF, respectiva imobilização, despesas decorrentes do sinistro e juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
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2. A recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
"1 - A ora apelante veio intentar a presente acção contra o Município de São João da Madeira e as Aguas de São João da Madeira, pedindo a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 6.363,92 acrescida de juros de mora até integral pagamento, invocando, designadamente, que em virtude da grande acumulação de água na via pública não perceptível antecipadamente a quem aí circulava, resultante do entupimento das sarjetas que impossibilitava o escoamento das aguas pluviais imputável à primeira Ré, ou pelo incumprimento por parte da segunda Ré das funções que lhe estão atribuídas quanto à drenagem das aguas pluviais, o veiculo de sua propriedade ficou parcialmente imerso, tendo sofrido avaria no motor que o impediu de voltar a circular e obrigou à sua reparação.
2 - O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados que decidiu pela improcedência da presente acção.
3 - Decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica, deixando-se também violadas diversas normas jurídicas.
4 – Na verdade, s.m.o, a douta sentença recorrida fez incorrecta apreciação dos factos, nomeadamente da alínea Z) dos factos provados, sendo certo que apesar de ter dado como provada a matéria consignada na alínea CC), ainda assim, não condenou as Rés no pedido.
5 - Mais deixou violadas normas jurídicas, designadamente, os artigos 22º da CRP, 7º e 10º nº 3 do RRCEC e também do artigo 493º do Código Civil.
6 - Dos documentos juntos em sede de julgamento, bem como da prova testemunhal produzida designadamente da testemunha DS..., resulta claramente que nenhuma limpeza foi efectuada no dia dos factos – 22 de Fevereiro de 2010 – na Rua…, porquanto encontrando-se expressamente consignadas em tais documentos as artérias sujeitas a tais trabalhos, em nenhum local consta a artéria dos autos.
7 – Como bem resulta provado na alínea T) dos factos provados as sarjetas da referida artéria foram limpas apenas no dia 23 de fevereiro, isto é, no dia seguinte à ocorrência com o veículo da Autora.
8 - Considera ainda a douta sentença recorrida que a Autora alegou unicamente “como causa do sinistro a existência duma grande acumulação de água devido ao entupimento das sarjetas.”, tendo em consequência absolvido a segunda Ré do pedido.
9 - Ora, a Autora alegou, conforme resulta do artigo 41º da pi, que o acidente também ficou a dever-se à manifesta incúria do R. Águas de São João no cumprimento das funções que lhe estão atribuídas quanto à drenagem das águas pluviais, razão pela qual peticionou a condenação de ambas as Rés.
10 - Ao concluir pela absolvição da Ré Aguas de S. João com o fundamento que a Autora como causa do sinistro apenas o entupimento das sarjetas, e apesar do consignado na alínea CC) dos factos provados, deve também a, aliás, douta sentença ser revogada.
11 - Ao julgar como provada alínea Z) dos factos provados quando quanto a tal matéria, s.m.o, foi produzida bastante em sentido em contrário, deveria, em consequência, ter sido condenada a primeira Ré no pedido.
12 - Nesta conformidade, e decidindo como decidiu a douta sentença recorrida deixou violados os artigos 22º da CRP, 7º e 10º nº 3 do RRCEC e também do artigo 493º do Código Civil, pelo que não pode subsistir na ordem jurídica, antes devendo condenar-se as duas Rés no pedido".
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3. Notificadas as alegações, veio apenas a recorrida "Águas de S. João - EM, SA" apresentar contra alegações, mas sem que formule conclusões - cfr. fls. 236 a 239 dos autos.
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4. O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso - cfr. fls. 260/261 -, pronúncia que, notificada às partes, não obteve resposta.
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5. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, ns. 3 a 5 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6- art.º 5.º, n.º 1 - “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
A) No dia 09/03/2010, a Autora participou ao Réu Município de São João da Madeira um sinistro com uma viatura automóvel, da marca MB E 200, com a matrícula 00-00-PF, reclamando o pagamento da reparação do mesmo.
B) Na data referida em A), o veículo aí identificado foi colocado à disposição do Réu Município para proceder à peritagem respectiva até ao dia 12.03.2010.
C) A Autora informou o Réu Município que findo o prazo referido em B) iria proceder à reparação do veículo.
D) Em consequência da participação referida em A), o Réu Município nada disse à Autora.
E) A Autora, através da sua Mandatária, comunicou, em 20.07.2010, via fax, ao Réu Município, o valor da reparação do veículo identificado em A) e solicitou o pagamento da mesma.
F) Por ofício n.º 4861, datado de 10.09.2010, o Réu Município respondeu à comunicação da Autora referida em E), nos termos que constam do doc. de fls. 38 dos autos que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos e onde, além do mais, consta que:
“(…) eventuais responsabilidades pelo sucedido deverão ser reclamadas junta da empresa Águas de S. João pelo que nesta data se remete à referida empresa, cópia da reclamação apresentada por V. Exªs.”.
G) Até à presente data, o Réu Município não pagou qualquer quantia à Autora.
H) A Ré Águas de São João da Madeira teve conhecimento da participação do sinistro, através do ofício n.º 4860, datado de 10.09.2010, do Réu Município.
I) A Ré Águas de São João da Madeira nada disse ou pagou à Autora.
J) A Autora é proprietária do veículo automóvel da marca MB 220, com a matrícula 00-00-PF.
K) O veículo 00-00-PF circulava, no dia 22 de Fevereiro de 2010, pelas 18h:40m, na Rua..., junto ao n.º …, em S. João da Madeira.
L) No sentido de Arrifana.
M) No dia, hora e local referidos em K), o veículo 00-00-PF sofreu um sinistro.
N) Nessa data e local existia uma grande acumulação de água na via pública.
O) A artéria estava inundada.
P) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo era conduzido por MAF.
Q) O veículo 00-00-PF não mais circulou.
R) Tendo ficado imobilizado na via pública.
S) O veículo 00-00-PF teve de ser rebocado para a oficina Cardosauto, em Cucujães.
T) O Réu Município procedeu à limpeza das sarjetas localizadas na referida Rua..., no dia 23 de Fevereiro de 2010.
U) O veículo 00-00-PF, em consequência do sinistro alegado no artigo 6º da P.I., sofreu uma avaria do motor devido à entrada de água pela conduta do filtro de ar.
V) Foi necessário retirar o motor do veículo 00-00-PF e proceder à substituição dos seguintes materiais e peças:
· Filtro de ar
· Filtro de óleo
· Bendix
· Jogo de juntas da colaça
· Jogo de juntas debaixo do motor
· Jogo de pernos
· Vedante da cambota
· Vedante válvulas
· Junta TV
· Biela
· Oringues dos tubos do gasóleo
W) A reparação custou o valor de € 2.118,92, sendo que deste montante o valor de € 8,61 acrescido de IVA, relativo ao filtro gasóleo; o valor de € 262,09 acrescido de IVA, relativo à embraiagem; o valor de € 3,55 acrescido de IVA, relativo à guia da corrente; o valor de € 51,66 acrescido de IVA, relativo a passadeira; o valor de € 8,00 acrescido de IVA, relativo ao bujão do cárter e o valor de € 10,00 acrescido de IVA, relativo a lavagem, não são consequência do sinistro
X) A Autora procedeu à reparação do veículo 00-00-PF.
Y) Ocorreram chuvas intensas à data referida em K).
Z) A empresa “ Recolte – Recolha, Tratamento e Eliminação de Resíduos, S.A.”, procedeu à verificação do estado de obstrução e limpeza das sarjetas, no dia e local referidos em K).
AA) No local referido em K), atento o sentido de marcha referido em L), a acumulação de água no pavimento terá atingido 3 a 4 cm de altura.
BB) A via é construída em aterro, acima dos terrenos laterais que a marginam.
CC) Quando ocorre uma precipitação anormal de águas pluviais, o sistema de condutas não permite o imediato escoamento ou absorção das águas precipitadas.
DD) A Rua..., junto ao nº …, forma uma ligeira descida, que vem desembocar na rotunda que dá acesso à zona desportiva, designadamente, às piscinas municipais e ao pavilhão PP....
EE) A mesma Rua é ladeada de passeios com altura de cerca de 15 cm.
FF) Com duas vias de tráfego demarcadas por uma separador central com altura de cerca de 15 cm.
GG) Tal Rua fica numa cota superior ao terreno que a rodeia.
2. MATÉRIA de DIREITO
Analisados os autos na sua globalidade e, em especial, as alegações da recorrente - supra transcritas nas respectivas conclusões - contra alegações e a sentença recorrida - o cerne do presente recurso pode objectivar-se na análise dos seguintes itens:
- 2 - 1 - erro de julgamento da matéria de facto e,
- 2 - 2 - erro de julgamento de direito.
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2 - 1 - Quanto ao julgamento da matéria de facto.
Nesta parte, num primeiro momento, a recorrente questiona a factualidade constante da Al. Z) dos factos provados - supra enumerados - no sentido de que tal matéria não deveria ter sido dada como provada.
Depois e ainda nesta sede --- embora, convenhamos, se possa questionar esta inserção nesta argumentação recursiva, mais dizendo respeito a questão de direito ---, questiona a absolvição da co-Ré Águas de S. João, pois que havia alegado, na p. i., que o acidente também de deveu à manifesta incúria desta co-ré, pois que não cumpriu as funções que lhe estavam atribuídas quanto à drenagem de águas pluviais, como decorre da Al. CC) dos factos provados.
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Vejamos se lhe assiste razão!
Mas, independentemente da recorrente ter dado (ou não) cumprimento ao disposto no art.º 685.º B do Cód. Proc. Civil (indicando os concretos meios probatórios, as passagens objecto da gravação questionadas) - questão suscitada pela co-ré/recorrida Águas de S. João nas suas contra alegações -, bem como da assertividade (ou não) do julgamento efectivado quanto a essa matéria, pelo TAF de Aveiro, o certo é que, tendo indicado como causa do acidente o facto de, na data/hora/local do sinistro, a via onde circulava o veículo 00-00-PF, estar inundada, por negligência dos Réus, que não providenciaram pela adequada limpeza das sarjetas, de molde a que a água da chuva se escoasse e assim não se acumulasse na via, o que, na sua óptica alegatória importou que o veículo ficasse parcialmente imerso e daí os danos causados e tendo sido dado como provado que, no local do acidente/sinistro, a acumulação de água no pavimento terá atingido apenas 3 a 4 centímetros de altura - alínea AA) dos factos provados - e que a via em causa, estava construída em aterro, acima dos terrenos laterais que a marginam - alínea BB) dos factos provados - sendo que esta factualidade não vem questionada, deixa de ter qualquer relevância argumentativa verificar se as sarjetas estavam limpas, se as entidades demandadas agiram ou não adequadamente, em termos de assegurarem um adequado escoamento das águas pluviais.
Efectivamente, o co-réu Município de S. João da Madeira, na sua contestação - arts. 13.º a 16.º - alegou que "No local do sinistro, e numa extensão não superior a 10 metros, atento o sentido de marcha por onde circulava, a acumulação de água no pavimento terá atingido, quanto muito, 3 a 4 centímetros de altura", "O que por si só não constituía obstáculo à circulação rodoviária no local", "Aliás, a água acumulada nunca poderia passar acima da cota do lancil, sendo a via construída em aterro, acima dos terrenos laterais que no local a marginam", "Pelo que o veículo nunca poderia ficar parcialmente imerso, ...", respectivamente.
Levada essa matéria fáctica ao questionário - artigos 27.º e 28.º da base instrutória - questiononava-se concretamente "No local referido em 2) e numa extensão não superior a 10 metros, atento o sentido de marcha referido em 3), a acumulação de água no pavimento terá atingido 3 a 4 cms. de altura ?" e "A via é construída em aterro, acima dos terrenos laterais que a marginam ?", respectivamente.
Ora estes "quesitos" obtiveram a resposta que consta de fls. 186 dos autos - correspondentes às alíneas AA) e BB) dos factos provados - e fundamentada nos termos que se justificam a fls. 189.
Ou seja, estando definitivamente assente - pois que esta matéria não vem questionada - que a altura da água acumulada no pavimento na data/hora/local do sinistro foi de apenas 3 a 4 cms. de altura, é manifesta a desnecessidade de se questionarem outros factos, conforme melhor se evidenciará, em sede do alegado erro de julgamento de direito.
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2 - 2 - Quanto ao julgamento de direito.
Nesta parte, a recorrente questiona a decisão do TAF de Aveiro que concluiu que inexistia qualquer facto ilícito e culposo por parte dos RR./Recorridos.
Alicerçando a sua argumentação na alteração do facto constante da Al. Z) que pretende ver eliminada, sustenta que deve proceder a acção.
Mas, no seguimento do que acima se referiu quanto à factualidade constante das als. AA) e BB) dos factos provados, independentemente da bondade das razões aduzidas pela recorrente, tendo por pressuposto inultrapassável esses factos, é manifesta a falta de nexo de causalidade entre o sinistro, consequentes danos e a alegada acumulação de água na via, houvesse ou não negligência ilícita e culposa por parte dos agentes dos RR./Recorridos, uma vez que os 3 ou 4 cms. de água existente na estrada naquela hora e local, nunca seriam suficientes para causar os danos alegados e dados como provados.
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Deste modo, sendo manifesta a improcedência da acção, impõe-se apenas a negação de provimento do recurso.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
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Custas pela A./recorrida.
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Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 131.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass.: Antero Pires Salvador
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro