Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00389/12.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
IVA
FUNDAMENTAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Autoridade Tributária Aduaneira não se conformou com a sentença emitida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por M..., SA, melhor identificado nos autos, visando as liquidações de IVA, do ano de 2007, e de juros compensatórios.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…)A. Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA referentes ao exercício de 2007 (e respetivos juros compensatórios).

B. Assim, para efeito de julgar procedente o aludido vício de falta de fundamentação do critério de quantificação utilizado na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, consignou-se na decisão que “…para determinar o valor das importações foi aplicada a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... TRADING GROUP. Acontece que, a AT não explica porque aplicou aquela percentagem e não outra qualquer, nem como a apurou”.

C. Mais se deixou lavrado que “…para determinar os proveitos omitidos, a AT valorizou as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra e para determinar o IVA em falta considerou as diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda, aplicando a cada um dos bens a taxa respetiva de imposto”.

D. Concretamente, no excerto do relatório inspetivo a que a decisão sindicada imputa o vício de falta de fundamentação deixou-se escrito que “…a AT não explicou, com o recurso a regras de experiência comum, os motivos pelos quais tomou a opção pelos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, de forma a um destinatário comum conseguir perceber como foi alcançada aquela matéria…”, transcrevendo seguidamente parte do Ponto V do relatório inspetivo.

E. A sentença sob recurso conclui que o critério de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos não se encontra fundamentado na medida em que “A Administração Tributária deverá explanar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, explicando os motivos pelos quais no recurso a regras de experiência comum tomou as opções escolhidas, de forma a permitir a perceção das mesmas a um destinatário comum que vá ser confrontado com o Relatório de Inspeção”.

F. Contudo, do nosso ponto de vista e salvo melhor entendimento, não se verificam os fundamentos invocados pela Meritíssima Juiz para decidir nos termos em que o fez.

G. Desde logo, note-se que é possível ao destinatário do relatório de conclusões apreender o critério de quantificação utilizado na correção inspetiva, bem como a respetiva razão de ser, que também se deixou vertida naquele documento.

H. Saliente-se que, no caso vertente verificou-se a impossibilidade de comprovação e quantificação direta da matéria tributável, uma vez que, como melhor discriminado e fundamentado no relatório da ação inspetiva, os elementos contabilísticos da impugnante apresentavam inúmeras divergências, as quais representam fundados indícios de que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido, tornando-se impossível determiná-lo direta e exatamente.

I. Esta impossibilidade resultou da observação de diversas irregularidades e incongruências na contabilidade da impugnante (vide ponto IV do relatório de inspeção), tais como:

- Contabilização de documentos que não titulam operações reais (compras), não obstante terem existido importações cujos documentos não foram obtidos na totalidade;
- Nos testes quantitativos efetuados obtêm-se divergências positivas que se traduzem em omissão de proveitos;
- Existência de depósitos na conta movimentada no BCP (J... Trading Group) que não correspondem a qualquer saída de movimentos financeiros da M…;
- Apesar do sujeito passivo não possuir qualquer estabelecimento de venda ao público, uma parte significativa dos documentos de venda contabilizados não identifica o adquirente dos bens.

J. Face a tais anomalias e não permitindo a contabilidade do sujeito passivo apurar o resultado efetivamente obtido, afastando-se a presunção de credibilidade da contabilidade do sujeito passivo e determinou-se a matéria coletável com recurso a métodos indiretos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º e da alínea a) do art.º 88, ambos da LGT.

K. No cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos utilizaram-se os critérios vertidos no art.º 90º da LGT.

L. Assim, na determinação do valor das importações aplicou-se a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... Trading Group, [se na quantidade e produto não há divergência apenas existe divergência quanto ao valor (em média 10,32% inferior – faturas recolhidas de importações reais vs faturas da J... Trading Group), foi determinado o valor das importações aplicando a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... Trading Group] 0,8968 x € 1.114.836,59 (somatório das faturas constante do quadro de fls. 4 do relatório de inspeção) = € 999.785,45.

M. Porque foram detetadas omissões de venda e omissões de compras, para a determinação dos proveitos omitidos valorizou-se as diferenças positivas (omissões de vendas) ao preço médio de venda e as diferenças negativas (omissões de compras) ao preço médio de compra, considerando quebras, consumo interno, ofertas a clientes, e agregando todos os produtos que embora identificados com referências diferentes têm a mesma designação e constam do anexo 14 do relatório de inspeção.

N. Os motivos e fundamentos de facto que estiveram na génese do recurso à aplicação dos métodos indiretos encontram-se detalhadamente expressos no Ponto IV do relatório de conclusões, em especial no item 4.1 Aquisição de mercadorias – importações, 4.2 Existências, 4.3 Testes quantitativos, 4.4 Débito na conta de clientes sem documento de suporte, 4.5 Vendas declaradas para sujeito passivo cessado, 4.6 Vendas com base em documentos que não identificam o adquirente e subsequente Conclusão.

O. É nestes segmentos do relatório de conclusões que se apresentam os motivos e a razão de ser dos cálculos que constam do Ponto V, ou seja, a motivação que está na base das opções escolhidas, o fundamento dos critérios de cálculo da correção aplicada.

P. Numa palavra, no relatório, concretamente no ponto imediatamente anterior ao que se transcreveu na sentença, estão indicados todos os factos que determinaram as correções realizadas à matéria coletável, bem como as normas legais a que as mesmas obedeceram.

Q. E, da leitura do relatório ficou claro qual o iter cognitivo perseguido pela administração fiscal e que a levou a uma tal conclusão, ficando deste modo o contribuinte em condições de contrariar a decisão da administração fiscal, nomeadamente contrariando a sua base factual de apoio e consequentemente a sua legalidade.

R. Aqui chegados, resulta das considerações antecedentes que a Administração Tributária demonstrou – fundamentadamente – a consubstanciação do critério de quantificação que seguiu e empregou nas correções que concretizou à impugnante.

S. Com efeito, lido e interpretado o segmento do relatório de conclusões relativo ao critério de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos (os quais a sentença sob recurso convocou) e conjugando-o com as considerações antecedentes vertidas no mesmo documento, mormente no ponto 4.1, 4.2, 4.3, 4.4, 4.5, 4.6 e ulterior Conclusão (as quais a sentença sob recurso ignorou), verifica-se que se encontra esclarecida, de forma suficiente e coerente, a razão de ser da aplicação dos critérios de quantificação empregues.

T. Não havendo, a esse título, uma qualquer insuficiência ao nível do dever de fundamentação do critério de quantificação e dos cálculos subjacentes, pois que, ao ler-se integralmente o relatório de conclusões é facilmente apreensível e compreensível o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pela AT.

U. Sendo o relatório de conclusões um documento integrado e interligado, consideramos que é juridicamente desacertada a operação de selecionar e transcrever apenas o excerto referente aos critérios de cálculo para, de forma isolada os interpretar e extrair uma conclusão que, deixando sempre assegurado o devido respeito, é, além de injusta, ostensivamente incorreta. Em bom rigor, foi justamente esse exercício o que a sentença sob recurso fez, olvidando toda a fundamentação antecedente, a qual explica fundamentadamente as premissas subjacentes aos critérios empregues.

V. Do vindo de referir resulta que a Administração Tributária justificou fundadamente as razões subjacentes aos critérios de quantificação que utilizou.

W. Atento o exposto, forçoso será concluir pela inexistência do vício de falta de fundamentação do critério de quantificação relativo à metodologia indiciária, não podendo a decisão recorrida manter-se.

X. Em suma, a Meritíssima Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no art.º 77º n.º 4 da LGT.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício de falta de fundamentação do critério de quantificação imputado às liquidações impugnadas, com as legais consequências. (…)”

A Recorrida interpôs recurso do despacho interlocutório que indeferiu a inquirição de testemunhas (cfr. fls. 137/139), a instância deste Tribunal veio a Recorrida informar que que não mantem interesse na apreciação de recurso do despacho de indeferimento de inquirição de testemunhas.

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Colhidos os vistos das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questões colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se há erro de julgamento, por violação de lei [art. 77º n.º4 da LGT] por não ter sido explicado os motivos pelos quais se optou pelo critério utilizado na determinação da matéria tributável.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201100647, a Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Viseu, levou a cabo uma ação de inspeção à Impugnante, de âmbito geral, que incidiu sobre o exercício económico de 2007, que teve início em 30.05.2011. – Cfr. fls. 11 e ss do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 03.11.2011, a Impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária para exercer o seu direito de audição. – Cfr. fls. 126/128 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. No âmbito da ação da inspeção referida em 1., em 16.11.2011 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, no qual se apuraram correções à matéria tributável com o recurso a métodos indiretos, ao IVA e IRC, relativas ao exercício do ano 2007, para o qual se remete por uma questão de brevidade, destacando-se, no entanto, o seguinte:

“ (…) V- Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
5.1. Critérios e Cálculos
Demonstrada a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, a sua determinação será efectuada tendo como suporte legal o artigo 90.0 da LGT, com base nos seguintes critérios e cálculos:
5.1.1 Critérios
Propomos a determinação da matéria tributável, do exercício inspeccionado, com base nos seguintes critérios:
- Determinar o valor das importações aplicando a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas facturas da J... TRADING GROUP;
- Determinar os proveitos omitidos, valorizando as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra;
- Acrescer as correcções propostas no ponto III;
- Determinar o IVA em falta considerando as diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda, aplicando a cada um dos bens a taxa respectiva de imposto;
Para o cálculo do IVA em falta não foram consideradas as diferenças negativas, uma vez que estas configuram omissões de compras, sendo que só confere direito à dedução o IVA constante de documentos emitidos na forma legal em nome e na posse do sujeito passivo;
5.1.2 Cálculos
Determinação do valor das importações
Valor das Importações = 0,8968 x Total facturas contabilizadas J...
Valor das Importações = 0,8968 x 1.114.836,59
Valor das Importações = 999.785,45
Determinação dos proveitos omitidos
O valor foi obtido tal como já referido anteriormente, valorizando as quantidades positivas ao preço médio de venda e as quantidades negativas ao preço médio de compra, considerando quebras, consumo interno, ofertas a clientes, e agregando todos os produtos que embora identificados com referências diferentes tem a mesma designação e consta do Anexo 14.
Total de proveitos omitidos (Anexo 17)= 459.215,90 (…) “. – Cfr. fls. 11 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Pelo ofício n.º 11.516, de 21.11.2011, a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária e da fixação da matéria tributável de IRC e IVA por métodos indiretos do ano de 2007. – Cfr. fls. 8/10 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. A Impugnante apresentou pedido de revisão nos termos do artigo 91.º da LGT. – Cfr. fls. 129 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. Em 18.01.2012, teve lugar a reunião dos peritos da contribuinte e da Fazenda Pública, do pedido de revisão da matéria tributável da qual foi lavrada a ata n.º 036/2012 constante de fls. 138/139 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7. Em 19.01.2012, o Diretor de Finanças proferiu decisão no pedido de revisão da matéria tributável, constante de fls. 140/141V.º do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Pelo ofício n.º 1203, de 23.01.2012, a Impugnante foi notificada da decisão do pedido de revisão da matéria tributável. – Cfr. fls. 141 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9. Na sequência da ação inspetiva foram emitidos os atos de liquidação de IVA do ano 2007 e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 53.697,38 euros, constantes de fls. 26/49 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

IV.2. Factos não provados:
Para além dos factos que foram dados como provados, não foram provados outros que revelem interesse para a boa decisão da causa. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1.A questão fundamental dos autos reduz em saber se há erro de julgamento e se a sentença, fez uma incorreta apreciação dos factos, e fez errada interpretação do art.º 77.º n.º 4 da LGT.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
Por sua vez o n.º4 do art.º 77.º da LGT, na redação aplicável, preceitua queA decisão da tributação por métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade base científica, ou fará a descrição dos bens …., e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.”
Assim, o n. º4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
A sentença recorrida relativamente a esta questão refere” (…) Com efeito, a AT não explicou, com o recurso a regras de experiência comum, os motivos pelos quais tomou a opção dos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, de forma a um destinatário comum conseguir perceber como foi alcançada aquela matéria.
De facto, quanto a esta matéria consta no relatório de inspeção o seguinte:
(…)
Como se denota, consta do relatório de inspeção que para determinar o valor das importações foi aplicada a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... TRADING GROUP. Acontece que, a AT não explica porque aplicou aquela percentagem e não outra qualquer, nem como a apurou.
Consta, ainda no relatório que para determinar os proveitos omitidos, a AT valorizou as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra e para determinar o IVA em falta considerou as diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda, aplicando a cada um dos bens a taxa respetiva de imposto.
E no ponto relativo aos cálculos está descrito no relatório, no tocante à determinação dos proveitos omitidos o seguinte: “O valor foi obtido tal como já referido anteriormente, valorizando as quantidades positivas ao preço médio de venda e as quantidades negativas ao preço médio de compra, considerando quebras, consumo interno, ofertas a clientes, e agregando todos os produtos que embora identificados com referências diferentes tem a mesma designação e consta do Anexo 14.”
Ora, não se consegue perceber como foram efetuados os cálculos dos proveitos omitidos. Com efeito, apenas consta o total dos proveitos omitidos e não os passos que foram dados para o alcançar.
Nem se entende o que são as diferenças positivas ao preço médio de venda, nem as diferenças negativas ao preço médio de compra, nem as diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda.
De facto, a Administração Tributária, tinha que explicar como fez as operações de cálculo, isto é, como obteve aqueles valores.
Como acima já foi adiantado, na parte da quantificação, recai sobre a Administração Tributária o ónus não só de indicar, como também de fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, tendo o volume da matéria coletável presumida, obrigatoriamente, de assentar em dados objetivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses abstratas, suspeitas ou suposições.
A Administração Tributária deverá explanar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, explicando os motivos pelos quais no recurso a regras de experiência comum tomou as opções escolhidas, de forma a permitir a perceção das mesmas a um destinatário comum que vá ser confrontado com o Relatório de Inspeção.
Ora, conforme supra exposto não foi o que aconteceu.
Nesta conformidade, a AT não cumpriu o seu ónus de fundamentar as operações de apuramento da matéria tributável.
A avaliação indireta é a última ratio fisci e exige uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização e critérios escolhidos para a determinação da matéria coletável.
Nota-se que o destinatário do ato não consegue entender as razões e o percurso lógico seguido pela entidade decisora, quanto ao critério de quantificação escolhido e subsequentes cálculos, não podendo escrutinar o mesmo.
Pelo que, com este fundamento, procede a presente impugnação, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela impugnante [cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
Sobre esta questão já se pronunciou este TCAN, no acórdão n.º 390/12.2 de 25.05.2018, ainda inédito, em que estão em questão mesmas partes e idêntico relatório de inspeção, sendo que somente diferem no imposto em causa, sendo naquele o IVA de 2008 e neste do ano de 2007.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida naquele acórdão desta Secção, pese embora a ora Recorrente seja a ali a Recorrida.
Refere o referido acórdão que “(…) AT erigiu como critério de quantificação, primeiro determinando o valor das importações aplicando a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... TRADING GROUP;
Segundo determinar os proveitos omitidos, valorizando as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra, o valor foi apurado no quadro do anexo 18.

Ora, o valor percentual não está explicado no relatório [para onde remete o despacho do Diretor no procedimento de revisão da matéria tributável] quando exprime na análise das importações e das faturas emitidas em nome da J..., contabilizadas na escrita da Recorrente, não correspondendo a efetivas transações, tendo apenas em vista aumentar os custos da empresa, originando, assim, uma rentabilidade fiscal 1,67%.

Será que o valor percentual aplicado resulta da dedução do valor percentual de 10,32, diferencial, que corresponde às faturas emitidas em nome da J... para cada uma das faturas de importação de mercadorias efetivamente adquiridas? Se sim qual a sua razão de ser.

Ou seja, não está explicitado de forma clara e percetível a razão da aplicação da percentagem de 89,86 ao montante registado com base nas faturas da J..., assim como não se entende o raciocínio empreendido na determinação dos proveitos omitidos a partir da valorização das diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra.

Ora, não está devidamente explicado o critério utilizado.

Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação.

Para tanto, a AT tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, de modo a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua atividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada e que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.

Só então passará a caber, ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

No caso presente, o critério utilizado pela Administração Tributária consistiu para a determinação do valor das importações a utilização de um valor percentual de 89,68% ao montante registado com base nas faturas da J... ora tal consideração não se apresenta justificada nem compreensível ao seu uso e aplicação, assim como o critério para determinar os proveitos omitidos.

Ora, quando se analisa o Relatório na parte que aqui interessa, não pode deixar de notar-se que não há qualquer justificação para o critério ali utilizado na quantificação da matéria tributável.

Naturalmente, e sem mais, é manifesto que o critério utilizado pela Administração Tributária revela-se, assim, incompreensível ao fim a que se destina, ou seja, para a determinação da matéria tributável do exercício inspecionado. (…)
Alega a Recorrente que os fundamentos se encontram detalhadamente expressos no ponto IV do relatório de conclusões, em especial no item 4.1 Aquisição de mercadorias – importações, 4.2 Existências, 4.3 Testes quantitativos, 4.4 Débito na conta de clientes sem documento de suporte, 4.5 Vendas declaradas para sujeito passivo cessado, 4.6 Vendas com base em documentos que não identificam o adquirente e subsequente Conclusão. E que neste segmento do relatório se apresentam os motivos e a razão de ser dos cálculos que constam do Ponto V, ou seja, a motivação que está na base das opções escolhidas, o fundamento dos critérios de cálculo da correção aplicada.
Nos pontos ponto IV e V do relatório encontra-se justificado as razões e os pressupostos do recurso aos métodos indiretos, mas não se encontra justificação e fundamentação dos critérios de quantificação.
Nesta conformidade, transpondo os fundamentos supra referidos e constante do acórdão n.º 390/12.2, nada mais há acrescentar pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

Face ao supra decidido fica prejudicada o recurso do despacho interlocutório que indeferiu a inquirição de testemunhas sendo que a Recorrida manifestou desinteresse na sua apreciação.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 07 de junho de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento