Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00005/11.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Sumário:I. A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade;
II. Da norma contida no nº 3 no artigo 28.º do RGCO resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contraordenacional tributário é de sete anos e meio, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
III. No entanto, por força do art.º 27º-A nº 2 do RGCO, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Declarado extinto o procedimento contra-ordenacional, por prescrição.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Recorrente, J..., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente, o Recurso de Contraordenação, interposto da decisão de aplicação de coima de 4.309,25 €, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Penacova, proferida no âmbito do processo de contraordenação n.º 0825200806007848.

O Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida procedeu a um errado julgamento de facto ao não considerar que a não entrega da prestação tributária no dia designado pelo art.° 44.° do Código de Imposto e a sua entrega logo no dia útil imediato apenas por razões de um lapso administrativo quanto ã data daquele dia integra uma situação de total ausência de culpa, mesmo sob a forma de negligência;
b) Na verdade, o erro administrativo sobre a data de calendário um facto inconsciente que acontece a qualquer pessoa medianamente diligente e cauteloso, no cumprimento das suas obrigações profissionais e fiscais;
c) Donde se impor a absolvição do recorrente e, consequentemente, a revogação da sentença recorrida e a anulação da decisão administrativa aplicativa da coima por erro nos seus pressupostos de facto;
Subsidiariamente:
d) Ao contrário do erradamente considerado na sentença recorrida, da alínea a) do n.° 1, do artigo 32.° do RGIT, não resulta que, em abstracto, estejam excluídos todos os casos em que se está perante uma coima aplicada por falta de pagamento da prestação tributária;
e) A actual redacção da norma tem aplicação a todas as coimas independentemente da norma que as preveja, sendo necessário indagar a se e perante as circunstâncias do caso, se houve ou não prejuízo efectivo para a receita tributária;
f) A noção de prejuízo efectivo pressupõe a sua determinação em concreto perante a especificidade do caso, não podendo apenas reduzir-se ao mero prejuízo virtual, hipotético ou possível, configurável perante todos os tipos de actos dos contribuintes contra-ordenacionalmente previstos e punidos;
g) Ao pagar imediatamente a prestação em falta logo no dia útil imediato ao terminus do dia designado na lei para a sua entrega e requerendo a liquidação dos juros devidos, o
recorrente não causou prejuízo efectivo à receita tributária;

h) Conclusão contrária implica a inconstitucionalidade do artigo 32°, n.° 1, do RGIT, na interpretação segundo a qual a falta de pagamento da prestação tributária - não admite, em caso nenhum; a dispensa de coima devida por esse facto, por tal efeito jurídico cominado ser completamente desproporcionado quanto às consequências que implica para o arguido, quando este, como no caso em apreciação, e atrasa apenas por umas horas (as ocorridas no começo do dia útil imediato àquele em que a prestação devia ter sido entregue e no qual procedeu à entrega da prestação tributária) e em que está em causa a aplicação de uma coima que representa mais do que o vencimento mensal do notário público;
i) Deste modo, mesmo a considerar-se, por cautela, ter o recorrente cometido uma contra-ordenação tributária, ao contrário do julgado pela sentença recorrida sempre ele deverá ser dispensado da coima.
j) Ou quando muito sujeito a uma pena de admoestação.
Termos em que, e nos mais de direito por Vossas Excelências doutamente supridos, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e a decisão administrativa de aplicação da coima, que a mesma manteve, anulada por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, com todas as legais consequências.”
.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DO JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

A) No dia 23 de Julho de 2007, foi elaborado o Auto de Notícia de fls. 7, que se dá por integralmente reproduzida onde, entre o mais, consta que:
«(…)
1 - Normas infringidas: Art° 44 CIS - Entrega fora de prazo de imposto retido na fonte

2 - Data da infracção: 2007-04-23
3 - Período de tributação: 200703
4 - Data pedido de redução: 2008-09-11
5 - Normas punitivas: Art° 114 n°s 2 e 3 do RGIT - Entrega fora de prazo do prestação tributária
B) Notificado nos termos e para efeitos do disposto no Art. 70.° do RGIT, o recorrente apresentou defesa, conforme requerimento de fls. 8 a 9, que se dá por integralmente reproduzido.
C) Sobre o requerimento referido na alínea antecedente recaiu o despacho de fls. 19 a 20, que também se dá aqui por reproduzido.
D) A recorrente foi condenada na coima de 4.309,25€, por despacho de fls. 32 a 33, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(…)
AO(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante do imposto exigível: 86.184,95; 2. Valor da prestação tributário entregue: 86.184,95: 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2007-04-23; 5. Período a que respeita a infracção: 2007/03; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2007-04-20, os quais se dão como provados.
Normas punitivas e infringidas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n°15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

(…)
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 4.309,25 e limite máximo o montante de Eur. 7.500,00, dado tratar(em)-se de pessoa(s) singular(es).
Para fixação da coima em concreta deve ter-se em conta a gravidade objectivo e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art°27 do RGIT):
- imagem omissa -
Despacho
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 4.309,25 cominada no(s) Art(s)° 114 n°s 2 e 3 do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 48,00) nos termos do N°2 do Dec-Lei N°29/98 de 11 de Fevereiro.

(…)»
E) No dia 23/04/2007, o recorrente procedeu ao pagamento do valor de 88.184,95€, respeitante a Imposto de Selo do período de Março de 2007, cuja data limite de pagamento ocorrera em 20/04/2007 - fls. 10.
F) Com base no Auto de Noticia referido em A) supra, em 7/11/2008, foi instaurado contra o recorrente o processo de contraordenação n.° 0825200806007848 - fls. 6.
G) Em 09/06/2007, foi emitida a liquidação de juros compensatórios devidos pelo atraso na entrega do imposto de selo a que os presentes autos se referem, no valor de 28,33€, cuja data limite de pagamento voluntário expirou em 21/02/2008 - fls. 14 e 15.
H) Para cobrança coerciva dos mencionados juros compensatórios, em 23/02/2008, foi instaurada a execução fiscal n.° 0825200801001116 - fls. 16 e 17.
I) A execução fiscal referida na alínea antecedente foi extinta, por pagamento voluntário, em 11/03/2008 - fls. 17.
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.

3. DO JULGAMENTO DE DIREITO
A primeira questão que importa conhecer, embora não tenha sido suscitada pelo Recorrente nem pela Recorrida, é da prescrição do procedimento contraordenacional, sendo que é de conhecimento oficioso.
Vejamos.
Preceitua o artigo 33.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) que:

1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.
Por sua vez, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional preceitua-se no artigo 28º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) na redação resultante da Lei 109/2001, de 24 de dezembro, o seguinte:
“1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” (destacado nosso).
No caso concreto, está em questão infração ao art.º 44.º n.º 1 do Código de Imposto de Selo, por entrega fora de prazo do imposto retido na fonte, relativo ao período de tributação 200703.
O Arguido deveria ter entregado o valor retido de Imposto de Selo até ao dia 20.04.2007, tendo procedido à entrega no dia 23.04.2007.
Resulta da matéria de facto provada, que a infração ocorreu em 20.04.2007.
A partir da referida data (20.04.2007) iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, a qual foi interrompida com a notificação do Arguido para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 70.º do RGIT que teve lugar em data que se desconhece, por nos autos não existir elementos suficientes, mas sempre antes de 24.11.2008, sendo certo e como consta da matéria assente o Arguido, veio apresentar a sua defesa, nessa data (cfr fls. 3 e 4 dos autos).

Em 04.06.2010, com a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima ocorreu novamente a interrupção da prescrição.
Ao contrário do que sucede com a suspensão, a interrupção da prescrição, tem como consequência a inutilização do tempo decorrido antes da causa de interrupção, reiniciando-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121.º n.º 2 do Código Penal.
No entanto, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido. Porém o Regime Geral das Contraordenações (RGCO) na redação resultante da Lei 109/2001, de 24 de dezembro, no nº 3 no artigo 28º preceitua que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Da norma contida no nº 3 no artigo 28.º do RGCO resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contraordenacional tributário é de sete anos e meio, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, o artigo 27.º-A do RGCO, aplicável às contraordenações tributárias por força da norma remissiva do artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:
“1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”
Por sua vez, a norma do artigo 33.º n.º 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contraordenacional tributário estabelecendo-se que “a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º e no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”
No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima.

No entanto, por força do art.º 27º-A nº 2 do RGCO, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, do findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal, neste mesmo sentido, os acórdãos do STA n.º 0698/16 de 26.10.2016 e do TCAS n.º 08304/14 de 045.02.2016, disponível em www.dgsi.pt.
Deste modo, contado o prazo prescricional de sete anos e meio, acrescido de seis meses de suspensão, a partir 24.04.2007, verifica-se que o mesmo se consumou em 24.10.2014 (sete anos e meio) que acrescido de 6 meses de suspensão completou-se em 23.04.2015.
A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contraordenacional nos termos do artigo 33.º n.º 1 do RGIT.
Destarte, e perante a conclusão que, in casu, ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Recorrente.
4. E assim, formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade;
II. Da norma contida no nº 3 no artigo 28.º do RGCO resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contraordenacional tributário é de sete anos e meio, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
III. No entanto, por força do art.º 27º-A nº 2 do RGCO, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.

4. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em declarar extinto, por prescrição, o presente procedimento contraordenacional instaurado contra o Arguido J... e não conhecer do recurso por ter ficado prejudicado.
Sem custas.
Porto, 22 de março de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento