Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00205/15.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LEI Nº 67/2007; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; PERIGOSIDADE POTENCIAL;
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1 – O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).
Pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir, pois que as declarações chamadas à colação mostram-se contraditórias, ou pelo menos não coincidentes.
O sentido de qualquer decisão está, naturalmente, condicionado por aquilo que pôde ser dado como provado.
2 – Não se mostrando provada qualquer ilicitude, quer por ação quer por omissão, na conduta do município, não é possível imputar qualquer responsabilidade objetiva, decorrente de uma conduta ilícita e culposa àquela entidade, desde logo por não se mostrarem preenchidos os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por ato ilícito, o que necessariamente será determinante da improcedência da ação.
A conduta será ilícita na medida em que o sujeito podendo ter atuado corretamente, agiu de forma diferente violando direitos ou interesses de outro legalmente protegidos.
3 – Tratando-se de equipamento que não comportava, em si mesmo, uma perigosidade óbvia e manifesta, que justificasse uma fiscalização de utilização permanente, só por absurdo se sustentaria que uma perigosidade vaga, remota e longínqua acarretasse um dever de jurídico de a neutralizar em absoluto.
Quando se fala nos perigos que são próprios das coisas, alude-se àqueles para que elas potencialmente tendem segundo linhas típicas de causalidade; e não às ameaças ou riscos que elas só possibilitam em virtude de circunstâncias inopinadas e casuais, ou seja, devido ao cruzamento imprevisto e aleatório de linhas de causalidade diferentes.
A existência de uma perigosidade potencial é sempre uma condição necessária do surgimento de deveres de vigilância; mas não é, nem pode ser, sua condição suficiente, pois tais deveres só resultam a partir de um certo patamar de ameaça ou perigo, em que se distingue aquilo que é sociologicamente suportável do que o não é.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JACS
Recorrido 1:Município de Vila do Conde
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
JACS, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra o Município de Vila do Conde, na qual peticionou uma indemnização global de 128.500€, em resultado de acidente que sofreu quando “se encontrava a fazer exercícios numa barra para flexões no Parque de Jogos de VC” em 27 de Agosto de 2010, inconformado com a Sentença proferida em 31 de Agosto de 2015, no TAF do Porto, na qual a ação foi julgada “improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 15 de outubro de 2015 (Cfr. fls. 463 a 479 Procº físico), concluindo:

“1 – A discordância do recorrente com a decisão da matéria de facto é referente às alíneas a) e b) dos factos não provados, pois estes factos que não foram dados como provados e que analisado o depoimento das testemunhas, não resultam dúvidas da sua verificação.

2 - A decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” enferma de nulidade, nos termos da al. b) do art.º 668 do C.P.C: e de erros de julgamento sobre a matéria de facto e a mesma padece de erro de julgamento de direito decorrente da errada subsunção jurídica da factualidade apurada, por ter considerado não verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Município de Vila do Conde.

3 - Efetivamente, como da fundamentação da decisão da matéria de facto se colhe não foi valorado devidamente o depoimento da única testemunha do A. que viu na íntegra o acidente, RJCS, filho da A., e isto porque esta testemunha “não demonstrou isenção não tendo logrado convencer de que viu a barra a movimentar-se ou que a queda do pai se ficou a dever a qualquer movimentação da mesma.”

4 - Contudo, a M.ma Juiz “a quo” contudo não explica o porquê do depoimento desta testemunha não ser isento, não é explicado também de que forma é que o depoimento desta única testemunha que viu o acidente não permitiu dar como provados as alíneas a) e b) dos factos não provados, ou seja, não é explicado o raciocínio feito para a eles chegar.

5 - A M.ma Juíz “a quo” não fundamentou devidamente o porquê de ter chegado à conclusão de que o acidente não tenha ocorrido da forma alegada pelo A.

6 - A M.ma juiz “a quo” sobre isto apenas refere:” Em suma, não ficou o Tribunal convencido, para além de qualquer dúvida, que o acidente tenha ocorrido da forma alegada pelo A. É certo que o A. se pendurou na barra e que ao cair no solo, se magoou. Mas ficou por demonstrar se se soltou da mesma deliberadamente ou se a barra em causa rodou provocando a sua queda, prova essa que lhe incumbia.

Sobre a factualidade que se considerou não provada não foi produzida qualquer prova suficientemente séria, isenta e, portanto, credível.”

7 - Sem prescindir, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado as alíneas a) e b) dos factos não provados com base nos depoimentos conjugados das testemunhas FFM e RJCS e consequentemente, verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu Município de Vila do Conde.

8 - Uma vez que a testemunha RJCS foi a única testemunha que viu o acidente na íntegra, importa assim saber e analisar o depoimento da mesma, conjugado com o depoimento da outra testemunha que viu parte do acidente.

9 - Assim, a testemunha RJCS, cujas declarações estão gravadas digitalmente, do minuto 00:22:23 ao minuto 00:52:10, refere: “Chegámos ao Parque, entramos no Parque, estávamos a caminho e de repente aquilo a barra ficava próximo da entrada do Parque, o meu pai viu a barra e começou a dizer quando eu era da tua idade fazia 10 flexões nesta barra, e eu ah que fazias e ele tou-te a dizer, então se eu não fizer três flexões ali a bater com os queixos aposto tudo o que tu quiseres e eu: ei apostas? Aposto. Prontos o meu pai subiu para a barra, agarrou-se na barra, estava mesmo a bater lá com os queixos e depois bluk”, aquilo cedeu mesmo, rodou aquilo, caiu no chão e começou a berrar, a berrar, a berrar e eu ao pai o que é que se passa, o que é que se passa?

10 – E quando a mandatária do A. lhe pergunta se este (seu pai) falou alguma coisa momento que caiu, a testemunha RJCS refere: “A filha da puta da barra rodou, num sei quê num sei que mais, começou a disparatar e depois até quando, quando o meu pai estava no banco, uns senhores ajudaram-no a ir para o banco, dois senhores até que um senhor pegou assim noutro senhor ao colo foi lá perto foi à beira e disse: realmente isto aqui está a rodar, está um perigo do caralho! (do minuto 00:22:23 ao minuto 00:52:10 do Cd).

11- Quando se pergunta se tinha a certeza que a barra cedeu, rodou, responde prontamente: “Sim (…) Eu vi.” (do minuto 00:22:23 ao minuto 00:52:10 do Cd).

12- A testemunha FFM, que segundo a M.ma Juiz “a quo“ “à data do acidente se encontrava no parque em questão, referiu-se de modo sério à ocorrência do acidente nas circunstâncias de tempo e espaço que eram invocadas, às características da barra em causa e ao facto da mesma ter uma “folga”. Tal testemunha, porém, não viu o acidente, apenas se tendo deparado com o A. caído no chão, não tendo revelado um conhecimento direto, sério e suficientemente seguro da causa do acidente”, cujo depoimento está gravado no cd, do minuto 00:15:54 ao minuto 00:35:29, no dia 13/05/2015, refere ao minuto 00: 19:44: “Laqueou, o Zé esse tal é que disse que aquilo laqueou, ele teve que largar as mãos, depois tava ali, vieram os bombeiros e depois nós subimos pela barra mais pequena, nos fomos pela barra mais pequena, subimos para cima, fomos ver ela laqueava, tinha um parafuso, laqueava assim. (…) Tinha uma folga.”

13 - A testemunha RJCS, cujo depoimento foi sério, firme, credível e isento, sendo a única testemunha que viu o acidente a ocorrer, é perentório ao afirmar que o A. seu pai, quando se encontrava a fazer flexões na barra existente no Parque de Jogos de Vila do Conde, propriedade do Município de Vila do Conde, viu a mesma rodar, o que provocou a queda do A. ao solo, tendo em consequência partido o tornozelo. Mais referiu ao tribunal que logo que o seu pai caiu, este afirmou logo que a barra rodou.

14 - Já a testemunha JFM, que estava presente no local no dia e hora do acidente, refere que quando foi prestar auxílio ao A., este referiu que a barra laqueou e perante tal afirmação, ele (testemunha) foi verificar a barra e verificou que a mesma tinha uma folga.

15 - Ora é sabido e consabido que uma barra para fazer flexões tem de estar fixa, devidamente fixada aos paus de madeira, de modo a evitar qualquer movimento da mesma sobre os paus, sob pena de a mesma rodar, laquear, provocando acidentes como foi o caso dos presentes autos.

16 - Assim, conjugados os depoimentos das testemunhas FFM e RJCS, temos a seguinte factualidade: quando o A, se encontrava pendurado na barra, esta inesperadamente rodou o que provocou a queda do A. ao solo, sendo que o acidente ficou a dever-se unicamente ao facto de a barra ter rodado, pois a mesma tinha uma folga.

17 - É com base na conjugação destes testemunhos decisivos e determinantes que a M.ma Juiz “a quo” deveria dar os factos supra impugnados – al.s a) e b) - como provados.

18 - Devendo a matéria de facto ser alterada nesse sentido e em consequência ser a Sentença recorrida revogada e substituído por outro que tenha em conta a nova matéria de facto dada como provada.

19 - A sentença recorrida padece de erro de direito pois Tribunal “a quo” julgou não haver uma conduta ilícita e culposa do Município de Vila do Conde, não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito.

20 - Estando em causa a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Município de Vila do Conde, nos termos do art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro “o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.

21 - A ilicitude, nos presentes autos, consubstancia-se na omissão do dever de vigilância e conservação do Município de Vila do Conde sobre uma barra para elevações existente num parque desportivo pertencente ao seu domínio (cfr. art.º 9º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007) presumindo-se a culpa do Município, nos termos do n.º 3 do art.º 10º do mesmo diploma legal já que lhe competia, enquanto proprietária desse equipamento, a sua manutenção em condições de segurança.

22 - Presumindo-se a culpa do Município, ao A. caberia apenas demonstrar que o acidente ocorreu nos termos em que alegou ou seja, devido a um movimento de rotação da barra na qual se pendurou, o que logrou.

23 - Com efeito, o A. com base nas testemunhas FFM e RJCS, o A. provou que quando se encontrava pendurado na barra, de braços estendidos, mantendo o corpo na vertical e sem contacto com o solo elevando o corpo até que o queixo ultrapassasse o nível da barra, a barra inesperadamente rodou o que provocou a queda do A. ao solo, ficando o acidente a dever-se unicamente ao facto de a barra para flexões não estar devidamente fixada aos paus de madeira, de modo a evitar qualquer movimento da mesma sobre os paus.

24 - Existindo, assim, in casu, responsabilidade objetiva, resultando da factualidade provada uma conduta ilícita e culposa do Município de Vila do Conde, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito, pelo que se imponha procedência da ação.

25 - Violou, por isso, a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 668º, al b) do CPC, 653º nº2 ambos do C.P.C. e nos artigos 7º, n.º 1, 9º, n.º 1 e 10º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e em consequência ser revogada a douta sentença apelada substituindo-se por outra que tenha em conta a nova matéria de facto dada como provada e consequentemente julgue a ação intentada pelo A. procedente. Assim decidindo, farão V. Ex.ºs Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 19 de outubro de 2015 (Cfr. fls. 481 Procº físico).

O Recorrido/Município, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 9 de dezembro de 2015, concluindo que “deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se, integralmente, a douta decisão recorrida.” (Cfr. Fls. 491 e 492 Procº físico).

A Recorrida/A... Portugal, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 21 de dezembro de 2015, concluindo:
A- Pela improcedência do Recurso do Autor; e se peticiona, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no Artº 636º do CPC e para o caso de merecer provimento o recurso do Autor;
B) Se dê como provado que “no parque desportivo em questão, realizam-se todas as semanas competições oficiais, sendo ainda certo que durante a semana lá ocorrem os respetivos treinos”;
C) E se conclua que o sinistro em questão, se encontra excluído do âmbito da aplicação do seguro referido nos autos.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 19 de fevereiro de 2016 (Cfr. fls. 523 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam da invocada discordância com a decisão da matéria de facto, o que terá determinado “erros de julgamento sobre a matéria de facto” e “erro de julgamento de direito decorrente da errada subsunção jurídica da factualidade apurada”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
“São os seguintes os factos que se provaram:
1) No dia 27 de agosto de 2010, pelas 17 horas, no Parque de Jogos de Vila do Conde, propriedade do Município de Vila do Conde, sito na Av. Júlio Graça, freguesia e comarca de Vila do Conde, ocorreu um acidente.

2) Por contrato de seguro titulado pela apólice n° 84.10.088570, válido desde 1.6.2010, o Município de Vila do Conde transferiu para a 2.ª Ré a responsabilidade pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, diretamente resultantes dos seus atos ou omissões, do pessoal ao seu serviço e, em geral, das pessoas por quem seja civilmente responsável, durante e na ocasião da sua participação nos trabalhos e sob a sua direção, no âmbito da prestação de serviços públicos e por ser proprietária ou detentora de imóveis, até ao limite de 500.000,00 € - n.° 1, al. a) e b) da Cláusula especial 45, do Seguro de responsabilidade civil “Autarquias”, copiada de fs. 71 a 92.

3) O R. Município comunicou o acidente à Seguradora A..., nos termos de fls. 50.

4) Nos termos do ponto 7. (Principais exclusões) das Condições Particulares da apólice 84-10-0…0, "...conforme previsto nas Condições Gerais e na Condição Especial 45 - AUTARQUIAS" aplicável, este contrato não garante, entre outros, os danos: ... Por responsabilidades sujeitas a seguros obrigatórios, nomeadamente recintos e equipamentos desportivos e parques infantis. – fls. 76 e 107.

5) No dia 27 de agosto de 2010, pelas 17 horas, no Parque de Jogos de Vila do Conde, o A. tentou elevar o seu tronco agarrando uma barra que para o efeito existe naquele local.

6) A largura dessa barra era de cerca de 1,20 cm e encontrava-se fixa sobre a extremidade de dois paus de madeira, com o comprimento cerca de 2,4 metros, que por sua vez se encontravam fixados ao solo.

7) Quando se encontrava pendurado na barra, de braços estendidos, mantendo o corpo na vertical e sem contacto com o solo elevando o corpo até que o queixo ultrapassasse o nível da barra, o A. caiu ao solo.

8) O chão não se encontrava coberto com qualquer espécie de superfície de impacto, de modo a amortecer uma eventual queda.

9) Em consequência do acidente, o A. sofreu ferimentos e dores, nomeadamente, fratura trimaleolar esquerda.

10) O A. foi conduzido ao Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim/Vila do Conde, em ambulância dos bombeiros.

11) Onde fez raio X e imobilização gessada.

12) Foi seguidamente transferido para o Hospital de Famalicão, em ambulância dos bombeiros.

13) E aí foi tratado cirurgicamente ao tornozelo, em 31-08-2010, com osteossíntese do maléolo peronial e sutura do ligamento deltoide, com placa e parafusos.

14) Teve alta hospitalar em 02-09-2010.

15) Tendo tala gessada posterior e duas suturas (agrafes) na face externa e interna do maléolo.

16) Deambulando com bota gessada, sem carga e auxílio de 2 bengalas canadianas.

17) Quando iniciou deambulação com carga, acentuaram-se as queixas lombares, com episódios de agudizações.

18) O que o obrigou a atendimentos recorrentes no SU hospitalar, de cerca de 10 vezes, num período de 2 anos.

19) O A. fez tratamento fisiátrico, durante cerca de 4 meses, numa clínica em Famalicão.

20) Em outubro de 2011, procedeu-se à extração cirúrgica de material de osteossíntese do tornozelo, para o que ficou internado de um dia para o outro.

21) Tendo depois regressado a casa onde continuou os tratamentos médicos e medicamentosos.

22) Tendo recebido alta médica em 25/11/2011.

23) O A. esteve doente e esteve internado durante 8 dias.

24) E incapacitado para o trabalho durante 398 dias.

25) Apesar dos tratamentos médicos e medicamentosos a que foi sujeito, o A. ficou a padecer definitivamente das seguintes sequelas:

a) - Edema residual no tornozelo esquerdo;

b) – Cicatriz na face interna do tornozelo esquerdo, de tipo cirúrgico, hipercrómica, curvilínea, de concavidade anterior, com 6 cm de comprimento;

c) - Cicatriz na face externa do tornozelo, de tipo cirúrgico, vertical, trtilínea, com 9 cm de comprimento;

d) – Perda Total da flexão dorsal - limitação da mobilidade na dorsiflexão do tornozelo, não fazendo mais do que os 0°;

e) – Limitação moderada da flexão plantar (faz 30°, contra 40° no lado oposto).

f) Sinal de Laségue, negatico, bilateral, ROT´s mmii, vivos e simétricos, marcha possível em antepés e calcanhares;

g) - Distância dos dedos-solo: 15 cm;

h) - Índice de Schober: 10-13 cm;

i) - No tornozelo esquerdo tem consolidação viciosa do maléolo posterior, que se apresenta em pseudartrose, redução acentuada da área útil da superfície articular distal da tíbia e área de esclerose densa na zona da membrana interóssea tíbioperonial, resultante da sequela de fratura;

j) - A coluna lombar apresenta disco de L4-L5 desidratado, com altura diminuída e protusão focal posterior direita, com sinal de laceração focal do ânulo fibroso. Moldagem ligeira do saco tecal, tangencial à emergência dural da raiz de L5 direita. Sem lesões ósseas ou discoligamentares documentadas (dores intermitentes, implicando medicação analgésica elou anti-inflamatória, com reduzido compromisso da mobilidade).

26) A data da consolidação médico-legal das lesões do A. é fixável em 25/11/2011.

27) O Défice Funcional Temporário Total é fixável em 8 dias.

28) O Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 448 dias.

29) A repercussão temporária na atividade profissional total do A (considerando a sua área de formação) é fixável em 398 dias.

30) A repercussão temporária na atividade profissional parcial do A. (considerando a sua área de formação) é fixável em 58 dias.

31) O quantum doloris é fixável no grau 4 na escala de 1 a 7.

32) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (IPG) é de 10 pontos.

33) As sequelas descritas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com a actividade profissional do A., mas exigem esforços suplementares.

34) O dano estético permanente é fixável no grau 2/ na escala de 2 a 7.

35) Na data do acidente o Autor era uma pessoa saudável, robusta, bem constituído, dinâmico, alegre e jovial.

36) Após o acidente a A. jamais voltou a ser a mesma pessoa, tendo agora enormes dificuldades na execução das suas tarefas profissionais.

37) O A. tem dificuldade em trabalhar com máquinas de confeção, devido ao uso de pedal.

38) Bem como permanecer muito tempo em pé.

39) O A. tem necessidade de constantemente descansar.

40) O A. nasceu em 29/10/1974.

41) As lesões sofridas pelo A. provocaram-lhe dores físicas, tanto no momento da queda como no decurso do tratamento.

42) As sequelas de que o A. ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar.

43) E que se exacerbam com as mudanças de tempo.

44) O A. ficou com uma cicatriz na face interna do tornozelo esquerdo, de tipo cirúrgico, hipercrómica, curvilínea, de concavidade anterior, com 6 cm de comprimento e na face externa do tornozelo, de tipo cirúrgico, vertical, trtilínea, com 9 cm de comprimento, desfeiam-no.

45) E inibem o A. de usar calções e de se expor livremente na praia como o fazia antes de ter sofrido o acidente.

46) O que lhe causa desgosto e amargura.

47) Devido ao acidente supra referido o A. sente-se cansado fisicamente e indisposto, constrangido e ansioso, debilitado física e emocionalmente.

48) O A. não consegue correr, andar de bicicleta ou jogar à bola, com a mesma facilidade com que o fazia, frequentemente, antes do acidente.

49) O A. não consegue conduzir durante muito tempo.

50) O A. não pode usar ou calçar botas.

51) A vigilância, a manutenção/conservação do Parque de Jogos de Vila do Conde e dos aparelhos de exercício físico aí existentes, nomeadamente, do aparelho de barra em causa cabe à Câmara Municipal de Vila do Conde.

52) A queda em causa ocorreu num parque desportivo vedado e ao ar livre, propriedade da Câmara Municipal de Vila do Conde e sito na Avenida Júlio Graça.

53) Estende-se esse parque por uma extensão de cerca de dois hectares, encerrando no seu interior um ringue polidesportivo, quatro campos de ténis, um pavilhão polidesportivo, um campo de futebol de sete em relva sintética, um campo de basquetebol, e um campo de voleibol, e uma pista com obstáculos para prática de exercícios de manutenção, na proximidade da qual existe a barra onde se lesionou o A.

Factos Não Provados:

a) Nas circunstâncias descritas em 7), a barra inesperadamente rodou o que provocou a queda do A.

b) O acidente ficou a dever-se unicamente ao facto de a barra para flexões não estar devidamente fixada aos paus de madeira, de modo a evitar qualquer movimento da mesma sobre os paus.

c) O A. tinha celebrado um contrato de trabalho, nos termos do qual iria exercer a atividade profissional de operador de máquinas têxteis, mediante o salário mensal de €500,00, 14 vezes por ano.

d) Contrato que iria assinar no dia 1 de setembro de 2010.

e) Por via do acidente, o A. já não chegou a assinar aquele contrato, nem naquela data, nem posteriormente.

f) E só em janeiro de 2012, é que o A. conseguiu novo emprego, agora enquanto gerente.

g) O A. não pode pôr o pé na água do mar.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.

Desde logo, importa sublinhar que tendo-se o acidente objeto da presente Ação verificado em 27 de agosto de 2010, o diploma relativamente à Responsabilidade Civil aplicável será a Lei nº 67/2007, na qual assentou a decisão recorrida.

Enquadrando a questão normativa, diz o art.º 7º da Lei nº 67/2007, sob a epígrafe “Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”, que:
“1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
(...)
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.
(...)”

Ainda na pendência do anterior regime, no âmbito do regime do DL nº 48.051, o colendo STA entendia que a responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública assentava em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil:
O facto; A ilicitude; A culpa; O dano; O nexo de causalidade entre o facto e dano.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.

No atual regime, estatui ainda o art.º 9º da Lei nº 67/2007, relativamente à “ilicitude”:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”
As questões aqui a decidir resumem-se a saber:
1ª – Se ocorreram erros de julgamento sobre a matéria de facto;
2ª Se se verificou erro de julgamento de direito decorrente da errada subsunção jurídica da factualidade apurada.

Pela sua relevância para a solução a dar à presente questão e por forma enquadrar o invocado, infra se transcreverá o essencial do segmento relativo ao “Direito” da decisão recorrida:
“Está em causa a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Município de Vila do Conde.
Nos termos do art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro “o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.
A ilicitude, in casu, consubstancia-se na omissão do dever de vigilância e conservação do Município sobre uma barra para elevações existente num parque desportivo pertencente ao seu domínio (cfr. art.º 9º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007) presumindo-se a culpa do Município, nos termos do n.º 3 do art.º 10º do mesmo diploma legal já que lhe competia, enquanto proprietária desse equipamento, a sua manutenção em condições de segurança.
Presumindo-se a culpa do R., ao A. caberia apenas demonstrar que o acidente ocorreu nos termos em que alegou ou seja, devido a um movimento de rotação da barra na qual se pendurou.
O que não logrou.
Com efeito, não bastava ao A. provar que se pendurou na barra e que caiu.
Era preciso que se provasse que a barra não se encontrava fixa com estabilidade nos suportes laterais e que foi por causa dessa falta de estabilidade que caiu (e não por qualquer infortúnio ou imperícia).
Na verdade, o que se apurou foi apenas que “quando se encontrava pendurado na barra, de braços estendidos, mantendo o corpo na vertical e sem contacto com o solo elevando o corpo até que o queixo ultrapassasse o nível da barra, o A. caiu ao solo.” (cfr. ponto 7) da “fundamentação de facto”) não se tendo provado que “a barra inesperadamente rodou o que provocou a queda do A.” e que “o acidente ficou a dever-se unicamente ao facto de a barra para flexões não estar devidamente fixada aos paus de madeira, de modo a evitar qualquer movimento da mesma sobre os paus” (cfr. alíneas a) e b) dos “factos não provados”).
Provou-se que o “chão não se encontrava coberto com qualquer espécie de superfície de impacto, de modo a amortecer uma eventual queda” (cfr. ponto 8) da “fundamentação de facto”).
Mas tal facto não pode fundamentar qualquer responsabilidade civil do R.. Em primeiro lugar porque a causa de pedir da presente ação radica tão só na inobservância dos deveres de vigilância, manutenção e conservação do equipamento desportivo em causa. E, em segundo lugar, porque não foi sequer alegado qualquer nexo de causalidade entre a inexistência daquela superfície e a ocorrência ou o agravamento das lesões sofridas pelo A., o que cabia ao A.
Concluindo, não existindo in casu qualquer responsabilidade objetiva, e não resultando da factualidade provada uma conduta ilícita e culposa do Município, não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito pelo que se impõe a improcedência da ação, ficando prejudicada a apreciação da responsabilidade civil contratual da 2.ª R.”

Vejamos o suscitado:

Do julgamento da matéria de facto

Entende, em síntese, o Recorrente que foram indevidamente excluídos dos factos provados a matéria referente às alíneas a) e b) dos factos não provados.

Recorda-se que consta das aludidas alíneas “não provadas” o seguinte:

“a) Nas circunstâncias descritas em 7), a barra inesperadamente rodou o que provocou a queda do A.
b) O acidente ficou a dever-se unicamente ao facto de a barra para flexões não estar devidamente fixada aos paus de madeira, de modo a evitar qualquer movimento da mesma sobre os paus.”

Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º, n.º1, 414º e 571º, estes do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 264º, 487º e 516º, do Código de Processo Civil 1995).

Cabe ainda ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigos 186º, n.º2, alínea a), e 571º, n.º 2, do Código de Processo Civil (artigos 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil de 1995).

O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).

As invocações do Recorrente mostram-se predominantemente argumentativas e conclusivas, procurando transpor para a factualidade dada como provada, alguns dos seus argumentos, com base na descontextualização de afirmações prestadas por testemunhas.

Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir, pois que as declarações chamadas à colação se mostram contraditórias, ou pelo menos não coincidentes.

Determina o atual Artº 662º Do Código de Processo Civil (Anterior Artº 712º CPC), sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:

“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

(…)”.

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Verificado o suscitado, a matéria dada como provada nos presentes Autos não impõe, no entanto, respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2011, no processo 1079/07.0 TVPRT.P1.S1:
“A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é tais depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.” E acrescenta “(…) trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório”

Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Em concreto, mesmo “chamando” à apreciação as “provas” invocadas, é patente que as expressões utilizadas pelas testemunhas, não sendo coincidentes, não terão permitido gerar a necessária convicção por parte do tribunal, por forma a responsabilizar o Município.

Efetivamente e em síntese, a propósito das razões subjacentes à queda do recorrente, diz-se que terá sido determinante:
a) A barra ter rodado;
b) A barra ter uma folga;
c) A barra ter laqueado

Embora se admita que se não alcança neste contexto o que significará que a barra terá “laqueado”, o que é facto é que mesmo “rodar” e “ter uma folga”, são conceitos que só por si não permitem concluir que terá sido o estado da barra a ter determinado o acidente participado, mormente quando se fala de “folga”.

Desde logo, mesmo a eventual existência de uma “folga” é um conceito que não sendo concretizado, não permite concluir pela sua suscetibilidade em causar o acidente participado.

Por outro lado, a única testemunha que faz alusão à circunstância de que a barra terá “rodado”, é o filho do Recorrente, a qual foi entendido pelo tribunal a quo que “não demonstrou isenção, não tendo logrado convencer que viu a barra a movimentar-se ou que a queda do pai se ficou a dever a qualquer movimentação da mesma.”

Estando este tribunal privado, como se disse, da oralidade e da imediação relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas, não se vislumbram razões para contrariar a convicção a que chegou, neste aspeto, o tribunal a quo.

Efetivamente, a prova fixada nos autos não impõe respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.

Não existiu assim, face ao exposto, qualquer erro no julgamento da matéria de facto, menos ainda evidente e grosseiro, que impusesse a sua alteração.

O sentido da decisão face ao presente processo está assim e naturalmente, condicionado por aquilo que pôde ser dado como provado.

Do erro de julgamento de direito
Entende o Recorrente que “a sentença recorrida padece de erro de direito pois Tribunal “a quo” julgou não haver uma conduta ilícita e culposa do Município de Vila do Conde, não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito.
(…)
A ilicitude, no presentes autos, consubstancia-se na omissão do dever de vigilância e conservação do Município de Vila do Conde sobre uma barra para elevações existente num parque desportivo pertencente ao seu domínio (cfr. art.º 9º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007) presumindo-se a culpa do Município, nos termos do n.º 3 do art.º 10º do mesmo diploma legal já que lhe competia, enquanto proprietária desse equipamento, a sua manutenção em condições de segurança.
(…)
Violou, por isso, a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 668º, al b) do C.P.C., 653º nº2 ambos do CPC e nos artigos 7º, n.º 1, 9º, n.º 1 e 10º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.”

Sem embargo do invocado, não tendo ficado demonstrada qualquer ilicitude, quer por ação quer por omissão, na conduta do município, tal como decidido em 1ª instância, não se descortina qualquer responsabilidade objetiva, decorrente de uma qualquer conduta ilícita e culposa do município, desde logo por não se mostrarem preenchidos os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por ato ilícito, o que necessariamente é determinante da improcedência da ação.

Na realidade, a ilicitude surgiria assim como violação de um direito de outrem ou violação da lei que protege interesses alheios.

A conduta será ilícita na medida em que o sujeito podendo ter atuado corretamente, agiu de forma diferente violando direitos ou interesses de outro legalmente protegidos.

A ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, centra-se não tanto no resultado mas na própria conduta que o gerou. Se uma conduta é proibida é porque ela é contrária ao ordenamento jurídico, o que obriga à adoção de uma determinada diligência para evitar a violação da respetiva norma.

A ilicitude radica precisamente na inobservância dessa diligência mediante a infração de uma norma, pelo que o ordenamento jurídico emite um juízo de reprovação sobre a conduta realizada, obrigando à reparação do dano. A apreciação da responsabilidade exige que a conduta lesiva reúna a nota de antijuridicidade pelo autor ter transgredido as regras de conduta ou cometido uma injustiça com a sua atuação.

No que toca ao pressuposto da culpa, exige-se que a conduta tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. A ilicitude é um elemento da responsabilidade civil por culpa, mas a realização de um facto ilícito não pressupõe automaticamente que o sujeito deva responder, sendo necessário que ele tenha agido com culpa.

Agir com culpa significa atuar em termos da conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Deste pressuposto da culpabilidade resulta que, em princípio, só está obrigado a indemnizar quem agiu com culpa, quem cometeu uma imprudência na sua forma de atuar. A doutrina jurídica tradicional inspirou-se totalmente no conceito de culpa, pelo que o autor de um dano só responde quando a sua atuação resulta de uma vontade de causar dano ou de negligência. O lesado só poderá ressarcir-se à custa de outrem quando os danos provindo de facto ilícito sejam imputáveis à conduta culposa de terceiro.

Verificada a situação em concreto, mostra-se que a conduta do Município não preencheu os pressupostos da ilicitude e culpa nos termos explicitados.

Assim, não se vislumbra ter havido qualquer ação ou omissão ilícita ou culposa por parte do Município ou dos seus agentes, mormente a omissão do seu dever de cuidado e vigilância relativamente ao equipamento em questão.

Conclui-se, como o fez o Colendo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 26 de Abril de 2012 (Procº nº 738/2010), aqui aplicado mutatis mutandis, que se trata “pois, de equipamento que não comportava, em si mesmo, uma perigosidade óbvia e representável pelos responsáveis da Escola, cuja necessidade de prevenção explicaria a emergência daqueles invocados deveres de vigilância, de cuja violação decorreria a pretendida ilicitude. E nem se diga, (…) que a perigosidade desse equipamento se revelou, afinal, pela inesperada e inadequada utilização que dele fez o acidentado (…) pois que – como bem se pondera no acórdão desta Subsecção, de 4.10.07 (Rº 1186/06) – «só, por absurdo se sustentaria que uma perigosidade apenas vaga, remota e longínqua acarreta, ‘ea ipsa’, um dever de jurídico de a neutralizar. A propósito deste último ponto – prossegue o mesmo aresto – lembraremos que são em número indefinido as coisas capazes de reflexa ou indiretamente trazer males imprevisíveis – sendo fantasioso e vão o desejo de em absoluto os prevenir. Por isso, quando se fala nos perigos que são próprios das coisas, alude-se àqueles para que elas potencialmente tendem segundo linhas típicas de causalidade; e não às ameaças ou riscos que elas só possibilitam em virtude de circunstâncias inopinadas e casuais, ou seja, devido ao cruzamento imprevisto e aleatório de linhas de causalidade diferentes. E um outro aspeto, aliás próximo do anterior, merece ser considerado: para além de um problema de existência, toda a perigosidade juridicamente relevante supõe ainda um problema de grau. É que a existência de uma perigosidade potencial é sempre uma condição necessária do surgimento de deveres de vigilância; mas não é, nem pode ser, sua condição suficiente, pois tais deveres só brotam deveras a partir de um certo patamar de ameaça ou perigo, em que se distingue aquilo que é sociologicamente suportável do que o não é.”

Em face de tudo quanto precedentemente ficou explicitado, não se reconhece ter sido violado por parte do Município ou dos seus agentes, por ação ou omissão, qualquer dever de cuidado, manutenção ou vigilância do equipamento lúdico-desportivo em questão, e correspondentemente praticada qualquer conduta ilícita nem agido com culpa, em face do que se não mostram preenchidos integralmente os cumulativos requisitos, necessários para que fosse possível imputar a responsabilidade pelo ocorrido ao Município.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, julgando-se a ação improcedente.
Custas pelo Recorrente

Porto, 20 de maio de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão