Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01570/15.4BELRS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO, MANDATO, EMBARGANTE E EXECUTADO/EMBARGADO
Sumário:1- Assumindo o executado a posição de embargado, mostra-se obvio o conflito de interesses na defesa da embargante e do embargado num processo de embargos de terceiro, violando-se o art. 237º, nº 1 do CPPT. É a própria lei que atribuiu ao executado e ao terceiro embargante a qualidade de partes contrapostas.

2- Não é possível a manutenção do duplo mandato (embargante/executado (embargado)), sendo tal situação ilegal.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:H.
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1- RELATÓRIO

H., inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto, no âmbito da acção de embargos de terceiro deduzidos no processo executivo nº 1102201400617857, que julgou procedente a excepção dilatória de conhecimento oficioso e absolveu da instância a Fazenda Pública, deduziu o presente recurso.

Igualmente apresentou recurso do despacho proferido em 17/01/2019, que a notificou para no prazo de 20 dias regularizar o mandato e constituir mandatário, sob pena de o mandato, tal qual foi constituído ser declarado irregular e ser declarada extinta a instância nos termos do art. 47º, nº 3 do CPC.

Para o efeito, formulou nas alegações as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1.ª
Os presentes Embargos de Terceiro foram deduzidos em reacção a uma penhora efectuada, sobre bens da ora Recorrente, no âmbito do PEF n.º 1102201400617857, instaurada na Secção de Processo Executivo I do Instituto da Segurança Social, I.P., em que é Exequente e Embargado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P..
2.ª
Contrariamente ao pressuposto em que erroneamente assenta a d. Sentença recorrida, não existe qualquer conflito entre as posições assumidas processualmente pela ora Recorrente nos presentes Embargos e pelo Executado A. na oposição deduzida ao PEF n.º 1102201400617857, já que ambas as pretensões se efectivam com a improcedência do pedido executivo deduzido pelo Exequente e Embargado (o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.) naquele mesmo PEF.
Com efeito,
3.ª
Se, por um lado, a procedência dos presentes Embargos de Terceiro em nada prejudica o interesse do Executado A., a procedência da Oposição à Execução deduzida pelo Executado A. no âmbito do PEF n.º 1102201400617857 não só não prejudica, como, inclusivamente, efectiva o interesse da ora Recorrente/Embargante e a pretensão por esta deduzida nos presentes Embargos de Terceiro, qual seja o levantamento de todas as penhoras efectuadas no âmbito daquele mesmo PEF, incluindo as que incidem sobre bens da ora Recorrente/Embargante.
4.ª
A d. Sentença ora recorrida enferma de violação da norma do n.º 1 do art. 237.º do CPPT, já que, de acordo com aquela que é a correcta aplicação e interpretação daquela norma, os Embargos de Terceiro constituem um meio de defesa dos direitos de terceiro que sejam ofendidos por virtude de arresto, penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, pelo que, sendo o Exequente o beneficiário da penhora (quer esta incida sobre bens do executado ou sobre bens de terceiro), é contra o Exequente que os Embargos de Terceiro são deduzidos e não contra o Executado; por conseguinte, e contrariamente ao pressuposto em que a d. Sentença recorrida equivocadamente assenta, o Embargado nos presentes Embargos não é o Executado A., mas antes o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P..
5.ª
A d. Sentença ora recorrida enferma também de violação da norma do n.º 3 do art. 99.º do EOA, já que, não existindo qualquer conflito entre os interesses e as pretensões da ora Embargante e do Executado A. (as quais, inclusivamente, convergem no sentido da improcedência do pedido executivo deduzido no PEF n.º 1102201400617857), não existe qualquer incompatibilidade ou impedimento no patrocínio da ora Embargante e do Executado A. pelo mesmo mandatário judicial.
6.ª
O d. despacho ora recorrido enferma ainda de violação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art. 48.º do CPC (aplicáveis ex vi do disposto nas alíneas a) e e) do art. 2.º do CPPT), já que, de acordo com aquela que é a correcta interpretação e aplicação daquelas normas, inexistindo qualquer conflito entre os interesses e as pretensões da ora Embargante e do Executado A., não se verifica também qualquer irregularidade do mandato conferido pela Embargante ao mandatário subscritor da presente peça processual.
7.ª
A d. Sentença recorrida enferma ainda de violação da norma do n.º 1 do art. 643.º do CPC (aplicável ex vi do disposto nas alíneas a) e e) do art. 2.º do CPPT), já que, de acordo com aquela que é a correcta interpretação e aplicação desta norma, não deveria o Tribunal a quo ter proferido a d. Sentença ora Recorrida antes do trânsito em julgado do despacho que decidiu no sentido da não admissão do recurso interposto pela ora Recorrente em 11.2.2019.

Termos em que, por ser legítimo, tempestivo e admissível, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a d. Sentença recorrida mediante a sua substituição por d. Acórdão que declare a licitude do patrocínio da ora Embargante, no âmbito dos presentes Embargos de Terceiro, pelo advogado ora subscritor e a consequente regularidade do mandato conferido pela Embargante ao mesmo advogado nos presentes autos.

Já no que concerne ao recurso do despacho de 17/01/2019, formulou nas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES
1.ª
Os presentes embargos de terceiro foram deduzidos ao processo de execução fiscal n.º 1102201400617857, instaurada na Secção de Processo Executivo I do Instituto da Segurança Social, I.P., em que é Exequente e Embargado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P..
2.ª
De resto, no frontispício da notificação do despacho ora recorrido figura, precisamente, como embargado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., sendo que, contrariamente ao que se refere no d. despacho ora recorrido, a posição processual de A. não é a de embargado nos presentes autos, mas antes de executado e opoente ao processo de execução fiscal referido no nº 3 supra.
3.ª
Não existe qualquer conflito entre as posições assumidas processualmente pela ora recorrente e pelo executado A., já que ambas as pretensões se dirigem à improcedência do pedido executivo deduzido pelo exequente e embargado (o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.) no processo de execução fiscal referido no n.º 3 supra.
4.ª
O d. despacho ora recorrido enferma de violação da norma do n.º 1 do art. 237.º do CPPT, já que, de acordo com aquela que é a correcta aplicação e interpretação daquela norma, os embargos de terceiro constituem um meio de defesa dos direitos de terceiro que sejam ofendidos por virtude de arresto, penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens; logo sendo o exequente o beneficiário da penhora (quer esta incida sobre bens do executado ou sobre bens de terceiro), é contra o exequente que os embargos de terceiro são deduzidos e não contra o executado, pelo que, contrariamente ao que o d. despacho recorrido equivocadamente afirma, o embargado nos presentes embargos não é o executado A., mas antes o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P..
5.ª
O d. despacho ora recorrido enferma também de violação da norma do n.º 3 do art. 99.º do EOA, já que, não existindo qualquer conflito entre os interesses e as pretensões da ora embargante e do executado A. (as quais, inclusivamente, convergem no sentido da improcedência do pedido executivo deduzido no processo de execução fiscal referido no n.º 3 supra), não existe qualquer incompatibilidade ou impedimento no patrocínio da ora embargante e do executado A. pelo mesmo mandatário judicial.
6.ª
O d. despacho ora recorrido enferma ainda de violação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art. 48.º do CPC, já que, de acordo com aquela que é a correcta interpretação e aplicação daquela norma, inexistindo qualquer conflito entre os interesses e as pretensões da ora embargante e do executado A., não se verifica também qualquer irregularidade do mandato conferido pela embargante ao mandatário subscritor da presente peça processual.
Termos em que, por ser legítimo, tempestivo e admissível, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o d. despacho recorrido mediante a sua substituição por d. Acórdão que declare a licitude do patrocínio da ora embargante e do executado A. pelo advogado ora subscritor e a consequente regularidade do mandato conferido pela embargante ao mesmo advogado nos presentes autos.
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A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso do despacho de 17/01/2019, com o consequente prejuízo do conhecimento do recurso da sentença.
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Com dispensa dos vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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2- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar se o despacho de 17/01/2019 padece de erro de julgamento e se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, também ela, de erro de julgamento.
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3. FUNDAMENTOS

Neste domínio, não consta do despacho recorrido qualquer factualidade assente sendo que o mesmo tem o seguinte teor:

Conforme bem refere o ilustre Magistrado do M.P, estes autos são a espécie de embargos de terceiro e não de oposição à execução, pelo que as considerações vertidas no requerimento, nomeadamente no art.º 4º, estão ao arrepio das espécies processuais consagradas no CPPT.
Assim sendo e tratando-se de embargos de terceiro, o executado A. é nestes embargado e não oponente, pelo que se indefere o requerido.
Notifique a embargante e o mandatário para em 20 dias regularizar o mandato e constituir mandatário, sob a cominação do mandato tal como foi constituído ser declarado irregular (o mandatário terá que renunciar a um dos mandatos) e ser declarada extinta a instância nos termos da al) c), do nº 3, do art.º 47 do CPC.”

Por seu turno, a sentença recorrida também não fixou qualquer factualidade.

Impõe-se, assim, nesta sede, fixar a factualidade necessária para a apreciação dos recursos.

3.1. DE FACTO
1 – No âmbito do processo de execução fiscal nº 1102201400617757, em que é executado A., veio E. apresentar em 06/05/2015, nos Serviços do Instituto da Segurança Social, uma petição de embargos de terceiro (cfr. fls. 5 do processo físico).
2 – A embargante veio a falecer sucedendo-lhe na qualidade de embargante, a herdeira e sua filha, H. (cfr. fls. 167/168 dos autos).
2- O mandatário constituído da embargante, Dr. N., é também mandatário do executado A..
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4- JULGAMENTO DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (art. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC).

Comecemos a nossa apreciação pelo recurso do despacho de 17/01/2019, supra transcrito, para decidir se assiste, ou não, razão à Recorrente.

A Recorrente discorda do despacho proferido pelo Juíz doTribunal a quo, que a convidou para, “num prazo de 20 dias, regularizar o mandato e constituir mandatário, sob cominação do mandato tal como foi constituído ser declarado irregular (o mandatário terá que renunciar a um dos mandatos) e ser declarada extinta a intância nos termos da al) c), do nº 3, do art. 47º do CPC”.

Para tanto, invoca que não existe conflito entre as posições assumidas processualmente pela ora Recorrente e pelo executado A., já que ambas as pretensões se dirigem à improcedência do pedido executivo deduzido pelo exequente e embargado (o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP), no processo de execução (conclusão 3ª do recurso).
Invoca, ainda, que tal despacho viola o disposto no artigo 237º, nº 1 do CPPT, uma vez que é contra o exequente que os embargos são deduzidos e não contra o executado, pelo que o executado nestes autos não é embargado (conclusão 4ª do recurso).

Diz, também, que o despacho recorrido viola a norma do artº 99º, nº 3 do Estatuto da ordem dos Advogados (EOA), já que não existe qualquer conflito de interesses e as pretensões da Recorrente e do executado não existindo qualquer impedimento no patrocínio de ambos pelo mesmo mandatáruio judicial (conclusão 5ª do recurso).

Por fim, alega que o despacho viola o art. 48º, nº 1 e 2, do CPC, já que não se verifica qualquer irregularidade do mandato conferido pela embargante ao mandatário constituído.

Antecipamos, desde já, que lhe falece razão e que o recurso está votado ao insucesso.

Senão, vejamos.
De acordo com o art. 167º do CPPT “O incidente dos embargos de terceiros, quando não forem liminarmente indeferidos na parte que não estiver regulada no presente Código, rege-se pelas disposições aplicáveis à oposição à execução.

Sendo os embargos recebidos, são notificados para contestar o representante da Fazenda Pública e o executado, no prazo de 10 dias (art. 210º do CPPT e art. 357º, nº 2, actual art. 348, nº 1 do CPC).

No processo de oposição fiscal prevê-se apenas a notificação do representante da Fazenda Pública para contestar.
Porém, o executado é também interessado na contestação dos embargos, pelo que não pode deixar de ser ouvido, sendo, por isso, de fazer apelo ao regime do processo civil, como legislação subsidiária.

Ora, o art. 348º, nº 1 do CPC (anterior art. 357º) estipula que “Recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar…” isto é, exequente e executado.

Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, em anotação Anotação ao artigo 167º, pag. 171, do Volume III, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ao art. 167º do Código de Processo e de Processo Tributário, “(…) à face do art. 357º, nº 2 (entenda-se, actual art. 348º, nº 1 do CPC) na redacção actual, é claro que ambas as «partes primitivas» assumem a posição de embargados, podendo contestar a pretensão do embargante”.

Destarte, assumindo o executado a posição de embargado, mostra-se obvio o conflito de interesses na defesa da embargante e do embargado num processo de embargos de terceiro, motivo que nos leva a concluir que não se mostra violado o art. 237º, nº 1 do CPPT, tal como foi invocado.
A Recorrente clama pela violação do disposto no art. 99º, nº 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), defendendo que não ocorre o alegado conflito de interesse entre as pretensões da embargante e do executado, no entanto, sem razão.

Senão, vejamos.
O título III do EOA trata da “Deontologia Profissional”, fixando no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando no Capítulo II as questões derivadas das relações entre o Advogado com os Clientes, sendo neste capítulo e designadamente no seu artigo 99º que se encontra regulado o “Conflito de Interesses”, devendo ser avaliada a questão em apreço à luz deste dispositivo (que de seguida se transcreve):
“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente
6 - Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros

A norma citada (art. 99º do EOA e que reproduz o artigo 94º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 15/2005 de 26 de Janeiro) visa, por um lado, defender a comunidade geral e os clientes de um Advogado de qualquer actuação menos licita ou mesmo danosa deste, seja conluiado, ou não, com algum ou alguns dos seus clientes e, por outro, defender o Advogado de qualquer acusação ou mera suspeita de actuar no exercício da sua profissão sem visar a intransigente defesa dos direitos e interesses do cliente.
In casu, mostra-se preenchido o primeiro requisito do nº 1 do aludido artigo 99º do EOA, porquanto dúvidas não existem de que os embargos constituem, como apenso que são da execução, uma questão conexa com esta, tanto que a procedência dos embargos produziria efeitos na execução.

E ocorre, sem margem para qualquer dúvida o conflito de interesses entre as partes (Embargante e executado/embargado), atente-se que a própria Ordem dos Advogados já se pronunciou em situações semelhantes acerca da verificação de conflito de interesses, e fê-lo da seguinte forma:
A lei processual civil, no artigo 26º do Código de Processo Civil (CPC), utiliza para a definição de legitimidade a verificação de um interesse comum em demandar ou em contradizer, a ser determinado objetivamente, sendo manifesto que o interesse objectivo do executado pode não coincidir com o interesse objectivo do embargante ao intervir na execução, deduzindo embargos e, por essa razão, nos termos do artigo 348.º do Código de Processo Civil, deduzidos e recebidos os embargos é o executado (para além do exequente) notificado para os contestar, o que transpondo para o caso concreto terá levado a que o Sr. Advogado requerente, foi notificado, enquanto mandatário do executado, para contestar, querendo, os embargos que ele próprio minutou e apresentou enquanto mandatário da embargante.
E se, face ao referido é manifesto que o Sr. Advogado requerente se colocou numa situação de conflito de interesse, impõe-se ainda verificar, face à ligação entre embargante e executado descrita no pedido de parecer, se assim é.
Ora, se a ex-cônjuge do executado defende os seus direitos relativos a bens próprios indevidamente apreendidos ou penhorados na execução em que o seu ex-marido é executado, poder-se-ia invocar que não existiria conflito de interesses se este, executado, não puser em crise terem sido indevidamente penhorados os bens em causa.
Mas tal não é sustentável, porque, nos termos do nº 4 do citado artigo 99º do EOA, se “(…) ocorrer risco de (…) diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito”, por outro, o artigo 89º do EOA consagra um dos pilares fundamentais da deontologia dos advogados, o principio da independência,, que impõe que o advogado, no exercício da sua profissão, mantém sempre em quaisquer circunstancias a sua independência, devendo do agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resultar dos seus próprios interesses, ou influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente.
Em questão similar e concluindo, também, pela existência de conflito de interesses, pronunciou-se o Conselho Distrital do Porto no seu parecer 48/PP/2009-P.
Conclui-se assim que existe conflito de interesses quando o mesmo Advogado patrocina no mesmo processo embargante de terceiro e executado.” (negrito nosso) Neste sentido cfr. Parecer nº 41-PP-2017-C, em que foi relator Manuel Leite da Silva, publicado na página do Conselho Regional do Porto da Ordem dos advogados (Pareceres do CRCoimbra).

Improcede, também, a alegada violação da norma do EOA.

Todavia, e porque responde de forma cabal à questão sobre que nos debruçamos, qual seja a de saber se o mesmo mandatário pode representar, simultaneamente, a embargante e o executado, chamamos à colação o que é dito no Acordão da Relação de Coimbra o âmbito do processo nº 138-D/1999.C1, de 23/09/2008 Disponível in: www.dgsi.pt. , que em situação idêntica esclarece, sem margem para dúvidas, a presente questão.

Assim, ali é dito que “Importa, pois, apurar se a Ex.ma Advogada mandatária da embargante patrocina uma questão conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
A conexão entre a instaurada execução (para mais com a oposição do executado à penhora) e os embargos de terceiro é evidente, dado que a dedução destes visa obter determinado efeito relativamente à penhora efectuada no âmbito daquela execução. Por isso, os embargos são apensados à execução.
A recorrente não põe em causa que executado e embargante são partes. Entende é que não são partes contrárias, porque não detêm interesses contrários mas sim harmónicos.
Estará na disponibilidade da embargante, ou mesmo do tribunal, ajuizar se no caso concreto em que estes embargos de terceiro se configuram há ou não há conflito de interesses, de modo que, havendo tal conflito, haja irregularidade do mandato em causa e, não havendo tal conflito, se siga que o mandato é regular? Ou, pelo contrário, nestes embargos se deve entender que, como em quaisquer embargos de terceiro, o executado e o embargante não podem ser patrocinados pelo mesmo advogado com base em que eles, desde logo porque por lei são partes contrárias e portanto encabeçam interesses conflituantes?
A solução está neste segundo braço da alternativa.
Com efeito, é a própria lei a atribuir ao executado e ao terceiro embargante a qualidade de partes contrapostas, ao preceituar no artigo 357º nº 1 do CPC: «Recebidos os embargos, são notificadas para contestar as partes primitivas…». Pelo nº 2 desse artigo, invocada a posse pelo embargante, «pode qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer do seu direito de propriedade, quer de qualquer direito…».
Refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed, 2004, em anotação ao artigo 357º:
«Na verdade – e partindo da situação paradigmática da acção executiva – parece evidente que ao próprio executado, ainda que não haja promovido a penhora que originou a dedução dos embargos, deverá ser conferida legitimidade para se pronunciar sobre os fundamentos da pretensão do embargante, já que é directamente interessado no tema: se os embargos procederem, outros bens a ele pertencentes virão seguramente a ser objecto de penhora subsequente».
Assim é. A imposição da notificação, não só do exequente e eventuais reclamantes de créditos, mas «das partes primitivas» é, por parte do legislador, intencional: visa ampliar a legitimidade para contestar aos executados.
Trata-se de uma ampliação de legitimidade por força da lei, genérica e abstracta, portanto vigente para todos os casos de embargos de terceiro e não apenas para alguns casos, como a recorrente pretende. Também os executados têm legitimidade, como parte passiva (em litisconsórcio necessário com exequente por mera imposição da lei – artigo 28º nº1 do CPC). E porque se trata de legitimação “ad causam” por força da lei, não tem cabimento o argumento da recorrente segundo o qual a legitimidade passiva nos embargos se aferiria, em concreto, pelo critério do art. 26º do CPC.
Consequentemente, o executado deve ser co-demandado nos embargos, sob pena de ilegitimidade do exequente e reclamantes por preterição do litisconsórcio necessário legal (excepção dilatória suprível). Não está na disponibilidade do embargante a demanda do executado, nem caberia ao tribunal dispensar a sua notificação para contestar, sob o pretexto de que em determinado caso não haveria realmente interesses antagónicos.
Daí se conclui, para o efeito do disposto do artigo 94º nº 1 do EOA, que o executado e a embargante não podem ser representados pelo mesmo advogado, porque o executado é parte contrária ao embargante em causa conexa. Isto basta para que deva ser recusado o patrocínio (nº 1), por lhe estar ínsito como possível um conflito de interesses (epígrafe desse artigo), conflito esse que também está ínsito como possível no preceito do artigo 357º do CPC e justifica, em qualquer caso, a imposição de notificação das partes primitivas (incluindo o executado) para contestar. Não há lugar à discussão sobre se os interesses são realmente conflituantes entre executado e embargante.
Uma parte primitiva notificada para contestar é uma parte contrária ao demandante, porque estão colocados em posições adversas na causa: a causa tem parte activa e parte passiva. E parte é quem o é (como ensinava o Prof. Castro Mendes), definindo-se como tal antes e independentemente de se aferir da sua ilegitimidade (problema logicamente posterior).

Ante tudo o que vem dito, resta concluir, que o Ex.mo Mandatário labora em manifesto erro quando pugna pela manutenção do duplo mandato (embargante/executado (embargado)), sendo tal situação ilegal, não se mostrando violado o art. 48º, nº 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 2º, e) do CPPT.

Aqui chegados, encontra-se o recurso do despacho de 17/01/2019, votado ao insucesso, pelo que bem andou o Juiz do Tribunal a quo quando o proferiu com a cominação de ser declarado irregular o mandato e extinta a instância.

Impunha-se, de seguida, conhecer o recurso interposto da sentença proferida na sequência daquele despacho, que julgou o mandato irregular, uma vez que, em simultâneo o mandatário representava a embargante e o executado/embargado, e não regularizou a situação, o que equivale à falta de mandato, dando origem, como se viu, a que se verificasse a excepção dilatória de conhecimento oficioso, com a consequente absolvição da instância dos réus (IGFSS e executado/embargado).

Porém, o conhecimento de tal recurso, em face da decisão do recurso antecedente de que estava dependente, mostra-se prejudicado.
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5 – DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se o despacho judicial recorrido.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 2021-05-13

Maria Celeste Oliveira
Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos