Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01013/18.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; CRÉDITOS SALARIAIS; CESSAÇÃO DO CONTATO DE TRABALHO; SENTENÇA; INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CRÉDITOS SALARIAIS;
ARTIGO 309º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).

2. No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G.
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

G. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 27.12.2019 pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial pedindo: a. A decisão de indeferimento emitida pelo FUNDO DE GARANTIA SALARIAL ser declarada inválida por vício de extemporaneidade, (…), b. Ser revogada a decisão de indeferimento emitida pelo FUNDO DE GARANTIA SALARIAL por se considerar provado que é devida ao Requerente a totalidade da quantia peticionada (…), c. Ser deferido na sua totalidade, o pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato ao Fundo de Garantia Salarial (…), ou seja, (…), ser condenado a pagar ao Requerente a quantia de €6.372, 18 (…), acrescida os respectivos juros vencidos, à taxa legal de 4%, desde a data da sua citação até trânsito em julgado. (…).”

Invocou para tanto, em síntese, que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e incorreu em erro de direito dado que, ao contrário do decidido e serviu de fundamento ao acto impugnado, não é de aplicar ao caso o disposto no nº 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:


1 - O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida nos autos supra, datada de 27.12.2019, que entendeu que “em face da factualidade apurada e do que se deixou exposto, atentas as regras de aplicação da lei no tempo, conclui-se que o A. apresentou o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho extemporaneamente em face do prazo estipulado pelo artigo 2º n.8 do NRFGS (Decreto-Lei n.º 59/2015) – a lei aplicável ao caso em apreço”.

2 - O Requerente trabalhou por conta, sob direcção, autoridade e fiscalização da sociedade M., LDA., iniciando a sua prestação de trabalho no dia 21 de Agosto de 2014, que se manteve ininterruptamente até 05 de Julho de 2015.

3 - Em 28 de Junho de 2016, o aqui Reclamante intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Instância Ventral – 1ª Secção de Trabalho – J1, uma Acção Declarativa com Processo Comum Emergente de Contrato de Trabalho, a qual correu termos sob o nº 2097/16.2T8AVR, peticionando os créditos laborais em dívida.

4 - E, em 13 de Dezembro de 2016, foi proferida sentença, a qual condenou a sua Entidade Patronal a pagar-lhe a quantia de €6.623,48 (seis mil, seiscentos e vinte e três euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, sobre o capital de € 6.372,08 (seis mil, trezentos e setenta e dois euros e oito cêntimos), à taxa legal, actualmente de 4%.

5 - Acontece que, a entidade patronal do Requerente, não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, pelo que em, 15 de Maio de 2017, o Requerente requereu a insolvência da sociedade M., LDA.., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Comércio de Aveiro – Juiz1, sob o nº 1804/17.0T8AVR.

6 - E, em 18 de Julho de 2017, foi proferida sentença que declarou a Insolvência desta sociedade M., LDA. que transitou em julgado em 18 de Agosto de 2017.

7 - Uma vez que a Insolvência foi declarada com carácter limitado, o Requerente solicitou à sua Entidade Patronal a declaração comprovativa da natureza do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento Mod. GS 1/2015, de acordo com o disposto no art. 5, nº2, al. b) e nº3, Cap. I, do DL 59/2015 de 21 de Abril, no entanto não obteve qualquer resposta.

8 - Pelo que foi o Requerente obrigado a requerer à Autoridade para as Condições do Trabalho a emissão de declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida, para cumprimento do disposto no art. 5º, nº2 c) do DL 59/2015, que foi emitida apenas em 07 de Outubro de 2017.

QUESTÃO A VERSAR PELA RECORRENTE:

A - NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA:

9 - Ora, na acção administrativa de impugnação de acto administrativo, intentada pelo Recorrente, este impugna aquele acto administrativo suscitando 2 (duas) questões:
- DO PRAZO DE APRECIAÇÃO DO REQUERIMENTO,
- DO INDEFERIMENTO.

10 - Contudo, a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre as questões controvertidas que lhe foram colocadas pelas partes.

11 - Ora, a Mma. Juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação,

12 - Sendo que, a omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe sejam conhecidas, que abrange quer as questões de conhecimento oficioso, quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais.

13 - E, nos termos do artigo 95.º, nº1 do CPTA “A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.”

14 - E assim sendo, dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 95º, nº1 do CPTA e art. 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C., a Sentença recorrida se encontra afectada por vícios que originam a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

B – DA ERRADA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO º ART.2º, Nº8 DO DEC.-LEI Nº59/2015, DE 21 DE ABRIL:

15 - Entendeu a douta sentença que andou bem a Ré ao indeferiu o pedido da Autora, para que lhe fossem pagos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, com fundamento no art 2º, n° 8 do DL n° 59/2015, de 21.4, por ter passado mais de um ano sobre a data da cessação do contrato de trabalho do Autor, entendendo esse prazo como sendo de caducidade.

16 - Ora, não pode o Recorrente concordar com tal entendimento.

17 - O art 2º, n° 8 estabelece um prazo para o trabalhador pedir o pagamento de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial, sem dizer expressamente que se trata de prazo prescricional (art 298°, n° 2 do CC).

18 - O Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 328/2018, de 27 de junho de 2018, retificado pelo Acórdão n.º 447/2018, de 02 de outubro de 2018), apreciando esta questão da caducidade e prescrição do direito a requerer o pagamento dos créditos salariais dos trabalhadores, acabou por pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 8 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 59/2015, de 21 de abril,

19 - Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”: “A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

20 - Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral. - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 25.01.2019, processo nº00295/17.0BEPNF.

21 - Assim, não se atenderá a tal prazo prescricional se no caso o crédito laboral se mostrar reconhecido por decisão judicial ou outro título executivo já que, por força do disposto no n.º 1 do art. 311.º do CC, nesse caso VALE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO ORDINÁRIO PREVISTO NO ART. 309.º DO MESMO CÓDIGO, OU SEJA, DE 20 ANOS (cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 21.02.2006 - Proc. n.º 05S1701, consultável in: «www.dgsi.pt/jstj»),

22 - Porquanto a regra do art. 337.º do CT refere-se, segundo a entendemos, a eventuais créditos laborais ainda não apurados ou em que ainda exista a incerteza do direito, ou seja, aos créditos que não estejam abrangidos por título executivo.

23 - Presentes os elementos factuais e documentais que se mostram carreados, resulta que os créditos laborais reclamados pelo Requerente junto do Fundo de Garantia Salarial da Segurança Social se mostram reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

24 - Nessa medida, não tem fundamento a decisão quando sustenta que o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

25 - No presente caso temos uma decisão judicial que reconhece os créditos do Requerente, que foi intentado logo após a cessação do contrato de trabalho mas que, como bem sabemos demorou largos meses até a existência de decisão que, por sua vez, foi incumprida.

26 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, devidos por lei em caso de despedimento a trabalhadores quando os seus empregadores não podem pagar por estarem numa situação de insolvência, mas dentro dos limites assinalados no diploma.

27 – Assim, salvo o devido respeito, o fundamento invocado para o indeferimento nunca será de aplicar ao presente caso.

28 - Não sendo de aplicar ao presente caso o disposto no nº 8 do art. 2.º do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de Abril.

29 - Sendo que, será de aplicar à prescrição destes créditos laborais, o prazo geral de vinte anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil, por aplicação do disposto no artigo 311º nº 1 do mesmo Código.

30 - Assim sendo, quando o Autor reclamou junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos salariais, no dia 21.12.2017 estava longe de caducar o seu direito porque também estavam longe de prescrever os créditos salariais.

31 - Pelo que deverá ser revogada a decisão de indeferimento emitida pelo FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, e substituída por uma decisão de deferimento, por se considerar provado que é devida ao Requerente a totalidade da quantia peticionada no requerimento de pagamento de créditos emergentes do contrato ao Fundo de Garantia Salarial,

32 - E, ser o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL condenado a efectuar o pagamento ao requerente da totalidade da quantia peticionada no seu requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato ao Fundo de garantia Salarial.

33 - Solução que se adoptou nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.12.2018, processo 2492/16.7 PRT, de 21.12.2018, processo 232/17.2 CBR, de 21.12.2018, processo 1777/17.0 PRT, e de 11.01.2019, processo 61/17.3 BRG. 34 - Pelo que, deverá a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a presente acção administrativa.

Nestes termos e nos mais de direito,
Deverá ser revogada a douta Sentença e substituída por outra que julgue procedente a presente acção administrativa.
Com o que se fará inteira e a sempre desejada e devida
JUSTIÇA !!!
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) O Autor foi trabalhador da «M., LDA.», desde 21.08.2014 até 05.07.2015– por acordo e cfr. documentos n.ºs 1, 3 e 4 juntos com a petição inicial.

B) Em 28.06.2016, o aqui Autor intentou “Acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho” no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Instância Central – Secção Trabalho, que correu termos sob o Processo n.º 2097/16.2T8AVR, na qual, em 14.12.2016, foi proferida sentença condenando a sociedade «M., LDA.» a pagar ao aqui A. a quantia de 6.623,48, acrescida de juros de mora – cfr. documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial.

C) Em 15.05.2017, o Autor instaurou acção de insolvência, relativa à sociedade «M., LDA.», que correu termos sob o Processo n.º 1804/17.0T8AVR, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio – J1, tendo sido declarada a sua insolvência, por sentença proferida no dia 18.07.2017 – cfr. documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial.

D) Com data de 07.10.2017, a Autoridade para as Condições do Trabalho emitiu «declaração», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial.

E) O Autor apresentou requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em 21.12.2017, peticionando o valor total de 6.372,18€ – cfr. folhas 76 do processo administrativo.

F) Por correio registado com data de 06.03.2018, o Autor endereçou ao Réu um requerimento, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, no qual exerceu o seu direito de audição prévia – cfr. folhas 75 do processo administrativo e documento n.º 8 junto com a petição inicial.

G) O teor do despacho de 20.05.2018, remetido ao Autor através do ofício com registo de saída em 22.05.2018, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V.Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” - cfr. folhas 84 do processo administrativo.

H) A petição inicial relativa à presente lide foi remetida a juízo, via «SITAF», no dia 13.08.2018 - cfr. folhas 1 dos autos (suporte físico).
*
III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença.

Invoca o Recorrente neste ponto que:

“Ora, na acção administrativa de impugnação de acto administrativo, intentada pelo Recorrente, este impugna aquele acto administrativo suscitando 2 (duas) questões:
- DO PRAZO DE APRECIAÇÃO DO REQUERIMENTO,
- DO INDEFERIMENTO

10 - Contudo, a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre as questões controvertidas que lhe foram colocadas pelas partes.”

Vejamos.

Determina a alínea d) do n. º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

Sobre as questões suscitadas disse o Tribunal a quo:

“Questão decidenda: Considerando os pedidos que o A. formula - em síntese, conducentes a anulação do acto de indeferimento e à condenação à prática do acto devido -, importa, em virtude do disposto no artigo 66º n.2 do CPTA, proceder à apreciação da pretensão material do A. por forma a indagar se a mesma é titular do direito que reclama”.

O Tribunal recorrido não ignorou, portanto, as questões suscitadas.

Disse, isso sim, que ambas se reconduzem a um só, a de saber se o Autor é titular do direito que se arroga. Face ao disposto no artigo 66º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Poderia, na pior das hipóteses, haver erro de julgamento nesta asserção, mas não omissão de pronúncia.

Mas nem sequer erro de julgamento existe, mostrando-se acertada a conclusão.

Na verdade, dispõe o artigo 66º, nos seus n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“1- Para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.

2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória.”.

Como o Autor optou pelo pedido de condenação à pratica do acto devido, ainda que recusado, o objecto do processo, com ose decidiu, é a pretensão de deduzida, de lhe serem pagos os créditos salariais reclamados.

E o Tribunal recorrido concluiu que o pedido era improcedente por o pedido ter sido deduzido perante o Fundo de Garantia Salarial já fora do prazo estabelecido pelo artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, aplicável ao caso, no seu entender.

Não se verifica, em suma, a apontada nulidade.

2. A inconstitucionalidade da norma constante do nº. 8 do artigo 2.º, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04.

Sobre este tema pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018 (rectificado pelo Acórdão nº 447/2018), no processo 555/2017:

“(…)

3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:

A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão;
(…)”

Discorrendo, para chegar a esta decisão, o seguinte:

“(…)

2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).

Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.

De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.

Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.

O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.

Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.

Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.

A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.

Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade, aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.

Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado‑Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.

2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.

2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).

Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Diretivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do TFUE (“[a] directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).

Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).

Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.

Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretada a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).

2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).

Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.

2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
(…)”

Decisão com a qual se concorda, vistos os seus fundamentos.

Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.

Na verdade, é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.

E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.

A configuração do prazo para reclamar créditos ao Fundo de Garantia Salarial constante da norma em apreço, como prazo de caducidade insusceptível, como tal, de suspensão ou interrupção, pode tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito do trabalhador credor, além de que, face à divergência de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, conduz a uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica o que pode constituir uma violação do princípio da efetividade.

Apenas não vemos razão para nos embrenharmos nas questões que aqui se deixam em aberto, designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção.

Questões cuja resolução poderá manter ou até acentuar a insegurança e incerteza na interpretação e aplicação da norma.

E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.

Dispunha o artigo 319º, nº 3, da Lei nº 35/2004, de 29.07, norma anteriormente em vigor, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição.

No caso concreto os créditos, embora emergentes da cessação do contrato de trabalho, ocorrida em 05.07.2015 (facto provado sob o n. º1), foram reconhecidos por sentença de 14.12.2016 que condenou a entidade patronal a pagar ao Autor os créditos ora reclamados (facto assente sob a alínea B) ).

Pelo que ao caso se aplica o prazo geral de vinte anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil, por aplicação do disposto no artigo 311º nº 1 do mesmo Código.

Assim sendo, quando o Autor reclamou junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos salariais, no dia 21.12.2017, estava longe de caducar o seu direito porque também estavam longe de prescrever os créditos salariais.

3. Restantes questões suscitadas.

Decidida a questão anterior, fulcral, favorável ao Recorrente, ao ponto de determinar por si só, a procedência total da acção, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas.

Tal como se decidiu nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.12.2018, processo 2492/16.7 PRT, de 21.12.2018, processo 232/17.2 CBR, de 21.12.2018, processo 1777/17.0 PRT, e de 11.01.2019, processo 61/17.3 BRG, com o mesmo Relator.

Termos em que se impõe revogar a decisão recorrida.
*

III - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção totalmente procedente condenando o Demandado no que é pedido.
*
Custas em Primeira Instância pelo Recorrido, sendo que nesta 2ª Instância não são devidas por não ter contra-alegado.
*

Porto, 05.02.2021

Rogério Martins
Frederico Branco
Luís Garcia, com a declaração de voto que segue:

Declaração de voto:

Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 282º, nº 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito final por desaplicação, e sem repristinação.

Luís Garcia