Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/17.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Cardoso
Descritores:NULIDADE POR FALTA FUNDAMENTAÇÃO; DECISÃO SUMÁRIA; REQUISITOS
Sumário:
1. A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.
2. A decisão sumária permitida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA tem lugar em duas situações: (i) quando a questão de direito a resolver seja simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado); (ii) quando a pretensão seja manifestamente infundada.
3. Ora, a faculdade conferida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA, de uma questão de direito ser decidida por remissão para decisão precedente, com a finalidade de economia e simplificação processual, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, nomeadamente, a enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada e não provada, acompanhada da devida motivação da decisão (vide artigos 123.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e 607.º, n.ºs 2, 3, e 4 do CPC).
4. A decisão sumária que não identifica as questões que o tribunal solucionou e a indicação da matéria de facto considerada como provada e não provada, com interesse para a apreciação da causa não pode manter-se na ordem jurídica. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:EdV, S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Anular a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
1. EdV, S.A., NIPC 51xxx01, veio interpor recurso jurisdicional da decisão sumária do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos de fixação do valor patrimonial tributário (VPT), dos prédios inscritos na matriz predial urbana sob os artigos 1137, 1138, 1139, 1140, 1141, 1142, 1143 e 1144 da União das Freguesias de Pena, Quintã e Vila Cova, concelho de Vila Real, no valor global de € 3.057.600,00.
2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
i) A Recorrente não se conforma com a sentença do Meritíssimo Tribunal a quo, que decidiu pela improcedência total da impugnação judicial, entendendo que a mesma procedeu a uma incorreta valoração da prova e a uma subsunção dos factos ao direito aplicável, razão pela qual apresenta o presente recurso;
ii) Efetivamente, embora faça referência à suscitada ilegalidade do ato de fixação do valor patrimonial dos artigos matriciais em causa, face à definição de prédio nos termos do artigo 2.º do Código do IMI, a sentença sub judice é omissa quanto à fundamentação da sua decisão, limitando-se, sem qualquer justificação, a referir que as questões a resolver já foram apreciadas, sem sequer se pronunciar quanto à natureza, para efeitos de IMI, dos aerogeradores e da ilegalidade da inscrição dos aerogeradores como prédios, tendo em consideração que essa é a questão essencial que se visa discutir no pedido principal da presente ação, sendo precisamente aquilo que opõe a Recorrente e a AT;
iii) Desta forma a sentença recorrida viola, de forma manifesta e crassa, o disposto no artigo 205º n.º 1 da CRP, que determina que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, pelo que deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 b) ex vi artigo 2.º CPPT, com as demais consequências legais;
iv) Refira-se que o conceito fiscal de "prédio", para efeitos de incidência do Código do IMI, afasta-se da noção civilística, sendo que, nos termos do disposto no artigo 2.º, do conceito de "prédio" ressaltam três elementos constitutivos: o físico ("toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência"), o jurídico ("desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva") e o económico ("e, em circunstâncias normais, tenha valor económico");
v) Ora, nestes termos, considera-se que os aerogeradores não preenchem todos os requisitos para serem considerados prédios, desde logo, porque, no que respeita ao elemento físico, tal como a AT já reconheceu, os mesmos são meros equipamentos e não construções, desde logo se concluindo pelo incumprimento do elemento físico do aerogerador, para poder ser considerado "prédio";
vi) Acresce que a jurisprudência do TCAN, TCAS e STA mencionada (como os acórdãos do STA de n.º 0140/15 de 15.03.2017 e o n.º 0147/16 de 07.06.2017), mais recente tem sido unânime no sentido em que um aerogerador integrado (enquanto parte componente) num parque eólico destinado à injeção de energia elétrica na rede pública, não tem valor económico próprio, pelo que não se pode autonomizar como um prédio para efeitos de IMI, na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não te aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica;
vii) Nestes termos, resulta inequívoco que os elementos constitutivos de um parque eólico, como, in casu, os aerogeradores, não se subsumem à figura de "prédio", em conformidade com a definição constante no Código de IMI, por falta de valor económico, pelo que não é aceitável a inscrição oficiosa desta realidade física na matriz predial como prédio urbano, nem, por consequência, a sua avaliação como tal, o que determina, por ilegais, a anulação desses atos;
viii) Refira-se ainda que o IMI se encontra inevitavelmente condicionado por imperativos constitucionais da equivalência, eficiência, justiça, igualdade e solidariedade, sendo que qualquer interpretação dos artigos 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI que pretenda atribuir aos aerogeradores a natureza de construção passível de ser qualificada como "prédio" para efeitos de IMI é inconstitucional, por violar o desiderato constitucional de que a "tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos ", vertido no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, violando, de igual modo, o princípio da legalidade, na vertente da tipicidade, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP;
ix) Por outro aspeto a Recorrente, em total desacordo com o entendimento do Tribunal a quo, considera existir a violação do princípio da igualdade, já que a exigência do pagamento de IMI aos titulares de aerogeradores é geradora de uma tributação desigual e desproporcionada, considerando os deveres tributários que já são impostos na macroestrutura do negócio;
x) Efetivamente, num Estado de Direito Democrático não é legítimo tributar (gerando uma desutilidade na esfera patrimonial privada) em intensidade tal que supere as prestações públicas que fornece, na medida em que, dessa tributação, decorreria uma perda absoluta de Bem-Estar Social, situação que é proibida pelos termos conjugados da alínea d) do artigo 9.º e do artigo 81,º da CRP, pelo que tributar os aerogeradores em sede de IMI e, simultaneamente, nos termos do n.º 33 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 189/88, seria criar uma situação totalmente ineficiente na perspetiva da tributação e dos efeitos sociais da mesma, o que é intolerável do ponto de vista constitucional;
xi) Sendo que não existe qualquer lacuna no que respeita à tributação predial dos parques eólicos e dos aerogeradores, pois a norma sobredita prevê uma renda de 2,5% sobre o pagamento mensal feito pela entidade recetora da energia elétrica produzida, em cada instalação.
xii) Por tudo quanto aqui expõe, forçoso se mostra concluir que qualquer interpretação do Código do IMI, maxime dos artigos 2.º, 4.º,6.º, 38.º e 46.º, que implique a sujeição dos aerogeradores a inscrição na matriz urbana, se encontra ferida de inconstitucionalidade por violação, por um lado, do princípio da igualdade, na perspetiva da capacidade contributiva, previsto no artigo 13.º CRP, e por outro lado, da alínea d) do artigo 9.º e do artigo 81.º da CRP;
xiii) Refira-se que existe incongruência na atuação da AT quando os VPTs apurados para os aerogeradores da Recorrente são completamente aleatórios e não refletem quele que é o custo real e efetivo das realidades avaliadas, por comparação com outras avaliações a idênticos aerogeradores por si recebidas;
xiv) Pelo que a Recorrente não compreende como podem os peritos da AT avaliar os mesmos equipamentos com métodos e valores tão dispares, o que só demonstra a aleatoriedade e arbitrariedade com que a AT tem avaliado os aerogeradores revelando como único objetivo a angariação de receita a todo o custo, sem qualquer consideração pela realidade existente ou pela justiça das suas atuações;
xv) Sem prescindir, por último, diga-se que a legitimação do IMI no princípio do benefício ou da equivalência constitui um corolário imperativo constitucional de promoção de eficiência, sendo que os princípios constitucionais de eficiência, justiça, igualdade e solidariedade aplicados ao sistema tributário urbanístico municipal, "maxime" ao IMI, exigem, numa lógica de equivalência ampla, a repartição dos custos sustentados com utilidades indivisíveis prestadas a beneficiários indeterminados;
xvi) Tal significa que a definição da prestação pecuniária do sujeito passivo dependerá em larga medida do fundamento que legitima a exigência do tributo e que a legitimidade da tributação dos aerogeradores da impugnante, enquanto prédio, dependerá dos benefícios eventuais, potenciais ou virtuais que possam decorrer para o proprietário do mesmo da atuação municipal;
xvii) Pelo que a receita do IMI e as bandas de variação das suas taxas deverão ser alinhadas com os custos municipais com a manutenção e amortização das infraestruturas locais e gerais existentes ou a criar e que deverão ser determinadas com base na contraprestação do Estado, de tal modo que a prestação pecuniária exigida ao sujeito passivo tenha correspondência com a despesa pública;
xviii) Face ao exposto, os actos de fixação do valor patrimonial dos artigos 1137, 1138, 1139, 1140, 1141, 1142, 1143 e 1144 da freguesia de 171436 Pena, Quintã e vila Cova deverão ser anulados, uma vez que os aerogeradores não são prédios para efeitos de IMI, mas meros equipamentos de produção de energia, pelo que nunca poderiam ter sido avaliados nos termos do Código do IMI;
xix) Subsidiariamente, deverão ser os actos de fixação do valor patrimonial dos atos de fixação do valor patrimonial dos referidos prédios anulados, por VPT aí fixado exceder o valor que resulta da correta aplicação das regras do Código do IMI.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!
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3. Não foram apresentadas contra-alegações.
4. O Mmo. Juiz a quo pronunciou-se sobre a suscitada nulidade da decisão sumária por falta de fundamentação, nos termos constantes de fls. 287, dos autos de suporte físico.
5. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da procedência do recurso (fls. 298 a 300 dos autos de suporte físico).
6. Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença (i) enferma de nulidade por falta de fundamentação, (ii) padece de nulidade por omissão de pronúncia (iii) incorreu em erro de julgamento de facto e de direito (iv) violou o princípio da igualdade.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
A sentença recorrida não proferiu decisão sobre a matéria de facto, porém, por se afigurar pertinente à decisão a proferir, transcrevemos integralmente a sentença recorrida:
EdV, S.A, NIPC 51xxx01, com sede na Rua S…, 4000-436 Porto, vem deduzir impugnação judicial dos actos de fixação do valor patrimonial dos artigos 1137, 1138, 1139, 1140. 1141, 1142, 1143, 1144 da freguesia de Pena, Quintã e Vila Cova, no valor global de 3.057,600,00 €
Sucintamente alega ilegalidade do acto porque os aerogeradores, contrariamente ao entendimento da AT, de que são prédios na acepção do art.º 2.º do CIMI, não se encontram abrangidos por essa norma; que não possuem vocação urbana e que os métodos de avaliação previstos nos artigos 38.º, em conjugação com o art.º 46.º do CIMI, não são susceptíveis de aplicação aos parques eólicos; violação do princípio da equivalência e da igualdade; e incongruência da actuação da AT.
A AT contesta, em resumo, que inexiste qualquer ilegalidade do acto impugnado. O Dig. Mag. do MP não emitiu parecer.
Da incongruência da actuação da AT.
Defende a Impugnante que a actuação da AT é incongruente porque noutras avaliações de idênticos aerogeradores a AT fixou valor patrimonial diferente.
Existe incongruência, que é também uma forma de falta de fundamentação, quando a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. Ou seja, uma decisão é incongruente quando está em contradição com a sua fundamentação.
Ora, nos presentes autos, essa contradição inexiste, não podendo a Impugnante alegar com outros factos que estarão a ser dirimidos noutros processos. Poderia haver violação do princípio da igualdade, com a ressalva que inexiste a violação desse princípio em situações de ilegalidade.
Improcede a pretensão da Impugnante fundada nesta causa de pedir.
As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art.º 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação improcedente
Custas pela Impugnante
Registe e notifique
Junte cópia das decisões dadas nos processos: 287/15.4BEMDL; 286/15.6BEMDL; 189/16.7BEMDL, 456/15.7BEMDL; 316/15.1BEMDL; 23/16.8EMDL; 188/14.3BEMDL; 192/14.1BEMDL; 194/14.0BEMDL; 195/14.4BEMDL; 196/14.4BEMDL; 197/14.2BEMDL; 198/14.0BEMDL; 202/14.2BEMDL; 203/14.0BEMDL; 241/14.3BEMDL; 276/15.9BEMDL; 280/15.7BEMDL; 311/14.8BEMDL; 316/15.1BEMDL; 327 /14.4BEMDL; 328/14.2BEMDL; 345/14.2BEMDL
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2. DO DIREITO
2.1. Da invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação
A Recorrente começa por arguir a nulidade da decisão sumária, como se colhe dos pontos ii) e (iii) das conclusões supra transcritas, por falta de fundamentação, invocando que se limita, sem qualquer justificação, a referir que as questões a revolver já foram apreciadas.
O Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela apreciou a nulidade, nos termos do artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) referindo que foi proferida decisão sumária ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 5 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) por aquele TAF ter já decidido de modo uniforme e reiterado as questões relacionadas com a natureza dos aerogeradores para efeitos de IMI e a ilegalidade da sua inscrição como prédios, nas decisões identificadas na sentença, para as quais se remete, identificando as folhas dos autos onde se encontram, pelo que, concluiu a sentença não é nula.
Vejamos, com o merecido aprofundamento, se a sentença padece do vício apontado.
O artigo 125.º, n.º 1 do CPPT comina com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (cfr. 615.º. n.º 1, alínea b) do CPC).
A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.
Importa trazer à colação que a actividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, o que significa que a sua decisão deverá circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes (vide artigos 5.º e 608.º do CPC).
No processo de impugnação judicial tributário a estrutura e requisitos da sentença encontram-se regulados nos artigos 123.º e 124.º do CPPT, de que se destaca, o relatório, a indicação das questões que ao tribunal cabe solucionar e a indicação da matéria de facto considerada como provada, com interesse para a apreciação da causa dentro das várias soluções plausíveis da questão ou questões de direito que devam considerar-se controvertidas e a não provada, a fundamentação de facto, a apreciação de todas as questões jurídicas suscitadas e das que sejam do conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada, a apreciação dos vícios do acto impugnado e a decisão das questões que devam ser conhecidas (cfr. artigo 608.º do CPC).
O termo “sentença” designa o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (artigo 152.º, n.º 2 do CPC).
Tal expressão abarca todas as decisões finais, designadamente a “decisão sumária” sob recurso.
O artigo 94.º, n.º 5 do CPTA ex vi artigo 2.º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) preceitua o seguinte:
«Quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para a decisão presente, de que se junte cópia.»
A “decisão sumária” permitida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA tem lugar em duas situações: (i) quando a questão de direito a resolver seja simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado); (ii) quando a pretensão seja manifestamente infundada.
Atentemos agora na estrutura da decisão sumária recorrida, supra transcrita.
Da leitura da decisão sob recurso, resulta o seguinte:
- Identifica os fundamentos da impugnação judicial da seguinte forma: ilegalidade do acto porque os aerogeradores, contrariamente ao entendimento da AT, de que são prédios na acepção do art. 2.º da CIMI, não se encontram abrangidos por essa norma; que não possuem vocação urbana e que os métodos de avaliação prevista nos artigos 38.º, em conjugação com o art. 46.º do CIMI, não são susceptíveis de aplicação aos parques eólicos; violação do princípio da equivalência e da igualdade; e incongruência da actuação da AT.
- Não especifica os fundamentos de facto;
- Aprecia da incongruência da actuação da AT e da violação do princípio da igualdade;
- No segmento decisório escreveu-se: As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por emissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação improcedente.
Custas pela Impugnante.
Registe e notifique.
- Determina a junção de 23 decisões dadas nos processos que identifica.
Analisemos, agora, se a decisão recorrida observa ou não os requisitos que a decisão sumária deve observar.
Sobre questão em tudo semelhante à dos presentes autos, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 20/03/2019, proferido no processo n.º 0427/15.3BEMLD, pelo que aderimos à fundamentação aí vertida e seguimos a mesma linha de raciocínio, do qual se transcreve o seguinte excerto:
«Antes do mais, refira-se que não se questiona a possibilidade de decidir a impugnação judicial por decisão sumária, prevista no n.º 5 do art. 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi da alínea c) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dando de barato a existência dos respectivos requisitos no caso, que «a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado».
Essa faculdade que assiste ao juiz concretiza-se em que «a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia». Mas essa possibilidade de a questão de direito ser decidida por remissão para uma anterior decisão, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, a saber e no que ora nos interessa: o juiz «fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar» e «discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT), sendo que, relativamente à matéria de facto sobre a qual deve incidir o julgamento, deverá ser toda a que for «relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» [cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC na sua redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto (A remissão é para essa versão do CPC, em vigor à data em que o CPPT foi aprovado (1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou), uma vez que neste último Código não está previsto o despacho saneador nem o despacho de prova (cfr. art. 596.º do CPC e art. 89.º-A do CPTA).)].
Sempre no que ora nos interessa considerar, o juiz deve também apreciar todas as questões jurídicas suscitadas e as que sejam de conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC (A remissão é para o CPC, e não para o CPTA, uma vez que no processo de impugnação judicial, contrariamente ao que sucede nos processos impugnatórios regulados pelo CPTA (cujo art. 95.º, n.º 2, impõe o conhecimento de todos os vícios invocados contra o acto impugnado), no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no CPPT, como decorre do estabelecimento de uma ordem no conhecimento dos vícios do acto impugnado (cfr. art. 124.º do CPPT), pois «conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem do conhecimento// Isto significa, assim, que reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 17 ao art. 124.º, pág. 340). Note-se que a crítica que este Autor faz a essa prática, que reconhece ser a que vem sendo seguida pelos tribunais tributários, não vale na situação sub judice, pois dos vícios invocados apenas a falta de fundamentação não impediria a renovação do acto.)], devendo os vícios do acto impugnado ser conhecidos pela ordem estabelecida no art. 124.º do CPPT.
Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice.
Salvo o devido respeito, a sentença que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferiu por decisão sumária não respeita os requisitos a que aludimos. Vejamos:
Desde logo, nela não se identificaram as questões a dirimir, não podendo valer como tal a mera enunciação no relatório dos fundamentos invocados pela Impugnante.
Depois, no julgamento da matéria de facto, foi registado um único facto, respeitante à não publicação, em jornal regional editado na área do município, da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI para o ano em causa.
Em seguida, o Juiz, afirmando que «[a]s questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos indicados», remeteu para esses processos e julgou a impugnação improcedente.
Finalmente, não foram juntas as sentenças para que o Juiz remeteu.
Ora, estas irregularidades comprometem irremediavelmente a compreensão da sentença.
Desde logo, não sabemos que questões se propôs o Tribunal apreciar e decidir, qual foi a questão ou questões efectivamente decididas e, sendo mais do que uma, em que sentido foi decidida cada uma delas, mas apenas que a impugnação judicial foi julgada procedente.
Nem se diga que as questões apreciadas e decididas foram as mesmas que foram apreciadas e decididas nas sentenças para que se remeteu na decisão recorrida.
Antes do mais, porque o Juiz não deveria ter remetido para mais do que uma sentença. Na verdade, se o requisito para que seja proferida decisão sumária é, no caso, a simplicidade da questão de direito a resolver, em virtude de existir jurisprudência que tenha apreciado a questão de modo uniforme e reiterado – e para demonstrar a verificação desse requisito se compreende a menção de várias sentenças – já não nos parece admissível que a remissão a que alude o n.º 5 do art. 94.º do CPTA possa ser feita para mais do que uma sentença por cada questão (a norma refere «remissão para decisão anterior»), sob pena de se colocar sobre as partes e sobre o tribunal de recurso o ónus de as estudar todas, sem qualquer limitação.
Depois, e decisivamente, porque, se foram decididas várias questões, se impunha a referência expressa ao sentido da decisão relativamente a cada uma delas: se foi julgada procedente, se foi julgada improcedente ou se foi tida por prejudicada pela decisão dada a questão anteriormente decidida.
Nem se diga que esta posição que ora assumimos peca por formalista, pois já pudemos verificar diversas interpretações sobre o âmbito da decisão sumária, nos presentes autos e noutros em que o Juiz seguiu idêntico procedimento: assim, enquanto alguns interpretaram a sentença como tendo decidido exclusivamente a questão da falta de publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI (Parece ter sido esse o sentido em que a interpretaram o Procurador-Geral Adjunto e a Recorrida, tanto mais que esta, tendo contra-alegado o recurso, nada refere quanto às demais questões, sendo legítimo pressupor que entende que, na procedência do recurso, os autos deverão regressar ao Tribunal a quo, a fim de serem conhecidas destas.), outros entenderam que foram apreciadas outras questões; entre estes últimos, também há divergência de interpretações, pois uns consideraram que todas as questões foram decididas no sentido da procedência ( Veja-se o parecer proferido pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 425/15.7BEMDL.) e outros que umas questões foram julgadas procedentes e outras improcedentes (Veja-se o parecer da Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 623/15.3BEMDL.). O que demonstra à saciedade a inadequação do procedimento adoptado na decisão recorrida.
É certo que, se a questão da publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI foi apreciada e decidida em sentido favorável à AT – e, neste ponto, todos parecem concordar – mal se compreenderia que o Juiz tivesse prosseguido na apreciação de outras questões, ao invés de dá-las como prejudicadas pela decisão daquela questão. Na verdade, porque a ilegalidade em causa obstaria a que a AT praticasse de novo o acto, nenhum motivo haveria para que o Juiz prosseguisse com a apreciação dos demais vícios invocados (Ver nota 3 supra.).
Seja como for, esta obscuridade da decisão e a referida equivocidade quanto às questões que nela foram decididas e quanto ao sentido da respectiva decisão, impõe a sua anulação oficiosa e que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, em que sejam respeitados os requisitos que consideramos não terem sido observados na decisão ora recorrida.
Sem prejuízo do que deixámos dito, mesmo a admitir-se que a única questão apreciada e decidida foi a da falta de eficácia da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI no ano em causa por não ter sido publicitada nos termos prescritos na lei – o que colhe algum apoio no facto de o único facto dado como assente respeitar a essa questão – sempre teríamos de concluir, com o Procurador-Geral Adjunto, que «não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre o acto tributário impugnado que permita aferir qual a taxa aplicada pela ATA e designadamente se foi essa a taxa objecto da deliberação e se esta foi ou não comunicada à ATA», pois «se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo», sendo, assim, «que para a correcta apreciação da questão que vem colocada a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados».
O que sempre imporia também a anulação da decisão recorrida e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova decisão, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto pertinente.
Tudo visto, entendemos ser de anular a sentença.» (disponível em http://www.dgsi.pt/).
Regressando ao caso dos autos, como se viu supra, a decisão recorrida não identifica as questões a decidir, a fundamentação de facto é inexistente, ficando-se sem saber quais as questões decididas e se são as mesmas que foram apreciadas e decididas em cada uma das 23 decisões para que remete, sendo certo que não é admissível remeter a fundamentação de direito para mais do que uma decisão, como se decidiu no arresto supra identificado, sem embargo de se poder mencionar a existência de outras decisões sobre a mesma questão.
Ora, a faculdade conferida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA, de uma questão de direito ser decidida por remissão para decisão precedente, com a finalidade de economia e simplificação processual, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, nomeadamente, a enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada e não provada, acompanhada da devida motivação da decisão (vide artigos 123.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e 607.º, n.ºs 2, 3, e 4 do CPC).
A decisão sumária que não identifica as questões que o tribunal solucionou e a indicação da matéria de facto considerada como provada e não provada, com interesse para a apreciação da causa não pode manter-se na ordem jurídica.
Assim, a decisão recorrida é nula por falta em absoluto dos fundamentos de facto em que assentou a decisão (artigo 123.º do CPPT; vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 139 a 140; Antunes Varela, Sampaio Nora e J. M. Bezerra, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, pág. 687 e António Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 737; vide ainda no mesmo sentido Ac. do STA de 20/03/2019, proc. n.º 0623/15.3BEMDL, disponível em http://www.dgsi.pt/); e Ac. deste TCA de 04/04/2019, proc. n.º 264/16.8BEMDL, ainda inédito).
Daí que, procede a arguida nulidade, não podendo, em consequência, a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica.
Por conseguinte, os autos deverão baixar à primeira instância a fim de ser proferida nova decisão, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto.
Por força desta decisão, consideramos prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso (art. 608.º, n.º 2 ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC).
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Conclusões/Sumário:
1. A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.
2. A decisão sumária permitida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA tem lugar em duas situações: (i) quando a questão de direito a resolver seja simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado); (ii) quando a pretensão seja manifestamente infundada.
3. Ora, a faculdade conferida pelo n.º 5, do artigo 94.º do CPTA, de uma questão de direito ser decidida por remissão para decisão precedente, com a finalidade de economia e simplificação processual, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, nomeadamente, a enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada e não provada, acompanhada da devida motivação da decisão (vide artigos 123.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT e 607.º, n.ºs 2, 3, e 4 do CPC).
4. A decisão sumária que não identifica as questões que o tribunal solucionou e a indicação da matéria de facto considerada como provada e não provada, com interesse para a apreciação da causa não pode manter-se na ordem jurídica.
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IV – DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar procedente o recurso e anular a decisão recorrida, ordenando que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova sentença.
Custas a cargo da Recorrida, salvo quanto à taxa de justiça, porque não contra-alegou.
Notifique.
Porto, 23 de Maio de 2019.
Ass. Maria Cardoso
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio