Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00502/06.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; FATURAS FALSAS; AUDIÊNCIA PRÉVIA; DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO; QUALIDADE DE SUJEITO PASSIVO; PRESUNÇÃO DE ENTREGA DE NOTIFICAÇÃO AO DESTINATÁRIO
Sumário:I – As declarações de substituição apresentadas nos termos legais presumem-se verdadeiras, presunção esta que apenas pode ser afastada: pela AT, nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, e pelo declarante, nos termos gerais de direito, ou seja, através da alegação e prova da respetiva falsidade.

II - A regra fundamental de incidência subjetiva em matéria de I.V.A., constante do artigo 2.°, n.º 1, alínea a) do C.I.V.A., determina que são sujeitos passivos deste imposto as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, nada obstando a que os mesmos invistam terceiros nos poderes de representação necessários e suficientes para em seu nome e representação promoverem o giro comercial da empresa.

III – Apenas é pertinente ilidir a presunção de entrega das notificações ao respetivo destinatário (artigo 39.º, n.º 3 do CPPT) quando este alegue que as cartas de notificação não lhe foram entregues. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrido 1:C.
Recorrido 2:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. C., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 19.08.2010, pela qual julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 2001 a 2004, no valor global de 120.699,83€

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1ª. A sentença recorrida decidiu de forma inadequada quanto à valoração dos factos alegados e dos documentados nos autos, retirando erradas conclusões quanto aos mesmos factos e quanto ao direito aplicável.
2. No tocante à falta de audiência prévia do impugnante, o julgador pronunciou-se no sentido de que, pelo facto de, no decurso da acção inspectiva e antes de notificado o Relatório Final, se ter procedido (a sentença refere, sem fundamento válido, que foi pelo impugnante) à apresentação declarações substituição, com vista a sanar as irregularidades apontadas pela AT, carecia de sentido a audição do impugnante, por consubstanciar um acto inútil.
Salvo o devido respeito, é uma conclusão infundada. Nada nos autos permite concluir que as declarações de substituição foram apresentadas pelo impugnante; o seu teor só permite concluir que as declarações de substituição foram apresentadas pela via electrónica e em nome do impugnante; não estão assinadas por ele e bem podiam ter sido apresentadas por outrem, o que podia ser esclarecido com as inquirições que o julgador considerou supérfluas.
3. Repetidas vezes se afirma na sentença que foi o impugnante que entregou facturas, deduziu IVA, inscreveu valores nas declarações periódicas…) quando nos articulados, nos documentos e no processo administrativo nada conste que evidencie ele foi o autor desses factos. Pelo contrário, atentando nas declarações de seu pai, é de admitir que terá sido outra pessoa, como seu pai ou o TOC (o que podia ser esclarecido nas inquirições, requeridas, mas negadas).
4. A realidade para que os autos apontam é que era o pai do impugnante que, tendo colectado nas Finanças este seu filho, fazia as transacções de compra e venda, negociava com os fornecedores e clientes, fazia os pagamentos e recebimentos, emitia os documentos com o nome do impugnante, quando este era necessário, etc, e, assim, com os proventos desta actividade, sustentava o lar, tudo isto sem presta[r] contas ou e concertar com o impugnante em tudo aquilo que decidia e fazia. Apenas lhe apresentava, de vez em quando, algum papel para assinar, ligado à sua actividade.
5. Nenhuma das pessoas que prestaram declarações durante a inspecção apontaram ao impugnante a prática de qualquer acto, comportamento ou omissão, nas transacções, em pagamentos ou recebimentos, etc.; nem está nos articulados, no Relatório da Inspecção ou no processo administrativo qualquer facto ou prova que permita concluir, como erradamente se concluiu na sentença, que foi o impugnante […] quem se colectou naquela actividade, que foi ele próprio quem emitiu, viciou ou de qualquer forma adulterou as facturas e outros documentos, que tenha sido ele, ou alguém a seu mando, no seu interesse ou como seu representante a fazer transacções e a praticar os actos referidos nos n.ºs 3 a 13 do probatório.
6. Pelo contrário, decorre até das declarações prestadas por seu pai que não foi o impugnante o autor desses actos, mas quem, nas mesmas declarações, reconheceu ser o único responsável pela actividade de compra e venda de cortiça e derivados, exercida em nome do impugnante, … e que declarava que as anomalias detectadas são da sua responsabilidade.
7. Os autos não mostram um único acto de comércio praticado pelo impugnante ou por alguém em seu nome e no seu interesse. Não se colhe dos autos que tenha sido o impugnante a pagar qualquer imposto, a emitir qualquer declaração de sua autoria; antes permitem concluir que tudo isso podia ter sido feito por terceira pessoa (provavelmente, o seu pai).
8. Também se não vê em que medida o impugnante sabia do que se passava, que actos ou comportamentos conhecia, autorizava ou ratificava, que actos voluntários e pessoais tenha praticado nesse “seu comércio”, quando andava às voltas com os livros, namoricos e folguedo, próprios da sua idade.
9. Por conseguinte, parece muito claro que, embora fosse colectado como comerciante, o impugnante não o era; sê-lo-ia o seu pai, a coberto do seu nome, e, não sendo comerciante, não era o sujeito passivo de quaisquer obrigações tributárias.
10. É que a inquirição das testemunhas que, não foi consentido realizar-se, se prestaria a fazer luz sobre esse mar de dúvidas que a AT contornou e o Tribunal aprovou. Assim, há insuficiência da matéria de facto para concluir que a impugnante é comerciante, contribuinte e sujeito passivo de obrigações fiscais que lhe sejam imputáveis, factos esses que só eles podem fundamentar liquidações de impostos válidas, em sede de IVA e Imposto de selo.
11. Ao contrário do proclamado na sentença, foi violado o direito de audiência no âmbito da inspecção, que enferma de grave deficit instrutório porque o inspeccionado nunca foi ouvido, nada pôde esclarecer, não se pôde defender dos actos que lhe foram imputados. E não se diga que essa lacuna foi sanada pela apresentação das declarações de substituição porque não há prova objectiva e fundamentada de que tenha sido ele a preenchê-las e enviá-las pela Internet à AT, ou encarregado alguém dessa tarefa.
12. O pai do impugnante reconheceu as anomalias, que imputou a si próprio, assumiu-as e como que se confessou culpado. Não imputou ao impugnante qualquer acto ou omissão. Faz, pois, todo a sentido que se tenha mostrado disposto a assumir todas as responsabilidades.
13. A douta sentença ignorou em absoluto factos alegados na petição inicial, alguns nem sequer contrariados pela Fazenda Pública, como: o impugnante não exerce o comércio e não praticou as irregularidades detectadas, nem por si, nem por interposta pessoa; não foi notificado para exercer a direito de audiência prévia no âmbito da acção inspectiva, o que lhe daria a possibilidade de se defender dos factos que lhe foram imputados e de corrigir ou discordar das declarações prestadas por seu pai, que não actuou em seu nome nem no seu interesse; não esteve presente, nem foi convidado para estar presente nos momentos da prática dos actos de inspecção externa; é estudante do ensino superior e dá aulas de natação, para pagar os seus estudos e para sobreviver. Nunca se dedicou ao negócio de cortiça, não tem formação, conhecimentos ou experiência nesse ramo de actividade empresarial, ou noutro qualquer, nem possui instalações, equipamento, empregados ou colaboradores nessa área de negócio.
14. A notificação regular das liquidações não se verificou, pois o impugnante não recebeu as cartas qua as continham e não se presume que lhe foram entregues, pois que alegou factos suficientes para afastar a presunção legal de que o foram. Com efeito, ao alegar «desconhece quem seja G., a pessoa que terá assinado os talões de registo e recebido a correspondência cuja cópia ora foi junta aos autos. Seja quem for, não é pessoa que represente o impugnante, nem das suas relações pessoais, domésticas ou de emprego» e ao arrolar testemunhas, se a sua audição não fosse indevidamente recusada, podia chegar-se à elisão dessa presunção e, por consequência, a invocada caducidade do direito de liquidar.
15. Não se mostram especificados factos suficientes que justifiquem a decisão, designadamente que tenha sido o impugnante a, por si ou por interposta pessoa, praticar os actos substantivos de comércio que consubstanciam a qualidade de comerciante por grosso de cortiça e derivados, bem como das declarações de substituição que foram enviadas à AT via Web, tudo indicando que terá sido outra pessoa, tendo em costa que seu progenitor assumiu, perante a mesma A[T] a responsabilidade por todas as irregularidades detectadas e se comprometeu a saná-las.
16. Por errada interpretação ou aplicação, foram violadas, entre outras, as disposições dos arts. 13.º do Código Comercial, arts. 16.º, 17.º, 18.º n.º 2, 22.º, 35.º n.º 9, 45.º n.º 4, 60.º, 77.º n.º 6, art. 39.º n.º 3 do CPPT, art. 2.º do CIVA, arts. 514.º e 668 n.º 1 al. b) do CPC e arts. 54.º e 60.º do RCPIT.
Termos em que, e nos do douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, decidir-se revogar a douta sentença e anular as liquidações impugnadas, se não for de entender, como parece que é, decidir anular o julgamento, com as legais consequências, como acto de JUSTIÇA».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida (i) enferma de erro de julgamento ao considerar que não foi violado o direito de audiência prévia e que o procedimento de inspeção não enferma de défice instrutório, (ii) por erradamente valorar das provas, ao desconsiderar tudo quanto foi alegado na p.i. quanto ao não exercício da atividade comercial em causa pelo impugnante, (iii) ao considerar não caducado o direito às liquidações.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Os factos assentes em 1.ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«FACTOS PROVADOS
1. O impugnante, C., entre 2001 e 2004, encontrava-se colectado pela actividade de comércio por grosso de cortiça (CAE 051562), e em sede de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, tendo ainda auferido rendimentos da categoria A no decurso de 2003/2004.
2. Na sequência de inspecção efectuada, credenciada pela Ordem de Serviço nº O1200501400, de 8/8/2005, que decorreu entre 18/10/2005 e 13/12/2005, e abrangeu os exercícios de 2001 a 2004, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA nº 05304146, nº 05304147, nº 05304149, nº 05304151, nº 05304153, nº 05304155, nº 05314967, nº 05314968, nº 05314970, nº 05314972, nº 05314974, nº 05304148, nº 05304150, nº 05304152, nº 05304154, nº 05304156, nº 05314969, nº 05314971, nº 05314973, nº 05314971, de 29/10/2005, relativas a 2001, 2002, 2003 e 2004 e respectivos juros compensatórios.
3. No decurso da acção inspectiva foram identificadas na contabilidade do impugnante as facturas emitidas por M., CF nº (...), e por R., CF nº (...), identificadas a fls. 6 do relatório de inspecção, que se dão por reproduzidas.
4. As facturas aludidas em 3 não correspondem a transacções efectuadas pelo impugnante posto que M., CF nº (...), conhecido da Administração Tributária como emitente de facturas falsas, e R., CF nº (...), não desenvolvem actividade de venda de cortiça, nem possuem meios de transporte e de armazenamento das quantidades de cortiça identificadas nessas facturas.
5. Dá-se por reproduzido o teor dos documentos de fls. 13, 14 e 157 do processo administrativo apenso.
6. O impugnante emitiu e entregou a “S., S.A.” a factura nº 52, e a “G., Lda.” e “C., Lda.”, as facturas nº 43 e 46, nelas inscrevendo os montantes constantes de fls. 6 verso (III.1.2.), inferiores aos valores das transacções efectivamente efectuadas, valores constantes dos anexos 14, 15 e 16, que se dão por integralmente reproduzidos, donde resulta uma diferença de € 37.326,87 de IVA, não pago pelo impugnante.
7. As facturas nº 18, 43 e 24 emitidas respectivamente por G., J. e F., foram adulteradas no que respeita aos valores neles inscritos, sendo os correctos os que constam dos anexos nº 20, 21 e 22, conforme consta de fls. 6 verso (III.1.3.), resultando uma diferença de € 39.140,00 de IVA, indevidamente deduzido pelo impugnante.
8. O impugnante deduziu IVA constante de facturas relativas a encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros identificadas no relatório de inspecção, não utilizadas na actividade comercial descrita em 1, no total de € 1.186,67, conforme documentação de fls. 58/68, 289/293 do PA, que se dá por integralmente reproduzida.
9. O impugnante assinou letras e cheques, no exercício da sua actividade de comércio por grosso de cortiça.
10. Os valores inscritos nas declarações periódicas apresentadas pelo impugnante divergem dos documentos que constam na sua contabilidade, nos montantes inscritos no quadro de fls. 7 verso do PA que se dá por integralmente reproduzido.
11. Das correcções decorrentes das divergências enunciadas em 3 a 8, resultou IVA a pagar pelo impugnante no valor de € 124.288,93, conforme quadro de fls. 7 verso (III.1.6.), que se dá por integralmente reproduzido.
12. A Administração Tributária notificou os sujeitos passivos identificados no artigo 16º do articulado da Fazenda Pública, a fls. 49, para prestarem informações e apresentarem documentação referente às transacções postas em crise no relatório de inspecção.
13. No decurso da acção inspectiva, entre 24/10/2005 e 29/11/2005, o impugnante apresentou as declarações de substituição que se encontram a fls. 105/141 do PA, que se dão por integralmente reproduzidas, e sanaram as irregularidades apontadas em 3 a 9 da factualidade assente, em conformidade com as correcções apontadas pela Administração Tributária, constantes do relatório de inspecção.
14. A Administração Tributária remeteu carta registada para o impugnante em 20/12/2005, para a Rua (...), em (...), acompanhada do relatório final de inspecção, conforme documento de fls. 1 do PA, que se dá por integralmente reproduzido.
15. A Administração Tributária remeteu cartas registadas com AR para o domicílio fiscal do impugnante, sito na Rua (...), em (...), com vista à notificação das liquidações identificadas em 2.
16. Os avisos de recepção relativos às cartas aludidas em 15 foram assinados em 21/11/2005 e 19/12/2005, por “G.”.
17. O prazo para pagamento das liquidações impugnadas terminou em 31/12/2005, e 28/2/2006.
18. Em 3/2/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 4170200601000896 para cobrança coerciva das liquidações impugnadas.
19. A presente impugnação foi apresentada em 24/3/2006.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.”.

3.1.2. Alteração da matéria de facto
Expressa o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, que aprovou o atual Código de Processo Civil, que «Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.».
No caso, a presente impugnação foi instaurada em 24.03.2006 e a sentença recorrida foi proferida em 19.08.2010, daí que o regime dos recursos aplicável seja o do anterior CPC.
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispunha o n.º 1, do artigo 712.º do anterior CPC, o seguinte:
«1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.».
Pese embora o Recorrente não haja impugnado a sentença recorrida quanto ao julgamento de facto, afigura-se-nos que a transcrita decisão sobre a matéria de facto enferma de incorreções nos seus pontos 6, 8 e 9, das quais este Tribunal deve conhecer oficiosamente, em conformidade com a jurisprudência que dimana do acórdão do STJ de 17.102019, rec. 3901/15.8T8AVR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/887297d2c055e90480258496005a2d8d?OpenDocument, à qual integralmente aderimos e aqui passamos a transcrever na parte relevante:
«(…) o conteúdo da decisão de facto pode apresentar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais ou complementares e concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no artigo 5º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Pode, ainda, o conteúdo da mesma decisão traduzir-se na integração nos factos provados ou não provados de pura e inequívoca matéria de direito.
Para além disso, podem, ainda, “outras decisões revelarem-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladoras de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. “ (sublinhados nossos) [[4]]
Verificado qualquer um dos ditos vícios ou patologias da decisão de facto, os poderes conferidos ao Tribunal da Relação como verdadeiro tribunal de instância – tendo em vista o cumprimento do desiderato de um segundo nível de jurisdição em matéria de facto em idênticas condições e sujeito às mesmas regras de direito probatório que vinculam o tribunal de 1ª instância -, conferem-lhe o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente, pois, da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.».
Pese embora este aresto tenha sido proferido à luz do atual CPC, entendemos que a retificação da decisão em matéria facto, designadamente por enfermar de incorreções ou inexatidões e por iniciativa do Tribunal de 2.ª instância, já era admissível à luz do artigo 712.º do anterior CPC, especificamente da alínea a) do seu n.º 1.
Assim, uma vez que as retificações que se seguem são sustentadas pelos documentos aludidos em cada um dos referidos pontos da matéria de facto, vamos proceder à sua retificação, nos termos seguintes:
6. Em nome do impugnante foram emitidas a favor de “S., S.A.” a factura nº 52 e a favor de “G., Lda.” e “C., Lda.”, as facturas nº 43 e 46, das quais constam os montantes constantes de fls. 6 verso (III.1.2.), inferiores aos valores das transacções efectivamente efectuadas, valores constante dos anexos 14, 15 e 16, que se dão por integralmente reproduzidos, donde resulta uma diferença de € 37.326,87 de IVA, não pago pelo impugnante.
8. Nas declarações periódicas submetidas em nome do impugnante foi deduzido IVA constante de facturas relativas a encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros identificadas no relatório de inspecção, não utilizadas na actividade comercial descrita em 1, no total de € 1.186,67, conforme documentação de fls. 58/68, 289/293 do PA, que se dá por integralmente reproduzida.
9. Das letras de câmbio de fls. 99 a 101 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sacadas sobre “C., Lda”, referentes à “transação comercial v/ fatura 44”, consta a assinatura “C.”, na qualidade de sacador.
A retificação efetuada ao ponto 6 resulta do facto de as faturas em questão apenas permitirem que, em termos factuais, se dê como provado aquilo que ali fizemos constar. De facto, o teor de tais faturas não permite inferir que foi o Impugnante, ora Recorrente, quem as entregou aos respetivos beneficiários e, muito menos, que tenha sido ele a adulterar o respetivo teor ou a fazer nelas constar valores diferentes dos reais.
Para dar por assente que o Recorrente entregou e preencheu as faturas n.º 43, 46 e 52, era necessário mais prova, que não descortinamos nos autos, bem como uma adequada e mais circunstanciada motivação da convicção do juiz nesse sentido, tendo em conta, designadamente, o teor das declarações prestadas pelo pai do Recorrente no âmbito do procedimento de inspeção, onde expressamente admitiu que «(…) as anomalias detectadas são da sua inteira responsabilidade, nomeadamente a adulteração das facturas de venda (facturas n.º 43, 46 e 52) e das facturas de compra (…)».
Por último, a retificação do ponto 9 deve-se ao facto de não constar dos autos qualquer cheque emitido pelo Recorrente; as cópias de cheques de fls. 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 43 e 440 do PA respeitam, antes, a títulos emitidos a seu favor, uma vez que nos mesmos é possível ler “à ordem de C.”.
3.1.3. Aditamento à matéria de facto
Atenta a sua relevância para adequada apreciação deste recurso, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 712.º, n.º 1, do anterior CPC, à matéria de facto fixada em 1.ª instância vamos aditar os seguintes factos / ocorrências processuais:
20. No relatório da inspeção tributária, a AT fez constar o seguinte:
«II.3.1. Breves considerações sobre o sujeito passivo
II.3.1.1 Responsável pela actividade desenvolvida
Estamos na presença de um cidadão nascido em 1979-XX-XX, cuja actividade consiste na frequência de um curso universitário. Foi aliás esta actividade que lhe proporcionou a realização de um estágio na Escola Secundária Com 3 Ciclo do Ensino Secundário (…), onde obteve rendimentos da categoria A, no ano lectivo de 2003/2004.
Em termos de rendimentos empresariais, o sujeito passivo (SP) dedica-se ao comércio por grosso de cortiça em bruto (CAE 021562), mas quem efectivamente exerce a actividade é o Sr. F., (…), pai do sujeito passivo, que afirmou em auto de declarações de 2005-10-18 (anexo 1) ser o único responsável pelas graves irregularidades descritas no ponto III.»

21. Por despacho de 11.01.2008, o Tribunal a quo considerou que «não vêm alegados, (…), factos concretos e historicamente situados que careçam ou sejam susceptíveis de prova testemunhal. As versões apresentadas pela Administração Fiscal e Impugnante têm o seu pilar probatório assente nos documentos. As questões a decidir são fundamentalmente de direito e de apreciação dos aludidos documentos. (…)» e determinou a notificação das partes para esclarecerem que factos pretendem provar com as testemunhas arroladas - cfr. fls. 61 do suporte físico dos autos.
21. O Impugnante respondeu, em 13.02.2008, referindo serem «os relacionados com os factos de que o impugnante não exerce qualquer actividade comercial, vertidos nos artigos 3.º e 7.º da petição inicial.» - cfr. fls. 63 do suporte físico dos autos.
22. Analisando este requerimento, o Tribunal a quo entendeu, no seu despacho de 26.02.2008, que, «no que respeita àqueles pontos, […] as partes não divergem. (…) a divergência está no enquadramento jurídico. Assim, o conteúdo do despacho de fls. 61 sai reforçado pelo que dispenso a produção de prova testemunhal.» - cfr. despacho de fls. 65 do suporte físico dos autos.
23. Os Recibos n.º 033, de 19.07.2002, n.º 041, de 20.12.2002, n.º 022 de 29.04.2002, n.º 023 de 30.04.2002, n.º 021 de 04.04.2002, n.º 016 de 11.03.2002, n.º 019 de 18.03.2002 e n.º 043 de 1.04.2002 ostentam a assinatura “C.” – fls. 28, 43, 386, 387, 388, 446 e 460 do PA.
A convicção do Tribunal baseou-se no teor dos documentos identificados em cada uma das alíneas antecedentes.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Falta de audiência prévia
No tocante a esta questão, o Meritíssimo Juiz a quo considerou o seguinte:
«O impugnante alegou não ter sido notificado para exercer o direito de audição prévia, nem para estar presente no momento da prática de actos de inspecção, o que consubstancia “deficit instrutório do procedimento de inspecção”, dado não ter sido indagado o vínculo jurídico entre o impugnante e F..
A audiência dos interessados constitui a concretização do modelo de Administração Participada expresso no artigo 267º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (Ac. STA de 9/3/1995- Rec. Nº 35846), e concretiza-se no direito do audição prévia dos interessados, estatuído no artigo 60º da Lei Geral Tributária e nos artigos 8º, 100º a 103º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável a toda a Administração Pública, “ex vi” artigo 2º, nº 1 e 2, alínea a), 4 e 6 do mesmo diploma, conferindo ao particular o direito de se pronunciar antes da decisão final por forma a poder influenciar o seu sentido e assim participar na sua formação (Ac. STA de 9/3/1995- Rec. Nº 35846).
Dispõe o artigo 60º, nº 2, da Lei Geral Tributária, “É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.”.
Ora, resulta de fls. 1 e fls. 105/141do P.A., que as liquidações impugnadas foram efectuadas com base nas declarações apresentadas pelo impugnante, em conformidade com o compromisso do declarante, Fernando Pais, pai do impugnante, substituição que consubstancia o reconhecimento das irregularidades detectadas, espelhadas nas conclusões do relatório final.
Com efeito, decorre da factualidade provada que o impugnante, entre 24/10/2005 e 29/11/2005, no decurso da acção inspectiva, e antes de notificado do relatório final, apresentou declarações de substituição dos modelos oficiais apresentados, com vista a sanar as irregularidades apontadas pela Administração Tributária, pelo que carecia de sentido a audição do mesmo, por consubstanciar um acto inútil, que, neste caso, a lei expressamente dispensa, posto que a Administração Tributário procedeu às liquidações em causa de acordo com as declarações apresentadas pelo impugnante.
Consequentemente, inexiste violação do princípio do contraditório, bem como de qualquer formalidade legal, sendo o acto plenamente válido e eficaz.
Carece igualmente de sentido o demais alegado pelo impugnante, pelos motivos acima explicitados, posto que nem este tem necessariamente de estar presente no momento da prática de actos de inspecção, nem ocorre “deficit instrutório do procedimento de inspecção”, pelo facto do impugnante não ter podido contrariar a versão apresentada pelo seu pai, desconhecendo-se a que título actuou (gestor de negócios, núncio, ou se apenas se serviu do nome do impugnante), nem ter podido sugerir diligências trazendo elementos novos.
Na verdade, na sequência das declarações prestadas, o impugnante actuou por forma a sanar as irregularidades detectadas, sendo por demais evidente que tal postura resultou do conhecimento que lhe transmitiu o declarante em causa. Assim, carece de sentido a alegação de “deficit instrutório”, sendo certo que se o impugnante discordava da Administração Tributária não deveria ter apresentado as declarações de substituição, facto que revela a sua concordância com a existência das irregularidades em causa por si perpetradas.
Assim, os fundamentos invocados pelo impugnante são contraditórios entre si, e estão em manifesta contradição com a sua actuação anterior enquanto sujeito passivo, e raiam perigosamente os limites da litigância de má fé.
Efectivamente, resultou provado que o impugnante se colectou pela actividade de comércio por grosso de cortiça, assinou letras e cheques no exercício dessa actividade (fls. 99 a 104 – letras, e cheques de fls. 32 a 45), deduziu IVA nas reparações de veículos automóveis que utilizou em proveito pessoal (fls. 58 a 68, 289 a 293, 297 a 301, 305), e, no decurso da inspecção, antes da notificação do relatório de inspecção, assinou e entregou declarações de substituição que deram causa às liquidações impugnadas.
Ora, uma vez que o impugnante praticou os actos descritos, no âmbito da actividade comercial para que se colectou, não pode agora, de forma séria, alhear-se de tal actividade, imputando-a a terceiro, por forma a lançar a dúvida sobre a actuação do seu pai, designadamente se agiu como núncio, representante, ou servindo-se do nome do impugnante, posto que esta posição processual está em manifesta contradição com a sua actuação anterior.
De resto, mostra-se desnecessária a averiguação do vínculo jurídico do impugnante com o declarante, seu pai, porquanto as acções por este praticadas, em qualquer caso, reflectem-se na esfera jurídica do impugnante, cabendo-lhe, em caso de discordância, o ónus da prova do abuso dos poderes do representante. Todavia, o impugnante nem sequer alegou expressamente a ocorrência de abuso de poderes. Outrossim, aprovou tacitamente os actos praticados pelo seu pai, e aderiu expressamente às correcções efectuadas, pois que apresentou as declarações de substituição em conformidade com as conclusões da Administração Tributária.
Acresce que, esta alegação, sob a forma interrogativa e sem concretização em factos concretos, não pode ser atendida nem produz qualquer efeito. Além disso, não se vislumbra que factos novos pretendia o impugnante trazer à inspecção dado que posteriormente, em sede de impugnação judicial, não alegou qualquer facto novo.».
O ora Recorrente insurge-se contra o assim decidido sustentando, em síntese, que o teor das declarações de substituição apenas permite concluir que foram apresentadas via eletrónica e em seu nome, que nada nos autos permite concluir que tenha sido ele a praticar os atos descritos na sentença, sendo que a realidade aponta para que tais atos foram praticados apenas por seu pai que, a coberto do nome do impugnante, era quem de facto exercia a atividade.
Sucede que, por força do disposto no n.º 1, do artigo 75.º, da LGT, «Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.».
Assim, as declarações de substituição apresentadas presumem-se verdadeiras, presunção esta que apenas pode ser afastada: pela AT, nas circunstâncias previstas no n.º 2 deste artigo, e pelo declarante, nos termos gerais de direito, ou seja, através da alegação e prova da respetiva falsidade.
Lida a petição inicial, não descortinamos ali qualquer alegação que sequer indicie a falsidade das declarações de substituição em causa (constantes de fls. 105 a 116 do PA) ou a falta de qualquer elemento que não permitisse considera-las apresentadas “nos termos da lei”, pelo que inexistia razão para não se terem como verdadeiras tais declarações e que autorizasse a respetiva desconsideração.
Importa salientar que, na petição inicial, o Impugnante nada invoca quanto à pessoa que terá, ou não, apresentado as declarações de substituição; de facto, sobre esta questão nada refere na p.i.. Ora, tendo tais declarações sido remetidas eletronicamente e em seu nome, beneficiando, conforme referido, da presunção de veracidade, à míngua de alegação e prova do contrário, deve presumir-se que foram apresentadas pelo Recorrente, ou por outrem mas em seu nome, pois que as mesmas só poderiam ser submetidas com sucesso mediante a aposição do seu código secreto, apenas a si facultado.
Tanto basta para sustentar a inverificação do vício em análise pois, como bem se refere na sentença recorrida, as liquidações foram emitidas com base nas declarações de substituição e, já não, por força de correções promovidas pela AT.
Nesta perspetiva, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe vem apontado.
3.2.2. Errada valoração da prova
Entende também o Recorrente que a sentença enferma de errada valoração da prova por não ter considerado qualquer da factualidade alegada na p.i., alguma nem sequer contrariada pela Fazenda Pública, como por exemplo: «o impugnante não exerce o comércio e não praticou as irregularidades detectadas, nem por si, nem por interposta pessoa; (…); é estudante do ensino superior e dá aulas de natação, para pagar os seus estudos e para sobreviver. Nunca se dedicou ao negócio de cortiça, não tem formação, conhecimentos ou experiência nesse ramo de actividade empresarial, ou noutro qualquer, nem possui instalações, equipamento, empregados ou colaboradores nessa área de negócio.».
Efetivamente, o Recorrente havia alegado tal factualidade nos artigos 3.º e 7.º da petição inicial e, a final desta peça processual, arrolou 6 testemunhas.
Não obstante isto, por despacho de 11.01.2008, o Tribunal a quo considerou que «não vêm alegados, (…), factos concretos e historicamente situados que careçam ou sejam susceptíveis de prova testemunhal. As versões apresentadas pela Administração Fiscal e Impugnante têm o seu pilar probatório assente nos documentos. As questões a decidir são fundamentalmente de direito e de apreciação dos aludidos documentos. (…)». Ainda assim, determinou a notificação das partes para esclarecerem que factos pretendem provar com as testemunhas arroladas, ao que o Impugnante respondeu, referindo serem «os relacionados com os factos de que o impugnante não exerce qualquer actividade comercial, vertidos nos artigos 3.º e 7.º da petição inicial.». Analisando este requerimento, o Tribunal a quo entendeu, no seu despacho de 26.02.2008, que, «no que respeita àqueles pontos, […] as partes não divergem. (…) a divergência está no enquadramento jurídico. Assim, o conteúdo do despacho de fls. 61 sai reforçado pelo que dispenso a produção de prova testemunhal.».
Atentas as retificações e aditamentos já efetuados à matéria, entendemos que a valoração da prova nenhuma outra censura merece.
Ademais, concordamos com o entendimento sufragado pelo Tribunal de 1.ª instância no sentido de que, em face da factualidade apurada nos autos, nenhuma outra prova se revela necessária, importando somente proceder à qualificação jurídica da mesma, ponto em que a sentença recorrida é correta e conforme à jurisprudência já firmada por este TCAN, no acórdão de 14.07.2015, proferido no proc. 128/03- Coimbra, que, por não ter sido publicado, aqui passamos a transcrever na parte relevante:
«Sustenta a Recorrente que a dívida não deveria ter sido liquidada a si, mas a seu filho, por ser ele quem efectivamente exerce a actividade, pondo em causa que tenha sido aplicada correctamente a norma de incidência subjectiva do imposto.
Ora, estando em apreço a violação de regras de incidência subjectiva, ela pode configurar um erro de facto ou um erro de direito. Ocorrerá erro de facto se tiver partido de pressupostos factuais errados e de erro de direito se tiver interpretado erradamente a norma respectiva.
Vejamos, pois, sobre a questão em apreço como se decidiu na sentença recorrida: «(…) O que a Impugnante contesta é que tenha sido ela quem exerceu a actividade de prestação de serviços, que deu origem às liquidações impugnadas ou tenha auferido os rendimentos resultantes daquela actividade. Ou seja, a Impugnante vem dizer apenas que a dívida tributária, a existir deveria ser liquidada a outrem (ao seu filho). Pelo que o que a Impugnante põe em causa é que tenha sido correctamente aplicada a norma de incidência subjectiva do imposto.
E quando está em causa a aplicação da norma de incidência subjectiva do imposto o que podemos ter é erro de facto ou erro de direito. O erro de facto se a A.F. partiu do pressuposto factual errado de que foi a Impugnante a auferir os rendimentos ou a exercer a actividade. O erro de direito se a A.F. interpretou erradamente aquela norma de incidência subjectiva.
A regra fundamental de incidência subjectiva em matéria de I.V.A. consta do artigo 2.°, n.° 1, alínea a) do C.I.V.A. e dela resulta que são sujeitos passivos de I.V.A. as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços.
Ora, o que diz a Impugnante é que não era ela a exercer a actividade económica em causa com carácter de habitualidade, mas o seu filho. Facto este consensual, visto que no relatório de fiscalização se diz a mesma coisa («torna-se claro que todos os actos praticados em nome da empresa L. foram praticados pelo Sr. P., sem que a Sra. L. tivesse alguma intervenção ou conhecimento dos mesmos»).
Mas o que é também consensual nos autos é que essa actividade, apesar de ser exercida de facto pelo filho da Impugnante, era exercida em nome da Impugnante. Facto que, alias, o Tribunal confirmou oficiosamente, visto que foi a Impugnante a declarar o início da actividade para efeitos de I.V.A., a requerer as correspondentes alterações, a efectuar as deduções do imposto que a A.F. considerou indevidas (fls. 173 e seguintes dos autos).
Pelo que a questão a responder é a seguinte: quando a actividade económica é exercida por outrem em nome do titular ainda que no interesse daquele, quem é devedor do imposto indevidamente deduzido?
Entende este Tribunal que o devedor do imposto é aquele em nome de quem a actividade é exercida. E o que decorre das regras gerais em matéria de representação, segundo as quais os actos praticados pelo representante em nome do representado e nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último — artigo 258.° do Código Civil. Sendo que no caso não é de abordar a hipótese de aquele que actua em representação do titular, nomeadamente junto do fisco (caso tenha sido ele a proceder à dedução) ter excedido os poderes respectivos, visto que tal não foi jamais invocado.
Entende também este Tribunal que a solução contrária punha em causa o funcionamento do imposto no sistema dos pagamentos fraccionados visto que permitiria que, algures na cadeia comercial, o titular da actividade declinasse o dever de pagar atribuindo a outrem o seu exercício de facto e o executante de facto dessa actividade declinasse o dever de pagar atribuindo ao titular a autoria do acto. Também se entende que aquele que declara perante o fisco exercer a actividade, apresenta as declarações periódicas e procede às deduções, assinando por si ou devidamente representado por outrem, não pode declinar as responsabilidades perante o fisco, quando é chamado a repor aquilo que foi indevidamente deduzido, sem afrontar o princípio da boa fé.» .
Desde já adiantamos que perfilhamos in totum tal entendimento.
Perscrutado a prova carreada para os autos, resulta que a Impugnante, ora Recorrente;
a) declarou o início da actividade para efeitos de I.V.A.;
b) requereu as correspondentes alterações;
c) efectuou as deduções do imposto que a A.F. considerou indevidas (fls. 173 e seguintes dos autos);
d) era titular da conta bancária sedeada no Banco Nacional de Crédito Imobiliário que a empresa utilizava no respectivo giro comercial ( cfr Relatório de Inspecção Tributária).
Ainda que a Impugnante alegue que nunca exerceu a actividade que lhe é imputada, nunca auferiu qualquer rendimento da actividade de construção civil e não tem qualquer conhecimento ou controlo sobre o desenvolvimento daquela actividade, certo é que tal apenas e tão só [a]ela lhe é imputável e sobre a mesma impendem em exclusivo as consequências de tal opção.
Se decidiu criar uma empresa, se perante a administração fiscal sempre se apresentou como sua titular, nomeadamente assinando as competentes declarações de IVA, deduzindo o imposto alegadamente suportado e arrogando-se titular dos respectivos créditos ao longo dos anos, não pode agora vir esgrimir em sua defesa a tese de que era nada tinha a ver com tal empresa e a actividade pela mesma desenvolvida, sendo-lhe totalmente alheia.
(…)
Em suma, se constituiu a empresa e acometeu o desenvolvimentos da respectiva actividade a seu filho (e não a qualquer outro indivíduo conhecedor da actividade de construção civil, como o poderia ter feito) investindo-o nos poderes de representação necessários para o efeito, nomeadamente colocando a sua conta bancária pessoal à disposição daquele para o desenvolvimento da actividade, apresentando-se perante a AT como sua titular assumindo obrigações (apresentando as declarações periódicas de IVA ou de IRS) arrogando-se em direitos (nomeadamente à dedução de imposto ) dúvidas não subsistem quanto ao efectivo “dominus” do negócio.
(…)
Verificado o teor da declaração de início de actividade apresentada pela Impugnante, constata-se estarmos perante uma empresária em nome individual, cujos rendimentos empresariais decorrentes da actividade de construção civil estarão sujeitos a IRS (categoria B) – cfr. artigos 3.º e 4.º do Código de IRS.
(…)
Como resulta do Relatório de Inspecção Tributária e das declarações que foram prestadas nesse âmbito, o filho da impugnante (…), porque Professor Universitário, leccionando na Universidade em regime de exclusividade, não podia acumular essas funções com quaisquer outras, sendo neste contexto que se compreende a a actuação da Impugnante, ora Recorrente, ao declarar o início de actividade como empresária em nome individual, remetendo o desenvolvimento da mesma para pessoa conhecedora do “métier” e da sua confiança, seu filho.
Daí que se mencione na sentença recorrida ser consensual que todos os actos praticados em nome da empresária em nome individual L. (…) foram praticados pelo Sr. P., sem que a Sra. L. tivesse alguma intervenção ou conhecimento dos mesmos.
De todo o exposto resulta manifesto ser efectivamente a Impugnante a titular empresa em nome individual, apenas tendo conferido àquele seu filho os poderes de representação necessários e suficientes para que este em seu nome e representação a desenvolvesse, a actividade, promovendo o giro comercial daquela no mercado.
Ainda que se admita que in casu a Recorrente não controlava as obras, não negociava com os clientes ou fornecedores, não contratava pessoal, todavia, como é sabido, nada a impede que um individuo declare o início de uma determinada actividade e invista um terceiro ( “expert” na área ) nos poderes necessários e suficientes para a desenvolver, sem que por isso perca a titularidade da mesma.
Efectivamente, não fora a AT ter detectado as irregularidades que estão na origem das liquidações impugnadas e a Recorrente continuaria impávida a apresentar-se perante a AT como titular da actividade, girando no mercado, ad aeternum, representada por seu filho.
Porém, ubi commoda ibi incommoda.
Assim , considerando que a regra fundamental de incidência subjectiva em matéria de I.V.A., constante do artigo 2.°, n.º 1, alínea a) do C.I.V.A., determina que são sujeitos passivos de I.V.A. as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, nada obstando a que os mesmos invistam terceiros nos poderes de representação necessários e suficientes para em seu nome e representação promoverem o giro comercial da empresa , improcedem as conclusões de recurso no que a esta questão concerne.».
À semelhança do que sucedeu no caso relatado no acórdão acabado de transcrever, também no caso vertente o Recorrente se coletou para o exercício da atividade referida em 1. dos factos provados, entregou (ou permitiu que outrem, em seu nome, entregasse) declarações de impostos, designadamente de IVA, referentes a transações ocorridas no exercício daquela atividade e, ainda no âmbito destas, arrogou-se credor de IVA, assinou saques de letras de câmbio respeitantes a créditos derivados de transações comerciais tituladas por faturas emitidas em seu nome, bem como recibos de quitação.
Perante esta factualidade e com base na fundamentação adotada no transcrito aresto, na qual nos louvamos, o Recorrente deve ser considerado como sujeito passivo na relação jurídica tributária que emerge da atividade comercial em seu nome desenvolvida. Por consequência, nesta parte, deve improceder o presente recurso.

3.2.3. Erro de julgamento quanto à presunção de notificação
Na conclusão 14, o Recorrente alega que “A notificação regular das liquidações não se verificou, pois o impugnante não recebeu as cartas qua as continham e não se presume que lhe foram entregues, pois que alegou factos suficientes para afastar a presunção legal de que o foram. Com efeito, ao alegar «desconhece quem seja G., a pessoa que terá assinado os talões de registo e recebido a correspondência cuja cópia ora foi junta aos autos. Seja quem for, não é pessoa que represente o impugnante, nem das suas relações pessoais, domésticas ou de emprego» e ao arrolar testemunhas, se a sua audição não fosse indevidamente recusada, podia chegar-se à elisão dessa presunção e, por consequência, a invocada caducidade do direito de liquidar.”.
Sobre esta matéria, consta da sentença recorrida o seguinte:
«INVALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
O impugnante alegou que a notificação das liquidações teve lugar mediante carta registada sem aviso de recepção, para o seu domicílio fiscal, não tendo sido ele quem as recebeu, notificação que tem de conter todos os elementos, designadamente a respectiva fundamentação.
Notificado da junção dos documentos de fls. 108/134, referiu que “desconhece quem seja G., a pessoa que terá assinado os talões de registo e recebido a correspondência”.
Compulsados os autos verifica-se que os avisos de recepção relativos a tais notificações ostentam as datas “21/11/2005” e “5/12/2005”, e a assinatura “G.”.
Destarte, a notificação das liquidações impugnadas ocorreu mediante carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal do impugnante, e só por lapso se entende a arguição da invalidade da notificação.
Dispõe o artigo 39º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável às notificações postas em causa nos autos, “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
Deste modo, é inócua e de nenhum efeito a alegação do impugnante de que não foi ele quem recebeu a notificação das liquidações, posto que não alegou nem demonstrou que as cartas não chegaram à sua posse.
O nº 4 do normativo citado impõe ao distribuidor do serviço postal que proceda à notificação das pessoas referidas no número citado por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
Como refere J. Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado”, Vol. II, p. 369 “(…) será equiparável à falta de notificação a existência de uma notificação qualificável como nula, por lhe faltar algum dos requisitos previstos no art. 39º, nº 9, deste Código, pois, nestes casos, a notificação não produz quaisquer efeitos, como estabelece o nº 1 do art. 134º do CPA.”
Sucede que, o impugnante não alegou nem provou que as cartas registadas não chegaram à sua posse. Outrossim, impugnou as liquidações efectuadas, dentro do prazo legal, demonstrando ter perfeito conhecimento do seu conteúdo, tendo inclusivamente juntado cópia das mesmas, o que implica necessariamente que a notificação das liquidações em causa se considere validamente efectuada.
Na verdade, vem sendo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo que as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
Neste sentido, podem ver-se as seguintes decisões:
– Ac. do STA de 17-10-1989, proferido no recurso n.º 25294, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-12-94, página 5755;
– Ac. do STA de 13-7-1989, proferido no recurso n.º 18270, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-91, página 676;
– Ac. do STA de 5-2-1987, proferido no recurso n.º 22390, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7-5-93, página 609;
– Ac. do STA de 29-1-1991, proferido no recurso n.º 24417, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-7-95, página 289;
– Ac. do STA de 27-6-1991, proferido no recurso n.º 28819, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-9-95, página 4204;
– Ac. do STA de 17-12-1997, proferido no recurso n.º 36001, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 472, página 246, e em Cadernos de Justiça Administrativa n.º 12, página 3;
– Ac. do STA de 20-11-1997, proferido no recurso n.º 41719, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa n.º 13, página 14;
– Ac. do STA de 16-6-1998, proferido no recurso n.º 39946; – de 9-5-2001, proferido no recurso n.º 44341.
E ainda, BARBOSA DE MELO, “O vício de forma no acto administrativo (Algumas considerações)”, p. 525, que refere «a mais elementar regra de economia impõe que um acto administrativo não seja anulado só porque violou um preceito legal, quando dessa violação não resultou qualquer lesão efectiva, real dos interesses ou valores protegidos pelo preceito violado».)”.
Consequentemente, como no caso em apreço, não se demonstrou que as cartas postas em causa tivessem sido recebidas por alguém que não residisse no domicílio fiscal do impugnante, facto que nem sequer foi alegado, sendo que este impugnou tempestivamente as liquidações efectuadas, de que juntou cópia com a P.I., demonstrando ter perfeito conhecimento do seu conteúdo, e que tais cartas chegaram à sua mão, não obstante terem sido recebidas por outra pessoa, a notificação operada não padece de qualquer vício. De resto, não é crível, nem está de acordo com as regras de experiência comum e de normalidade da vida, que o impugnante desconheça as pessoas que frequentam o seu domicílio fiscal.
Consequentemente, mostra-se atingida a finalidade visada pelo ritualismo legal, pelo que a notificação efectuada tem que se entender como regular.».
Nesta parte, a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo pois, como ali bem se refere, o Recorrente jamais alegou que as cartas de notificação das liquidações impugnadas não lhe foram entregues, único caso em que seria pertinente ilidir a presunção de entrega das mesmas ao respetivo destinatário, que decorre do artigo 39.º, n.º 3 do CPPT.
Assim, em face do acerto da argumentação jurídica que, quanto a esta questão, se mostra vertida na sentença, resta-nos confirmá-la, também nesta parte.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 4 de junho de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio