Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00478/15.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC; NULIDADE PROCESSUAL; FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAÇÕES.
Sumário:I - Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (documentos juntos pela impugnante e PAT) que relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que a notificação das partes para alegarem sobre esta matéria.

II - Não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão suscetível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos pertinentes termos do processo (art. 201º do CPC e art. 98º nº 3 do CPPT). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C, SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, C, SA, pessoa coletiva número (…), interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Mirandela, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2009 e 2010.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1. A sentença recorrida é nula, e por diversas razões: desde logo, por ter sido proferida sem que às partes tenha sido dada a oportunidade de produzirem alegações finais, em violação clara do disposto no art. 120º do CPPT, cuja observância era devida face ao acervo documental carreado pela Fazenda Pública para o processo, através da junção do procedimento administrativo.
2. A produção de prova documental por qualquer das partes exige que não possa ser postergada a fase processual das alegações finais, que é justamente o momento em que as partes, no exercício do seu direito de defesa e do princípio do contraditório, não só podem pronunciar-se sobre a idoneidade dos documentos constantes do processo para provar a factualidade alegada, como também sobre as consequências jurídicas de tal prova (ou falta dela).
3. O juízo de ilegalidade sobre a decisão de postergar a fase das alegações finais em processos em que foi produzida prova documental constitui jurisprudência pacifica dos tribunais superiores: veja-se, por todos, o que se concluiu no recente Ac. do STA tirado no processo n.º 1765/13 datado de 04/03/15 e disponível em www.dgsi.pt: “Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (…), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar.”, decidindo-se a final que “a falta de notificação para alegar in casu não pode nem deve ser entendida como mera irregularidade processual passível de sanação mas antes como o postergar de uma fase do processo que contende com o direito de defesa das partes face à sua clara finalidade por não lhes ter sido assegurada oportunidade para se pronunciarem sobre os documentos em causa e sobre as questões de direito que os documentos do processo administrativo possam eventualmente suscitar, o que significa que a omissão em causa pode ter influência na decisão sobre a matéria em causa.”
4. A sentença recorrida é nula também porque o Tribunal não se pronunciou sobre diversas questões que lhe foram suscitadas pela Impugnante e sobre as quais se devia pronunciar.
5. Em primeiro lugar, não se pronunciou o Tribunal sobre a concreta questão da caducidade da liquidação de 2009 que lhe foi colocada: a de saber se a decisão de instauração de tal procedimento criminal é apta a produzir o efeito de alargamento do prazo de caducidade quando:
a) do projecto de relatório inspectivo notificado à Impugnante em 2013 (antes, portanto, do decurso do prazo “normal” de caducidade) não resulta que tenha sido detectada pela AT a prática de infracções criminais;
b) o auto de notícia alegadamente elaborado pela AT nunca foi notificado à Impugnante;
c) a comunicação de instauração do procedimento criminal ao Ministério Público não indica, nem sequer sumariamente, que concretos factos, dos muitos apurados pela inspecção, são susceptíveis de integrar algum tipo legal de crime fiscal;
d) de todos os factos alegadamente ocorridos no exercício de 2009 só a emissão de determinadas notas de crédito seria passível, mesmo na opinião do MP, de consubstanciar a pratica de um crime, em qualquer caso não punível;
e) relativamente aos factos de 2009, a Impugnante não foi acusada pela prática de qualquer crime;
f) por fim, a decisão de instauração do procedimento criminal, apesar de tomada na sequência da frustração da notificação da conclusão do procedimento inspectivo em finais de 2013, só veio a ser do conhecimento da Impugnantes meses mais tarde.
6. Em suma, a questão que a Impugnante levantou foi a de saber se o efeito do alargamento do prazo de caducidade promovido pela decisão de instaurar procedimento criminal lhe é oponível antes de chegar ao seu conhecimento e se lhe é oponível quando tal decisão foi tomada com manifesta má fé e com o exclusivo propósito de, violando os seus direitos de defesa, exercer abusivamente o direito de liquidação, direito esse cujo exercício já não estava autorizado pela ordem jurídica.
7. Foi esta questão que foi colocada ao Tribunal e sobre a qual o Tribunal não se pronunciou, ainda que tivesse dado por provado o facto de que a decisão de instauração do processo crime só foi tomada em 20 de Dezembro de 2013 (mais de um mês depois de ter sido concluído o projecto de relatório) e de que o procedimento inspectivo só se concluiu em Janeiro de 2014.
8. Ainda que a referida omissão não se verifique – no que nãos e consente, sempre este segmento da decisão seria ilegal, padecendo de erro de julgamento, por violação do alínea j) do nº 3 do artigo 62º do RCPIT, cuja inobservância impede a produção do efeito no n.º 5 do art. 45º da LGT e, ainda, por violação deste mesmo preceito, na medida em que o alargamento do prazo ali previsto depende da existência de um nexo entre a fundamentação da liquidação do imposto e os factos objecto do processo crime, nexo esse que, no caso, se não verifica de todo.
9. Sem prejuízo, alega-se ainda a inconstitucionalidade - por violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança e da certeza jurídicas, da boa-fé da actuação das autoridades publicas, bem como do direito à informação e à fundamentação das decisões desfavoráveis – da norma do n.º 5 do art. 45º da LGT quando interpretada com o sentido de que, para a produção da respectiva consequência, é suficiente a instauração de procedimento criminal sem qualquer comunicação ao contribuinte prévia ao normal decurso dos 4 anos (designadamente através do projecto de relatório inspectivo, como determina a alínea j) do nº 3 do artigo 62º do RCPIT), sem que existam, ao menos perfunctoriamente, fundamentos jurídicos adequados para tal decisão e sem que exista, ao menos formalmente, uma decisão fundamentada e comunicada ao contribuinte, da qual resulte, com um mínimo de clareza, a ligação entre os factos apurados na inspecção e o objecto do procedimento criminal, designadamente, na ausência de auto de notícia.
10. Por outro aldo, o tribunal recorrido também não se pronunciou sobre a inexistência de um nexo efectivo entre os factos apurados pela AT e os factos objecto de investigação no procedimento, o que lhe competia: desde logo, porque a própria AT não o estabeleceu, (nem podia, já que não há qualquer indício nem houve acusação da prática de qualquer crime respeitante a 2009) e, depois, porque a Impugnante expressamente assinalou a sua inexistência, com vista a, também por essa via, impedir a produção do efeito do alargamento do prazo de caducidade.
11. Não resultando dos autos qualquer elemento que permita estabelecer uma ligação entre o processo crime instaurado sob o n.º (…) (cuja acusação, de resto, respeita apenas a factos ocorridos em 2010) e os fundamentos da liquidação adicional de IRC respeitante a 2009, nas sábias palavras do STA (Ac. de 11/11/2015, tirado no Processo n.º 190/14, disponível em www.dgsi.pt), haveria de ter impedido o tribunal ad quem de concluir pela produção do efeito cominado pelo n.º 5 do art. 45º da LGT.
12. A sentença recorrida incorreu ainda em omissão de pronúncia, na medida em que não se pronunciou sobre a desadequação do art. 20º do Código do IRC para fundamentar legalmente a desconsideração das notas de crédito emitidas pela Impugnante, quando o fundamento factual invocado é afinal o de tais notas de crédito terem por destinatário entidades com as quais a Impugnante se encontra especialmente relacionada, circunstância que convocaria a aplicação do regime dos preços de transferência.
13. Independentemente de se encontrar ou não provada a razoabilidade da emissão das referidas notas de crédito, cabia ao tribunal apreciar a validade do fundamento jurídico mobilizado pela AT para a desconsideração de documentos correctamente lançados na contabilidade, designadamente se o art. 20º do Código do IRC é ou não adequado para desconsiderar tais documentos, apenas por eles terem sido emitidos a entidades com as quais existem relações especiais, quando o valor constante das facturas que tais notas de crédito anularam nunca foi recebido pela Impugnante,
14. Ou se tal correcção, a ter de ter lugar, não haveria de ter por base o mecanismo dos preços de transferência, especialmente previsto pelo legislador para aqueles casos em que as operações praticadas entre entidades independentes se afastam, por essa razão, das que seriam praticadas entre entidades independentes.
15. Ora, o tribunal omitiu a pronúncia sobre esta questão, que afecta determinantemente a validade do acto tributário, uma vez que a fundamentação errada ou deficiente equivale à falta de fundamentação e que a falta de fundamentação inquina o acto de nulidade.
16. Ainda que assim não se entenda, sempre se terá de concluir que a sentença recorrida errou ao julgar adequada a fundamentação da correcção em causa com tal fundamento, uma vez que o referido art. 20º do CIRC não é idóneo para justificar a desconsideração do efeito fiscal de um documento contabilístico correctamente lançado, apenas porque ele foi emitido a uma entidade especialmente relacionada.
17. Omitiu ainda a sentença recorrida a apreciação da questão de saber se um movimento a débito na conta de determinado fornecedor por contrapartida de um movimento a crédito numa conta de empréstimos configura uma variação patrimonial positiva, como defende a AT. Independentemente da questão de se saber se tal operação contabilística está, ou tem de estar, devidamente documentada importa, a montante, perceber que efeitos contabilísticos terá tal operação e se a sua desconsideração fiscal pode ou não originar uma variação patrimonial positiva tributável.
18. Ora, o Tribunal omitiu a análise desta questão e não apreciou o facto de a AT apenas ter desconsiderado o movimento na conta do fornecedor, sem desconsiderar simetricamente, como se impunha, o lançamento na conta de empréstimos; bem como não apreciou se tais lançamentos produziram efectivamente algum dano à Fazenda Publica; bem como, por fim, não ponderou se a reclassificação contabilística de determinado passivo altera ou não a situação patrimonial de duma entidade ou se essa reclassificação pode ser configurada como um “perdão de dívida” – conceito jurídico específico e causa de extinção de obrigações por iniciativa do credor.
19. Ainda que assim não se entendesse, sempre se haveria de concluir que a sentença recorrida violou, neste segmento, o disposto no art. 863º do código Civil e art. 21º do CIRC, porquanto a operação (reclassificação contabilística de um activo) em causa consubstancia um perdão de dívida e, consequentemente, não gerou qualquer variação patrimonial.
20. Incorre ainda a sentença recorrida em omissão de pronúncia por não se ter debruçado, tendo em conta a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da impugnante, sobre questão de saber se o art. 32º na redacção então vigente do Código do IRC se aplica apenas a elementos do activo imobilizado ou também a bens inscritos numa conta de fornecimentos e serviços externos; nem sobre a questão de saber a quem, verdadeiramente, caberia a prova de que os ditos activos se encontravam correctamente inscritos contabilisticamente, tanto mais que a AT não invocou qualquer fundamento para recusar a classificação pela qual Impugnante, nem operou, como lhe competia, correcção simétrica à matéria colectável de 2010, a qual se encontrava abrangida pela mesma inspecção.
21. Ainda que assim não se entendesse, o que não se consente, sempre se verificaria, nesta parte, erro de julgamento por violação do disposto no art. 29º do CIRC, do n.º 1 do art. 75º da LGT e do n.º 1 do art 342º do Código Civil, nos termos dos quais competia à AT demonstrar e provar que o período de vida útil dos bens em causa é superior a 1 ano e que, consequentemente, deveria os mesmos ser amortizados.
22. O tribunal incorreu ainda em omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou adequadamente – muito embora reconheça a existência de um lapso – sobre a questão de a AT ter ordenado a desconsideração de determinado custo por referência ao exercício de 2010 quando, sem fundamentação adequada, o acresceu à matéria colectável de 2009. De tal lapso não retirou a sentença qualquer consequência nem sobre ele faz qualquer apreciação jurídica, desviando a questão posta pela impugnante para a questão da prova da indispensabilidade dos custos, como se fosse irrelevante o exercício a que tal custo é imputável, o que consubstancia outra nulidade que aqui se imputa à sentença recorrida.
23. Mesmo que assim não se entenda, padece a sentença de erro de julgamento, na medida em que não retirou consequências jurídicas do facto de uma correcção respeitante a 2010 ter sido acrescida a 2009, o que viola o disposto no art. 18º do CIRC.
24. Por fim, o Tribunal também não se pronunciou adequadamente sobre a questão de saber se os encargos bancários suportados com empréstimos destinados a financiar entidades com as quais existam relações especiais pode ser desconsiderada com base no art. 23º do CIRC ou se, pelo contrário, deve ser mobilizado o mecanismos (simétrico) dos preços de transferência, o que consubstancia outra omissão e pronuncia ou, no mínimo um erro de julgamento por errada aplicação do art. 23º do CIRC, já que os factos impõem a aplicação do art. 58º.
25. Acresce que existem inúmeros factos que o Tribunal haveria de ter dado por provados, até por resultarem inequivocamente da documentação constante dos autos:
26. Assim, e no que se refere à questão da caducidade da liquidação de 2009, deveria o Tribunal ter dado por provado que:
i) A inspecção tributária dirigida ao contribuinte referente aos exercícios de 2009 e 2010 teve duração superior a 6 meses;
ii) A impugnante apenas tomou conhecimento da existência do processo crime contra si instaurado em Maio de 2014;
iii) Até ao momento em que foi proferida a acusação, a Impugnante não pôde estabelecer qualquer ligação entre os fundamentos das liquidações em crise e o objecto do referido procedimento criminal;
iv) No âmbito do referido processo, a impugnante não foi acusada pela prática de nenhum facto praticado em 2009; conforme resulta do procedimento administrativo junto a fls…
27. No que se refere à utilização do mecanismo dos preços de transferência, limitou-se o Tribunal a concluir, sem mais (pese embora, quanto ao tema, tenha usado mais de 4 folhas da sentença com a transcrição de normas legais) que “No relatório da inspecção tributária às correcções à matéria tributável da Impugnante, efectuadas na óptica dos preços de transferência, encontra-se subjacente um discurso fundamentado e revelador do percurso cognoscitivo-valorativo em que sustentou a conclusão não apenas da existência de relações especiais entre a Impugnante e a sociedade A., Lda. e de que as operações praticadas entre ambas as empresas não o foram em situação análoga, ou substancialmente equivalente, à de plena concorrência, isto é, as que se verificariam entre entidades independentes, relativamente a operações semelhantes. Improcede o pedido com fundamento nesta causa de pedir.”
28. No elenco dos factos provados, não se encontra qualquer referência ao alegado pela Impugnante e demonstrado pelos documentos n.ºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 juntos com a Reclamação Graciosa apresentada pela ora Impugnante e constantes do Procedimento Administrativo.
29. Designadamente, quanto aos preços de transferência, devia o tribunal ter dado por provado que:
v) A Impugnante dispunha do Relatório sobre preços de transferência exigido por lei.
vi) O referido relatório foi exibido e disponibilizado à AT.
vii) Os critérios ali enunciados não foram postos em causa pela AT em momento algum do procedimento inspectivo o ou do procedimento de reclamação Graciosa.
viii) A sociedade A., Lda foi, no exercício de 2009, o melhor cliente da Impugnante, adquirindo quantidades de materiais muito superiores às adquiridas por qualquer outro cliente.
ix) As vendas da Impugnante à A., Lda em 2009 representam 80% do volume total de vendas.
x) A mercadoria vendida pela Impugnante ao referido cliente provém de Angola, onde as condições de transporte e os respectivos preços em 2009 eram manifestamente instáveis (facto notório).
xi) Ao contrário do que sucede com os demais clientes da Impugnante no exercício de 2009, as vendas à A., Lda, são, maioritariamente vendas FOB Namibe, em que os custos de transporte, fretes, seguros e despachos a partir do Namibe (porto de expedição) são suportados pelo cliente.
xii) Na comparação levada a cabo pela AT para determinação dos preços médios unitários de venda foram comparadas facturas em que os custos de transporte, despachos, seguros e fretes são suportados pela Impugnante e outras em que o são pelo cliente.
xiii) Os custos com a descarga, verificação e conferência do material vendido até e nas instalações de cliente não especialmente relacionados é sempre suportado pela Impugnante.
30. No que se refere à desconsideração das notas de crédito emitidas pela Impugnante a entidades relacionadas, entendeu o Tribunal que não foram apresentados elementos probatórios justificativos da respectiva emissão, não obstante se encontrarem junto aos autos os documentos carimbados pelo cliente que atestam o conhecimento de tais notas (doc. n.º 15 junto com a Reclamação Graciosa de 2009),
31. Tendo ainda dado por assente que não se provou que tais documentos respeitavam a bens defeituosos nem que tais bens tivessem sido devolvidos. Ora, tais factos encontram -se provados pelos documentos nº 17 junto à Reclamação Graciosa de 2009 e constante do procedimento administrativo, pelo que deve acrescentar-se à matéria de facto provada:
xiv) As notas de crédito com os números 20090002, 2009011 e 2009022 respeitam a mercadoria que o cliente não aceitou,
xv) O produto das vendas anuladas por tais documentos não chegou a ser pago pelo cliente (já que tal facto, que competia a Autoridade Tributária infirmar para desconsiderar a anulação do proveito que tais notas de crédito representam, é inequívoco e determinante na analise jurídica da questão, na medida em que a tese da AT sobre omissão de proveitos só cobraria sentido na medida em o respectivo preço tivesse efectivamente sido recebido).
32. Entendeu também o tribunal aceitar, na esteira da AT, que a Impugnante, sem suporte documental ou factual, anulou um seu passivo, respeitante a uma dívida titulada por uma factura emitida pela sociedade “B.”, promovendo assim, a si própria, um “perdão da sua divida”, quando a Impugnante demonstrou e provou (doc. n.º 21 junto à Reclamação Graciosa de 2009, constante do procedimento administrativo) que o movimento contabilístico em causa deu lugar igualmente a um registo na sociedade A., Lda de sentido inverso, pelo que deve ser acrescentado à matéria de facto que:
xvi) O movimento a débito na conta do fornecedor “B.”, na esfera da impugnante, deu lugar a um movimento a crédito na conta #Empréstimos obtidos A., Lda;
xvii) Este movimento a crédito não foi desconsiderado pela AT;
xviii) Na esfera da sociedade A., Lda foi igualmente lançado um registo contabilístico de sentido simétrico, ficando, por essa via, esta credora da Impugnante de valor idêntico.
33. Quanto à questão dos custos com a aquisição de ferramentas e viaturas, devia o tribunal ter dado por provado, por isso ser facto notório e, ainda que assim não fosse, por a AT não ter invocado ou provado nenhum facto que afaste a presunção e veracidade de que gozam os registos contabilísticos da Impugnante e, por isso lhe competir a prova – não efectuada - de que assim não é, que:
xix) os utensílios e ferramentas inscritos na conta #6221513, na actividade da Impugnante, não têm um período útil de vida superior a um ano
34. Por fim, entendeu, erradamente, o Tribunal dar como não provado que a impugnante tivesse emitido uma factura a AL., que relativamente a essa factura tivesse havido uma diferença cambial e que esta tenha sido indispensável para a manutenção dos proveitos, quando resulta do doc. n.º 18 junto com a Reclamação Graciosa de 2010 que tal factura foi efectivamente emitida e que o respectivo recebimento foi erradamente contabilizado como encargo bancário, pelo que deve ser acrescentado à factualidade assente:
xix) o pagamento da factura emitida a AL. deu origem a uma diferença cambial no valor de € de 11.903,70 Euros, erradamente contabilizada como encargo bancário na conta POC #68811;
35. A fundamentação da sentença, na medida em que parece dar por provados todos os factos constantes do RIT por mera transcrição, sem qualquer juízo sobre a sua veracidade, é ilegal.
36. A sentença incorreu em erro de julgamento por apreciar indevidamente os requisitos de que depende a aplicação do art. 63º do CIRC, do art. 23º do IRC, da aplicabilidade do art. 32º do CIRC, da idoneidade do art. 21º do CIRC para acrescer valores a matéria colectável não reflectidos na contabilidade, nos termos supra explanados.

Termos em que deve o recurso ser provido, com todas as legais consequências. .(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, uma vez que a sentença recorrida padece de várias nulidades processuais, nomeadamente a falta de motivação e exame critico da prova, o que conduz à sua anulação.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, resumem-se em analisar a invocada nulidade processual decorrente da falta da sua notificação para apresentar alegações escritas (artigo 120.º do CPPT), a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, e o erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto vertida no probatório da decisão recorrida, uma vez que, para a decisão do presente recurso apenas cumpre conhecer de direito.
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 A Recorrente nas conclusões 1.ª a 4.ª da alegação de recurso, invoca a existência de uma nulidade processual derivada do facto de o tribunal recorrido não a ter notificado para apresentar alegações escritas nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do CPPT.
Está em causa, uma eventual nulidade secundária, anterior à sentença, e traduzida, segundo a Recorrente, na violação do direito ao contraditório quanto aos elementos constantes do procedimento administrativo, por ter sido omitida pelo tribunal recorrido a notificação para produção de alegações escritas nos termos e para os efeitos previstos naquela norma legal e que configura uma nulidade processual nos termos do artigo 195º, nº 1 do CPC.
Vejamos.
As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag.176.
As nulidades processuais, atípicas ou inominadas, estão previstas no artigo 201.º, nº 1, do mesmo CPC (atual art.º195.º), estando a sua arguição sujeita ao regime previsto nos artigos 202.º, 2ª parte e 205.º (atual art.º196.º 2ª parte e 197.º), do mesmo Código.
Prevê-se no art.º 201.º, n.º 1 do CPC (atual art.º195.º), que:” Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
No presente recurso está em questão, o processo de impugnação judicial cuja tramitação está prevista nos art.ºs 102 a 121.º do CPPT.
Preceitua a artigo 114.º do CPPT queNão conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias, as quais são produzidas no respetivo tribunal”.
Por seu turno, prescreve o artigo 120.º do CPPT que “Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias”.
Apresentadas as alegações ou findo o respetivo prazo e antes de proferida a sentença, será dada vista dos autos ao Ministério Público (artigo 121.º, nº 1 do CPPT).
Dos autos resulta que, após notificação do despacho que ordenou a dispensa de produção de prova testemunhal, foi ordenada a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público e logo após foi prolatada a sentença recorrida.
Compulsados os autos e toda a sua tramitação, verifica-se que apesar de terem sido juntos documentos aos autos, assim como o processo administrativo, as partes não foram notificadas para alegar, nem apresentaram alegações.
Do processo resulta que, após notificação à Recorrente/ impugnante da contestação e da junção do processo administrativo, foi proferido despacho judicial (01.09.2016) a considerar que o processo já continha elementos necessários para o conhecimento do pedido, indeferindo a inquirição de testemunhas arroladas.
Logo de seguida e sem qualquer notificação prévia às partes para produção de alegações escritas, foi ordenada a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público e, após, foi proferida a sentença recorrida.
Assim, verificada, a tramitação dos autos, as partes não foram notificadas para alegarem por escrito o que consubstancia uma omissão de um formalismo processual previsto na lei.

Nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do ato em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta/desvio.
Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de atos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respetiva arguição pode ser efetuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença, como, efetivamente, ocorreu no caso em apreço. (Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário, de 04/12/2002 e de 10/07/2002, proferidos nos recursos n.º 1314/02 e n.º 25998, respetivamente.)
No que concerne à questão de saber se ao omitir tal notificação, o tribunal recorrido praticou a nulidade processual tem o STA no acórdão n.º 01230/12 de 08.05.2013 (Pleno) entendido que: “(…) tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. É que, por um lado, e ao invés do entendimento apontado no acórdão recorrido, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado e como, igualmente, se diz no acórdão fundamento, «O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º».
Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)”.
E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa.
Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». (Ob. cit., volume II, p. 298 (nota 8 ao art. 120º).
Aliás, o mesmo autor também acrescenta (Ibidem, nota 3 ao art. 113º, p. 249). que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT).

Não encontramos razões para divergir deste entendimento (que foi o acolhido no acórdão fundamento) e que cremos ser o que decorre da lei. E consequentemente concluímos que no caso dos autos, não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a anulação da sentença nos termos do art. 201º do CPC e art. 2º, al. e), do CPPT, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, segundo o disposto no art. 98º, nº 3, do CPPT. (…)”
Transpondo a jurisprudência para o caso concreto em análise, estamos perante a supressão de uma fase processual prevista lei, que têm como objetivo quer a discussão da matéria de facto, quer de direito.
Na esteira deste entendimento, é, pois, de concluir que no caso dos autos, ao não se notificar a Recorrente para alegações escritas (art.º 120.º do CPPT), ocorreu uma omissão suscetível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (art.º 201.º do CPC atual 195.º do CPC), e implica a anulação dos atos processuais subsequentes, nos termos do artigo 98.º, nº 3 do CPPT.
Importa ainda realçar que no caso, agora em apreço, para especificação da matéria de facto julgada, na sentença sob recurso, relevaram-se documentos juntos pela Recorrida, pelo que não poderá deixar de se concluir que a omissão ocorrida foi efetivamente suscetível de influir no exame e na decisão da causa.
E como se concluiu no supra citado acórdão do STA, é imperioso conceder às partes a possibilidade de alegar sobre esta matéria, não só pela relevância factual que podiam ter os elementos em questão, como tiveram, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podiam retirar.
Em consequência do exposto procede o recurso, interposto, nesse segmento, o que acarreta a prejudicialidade do conhecimento das restantes questões colocadas.

4.2. Apropriando-nos com a devida vénia dos ensinamentos do citado acórdão do STA, formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I - Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (documentos juntos pela impugnante e PAT) que relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que a notificação das partes para alegarem sobre esta matéria.
II - Não tendo a recorrente sido notificada das alegações, ocorreu no processo uma omissão suscetível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos pertinentes termos do processo (art. 201º do CPC e art. 98º nº 3 do CPPT).

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, em consequência, anular a sentença recorrida e os demais atos processuais subsequentes, determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a fim de ser fixado prazo para alegações das partes, nos termos do artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, seguindo-se os ulteriores termos.

Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Criminal de Marco de Chaves, melhor identificado nos autos.

Custas a cargo da Recorrida, salvo quanto a taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou.


Porto, 05 de março de 2020


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes