Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01750/09.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
SUSPENSÃO DE PRAZO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA
DELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 49.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Junho (que é a aplicável), a instauração da impugnação judicial interrompe a prescrição das obrigações tributárias, mas o efeito interruptivo derivado desse facto cessa, convertendo-se em suspensivo, com a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
II - A paragem do processo de execução fiscal em consequência de dedução de impugnação judicial, associada à penhora de bem que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido, não opera a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, dado o disposto no nº 3 do artigo 49º da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/6).
III - Assim, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido, o prazo de prescrição manter-se-á suspenso enquanto durar aquela suspensão.
IV- A suspensão da execução fiscal ocorre por força da lei e opera automaticamente em resultado da apresentação de garantia idónea ou da penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido [artigo 169º nº 1 do CPPT], não dependendo da prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal.
V - A competência para o conhecimento da prescrição é atribuída (em primeira mão) ao órgão de execução fiscal e, salvo nos casos previstos na lei, os órgãos da Administração Tributária podem delegar a competência do procedimento no seu imediato inferior hierárquico (artigo 62º, nº 1 da LGT).
VI- Quando não se está perante uma competência exclusiva, sem possibilidade de delegação, o determinante para conferir legalidade à intervenção do autor da decisão, seja substituto legal ou não, é a existência de um acto de delegação de competências e a respectiva publicitação no Diário da República.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
M…, Lda., (doravante, Recorrente), NIPC 5…, com sede …, interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou improcedente a reclamação por si apresentada contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo de 6 de Novembro de 2009, proferida no âmbito do processo de execução fiscal (doravante, PEF) nº 2348200101019317, que não declarou prescritas as dívidas exequendas.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª Pela exposição de motivos suscitada na presente peça, a recorrente pugna para que a decisão fáctica possa ser alterada, para além da correcção sugerida quanto ao ponto nº 4 dos Factos Assentes no seguinte sentido:
2ª O não acolhimento da matéria factual vertida no ponto nº 5 dos Factos Assentes;
3ª E a adição da seguinte matéria factual: a) o Chefe da Repartição de Finanças não proferiu qualquer despacho a determinar a suspensão da instância executiva, quer após a sua instauração, quer após a penhora de 08.03.2002; b) no âmbito do processo de impugnação instaurado pela ora recorrente não foi proferido qualquer despacho judicial a determinar e a ordenar a suspensão da instância executiva; c) quer a instância executiva, quer o processo de impugnação judicial, se encontraram parados por um período de mais de 1 ano, por facto não imputável à ora recorrente;
4ª Em consequência, contrariamente ao que a douta sentença recorrida não sindicou e tão pouco acolheu, o processo executivo e o próprio processo impugnatório estiveram parados, por inércia, por mais de 1 ano, por facto que não pode ser imputado à executada e ora recorrente,
5ª Pelo que o efeito interruptivo derivado da sua citação para o processo executivo, em 06.11.01 e mais tarde por via da penhora de 08.03.02, cessou pela inércia do processo por longos e vários anos, por facto não imputável à recorrente;
6ª De facto, quer numa, quer noutra instância, inexiste qualquer despacho a determinar a sua suspensão, pelo que, naturalmente, também não poderia ser notificado à executada e ora recorrente;
7ª Sendo que se o houvesse, nos termos da Lei Geral Tributária e Código do Procedimento Administrativo, importaria que o fosse, pois tal facto colidia com os seus direitos e meios de defesa, para além de consubstanciar uma preterição de formalidade essencial, que não é sanável pelo decurso do tempo;
8ª Por outro, quer a verificação, quer a determinação do facto interruptivo - no caso em apreço a suspensão da instância executiva - não operam automaticamente;
9ª Mas derivam da prévia verificação, mediante decisão do Chefe do Serviço de Finanças, que ordena ou não a suspensão da instancia executiva ou
10ª Ou, como no caso em apreço, de despacho judicial que haveria de ter sido proferido e não o foi, no âmbito do processo de impugnação instaurado oportunamente pela ora recorrente;
11ª O que não ocorreu, de todo, no caso “sub judice”;
12ª Tudo somado: a verdade e a realidade é que se verificou salvo melhor e douta refexão, a prescrição da dívida exequenda, prescrição essa o que o órgão de execução fiscal poderia e deveria ter conhecido e declarado face à petição da recorrente e a douta sentença recorrida assim, também, o deveria, salvo melhor e douta reflexão, decidido - cfr. a este propósito o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, processo nº 00088/04, Secção Contencioso Tributário, data: 17-06-2004, Relator: Dr. Juíz Valente Torrão, Descritores: Prescrição da Dívida Exequenda, Prazo, Paragem Processo Motivo Não Imputável Executado.
11ª Como assim não se decidiu, a douta sentença realizou uma errada interpretação e aplicação do normativo directamente aplicável, violando o disposto no art.º 34º do CPT, art.º 49º da LGT, art.º 297º do Código Civil e art.ºs 175º e 204º, nº 1, alínea d) do CPPT;
12ª Finalmente, aparentemente parecerá, face ao aduzido na presente peça - cfr. pontos 4 a 16 que aqui se dão por integralmente reproduzidos - , que o despacho de indeferimento proferido pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo, contrariamente ao acolhido na douta sentença, padecerá efectivamente de vício que resulta do facto de ter sido proferido por funcionário que não tinha competência funcional e material para apreciar a bondade da petição da executada e ora recorrente, o que expressamente se invoca com todas as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] são as seguintes: (i) do erro de julgamento da matéria de facto, por acolher na matéria factual, factos que não devia (ponto 5 dos factos assentes) e não consignar matéria de facto relevante para a decisão a proferir e conter erro quanto à data da decisão reclamada (facto constante do ponto 4 do probatório); (ii) do erro de julgamento da sentença recorrida ao não declarar prescritas as dívidas exequendas; (iii) do erro de julgamento da sentença recorrida ao não considerar que a decisão reclamada foi proferida por funcionário que não tinha competência funcional e material para a apreciação da petição da Reclamante/Recorrente.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. As dívidas exequendas que a reclamante considera prescritas respeitam a IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998;
2. Para cobrança dessas dívidas foi instaurado o processo de execução fiscal acima identificado, no qual se realizaram as diligências e se verificaram factos descritos na informação oficial de fls. 175 e 176 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
3. De entre esses factos destaca-se aqui a citação da executada a 06.11.2001, a dedução de impugnação judicial a 29.11.2001 e a decisão definitiva proferida nessa impugnação a 17.03.2008;
4. Em 18.02.2009, a reclamante requereu ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que declarasse prescritas as dívidas de IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, requerimento que foi indeferido por despacho de 11.03.2009, sendo desse despacho que vem agora apresentar a presente reclamação;
5. Tal despacho foi proferido por funcionário em substituição legal do Chefe de Finanças, nos termos do ponto 4 do aviso 11285/2009, publicado na 2ª série do D.R. de 24.06.2009 - cfr. doc. n° 1 junto com a resposta da F.P., a fls. 42 e 42 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
2.1.2. A Recorrente começa por requerer a correcção da matéria de facto constante do ponto 4 dos “Factos Assentes”, por a data do despacho do indeferimento proferido pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo ser de “06.11.2009” e não a que consta dos factos provados (11.03.2009).
Tem razão a Recorrente, pelo que se procederá à correcção do erro material constante do ponto 4 do probatório, o qual passará, assim, a ter a seguinte redacção:
4. Em 18.02.2009, a reclamante requereu ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo que declarasse prescritas as dívidas de IVA dos anos de 1996, 1997 e 1998, requerimento que foi indeferido por despacho de 6 de Novembro de 2009, sendo desse despacho que vem agora apresentar a presente reclamação.
2.1.3. Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, importa ainda aditar matéria de facto que resulta provada, com base nos documentos juntos aos autos, por se nos afigurar relevante, nos seguintes termos:
6. Na petição da impugnação judicial apresentada em 29.11.2001 contra as liquidações que servem de base às dívidas exequendas, a Reclamante pediu a final, além do mais, que “em ordem a lograr o efeito suspensivo para a presente impugnação, a impugnante declara, desde já, querer prestar garantia idónea e adequada, propondo, para o efeito, a constituição de hipoteca voluntária, a favor da administração fiscal, sobre o seu imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Viana do Castelo (Monserrate) sob o art …º” - cfr. fls. 27 a 31 do processo executivo apenso).
7. No âmbito do processo de execução fiscal referido em 2., em 8 de Março de 2002, foi lavrado auto de penhora do prédio urbano melhor identificado a fls. 25 do processo de execução fiscal apenso e cujo teor se dá por reproduzido.
8. De seguida, a fls 26 dos autos, foi prestada a informação de que “a executada deduziu impugnação judicial, a qual deu entrada no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo em 2011.11.29.”
9.Após o pedido de registo da penhora efectuado em 17 de Maio de 2002 e da efectivação do mesmo, não foi praticado qualquer outro acto na execução fiscal em causa - cfr. fls. 37 a 53 dos autos.
10.Do print informático referente à tramitação do processo de execução fiscal referido consta a indicação de “SUSP. P/IMPUGN.” desde 08/03/2002 - cfr. fls. 59 dos autos.
2.1.4. Entendemos ainda, ao abrigo do citado normativo, reformular a matéria dada como assente, completando a redacção do ponto 2., de modo a que do mesmo passe também a constar a data de instauração do processo de execução fiscal e subdividir o ponto 5 em dois, de modo a que passem a ter a seguinte redacção:
2. Para cobrança dessas dívidas foi instaurado em 26 de Outubro de 2001 o processo de execução fiscal acima identificado, no qual se realizaram as diligências e se verificaram factos descritos na informação oficial de fls. 175 e 176 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5.1). O despacho reclamado foi proferido por R…, enquanto substituto legal do Chefe de Finanças - cfr. fls. 191 do processo de execução fiscal apenso.
5.2). No Aviso 11285/2009, publicado na 2ª série do D.R. de 24.06.2009, referente a “delegação de competências”, do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, consta o ponto 4 do seguinte teor: “- 4- Substituto legal - Nas minhas faltas, ausências ou impedimentos, substituir-me-á o adjunto R…” - cfr. fls. 43 a 45 dos autos.
2.1.5. Por último, face à matéria de facto provada ora aditada [v.g. pontos 7 e 8], entendemos estar ultrapassada a questão do aditamento pretendido pela Recorrente no que concerne à não prolação de despacho de suspensão da instância executiva e, por outro lado, não se nos afigura relevante para a apreciação da questão da prescrição levar ao probatório os factos relacionados com a tramitação da impugnação judicial, como pretende a Recorrente, como se verá na apreciação do mérito de tal questão. E, também não se aditará ao probatório o facto constante da conclusão 3ª c) das alegações de recurso, por o seu teor ser manifestamente conclusivo.
Face à reformulação efectuada ao ponto 5 do probatório, fica também ultrapassada a pretensão da Recorrente quanto a este ponto, sendo que as ilações retiradas de tal facto já contendem com o eventual erro de julgamento de direito.
2.2. O direito
2.2.1. A questão nuclear que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu (ou não) em erro de julgamento ao não declarar prescritas as dívidas exequendas.
Vejamos.
As dívidas exequendas são provenientes de IVA referente aos anos de 1996, 1997 e 1998.
Antes de mais, importa apurar qual o prazo de prescrição aplicável a cada uma das dívidas em causa, tendo em consideração que os factos tributários que lhes estão subjacentes ocorreram durante a vigência do Código de Processo Tributário (CPT).
Nos termos do artigo 34º do CPT, o prazo de prescrição era de 10 anos a contar do inicio do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.
Com a entrada em vigor da LGT, esse prazo de prescrição foi reduzido para 8 anos, contado nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto ocorreu (artigo 48º, nº 1).
Aos prazos prescricionais é aplicável o disposto nos artigos 296º e seguintes do Código Civil (CC); nos termos do artigo 297º, nº 1 deste diploma, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se complete.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010, pág. 95: “Assim, no caso de leis que encurtam prazos de prescrição, que são as que tem ocorrido em matéria tributária, se no momento da entrada em vigor da nova lei falta menos tempo para o prazo se completar à face da lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos, aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor”.
Importa, pois, averiguar se, relativamente às dívidas exequendas, em 1 de Janeiro de 1999 (data da entrada em vigor da LGT), faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto no artigo 34º do CPT do que o de 8 anos previsto no artigo 48º, nº1 da LGT.
Relativamente à dívida de 1998, não restam quaisquer dúvidas ser de aplicar o prazo de 8 anos previsto no artigo 48º, nº 1 da LGT, pois, na data da entrada em vigor da LGT, ainda não tinha decorrido qualquer prazo de prescrição.
Quanto às dívidas de IVA de 1996 e 1997, considerando que o processo de execução fiscal apenas foi instaurado em 26.10.2001, nenhum facto interruptivo ocorreu na vigência do CPT (cfr. artigo 34º, nº 2 do CPT), pelo que, tendo o prazo de prescrição o seu início em 01.01.1997 (ano de 1996) e, em 01.01.1998 (ano de 1997), na data da entrada em vigor da LGT (01.01.1999), faltavam 8 e 9 anos, respectivamente, para se completar o prazo de prescrição. Assim sendo, nos termos do artigo 297º do CC, o prazo a aplicar às dívidas de 1996 e 1997 é também o de 8 anos previsto na LGT, já que a lei antiga (CPT) só seria de aplicar se, segundo ela, faltasse menos tempo do que segundo a lei nova para se completar
Uma vez que o prazo de prescrição se conta relativamente a todas as dívidas exequendas a partir da entrada em vigor da LGT (01.01.1999), uma vez que não ocorreu qualquer facto interruptivo ou suspensivo até esta data, será esta lei a regular os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos que, entretanto, venham a ocorrer [cfr. artigo 12º, nº 2 do Código Civil].
Resulta da matéria de facto assente que a citação da ora Recorrida para a execução ocorreu em 06.11.2001. Assim, com a citação da Recorrente (executada) para a execução (1º facto interruptivo) interrompeu-se o decurso do prazo prescricional [cfr. artigo 49º, nº 1 da LGT, na redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26.07], daí decorrendo a inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (nº 1 do artigo 326º do CC) e, por outro lado, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), salvo no caso de paragem por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (que se tenha verificado em momento anterior ao da revogação do n.º 2 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária - cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 57 e ss).
Entretanto, em 29.11.2001, a Recorrente deduziu impugnação judicial contra as liquidações que estão na origem das dívidas exequendas [2º facto interruptivo], e, com vista a obter o efeito suspensivo, ofereceu como garantia um prédio urbano; tendo, em 22.02.2002, sido lavrado auto de penhora desse prédio e efectuado o respectivo registo na Conservatória competente. Sendo ainda certo que, após a efectivação do registo da penhora e da prestação de informação nos autos de execução fiscal sobre a pendência da impugnação judicial, não foi realizado qualquer acto ou diligência no âmbito da referida execução fiscal.
Ora, nos termos do artigo 169º do CPPT, a execução fica suspensa até à decisão em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Por outro lado, preceitua o artigo 49º da LGT (na redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26.06):
“(…)
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da sua autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.
(…)”.
Portanto, face à redacção dada ao artigo 49.° da LGT pela Lei n° 100/99, nada obstava a que se concedesse relevo às causas suspensivas autónomas em relação ao facto com efeito interruptivo. Como salienta Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., págs. 64/65, «Existindo uma causa de suspensão autónoma em relação ao facto com efeito interruptivo, ela produzirá os seus próprios efeitos independentemente dos produzidos pelo facto interruptivo, pelo que poderá obstar ao decurso do prazo de prescrição em situações em que não é produzido esse efeito pelo facto interruptivo. Se tanto este facto como o facto interruptivo eliminarem a relevância do mesmo período de tempo para a prescrição, será irrelevante a existência de causa de suspensão, pois esse período já não será contado para a prescrição por força do facto interruptivo. Mas, se houver algum período do prazo que não é eliminado pelo facto interruptivo e é pelo facto suspensivo, cumular-se-ão os efeitos dos dois factos» (Ob. cit., págs. 64/65.).
A Recorrente invoca que o efeito interruptivo decorrente da sua citação para a execução e da dedução da impugnação judicial cessou, pela inércia do processo por vários anos, por facto que não lhe é imputável, já que, quer numa, quer noutra instância, inexiste qualquer despacho a determinar a sua suspensão e, tal suspensão, não opera automaticamente [conclusões 5ª a 10ª].
No caso em apreço, foi a própria Recorrente que na petição da impugnação judicial referente às dívidas exequendas, para lograr o efeito suspensivo, declarou querer prestar garantia idónea e adequada propondo, para o efeito, a constituição de hipoteca voluntária sobre o seu imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Viana do Castelo (Monserrate), sob o artigo 207º. Ora, consta de fls. 33 do processo executivo apenso que foi efectuada a penhora desse mesmo imóvel, e, perante informação dessa penhora de bem imóvel, que, em princípio garante a quantia exequenda e acrescido, foi, nessa data (08.03.2002) averbada nos autos de execução fiscal a indicação de “SUSP P/IMPUGN”.
Assim, a cessação do efeito interruptivo decorrente da eventual paragem do processo de impugnação judicial e/ou dos autos de execução fiscal por mais de um ano, por motivo não imputável à ora Recorrente, é totalmente irrelevante, uma vez que tal cessação ficou neutralizada em virtude da relevância autónoma dos factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição, não se operando a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, já que tal paragem decorre de uma causa imputável ao sujeito passivo (na medida em que a penhora impediu o órgão da execução fiscal do prosseguimento da tramitação). Ou seja, não houve transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeito do disposto no nº 2 do art. 49º da LGT, uma vez que tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso nos termos do disposto nos arts. 49º, nº 3 da LGT e 169º do CPPT, o prazo de prescrição também ficou suspenso - neste sentido, entre muitos, acórdãos do STA, de 21.09.2011, Processo 0256/11, de 04.03.2009, Processo 160/09, de 07.12.2010, Processo 0490/10, de 19.01.2011, Processo 0726/10, de 26.01.2011, Processo 01/11, de 30.03.2011, Processo 0235/11 e de 29.06.2011, Processo 0217/11.
É certo que, como invoca a Recorrente, do PEF não consta que tenha sido proferido despacho expresso a suspender a execução fiscal, em virtude da apresentação da impugnação judicial e da penhora realizada.
Porém, há que ter em atenção o disposto nos artigos 169º, nº 1 do CPPT que estabelece o seguinte: “A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, …, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
Também, o artigo 52º, nº1 da LGT preceitua que “A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda
E acrescenta o nº 2 do mesmo normativo: “A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos da lei tributária.”
Da leitura destes normativos, afigura-se-nos evidente que a suspensão da execução ocorre por força da lei, dependendo apenas da prestação de garantia idónea e não da prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal. Tal “suspensão opera automaticamente em resultado da apresentação da referida garantia, não dependendo de decisão do tribunal ou de acto administrativo expresso do órgão da execução fiscal” (António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, pág. 242).
Como se escreveu no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2011, Processo 0977/11: “Com efeito, decorrendo da lei que a suspensão da execução ocorre quando verificados determinados pressupostos, impõe-se à AT a partir desse momento que a execução se suspenda, pois, desde logo, não tendo a AT a possibilidade de praticar na mesma qualquer acto que contenda com o referido efeito suspensivo, sob pena de ilegalidade. De outro modo, a considerar-se que a AT sempre poderia ir praticando alguns actos no processo até que decidisse suspender a execução, gorar-se-ia o efeito suspensivo que a lei quis atribuir quando verificados determinados pressupostos. É o que resulta, aliás, da norma constante do n.º 1 do artigo 169.º do CPT quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito à prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa (v. artigos 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º, n.ºs 1 e 4 e 199.º, n.ºs 3 e 7 do CPPT).”
Ora, ficando suspensa a execução, ficou também suspenso o prazo de prescrição (artigo 49º, nº 3 da LGT). Neste caso, a paragem do processo de execução por motivo da suspensão requerida pela executada/Recorrente (cfr. pedido expresso na petição de impugnação judicial) é-lhe imputável, pois a sua actuação coloca o órgão de execução fiscal, enquanto credor da dívida exequenda, numa situação de a não poder cobrar, nos termos do disposto nos artigos 49º, nº 3 da LGT (redacção inicial) e 169º do CPPT - cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 68.
Assim sendo, temos de concluir que os prazos de prescrição estiveram suspensos até à data do trânsito em julgado da decisão de impugnação judicial, cuja data não consta dos autos, mas será seguramente posterior à data em que tal decisão foi proferida, em 17.03.2008 [cfr. ponto 3 do probatório], reiniciando-se, então, os prazos de prescrição.
Ora, computado e somado o prazo decorrido desde 01.01.1999 (termo inicial da contagem do prazo de prescrição) até à data da autuação do processo de execução fiscal (26.10.2011) - 2 anos, 9 meses e 25 dias - com o decorrido a partir do trânsito da decisão da impugnação judicial (posterior a 17.03.2008) até à presente data, temos que ainda não se completaram os 8 anos previstos na LGT.
Face ao exposto, é de manter a decisão recorrida que julgou não prescritas as dívidas exequendas e negar provimento ao recurso nessa parte.
2.2.2 Importa agora apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a alegada incompetência do funcionário que praticou o acto reclamado.
Argumenta a Recorrente que o despacho de indeferimento proferido pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo, contrariamente ao acolhido na sentença recorrida, padecerá efectivamente de vício que resulta do facto de ter sido proferido por funcionário que não tinha competência funcional e material para apreciar a bondade da petição da executada [conclusão 12ª].
A propósito desta questão, consignou-se na sentença recorrida o seguinte: ”Em relação à alegada incompetência do funcionário que praticou o acto reclamado, tal questão, respondida pelo próprio teor do ponto 5 dos factos provados, acima, terá de improceder, uma vez que o mesmo estava no exercício das funções de Chefe de Finanças em regime de substituição legal.”
Para além das competências atribuídas especialmente nas leis tributárias, a competência material e territorial da administração tributária está definida no artigo 10º, nº 1 do CPPT, cabendo, nomeadamente, aos serviços da administração tributária “decidir as petições e reclamações e pronunciar-se sobre os recursos hierárquicos apresentados pelos contribuintes” [alínea b)]. E, segundo o nº 2 desse normativo “Sem prejuízo do disposto na lei, designadamente quanto aos procedimentos relativos a tributos parafiscais, serão competentes para o procedimento os órgãos periféricos locais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte da situação dos bens ou da liquidação”. Ora, órgãos periféricos locais da administração central são, desde logo, os serviços de finanças.
Acresce que, nos termos do artigo 175º do CPPT, a competência para o conhecimento da prescrição é atribuída (em primeira mão) ao órgão de execução fiscal.
Daqui resulta que a competência para decidir o requerimento apresentado pela Recorrente a solicitar a declaração da prescrição das dívidas exequendas cabia ao órgão de execução fiscal, mais concretamente, ao Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo.
Ora, salvo nos casos previstos na lei, os órgãos da Administração Tributária podem delegar a competência do procedimento no seu imediato inferior hierárquico (artigo 62º, nº 1 da LGT).
Do processo de execução fiscal apenso resulta que a decisão reclamada foi proferida pelo substituto legal do Chefe de Finanças “R…” e que, no Diário da República nº 120, II Série, de 24.06.2009, foi publicado o Aviso (extracto) nº 11285/2009, onde consta que o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, em 02.02.2009, delegou competências nos adjuntos e nomeou seu substituto legal nas suas faltas, ausências ou impedimentos, o adjunto R… (cfr. ponto 4. do referido Aviso).
Neste caso, em que não estamos perante uma competência exclusiva, sem possibilidade de delegação [como se verificava na situação apreciada por este Tribunal no acórdão de 12.01.2006, proferido no Processo 00495/05.6 BECRB, em matéria de derrogação do sigilo bancário], o determinante para conferir legalidade à intervenção do autor da decisão reclamada (Rui Alberto da Costa Machado) é, como ficou implícito na decisão recorrida, a existência de um acto de delegação de competências e a respectiva publicitação no Diário da República (ver, a propósito, acórdão do TCAS de 05.07.2011, Processo 02629/08).
Temos, assim, de concluir que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa, improcedendo, consequentemente, o recurso interposto.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 30 de Novembro de 2011
Fernanda Esteves
Álvaro Dantas
Anabela Russo