Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00484/07.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
IMPOSTO DE CAPITAIS
ADIANTAMENTOS POR CONTA DOS LUCROS
Sumário:I. Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, os casos em que podem ser presumidos os rendimentos da categoria E, ou seja, só os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
II. A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do Recorrente escriturada na sociedade. (Cfr. Acs. do TCAS 8216/11 de 05.02.2015, 4357/10 de 11.01.2011, 3221/09 de 13.10.2009 e 8216/14 de 05.02.2015)*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

O Recorrente, R..., vem recorrer da sentença proferida em 29.03.2012 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a liquidação de IRS de 2002, com o valor de € 6 152, 92 (onde se incluem respetivos juros compensatórios).

O Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações, as seguintes conclusões:

“ (…)
1ª. As transferências de montantes a partir de uma conta bancária omissa nos registos da Sociedade para uma conta bancária da qual era contitular o ora recorrente não foi objecto de qualquer registo ou lançamento contabilístico.
2ª. Pelo que, atenta a redacção do art. 6° n°4 do CIRS, tais transferências não podem ser presumidas de lucros ou adiantamentos de lucros.
Conferir a propósito os acórdãos mencionados no ponto n° 11 das alegações.
3ª. O entendimento contrário pressuposto na douta sentença recorrida, viola o art. n.° 4 do CIRS.
4ª. A importância de 18.000,00 € por ser um empréstimo do sócio à Sociedade, é
irrelevante para determinar o montante total das transferências líquidas entre a
Sociedade e os sócios.

5ª. E em qualquer caso esse crédito de 16.000,00 €, não pode corresponder a uma deslocação patrimonial para a esfera jurídica do sócio ora recorrente.
6ª. Na verdade tal montante não pode entrar no apuramento das transferências líquidas entre a Sociedade e os sócios.
O valor dessas transferências líquidas só pode resultar da diferença entre o valor total
das transferências da C.G.Dep. (em nome da Sociedade mas omissa aos registos) que
é de 93.550,00€ e o valor das reposições feitas pelos sócios de 32.50000 €. Assim as
transferências líquidas cifram-se em 61.050,00€.

7ª. A validação pela sentença recorrida de deslocações patrimoniais de montantes diferentes configura erro de julgamento da matéria de facto.
8ª. A sentença recorrida também não tomou em consideração as especificidades relativas a cada sócio, designadamente os quantitativos inscritos por cada um deles nas suas declarações mod. 3 de IRS.
9ª. No caso do recorrente, tendo em conta o valor líquido das transferências patrimoniais (61.050,00), a percentagem de 70% da sua quota no capital social (42.735,00 = 61.050,00 x 70%)) e ainda os rendimentos declarados de 27.185,73€ (conf. relatório), obtém-se uma quantificação correcta de 15.549,27€.
Tendo em conta o montante resultante da correcção do exame (31.723,00), verifica-se um inequívoco excesso de 16.173,73€.
10ª. Ignorando tal excesso na quantificação, a sentença em recurso comete, ainda que por omissão, um erro de julgamento da matéria de facto.
Termos em que se requer a V. Exªs que revoguem a decisão em recurso, substituindo-a por outra que determine a anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2002. .(…)”

A Recorrida não contra-alegou.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

3.JULGAMENTO DE FACTO

3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)1. Pela Ordem de Serviço n.º OI200602244 de 02.08.2006, foi determinada a realização de uma inspecção ao Sujeito Passivo, R..., tendo o procedimento de inspecção sido concluído com a elaboração do Relatório a 6 de Novembro de 2006 e incidindo sobre os anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 – cfr. Relatório, fls. 14 e seguintes do processo administrativo;
2. O Sujeito Passivo R... é sócio gerente da empresa “Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda.” –cfr. fls. 14 e seguintes, relatório constante do processo administrativo;
3. O agregado familiar deste Sujeito Passivo é composto exclusivamente por si, viúvo há alguns anos, os seus rendimentos líquidos resultam do somatório dos rendimentos por si auferidos e que têm a natureza de trabalho dependente, Categoria A, e do trabalho independente, Categoria B – cfr. relatório de inspecção constante do Processo Administrativo;
4. Em termos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares o Impugnante optou pelo regime simplificado previsto no art. 31º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
5. Para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, temos que a actividade de médicos e odontologistas se encontra isenta – art. 9º, n.º1 b) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado – não deduzindo o Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado no exercício da sua actividade – Cfr. Relatório de Inspecção constante do Processo Administrativo apenso aos autos;
6. A Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda., é titular de duas contas bancárias: Banco… 00.. e Caixa… 00.., sendo que todos os pagamentos por si realizados a fornecedores são efectuados a partir destas contas – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
7. A conta Caixa… 00…não se encontra na registada na contabilidade da empresa – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
8. O Impugnante é titular de uma conta pessoal, Banco… 00…, conjuntamente com os seus três filhos – Rodrigo…, Rita… e R... Junior – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
9. Os depósitos relativos à actividade do Impugnante, tanto no que respeita à sua actividade como trabalhador dependente como independente, podem ser efectuados em qualquer umas das contas identificadas em 6. e 7. – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
10. No ano de 2002 foram efectuados depósitos nas contas da clínica identificada em 2., conta Caixa… €103 435, 32 e Banco… €97 908, 45 (€59 909, 98+€37 998, 47), num total de €201 343, 77 – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
11. Ainda no ano de 2002, foram realizadas transferências/depósitos no valor total de €93 550, na conta identificada em 8. (conta pessoal do Impugnante também titulada pelos seus três filhos) com proveniência na conta Caixa… 00… (identificada em 6.) – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
12. No ano de 2002 foram ainda realizadas transferências, da conta pessoal do Impugnante, para a conta Banco… da sociedade, no valor de €32 500 sendo que foram ainda contabilizados, empréstimos dos sócios – Dr. R... – no valor de €18 000, movimentos que foram analisados em sede de acção inspectiva do seguinte modo: “ao serem registadas como empréstimos dos sócios, não estamos perante reposições em toda a sua plenitude, isto é, sem que o sócio tenha um direito sobre as importâncias em causa. Nesta perspectiva, as importâncias que foram contabilizadas como empréstimos de sócios constituíram efectivamente uma propriedade do sócio. As transferências que não foram contabilizadas como empréstimos de sócios são verdadeiramente uma reposição, pelo que se considera que não houve uma propriedade sobre essas importâncias (...) desta forma, o montante descrito como empréstimo de sócios considera-se que passou para a esfera do Dr. R... aí constituindo rendimento tributável” – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
13. No ano de 2002, foram pagos pela sociedade, Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda., aos titulares da conta identificada em 8., vencimentos brutos, tributados em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no valor global de €33 731, 54, que se distribuem por cada um dos seus titulares (R..., cat. A €7 116, 73 e Cat. B €20 069; Rodrigo… €5 616, 62 e Rita… €929, 19) – Cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
14. O valor tributável, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no ano de 2002 foi de €79 050, em vez dos €33 731, 54 efectivamente tributados – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
15. Em sede de inspecção apurou-se ainda que “as importâncias transferidas da Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda., depois de parte delas terem constituído um proveito nela omitido constituem um adiantamento por conta de lucros em que os beneficiários foram: R... (...) participação: €49 000 – 70%. Na verdade, o dinheiro pago constitui um rendimento dos sócios na proporção da sua participação na sociedade. (...) As transferências que suportaram os empréstimos foram emitidas da conta de que aqueles sócios são titulares. Os empréstimos foram efectuados em seu nome tendo origem em rendimentos que são seus. Não é a sociedade que realiza os empréstimos ou procede ao aumento de capital, mas sim os sócios” – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
16. A sociedade não lançou na contabilidade, conta 2552 – sócios – adiantamento por conta de lucros, o crédito realizado aos sócios, nos montantes mencionados em 11. e 12. – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
17. O montante dos rendimentos auferidos, a título de adiantamentos por conta de lucros é, no ano de 2002, de €31 722, 92 (70% de €41 318, 46) correspondente à sua participação social – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
18. Devendo ser tributados €15 861,466, com a natureza de adiantamento por conta de lucros, Categoria E – cfr. Relatório de Inspecção Tributária constante do Processo Administrativo;
19. Devidamente notificado, em 17.10.2006, para o efeito, o Sujeito Passivo, exerceu o direito de audição – cfr. fls. 109 e 43 do Processo Administrativo;
20. Terminada a acção inspectiva, foi elaborado parecer com o seguinte teor. “A acção inspectiva ao agregado familiar, credenciada pela OI200602244, surgiu na sequência da fiscalização à sociedade, Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda., da qual o contribuinte, R... é sócio e gerente. Verificou-se, naquele procedimento inspectivo, que foram efectuadas transferências de valores das contas bancárias da sociedade para a conta pessoal do sócio. A correcção proposta consiste na tributação dos valores transferidos, que possuem a natureza de rendimentos de capital – categoria E de IRS, e que devem ser acrescidos ao rendimento declarado pelo contribuinte (Categorias A e B de IRS). Os rendimentos a tributar, nos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005 ascendem a €70 246, 94(..) – cfr. relatório de inspecção tributária constante do Processo Administrativo;
21. Foi emitida liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao exercício de 2002, no valor de €6 152, 92, valor que inclui juros compensatórios – Cfr. Petição Inicial;
22. Em 11.04.2007 foi instaurada a presente Impugnação.

***
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.
***
MOTIVAÇÃO:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como daqueles que foram juntos pelo Impugnante juntamente com a Petição Inicial, especificados em cada um dos pontos relativos aos factos provados, dos quais estes resultam com toda a evidência, pela credibilidade que encerram bem como pelo facto de não terem sido postos em causa. .(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Nas conclusões - 1ª a 4.ª - o Recorrente alega que as transferências de montantes a partir de uma conta bancária omissa nos registos da sociedade para uma conta bancária da qual era contitular não foi objeto de qualquer registo ou lançamento contabilístico.
Pelo que, atenta a redação do art. 6° n.° 4 do CIRS, tais transferências não podem ser presumidas de lucros ou adiantamentos de lucros.
O entendimento contrário pressuposto na douta sentença recorrida, viola o referido preceito.
Vejamos:
A questão principal suscitada pelo Recorrente é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Administração Fiscal podia corrigir o rendimento declarado pelo impugnante por aplicação da presunção prevista no n.° 4 do art. 6° do CIRS.
Façamos então uma pequena resenha factual.
O Recorrente é sócio gerente da Clínica Cirúrgica e Dentária… Lda a qual foi objeto de uma inspeção tributária.
Nessa clínica desenvolve atividade como trabalhador dependente e como independente, cujos proventos são depositados nas contas bancárias da sociedade, nomeadamente, do Banco… n.º 00… e na Caixa… n.º 00…, sendo que esta não se encontrava registada na contabilidade da referida empresa.
Na sequência dessa inspeção foi efetuada inspeção tributária ao sócio gerente tendo este colaborado exemplarmente na investigação, o que mereceu o louvor do Sr. Inspetor.
A inspeção apurou que, nos anos de 2002 a 2005, foram efetuadas transferências em dinheiro da conta bancária da Caixa… 00…para a conta pessoal do Recorrente para as quais a inspeção não encontrou qualquer justificação.
No entanto, e relativamente ao ano de 2002, ano que está em questão nos presentes autos foi transferido o valor de 93 550,00 €.
A Inspeção concluiu que os sujeitos passivos titulares da conta pessoal do BCP (Recorrente e seus filhos) subtraíram à tributação rendimentos que são tributáveis nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS, valendo-se da presunção do n.º 4 do art.º 6.º mesmo diploma, qualificando tais, como pagamentos efetuados aos sócios a título de lucros ou adiantamentos de lucros, constituindo rendimentos de capitais.
O art. 5º, do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação da Lei 30-G/2000 de 29.12 com o título rendimentos da categoria E, preceitua que.1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:
a) (…)
h) Os lucros das entidades sujeitam a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º; (destacado nosso)
Por sua vez, o art.º. 7, nºs. 1 e 3, al. a), 2), do CIRS, na redação em vigor no ano de 2002, tinha o seguinte conteúdo:

ARTIGO º.7
(Momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E)
1 - Os rendimentos referidos no artigo 5º. ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respectivo quantitativo, conforme os casos.
(...)
3 - Para efeitos do nº. 1, entende-se:
a) Quanto ao nº. 2 do artigo 5º.:
1)(...)
2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j) e l), assim como dos certificados de consignação;(...)”
E como refere o Acórdão do TCAS n.º 8216/11 de 05.02.2015 a “(...) A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.).
O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.258 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.112 e seg.).

Por sua vez, o citado artº. 7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível, sendo que, no caso concreto, relevam os nºs.1 e 3, al.a), 2), da norma em causa (cfr. José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.332 e seg.).(..)”
A sentença recorrida sufragando a posição da Administração Fiscal perfilhou o entendimento de que se encontram verificados os requisitos de aplicabilidade da presunção legal, constante do artigo 6°, n° 4 do CIRS , e que não tendo o Recorrente ilidido a presunção, julgou improcedente a impugnação judicial.
Mas não podemos concordar com a sentença recorrida, pois a mesma incorre em erro de julgamento direito e de facto.
Atenta a factualidade dada como provada, nos pontos n.ºs 6, 7, 8, 9 e 11 resulta que a Clínica Cirúrgica e Dentária…, Lda., é titular de duas contas bancárias: no Banco ... n.º 00... e Caixa ... n.º 00..., sendo que todos os pagamentos por si realizados a fornecedores são efetuados a partir destas contas.
A conta Caixa ... n.º 00... não se encontra na registada na contabilidade da empresa.
O Impugnante é titular de uma conta pessoal, Banco ... 00…, conjuntamente com os seus três filhos – Rodrigo…, Rita… e R... Junior.
Os depósitos relativos à atividade do Impugnante, tanto no que respeita à sua atividade como trabalhador dependente como independente, podem ser efetuados em quaisquer umas das contas da sociedade, ou seja, nas contas do Banco ... n. 00... e Caixa ... n.º 00....
E que no ano de 2002, foram realizadas transferências/depósitos no valor total de €93 550, na conta do Banco ... 00..., (conta pessoal do Impugnante também titulada pelos seus três filhos) com proveniência na conta Caixa ... n.º 00....
A questão que importa esclarecer de imediato é de saber se as transferências/depósitos no valor total de € 93 550, na conta do Banco ... n.º 00... (conta pessoal do Impugnante e dos seus três filhos) proveniente da conta Caixa ... n.º 00... autoriza a Administração Fiscal a qualificar tal como rendimento na categoria E, nos termos do artigo 5.º, nºs. 1 e 2, al. h), do CIRS, sustentada na presunção do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS.
O referido preceito na redação à data dos factos constava o seguinte:
ARTIGO 6.º
Presunções relativas a rendimentos da categoria E
“1-(…)
4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”(destacado nosso)
Com a presente presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja origem não tenha sido declarada, reconduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos.
Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, os casos em que podem ser presumidos os rendimentos da categoria E, ou seja, só os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais,
A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do Recorrente escriturada na sociedade. (Cfr. Acs. do TCAS 8216/11 de 05.02.2015, 4357/10 de 11.01.2011, 3221/09 de 13.10.2009 e 8216/14 de 05.02.2015)
Resulta da matéria dada como provada, no ponto n.º 16.º, que a “sociedade não lançou na contabilidade, conta 2552 – sócios – adiantamento por conta de lucros, o crédito realizado aos sócios, nos montantes mencionados nos factos 11. e 12.”
Entendemos que a lei não a habilita a tal, pois, a existência de conta bancária, que não está registada na contabilidade da sociedade, em que o Recorrente é sócio gerente, e ainda transferência no ano de 2002, no valor de €93 550, dessa conta para a conta pessoal não se enquadra no art.º5, n.ºs. 1 e 2, al. h), do CIRS.
Assim, a Fazenda Pública não podia valer-se da presunção, prevista no n.º 4 do art.º 6.º, do CIRS, pois as quantias em causa não estavam contabilizadas em contas de sócios na sociedade, pelo que não podiam ser presumidos rendimentos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Nesta conformidade não se verificam os pressupostos previstos na norma de incidência do artigo 5º, nº 1 e 2, alínea h), do CIRS, por força do n.º 4 do art.º 6 do mesmo diploma, a liquidação efetuada não se pode manter na ordem jurídica.
Destarte, procedem as conclusões 1ª 4 das alegações de recurso.
Face ao supra decido as demais questões ficam prejudicadas, uma vez que se reportam a errada quantificação das verbas e ao excesso das mesmas.

4.2. Assim, formulamos a seguintes conclusões:
I.). Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, os casos em que podem ser presumidos os rendimentos da categoria E, ou seja, só os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
II. A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do Recorrente escriturada na sociedade. (Cfr. Acs. do TCAS 8216/11 de 05.02.2015, 4357/10 de 11.01.2011, 3221/09 de 13.10.2009 e 8216/14 de 05.02.2015)

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e no demais julgar a impugnação procedente.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
Porto, 13 de julho de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento