Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00363/19.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:REGULAMENTO INTERNO FUNCIONAMENTO, ATENDIMENTO, HORÁRIO DE TRABALHO E CONTROLO DE ASSIDUIDADE DOS TRABALHADORES DO MUNICÍPIO DE ...,
PODER REGULAMENTAR AUTARQUIAS LOCAIS, ILEGALIDADE/INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1 . Uma autarquia local só dispõe de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição e da lei.

2 . Legislar no domínio dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores faz parte da competência absoluta, ou eventualmente relativa, da Assembleia da República - arts 64.º e 165.º da CRP -, o que torna o Regulamento orgânica e materialmente inconstitucional.

3 . Afectando os ns. 2 e 3 do art.º 13.º Regulamento o direito à retribuição do trabalho e à irredutibilidade da retribuição, bem como o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados, por consubstanciarem matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, são aquelas normas ilegais/inconstitucionais.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . O MUNICÍPIO de ..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 31 de Julho de 2020, que julgando procedente a acção administrativa, instaurada pelo A./Recorrido "STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional" - - com sede na Travessa ..., ... - em defesa e em representação dos seus associados, em provimento da acção, decidiu declarar a nulidade da deliberação da Assembleia Municipal ..., de 20 de Dezembro de 2018, na parte em que aprovou os n.º 2 e n.º 3 do art. 13.º do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento, Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade dos Trabalhadores do Município de ....
*
2 . No final das suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
"A. O douto Despacho Saneador-Sentença decidiu nos seguintes termos: “Resulta da leitura do art. 13.º, n.º 2 e n.º 3, do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento, Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade dos Trabalhadores do Município de ..., (a) que as ausências diárias até 30 minutos determinarão um corte no vencimento correspondente a uma hora de trabalho; (b) que as ausências diárias superiores a 30 minutos e iguais ou inferiores a 3h30, determinarão um corte no vencimento correspondente a meio dia de trabalho e as ausências diárias superiores a 3h30 determinarão um corte no vencimento correspondente a um dia completo de trabalho bem como abre a possibilidade para que “Os tempos de atraso previstos nas alíneas a) ou b) do número anterior acarreta o desconto de meio dia de férias”.
B. PORÉM, em contradição ao que se transcreve, no parágrafo seguinte, a decisão recorrida afirma: “Com efeito, a redacção do n.º 2 é demasiado restritiva e penalizadora e potenciará situações injustas – exemplificando, um trabalhador que se atrase apenas 1 minuto na entrada ao serviço, é tratado da mesma forma que um trabalhador que se atrase por 3 horas e meia, perdendo a remuneração correspondente a meio período de trabalho diário ou, em alternativa, traduzir-se no desconto de meio-dia de férias, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 do referido Regulamento.”
C. CONTUDO, o facto de um trabalhador se atrasar 1m na entrada ao serviço não tem o mesmo tratamento daquele que se atrase por 3h30m; porquanto os atrasos até 30 minutos determinam um corte no vencimento equivalente a 1h de trabalho, enquanto que os atrasos iguais a 3h30m determinarão um corte no vencimento correspondente a meio dia de trabalho.
D. DAÍ não estar em causa eventuais situações de injustiças entre trabalhadores e por via disso a violação do Princípio da Proporcionalidade, da Necessidade ou da Adequação, consignados no art.º 18.º da Constituição.
E. De referir ainda que, ex vi do n.º 4 do art.º 256.º do Código do Trabalho, aplicável à situação em apreço por força do art.º 4.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, os atrasos injustificados superiores a trinta minutos poderão consubstanciar a perda total da remuneração equivalente à correspondente parte do período normal de trabalho e os superiores a sessenta minutos, no início da jornada de trabalho, podem determinar que a Entidade Empregadora não aceite a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho, com a consequente perda total da remuneração diária.
F. PELO QUE se pode concluir até que os termos constantes no art.º 13.º são menos penalizadores para os trabalhadores, atendendo a que determinam perdas de remuneração inferiores ao preceituado no Código do Trabalho.
G. POR ÚLTIMO, é mister referir que a intenção do citado artigo prende-se com o facto de os atrasos ocorridos ao início da jornada de trabalho configurarem distúrbios na prestação de serviço público de qualidade, designadamente aqueles que estão predominantemente voltados para o atendimento ao público, visto que esta prática, quando reiterada e sem consequências/penalizações para os trabalhadores, potencia perturbações funcionais organizativas, sendo, tão-só, a intenção do controverso art.º 13.º do Regulamento o de dissuadir a prática de atrasos diários constantes por parte dos trabalhadores". *
3 . O A./Recorrido STAL apresentou contra alegações, sem que, contudo formule conclusões, nos seguintes termos:
1 - Carece de qualquer fundamento, quer de facto, quer de direito, o recurso interposto pelo Recorrente.
2 – A sentença proferida pelo Tribunal a quo, aliás douta, não merece ser alvo de qualquer reparo ou censura.
3 – O Recorrente, ou por lapso ou intencionalmente, dado não ter outros argumentos que possa invocar para atacar a sentença recorrida, produz, no n.º 8 das suas alegações afirmação falta de verdade.
4 – O Autor nestes autos é o STAL – e não o SINTAP, como erradamente é referido na alegação n.º 8 do Recorrente.
5 – Em sede de pronúncia prévia sobre o Regulamento impugnado, o Autor/Recorrido emitiu parecer prévio, enviado ao Município Réu em 17-05-2018, no qual propôs a alteração, em outros, ao mencionado artigo 13.º (cfr. doc. 3 junto com a p.i.), sugestão esta que não foi aceite nem acolhida pelo Município Réu, tendo o Regulamento sido aprovado nos moldes impugnados.
6 – As autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar (art.º 241.º CRP); todavia, o poder regulamentar das autarquias está limitado pela reserva da lei – absoluta (art.º 164.º CRP) ou relativa (art.º 165.º).
7 – Não podem, assim, os regulamentos das autarquias locais inovar ou criar uma disciplina normativa diferente ou que vá além do que está estatuído na lei.
8 - Os n.ºs. 2 e 3 do artigo 13.º do Regulamento afectam o direito à retribuição do trabalho e à irredutibilidade da retribuição, bem como do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados (cfr., artigos 59.º e 18.º da CRP), matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. art.º 165.º, al. b) da CRP).
9 – Um regulamento municipal não pode restringir direitos – neste caso, o direito à retribuição – garantidos ou estabelecidos numa lei geral e abstracta, sob pena de violação do princípio da hierarquia dos actos normativos ínsito no artigo 112.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.
10 – Um regulamento de uma autarquia local também não pode, como acontece no presente caso, estabelecer uma disciplina inovadora em relação à lei que visa regulamentar, sob pena de invadir a esfera de competência da Assembleia da República ou do Governo (cfr. art.ºs. 164.º, 165.º e 198.º da CRP).
11 – O artigo 165.º da CRP (reserva relativa de competência legislativa) estabelece que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias, salvo autorização ao Governo; a Assembleia Municipal, ao incluir no Regulamento normas que limitam direitos fundamentais, invadiu a esfera da competência da Assembleia da República ou, quando autorizado por esta, do Governo.
12 – Como é bem salientado da douta sentença recorrida, “os dispositivos normativos regulamentados violam os arts. 248.º, n.º 2 e 256.º, n.º 4 do CT (...)”; “não se olvidando que o art.º 256.º, n.º 4, consigna que, para o caso de atrasos injustificados na entrada ao serviço, períodos temporais de 60 minutos e superiores a 30 minutos; não fazendo referência a um tempo de atraso igual ou inferior a 30 minutos, atentos os princípios da proporcionalidade e da justiça.”
13 – Falecem, deste modo, as alegações formuladas pelo Recorrente.
14 – Não restam, assim, dúvidas de que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação dos factos e do direito, devendo manter-se na íntegra"
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4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, em douto e fundamentado Parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso, sendo que as partes, notificadas deste Parecer, nada disseram.
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5 . Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:

1. Em 12 de Abril de 2018, a Câmara Municipal ... deliberou autorizar o desencadeamento do procedimento regulamentar conducente à elaboração do Projecto de Regulamento (juntamente com a proposta do mesmo) [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. Em reunião de 20 de Julho de 2018, a Assembleia Municipal do Município de ..., ora Réu, aprovou o Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento, Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade dos Trabalhadores do Município de ... [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. O Regulamento identificado em 2) foi publicado no Diário da República, 1.º Suplemento, 2.ª Série, n.º 250, de 28 de Dezembro de 2018, sob o Aviso (extracto) n.º...00-F/2018 [cf. factualidade não controvertida].
4. O Regulamento identificado em 2) entrou em vigor a 02 de Janeiro de 2019, salvo quanto ao art. 40.º, que entra em vigor a partir do dia 01 de Janeiro do ano seguinte à sua publicação (cfr. art. 54.º do Regulamento) [cf. factualidade não controvertida].
5. Preceitua o art. 13.º (“Regras de Controlo de assiduidade e pontualidade”), o seguinte:
1 – É obrigatório o registo das entradas e saídas, incluindo o intervalo de descanso e as relativas a serviço externo, considerando-se ausência ao serviço a falta de registo.
2 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o tempo de atraso na hora de entrada ao serviço bem como as antecipações de saídas, quando não previamente autorizadas determinarão a perda de remuneração, de acordo com as regras seguintes, sendo computadas como faltas injustificadas:
a) As ausências diárias até 30 minutos determinarão um corte no vencimento correspondente a uma hora de trabalho;
b) As ausências diárias superiores a 30 minutos e iguais ou inferiores a 3h30 determinarão um corte no vencimento correspondente a meio dia de trabalho;
c) As ausências diárias superiores a 3h30 determinarão um corte no vencimento correspondente a um dia completo de trabalho.
3 – O tempo de atraso dos trabalhadores na entrada ao serviço, bem como as antecipações de saída, pode, a pedido do trabalhador e despacho favorável do dirigente, ser descontado nas faltas por conta do período de férias, com os limites legais aplicáveis a esta situação, de acordo com os seguintes critérios:
a) Os tempos de atraso previstos nas alíneas a) ou b) do número anterior acarreta o desconto de meio-dia de férias;
b) O tempo de atraso previsto na alínea c) do número anterior acarreta o desconto de um dia de férias.
4 – Excepcionalmente, aqueles tempos podem ser descontados no trabalho extraordinário realizado, nas mesmas percentagens do número anterior de meio-dia ou um dia de trabalho, atenta proposta fundamentada do dirigente do serviço devidamente autorizada pelo Presidente da Câmara Municipal. [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Em 02 de Abril de 2018, o Réu enviou uma missiva aos Dirigentes Sindicais “com intenção de envolver todas as associações sindicais representativas dos seus trabalhadores, de modo a alcançarem um entendimento e consenso quanto aos diversos aspectos vertidos no Regulamento ao abrigo do disposto no art. 75.º, n.º 3, da LTFP” [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. O Autor foi ouvido pelo Município de ..., ora Réu, em sede de pronúncia sobre o Regulamento identificado em 2) – tendo, em parecer enviado ao Réu (em 17-05-2018), proposto a alteração, em outros, do art. 13.º reproduzido em 5) [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. A proposta referida em 7) não foi aceite nem acolhida pelo Réu [cf. factualidade não controvertida].
9. O SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos, emitiu um comunicado dirigido aos trabalhadores do Réu, contestando de forma veemente, entre outros, o art. 13.º reproduzido em 5) [cf. documento (doc.) junto pelo Autor aos autos, em 22-04-2019, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. A nível nacional, vários Municípios que elaboraram regulamentos ou acordos colectivos de empregador público (ACEP) que versam sobre a mesma matéria idêntica à do Regulamento elaborado pelo Réu – tal como sucedeu no Município de ... (onde foram criadas “bolsas de tolerância”) ou no Município ... (onde foram acordadas “tolerâncias nas entradas”) [cf. documentos (doc.) n.º 4 e n.º 5 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. Tem-se, aqui, presente o teor de todos os documentos constantes dos autos [cf. documentos (docs.) constantes dos autos e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, a sentença recorrida, as alegações apresentadas pela A./Recorrente, maxime, as suas conclusões, supra transcritas, bem como as contra alegações, também supra transcritas, importa tão só avaliar se a decisão recorrida se mostra legalmente correcta.
Relembremos, assim, pela assertividade a sentença do TAF de Braga que, em sede de Fundamentação Jurídica, exarou:
"Desde logo, compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 11) – e para a qual, aqui, se remete, por uma questão de economia processual –, se adianta, que assiste razão ao Autor.
Senão, vejamos.
Resulta da leitura do art. 13.º, n.º 2 e n.º 3, do Regulamento Interno de Funcionamento, Atendimento, Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade dos Trabalhadores do Município de ..., (a) que as ausências diárias até 30 minutos determinarão um corte no vencimento correspondente a uma hora de trabalho; (b) que as ausências diárias superiores a 30 minutos e iguais ou inferiores a 3h30, determinarão um corte no vencimento correspondente a meio dia de trabalho e as ausências diárias superiores a 3h30 determinarão um corte no vencimento correspondente a um dia completo de trabalho bem como abre a possibilidade para que “Os tempos de atraso previstos nas alíneas a) ou b) do número anterior acarreta o desconto de meio dia de férias”.
Constata-se, assim, que, em conformidade com o alegado pelo Autor, os referidos dispositivos normativos violam os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, consignados no art. 18.º [“1 – Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2 – A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”] da Constituição da República Portuguesa (CRP). Com efeito, a redacção do n.º 2 é demasiado restritiva e penalizadora e potenciará situações injustas – exemplificando, um trabalhador que se atrase apenas 1 minuto na entrada ao serviço, é tratado da mesma forma que um trabalhador que se atrase por 3 horas e meia, perdendo a remuneração correspondente a meio período de trabalho diário ou, em alternativa, traduzir-se no desconto de meio-dia de férias, conforme previsto na alínea a) do n.º 3 do referido Regulamento.
Da mesma forma, os referidos dispositivos normativos regulamentares violam os arts. 248.º, n.º 2 e 256.º, n.º 4 do Código do Trabalho, aplicáveis ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) [aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho]. De facto, determina o art. 248.º, n.º 2, do Código do Trabalho que “...em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta.” Não se olvidando que o art. 256.º, n.º 4, consigna que, para o caso de atrasos injustificados na entrada ao serviço, períodos temporais de 60 minutos e superiores a 30 minutos; não fazendo referência a um tempo de atraso igual ou inferior a 30 minutos, atentos os princípios da proporcionalidade e da justiça.
Da mesma forma, as mencionadas disposições normativas consagradas nos n.º 2 e n.º 3 do art. 13.º do referido Regulamento violam o princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto na alínea d), do n.º 1, do art. 129.º do Código do Trabalho e na alínea d), do n.º 1, do art. 72.º da LGTFP, segundo o qual é proibido ao empregador diminuir a remuneração, salvo nos casos previstos na lei.
Em suma, sempre se diga, que os n.º 2 e n.º 3 do art. 13.º do referido Regulamento afectam o direito à retribuição do trabalho e à irredutibilidade da retribuição, bem como do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados (cf. arts. 59.º e 18.º da CRP) – que consubstanciam matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cf. art. 165.º, alínea b), da CRP). Ora, um regulamento de uma autarquia local não pode, como acontece, in casu, estabelecer uma disciplina inovadora em relação à lei que visa regulamentar, sob pena de invadir a esfera de competência da Assembleia da República ou do Governo (cf. arts. 164.º, 165.º e 198.º da CRP). Da mesma forma, os referidos normativos regulamentares, ao violarem o direito à retribuição, previsto no art. 59.º, n.º 1, alínea a), bem como o art. 18.º, n.º 2, da CRP, enfermam de inconstitucionalidade material. Razão, pela qual, a deliberação que aprovou tal Regulamento não pode deixar de ser considerada nula, na parte em que aprovou o teor dos n.º 2 e n.º 3, do art. 13.º do Regulamento, por ofensa ao conteúdo de direitos fundamentais, nos termos do art. 161.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Procede, assim, in totum, a pretensão do Autor".
***
Adiantamos, desde já, que carece de razão o recorrente, ainda que se evidencie algum erro na abordagem da sentença no que se refere às penalidades cotejadas.
Ou seja, como decorre da interpretação do Regulamento, maxime, art.º 13.º, se um trabalhador se atrasar 1 minuto tem uma penalização similar a quem se atrase 29 minutos; e um atraso de 31 minutos tem a uma censura/penalização que um atraso de 3 h e 29 minutos, o que se mostra desajustado desproporcionado.
Deste modo, temos de concordar com a decisão recorrida, conjugada com a adequada e completa fundamentação jurídica constante do Parecer do M.º P.º, no sentido de que o Regulamento em causa, atento o art.º 241.º da CRP que dispõe que "As autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar", não podia ser adoptado pela autarquia, concretamente com o teor do aqui em discussão, in concretum, art.º 13.º, ns. 2 e 3 e que acaba por contrariar os arts. 248.º e 256.º do Código do Trabalho Dispõem os arts. 248.º e 256.º do Cód. do Trabalho:
Art.º 248.º - Noção de falta
"1 - Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.
2 - Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta.
3 - Caso a duração do período normal de trabalho diário não seja uniforme, considera-se a duração média para efeito do disposto no número anterior".
Art.º 256.º -
(…)
4 – No caso de apresentação de trabalhador com atraso injustificado:
a) Sendo superior a sessenta minutos e para início do trabalho diário, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho;
b) Sendo superior a trinta minutos, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante essa parte do período normal de trabalho.
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Efectivamente, a autarquia local só dispõe de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição e da lei. Ora, legislar no domínio dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores faz parte da competência absoluta, ou eventualmente relativa, da Assembleia da República - arts 64.º e 165.º da CRP -, o que torna o Regulamento orgânica e materialmente inconstitucional.
À mesma conclusão se chegaria pela violação do art.º 129.º, n.º 1, al. d), do Cód. do Trabalho que proíbe o empregador de “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;” e que consagra o princípio da irredutibilidade da retribuição fora dos casos previstos na lei.
Assim - como conclui o Digno Procurador Geral Adjunto no seu Parecer -, seja por via da nulidade, melius, anulabilidade da deliberação, seja por via da sua inconstitucionalidade, seja por via da sua ilegalidade, na parte controversa, não pode o regulamento manter-se.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
*
Custas pela R./Recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 15 de Julho de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho